20 agosto 2010

Minha Desgraça, de Álvares de Azevedo

Álvares de Azevedo foi o mais precoce dos grandes poetas brasleiros. Toda sua obra, extremamente radical e diferenciada para os padrões brasileiros da época, foi criada durante sua adolescência. Como todos sabem, Álvares faleceu antes de completar 21 anos.

Todos relacionam esse nosso trágico poeta ao Ultrarromantismo, por motivos claros, obviamente. Porém, a prova da genialidade de Álvares está no fato, também bastante claro para mim, de que o poeta foi não só além do Ultrarromantismo, como do próprio Romantismo, atingindo as raias do Realismo e do Simbolismo. Para testemunhar o "realismo" de Álvares de Azevedo, deixo o desolado e irônico poema abaixo. Acompanha o poema, a gravura "O Sono da Razão", de Goya.

Minha Desgraça

Minha desgraça, não, não é ser poeta,
Nem na terra de amor não ter um eco,
E meu Anjo de Deus, o meu planeta,
Tratar-me como se trata um boneco…

Não é andar de cotovelos rotos,
Ter duro como pedra o travesseiro…
Eu sei… O mundo é um lodaçal perdido,
Cujo sol (quem mo dera!) é o dinheiro…

Minha desgraça, ó cândida donzela!
O que faz que o meu peito assim blasfema,
É ter para escrever todo um poema,
E não ter um vintém para uma vela!

Álvares de Azevedo

19 agosto 2010

América Tingida de Sangue

O INTER, o meu time, sagrou-se BICAMPEÃO DA AMÉRICA! Faço então uma pequena homenagem, publicando aqui um poema que está em meu livro "Poemas do Fim e do Princípio". O poema abaixo foi composto em 2006 e não foi escrito especificamente para o Inter. Mas serve para ele também, sem dúvida.

Deus Vermelho

Deus Marte!
capa vermelha
ígneas chamas
força sanguínea
punho de flama
espada vulcânica
febre de vinho
espinho de rosa
dente no sangue
corte profundo
peito inflamado
veia fervente
pulso cardíaco
glória de Roma
lenço encarnado
fêmea menstruada
garra da guerra
Eros e amor
fogo-fúria de Hercólubus
Deus Morte!

18 agosto 2010

Para que Dizer Algo?

deixai-me não dizer nada:
por que devo dizer alguma coisa
se o melhor que digo é o que não digo?
o que importa é o que se oculta no meu verso
é a palavra que não está lá
o que importa é a porta
que o verso abre ao não-dito
o que importa é o destino
dado por quem lê
ao que não foi escrito

o verso é enigma que se resolve em si
ele mesmo é que se escreve
nas cadências do impossível:
de independentes hieroglifos
o verso se torna mais brando
ou mais terrível...

por isso não digo nada:
deixo o verso dizer por mim
ou por si
o verso é um silêncio que canta sozinho
só ele percorre a estrada
e o que há
entre o olhar e o caminho...

para caminhar no que sinto

por um labirinto...
então escrevo além da minha consciência:
por que dizer algo
se o próprio Deus
é o mistério da ausência?

17 agosto 2010

O Meu Voto...

Algo que considero fundamental em um candidato político é sua real preocupação com as questões ambientais. De nada adianta o "desenvolvimento", se ele não levar em conta, antes de tudo, que sem ambiente não haverá nenhum tipo de desenvolvimento, nenhum melhoramento social, nenhuma forma de progresso. Há três pontos vitais que um político deve, ou deveria, procurar realizar durante seu mandato: preservação ambiental efetiva, distribuição de renda e educação. A partir disso, tudo o resto é natural consequência. Fora isso, é conversa fiada.

E outra coisa que deve estar sempre na mente de um político: ele não passa de um empregado do povo. E ao povo deve todas as satisfações.

Bem, a seguir, como será a efetivação do meu voto:

Presidente: Marina Silva
Governador: Tarso Genro
Senador: Paulo Paim
Deputado Federal: legenda do PV
Deputado Estadual: legenda do PV

15 agosto 2010

Leve...

leve contigo
mesmo o que não tenho
o que não pude
o que não vou
o além de mim te deixo
em delírios transcendentais
leve contigo o meu mais
e o meu sou

leve contigo o meu limite
o que não será no meu destino
tudo aquilo que nunca me trará um sim
leve contigo o meu acima
e o meu fim

leve contigo
o que não poderei falar-te
o que não chego e o que fracasso
leve contigo a minha arte

leve contigo
até o que minha alma não escreve
o que não pude deixar livre pelos ares
leve contigo os meus pesares
no teu voo leve...

13 agosto 2010

Amen

“a Alma está morta.
fomos nós que a matamos.”
por isso o mundo vai de vento em popa:
vento de tempestade
em popa que ao mar se parte...

agora
viver é naufragar
cair como pedra vaga no vazio da água
baldes de ossos atirados nos poços
gelos de sangues abismados nos tanques
lágrima-riso cimentada em granizo...

não chora, humanidade, não chora
quem está morto não chora...
há que ser dura como a terra seca
na hora em que fores embora:
assim seja
de nada vale
a miséria da minha tristeza...

que nada mais em nós vibre
há que ser frio
como a fervente saliva do lobo
e como o fogo
do olho do tigre...

12 agosto 2010

Murmúrios da Tarde, de Castro Alves

Castro Alves, obviamente, dispensa apresentações. Trata-se de um dos maiores poetas brasileiros, com certeza, um dos mais inspirados de toda literatura de língua portuguesa. A beleza lírica, a musicalidade e o ritmo empolgantes, a incrível naturalidade de fluência, a riqueza das imagens, a arrebatada grandiloquência fazem de Castro Alves um dos poetas mais adequados para a declamação. Sua obra é poesia pura, nascida do fundo da alma. Não tivesse morrido com apenas 24 anos, onde chegaria este gênio da poesia?

O poema abaixo é um dos meus favoritos de Castro Alves, impregnado de um profundo Romantismo. É, sem dúvida, um dos mais belos de nossa literatura. Na imagem que acompanha o poema, o quadro "A Floresta", de Camille Pissarro.

Murmúrios da Tarde

Ontem à tarde, quando o sol morria,
A natureza era um poema santo,
De cada moita a escuridão saia,
De cada gruta rebentava um canto,
Ontem à tarde, quando o sol morria.

Do céu azul na profundeza escura
Brilhava a estrela, como um fruto louro,
E qual a foice, que no chão fulgura,
Mostrava a lua o semicirc'lo d'ouro,
Do céu azul na profundeza escura.

Larga harmonia embalsamava os ares!
Cantava o ninho - suspirava o lago...
E a verde pluma dos sutis palmares
Tinha das ondas o murmúrio vago...
Larga harmonia embalsamava os ares.

Era dos seres a harmonia imensa,
Vago concerto de saudade infinda!
"Sol - não me deixes", diz a vaga extensa,
"Aura - não fujas", diz a flor mais linda;
Era dos seres a harmonia imensa!

"Leva-me! leva-me em teu seio amigo"
Dizia às nuvens o choroso orvalho,
"Rola que foges", diz o ninho antigo,
'Leva-me ainda para um novo galho. ..
Leva-me! leva-me em teu seio amigo."

"Dá-me inda um beijo, antes que a noite venha!
Inda um calor, antes que chegue o frio..."
E mais o musgo se conchega à penha
E mais à penha se conchega o rio...
"Dá-me inda um beijo, antes que a noite venha!

E tu no entanto no jardim vagavas,
Rosa de amor, celestial Maria...
Ai! como esquiva sobre o chão pisavas,
Ai! como alegre a tua boca ria...
E tu no entanto no jardim vagavas.

Eras a estrela transformada em virgem!
Eras um anjo, que se fez menina!
Tinhas das aves a celeste origem.
Tinhas da lua a palidez divina,
Eras a estrela transformada em virgem!

Flor! Tu chegaste de outra flor mais perto,
Que bela rosa! que fragrância meiga!
Dir-se-ia um riso no jardim aberto,
Dir-se-ia um beijo, que nasceu na veiga...
Flor! Tu chegaste de outra flor mais perto!. . .

E eu, que escutava o conversar das flores,
Ouvi que a rosa murmurava ardente:
"Colhe-me, ó virgem, - não terei mais dores,
Guarda-me, ó bela, no teu seio quente. . ."
 E eu, que escutava o conversar das flores.

"Leva-me! leva-me, ó gentil Maria!"
Também então eu murmurei cismando...
Minh'alma é rosa, que a geada esfria...
Dá-lhe em teus seios um asilo brando...
"Leva-me! leva-me, ó gentil Maria!..."

Castro Alves 

10 agosto 2010

à Tua Companhia...

não vás
sem mim
sentença
e fim...
tu és tudo que me resta pela estrada...

eu não
me vejo
sem teu
desejo...
tu és lábio que me paira pelo nada...

traguei
de um lago
meu sonho-
estrago...
no que sinto é onde está tudo que tenho...

teu beijo
abraço
com meu
cansaço...
nos teus olhos é que lua o meu empenho...

sem ti
sou fumo
que me
consumo...
na tua alma é onde Brahms melodia...

meu canto
alaga
de sono
e vaga...
no teu nome é que me erro: Melancolia...

08 agosto 2010

Mais um Trecho de um Instante de Sono

vou ver-se durmo a versar só pelo não-dito
cair em névoas tudo que me deixa aos olhos
descendo oculto nunca desvelar-me sendo
a ver se pairas no que sou estas essências...

majestei-me às asas fêminas sem destino
perdi-me em cânticos sentenças que te foram
lá que encontro as febres que à noite me serenam
como luzes de um segredo desse sangue e astro
encontro-me ao sopro que não chegou-me antes
sonata do meu sono que sonhei-vertigem...

dormir é revolver-se um livro interno
dormir é resolver-se em esquecimento
imortal fatal momento
no eterno...

06 agosto 2010

Concerto nº2 para Piano e Orquestra de Brahms, o Melhor

Sim, eu sei, Mozart é o rei dos concertos para piano, ninguém conseguiu compor tantos concertos com tanta perfeição. O conjunto de seus concertos forma uma das criações mais sublimes da música. Particularmente, aprecio sobremaneira os de nº 24 e 20. Sim, e eu sei também que os concertos 3, 4 e 5 de Beethoven constituem um dos pontos mais altos da literatura de concertos para piano. Então, é muito difícil escolher o melhor, talvez impossível determiná-lo.

Mas eu sou um brahminiano. E para mim, o mellhor é o 2º de Brahms. O melhor de todos já compostos. Sem dúvida, está no mesmo nível dos melhores de Mozart e de Beethoven. Mas há algo nele que me fascina de forma absolutamente arrebatadora, inefável. Primeiramente, o concerto nº2 de Brahms é mais que um concerto, é algo como uma sinfonia com piano. A força sinfônica dessa peça é avassaladora. É também um dos mais longos concertos em duração, mais de 50min.

Nessa obra, Brahms vai de um extremo a outro com a maior naturalidade e sem jamais deixar de lado a perfeição formal. Passamos da mais estrondosa, violenta e terrível tragédia, até sublimes melodias de intensa paixão e ternura. Brahms é apaixonado sem jamais ser "meloso". É firme, sério, concentrado. Brahms é sempre forte. Pode ser profundamente triste, melancólico, até resignado. Mas é duro na queda, jamais se entrega. Tudo isso está neste concerto magistral, do começo ao fim.

Dificíl dizer qual o movimento que prefiro. Mas acho que é o 2º. Começa com o piano em uma melodia de fazer ferver o sangue, triste, trágica, desesperada talvez, mas imponente e orgulhosa ao mesmo tempo, afirmativa, de imensa força. Quando bem executados tais acordes, o piano soa como um poderoso martelo. E o final desse movimento então? Ah, o final, quando essa lancinante melodia inicial toma conta da orquestra, bem aí, Brahms solta um grito de dor e de fúria que fica repercutindo em nossa alma por muito tempo.

Bom, poderia falar mais, mas vou parar por aqui. Eu não costumo postar músicas aqui no blog, não faz parte do direcionamento que dei a ele. Mas vou recomendar um blog para downloads. O P.Q.P. Bach: http://pqpbach.opensadorselvagem.org/ . Lá, encontrarão essa magnífica obra de Brahms, e muitas outras.

05 agosto 2010

E Ela Falou Seu Nome...


O conto abaixo foi publicado originalmente  em meu zine Poemas do Término e Contos do Fim, em sua edição 26, de setembro/outubro de 2007.  Ao escrevê-lo, dediquei o conto à ópera Tristan Und Isolde, de Wagner, para mim, a maior de todas as óperas. Compartilho com os leitores do blog. Lembro que o zine está atualmente em sua 39ª edição e além da versão impressa também possui a versão digital. Para quem desejar receber o zine em formato digital, basta deixar aqui seu-email, ou enviá-lo para reiffer@gmail.com.  Ele será enviado gratuitamente.

E Ela Falou Seu Nome...
Alguns dirão que foi um sonho anormal. Outros, que é apenas uma ficção absurda de um escritor delirante. Eu não digo nada, eu limito-me a contar o que vivi. Limito-me a dizer que perambulava doentio e inflamado pela noite. Algo de terrível, de onírico, de lancinante, de fatal pairava sobre minha alma. Minha alma já não se suportava em meu ser insatisfeito e irremediável à eternidade. Vagavam alucinados os meus pensamentos inconformados pela escuridão noturna, iluminada por luares e sonhos medievais em doces pesadelos. E ainda mais longínquo voava tudo o que eu sentia, todas as tempestades apocalípticas que em mim se debatiam em sua invisível violência. Meu universo sentimental fitava olhos e asas de anjos sobre nuvens avermelhadas, febrentas e férvidas nos céus repletos de ultra-romantismos, nuvens carregadas de emoções que me trovejavam sobre o espírito inconsolável. Foi então que a encontrei.

Ela abriu a imensa porta de um casarão antigo de mistérios e convidou-me sedutoramente a entrar. Se exteriormente aquele casarão sombrio de inquietante imagem ancestral assomava de forma majestosa e aterrorizante, em seu interior havia alguma espécie indefinível de magia sublime que me envolveu perigosamente... Um denso aroma de incensos impregnados de delírios invadiu-me além das narinas, hipnotizando-me como um alucinógeno sobrenatural. Ao inalar aquela atmosfera carregada de auras e sonhos e febres e vidas e mortes, uma luz astral queimou meus pulmões apaixonados.

No ambiente febricitante, em penumbra celestial e estranhamente luminosa, meus olhos ardentes, lacrimejando, somente distinguiam coisas que não sei nomear. Tudo, tudo o que eu via não possuía nome em nosso mundo, em nossas existências normais, nós não conhecemos aquelas coisas indizíveis. É-me impossível, arranco-me os cabelos intentando escrever as coisas tão absurdas que ali viviam... Porém, afirmo que vi infinitas existências inefáveis que atordoavam meu coração em vertigens. Perturbavam como uma devastação minha mente desvairada, entorpeciam-me como venenos ofídicos e mágicos. Arrebatavam-me a céus e a infernos cada vez que eu a elas dirigia meus olhos que se desvaneciam em vapores.

Eu chorava... E num instante de suprema insanidade espiritual, refulgiu pelo mistério um tempestuoso clarão iriado de luz solar. E pude contemplar o que até então me fora impossível: a face e os olhos da mulher sobre-humana que me havia feito o insalubre convite a entrar. E foi então que a amei. Daquela face onde conviviam anjos e demônios, e daqueles olhos fundos como o Desconhecido, que, sem cessar, mudavam de cor, raios nucleares em forma de flechas dardejavam enfebrecidos a essência de minha mônada.

E cantos e gritos alucinados, canhestramente dementes, porém belos, belos demais para se suportar, que me comoviam, esgotavam minhas lágrimas enlouquecidas, cantos e gritos partiram daqueles seres nunca-vistos, pela tensa escuridão iluminada. Uma sinfonia vulcânica, ciclônica, em forma de relâmpago. E enquanto meu peito explodia ao som dos estranhos seres e aos olhares em fogo da bela celeste-infernal, compreendi. Compreendi que estaria ligado maldita e abençoadamente àquela mulher para toda a eternidade finita ou infinita de minha existência insensata. Desejava saber quem era aquele ser feminino que me arrastou à loucura com seus filtros e feitiços mágicos, que tinha a cura para aumentar minha doença. Arrastando meu manto de roxas saudades e torturas, mergulhei minha alma nos enigmas arcânicos de tudo o que se oculta no cosmos... Abalos sísmicos anímicos faziam tremer meu ser, e aos vapores sangüíneos de rosas e sangues, pesadelos e sonhos desabavam pesarosos sobre minha fronte ensandecida.

Com meus braços inflamados de esquisitas e angustiadas energias não-corpóreas, abracei em êxtase divino o coração daquela mulher e beijei, na marcha fúnebre da morte e do fim, seus lábios em lava. Pelas janelas de meu sublime transtorno, da furiosa paixão sem limites, eu via a celestial tempestade eterna se aproximando em relâmpagos apocalípticos. Ao nosso redor, erguiam-se, em deliciosa loucura ameaçadora, fantasmas e magas em fulgurantes espectros de astros vermelhos. E num murmúrio, na plenitude fantástica da demência, perguntei aos ouvidos da mulher que me arrebatou e devastou-me como um furacão aos extremos universais... Eu perguntei o seu nome. E ela falou-me. Senti-me salvo. E o seu nome era Arte.

(Na imagem, o quadro "Ophelia", de Alexandre Cabanel.)

03 agosto 2010

Final, de Eduardo Guimaraens


Eduardo Guimaraens. Alguém sabe quem foi ele? Que foi um poeta gaúcho nascido em Porto Alegre em 1892? Que escreveu sete livros e que foi considerado na época nosso maior poeta simbolista? E mais, que chegou a ser considerado uns dos maiores do país, comparado a Cruz e Sousa? Triste saber que um poeta de sua magnitude esteja relegado ao esquecimento até mesmo pelos gaúchos. Mas, quais seriam os motivos? A meu ver, faz parte da discriminação sofrida pelo Simbolismo em nossas terras; a verdade é que ainda hoje os brasileiros não lograram compreender os simbolistas, algo muito diferente do que ocorre na Europa, por exemplo.

Sem dúvida, Eduardo Guimaraens também foi vítima desse “preconceito” para com o Simbolismo. Felizmente, grandes críticos, como Massaud Moisés, souberam considerá-lo como “autêntico poeta”, e que “alguns de seus poemas serão suficientes para situá-lo sem favor ao lado de Cruz e Sousa e Alphonsus de Guimaraens”. Da mesma forma, julgou Andrade Muricy que “a sua arte afastou-se do cunho clássico português e da ingenuidade da temática e da expressão... foi dos mais civilizados dentre todos eles e um dos mais meditativos e delicados”.

Não obstante, a poesia de Eduardo Guimaraens nos apresenta um âmbito temático de inúmeros desdobramentos. Sua obra nos revela uma profunda sensibilidade e imaginação, uma sutileza e musicalidade da linguagem, um refinamento de emoções repleto de luzes e sombras. Seus poemas são intensamente humanos e espirituais, situando-se entre a veia lúgubre de Alphonsus de Guimaraens e a ascensão vertiginosa de Cruz e Sousa. Eduardo é mais sereno que ambos, menos sombrio que o primeiro, mais terno que o segundo. Abaixo, um de seus sonetos, presente em seu livro "A Divina Quimera". Na imagem que acompanha a postagem, "Noite Estrelada Sobre o Rhone", de Van Gogh.

Final

Como alguém que colhesse um doloroso lírio
florido à sombra azul de algum jardim claustral,
do meu sonho de amor, a um súbito delírio,
dei-te a aspirar, ó Noite, a grande flor nupcial.

Mal magnífico, insânia extática, martírio,
tudo o que a alma sofreu de sobrenatural,
tu, só tu, Noite insone, à luz de um velho círio,
hás de entender, talvez por um mistério ideal!

Noite, que és a Beatriz que inspira e que conduz,
a ti suba o perfume, alucinante e forte,
da flor que, às minhas mãos, esplêndida, reluz!

É tua a febre ardente em que me torturei!
Tu me cinges de sombra e a sombra é quase a morte!
Noite divina e triste, a ti tudo o que amei!

Eduardo Guimaraens

02 agosto 2010

o Melhor é o que Não se Espera

o que se planeja
não é o que é a vida:
a vida é o que não está nos planos.
mais vale
aquilo que não se espera,
porque o que se espera
vem sempre abaixo do esperado

o mais belo o mais alto o mais fundo
é aquilo que não nos pode ser dado

por isso meus olhos febram
de arder pelo que não posso
por aquilo que não depende
do inútil do meu esforço

mas de outro esforço além do pensado
como sendo surpresa na estrada
como inesperada
paisagem no campo
como o sublime
surgido do nada

o que está ao alcance da mão
não vale a pena ser alcançado:
como é nobre aquilo que sonha
distante...
do infinito ao lado!

tu, como estrela que me fita ao longe
disseste-me tanto sem falar-me nada
como música jamais soada
como o impossível nos meus ouvidos
cantos que mais relembro
quanto mais me forem esquecidos...

o que é então
que deve ser como deveria?
talvez o melhor seja o que não se espera
o que não se vê
o que não seria...
talvez o melhor da lua
seja a sua face sombria...

31 julho 2010

aos Finais

vós amais
ao jamais...

então quais?
só normais
tão iguais...
nada mais.

ideais?
irreais
já demais
e fatais.

imortais
me esperais?
imorais
me cansais
me acabais
me deixais
sem sinais

vendavais
terminais...

e o que mais?
Nunca Mais.

29 julho 2010

Oração Sombria

ó Tu
que conheces tanto o Céu como o Inferno
que escutaste o martelo dos anjos
e os trágicos divinos desígnios...
ora por mim

Tu
que surgiste das tensões coronárias
dos anômalos pulsos cardíacos
e das febres fatais pelas têmporas...
sente por mim

Tu
que te assomas em asas-crepúsculos
que dos corvos ao pio espalhas ocasos
e retiras da noite o teu verbo em delírio...
voa por mim

Tu
que forte te nutres da tristeza e da angústia
que te ergues mais alto do sepulcro dos sonhos
e arrancas tua glória dos amores funestos...
sonha por mim

Tu
que te iluminas com as auras do sangue
que das lágrimas constróis catedrais
que extrais do infortúnio o teu canto
canta por mim

Tu
que te ocultas nas florestas em névoas
que te emerges dos profundos dos lagos
que te fúrias nas tormentas sem paz...
vence por mim

ora por tudo que eu queria amar-te
ó Tu
minha Arte.

28 julho 2010

Quem Conhece a Verdade é Esta Ave Coberta de Óleo


"Se todas as pessoas que vivem na China e na Índia consumissem numa mesma proporção, seguindo o modelo norte-americano, o planeta poderia explodir." Quem disse foi o vice-presidente da Associação dos Geógrafos Brasileiros e professor da UFRGS, Nelson Rego, conforme notícia veiculada no jornal Correio do Povo de 26 de julho de 2010.

Nada de novo aqui no blog. Já cansei de afirmar, com outras palavras, a mesma coisa. Mas as pessoas não querem nem saber. E consumistas todos nós somos. Alguns mais, outros menos, mas somos. E fomos condicionados a assim viver. E pior, somos cada vez mais consumistas. A China, por exemplo, vem crescendo a um ritmo assustador, aproximando-se dos absurdos e degradantes padrões norte-americanos. E todos sabem que os chineses não se preocupam com o meio-ambiente.

E o  Brasil? Também está crescendo. Com real preocupação ecológica? Claro que não. O imbecil novo Código Florestal Brasileiro está aí para provar. De modo, meus amigos, que eu pergunto com indiferença: onde está a esperança para a nossa civilização? Alguém, por favor, diga-me. Todos só pensam em "progresso".  E iremos progredir. Para os negros braços da morte. Não necessito de nenhuma complexa  análise intelectual para dizê-lo, não necessito escrever livros com ensaios formando centenas de páginas, muito menos de preconizar complicadas e brilhantes filosofias, sociologias, antropologias, enfim, todo esse palavrório inútil de intelectualismos que não leva e nunca  levou a lugar algum. Quem conhece a verdade é aquela ave coberta de óleo da imagem.

Não há solução.

O planeta não vai explodir. A humanidade sim.

27 julho 2010

Manter Silêncio...

vós sois
como os felinos:
não atendem aos chamados...

voz só
sem ecos ressoados.
por isso
esqueço
e emudeço:

silencio-me
    e   cio-te

26 julho 2010

Fim, de Murilo Mendes

Murilo Mendes, nascido em Juiz de Fora, MG, em 1901 e falecido em 1975 é um dos maiores nomes da 2ª Geração Modernista, representando com grandeza o surrealismo em nossas terras, sem no entanto, prender-se somente a ele. É um dos meus poetas modernistas prediletos, seja pela sua imensa variedade de temas abordados, seja pela originalidade e profundidade de quase tudo que surgiu de sua pena, tanto em conteúdo como em forma. Abaixo, um poema de Murilo Mendes. (Na imagem que acompanha o poema, "O Juízo Final" de Michelangelo)

Fim

Eu existo para assistir ao fim do mundo.
Não há outro espetáculo que me invoque.
Será uma festa prodigiosa, a única festa.
Ó meus amigos e comunicantes,
tudo o que acontece desde o princípio é a sua preparação.

Eu preciso assistir ao fim do mundo
para saber o que Deus quer comigo e com todos
e para saciar minha sede de teatro.
Preciso assistir ao julgamento universal,
ouvir os coros imensos,
as lamentações e as queixas de todos,
desde Adão até o último homem.

Eu existo para assistir ao fim do mundo,
eu existo para a visão beatífica.

Murilo Mendes

25 julho 2010

Poema de Amor?

Mas o que seria um poema de amor?
Esse amor que é o teu não é o mesmo meu...
Longe de tudo paira essa palavra vária
Horizontes sem fim é sua morada-enigma
Onde nunca rastejam tais amores
Ridículos...

Não me venham com apaixonites sentimentalóides
Apegos de fraqueza e egoísmo
Ondas inconstantes de desejos carentes...

Escrevam outros poetas poemas de amor
Sábios que forem melhores que eu
Cansei de dizer o não-dito-impossível
Regando de sangue o negro do lodo
Em que pisam as patas dos porcos...
Vou reservar ao silêncio este átomo
Em que um dia julguei-me sublime...

Lá, só no Nada-Vazio, é que nada
O Amor.

23 julho 2010

Um Enigma (Trágico)

quando a estrela não brilha
o sonho reflete ao contrário:

segredo jamais segregado
tornou-se o fim da glória de César
o que era de César
a César nunca foi dado

um adeus ao vermelho de sangue
da capa derramada no peito

se colocares ao espelho o que digo
verás que o que é dito não é o que é escrito
e não há outro jeito

é que a estrela caiu dentro em um lago
quando a colhi para ir mais ao alto

e quando a estrela é sem luz
o sonho reflete invertido...

o legionário caiu do cavalo
e o digo em palavras do fim ao começo
do sonho só o s é bonito...

que não adianta
um corvo é sempre um corvo
e sempre a maldição se assoma:
Nunca Mais um poema de roma.