12 julho 2010

Poemas do Término e Contos do Fim 39

A edição 39 do zine literário Poemas do Término e Contos do Fim já foi lançada e encontra-se disponível. Inclui o conto "As Duas Mulheres" e mais 4 poemas estranhos.

O zine 38 está também disponível digitalmente, gratuito, como a versão impressa. Para recebê-lo, basta que o leitor me passe seu e-mail, que então ele será enviado.

Em Santiago, os pontos de distribuição da versão impressa são os seguintes: locadoras Fox, Classic e Stop, biblioteca pública, biblioteca da Uri, Ponto Cópias e Livraria Santiago. Pode ser enviado para qualquer cidade do Brasil ou exterior, mediante o pagamento das despesas de correio.

Agradeço a colaboração dos seguintes amigos na distribuição do zine em outras cidades: Liziane Serafini (Santa Cruz do Sul/RS), Luana Serafini (Santa Maria/RS), Alberto Ritter (Porto Alegre/RS), Gracieli Persich (Santo Ângelo/RS), Louise Wagner (São Leopoldo/RS), Marcus Vinícius Manzoni (Frederico Westphalen/RS), Lilene Leverdi (São Gonçalo/RJ), Héder Duarte (São Gonçalo/RJ), Agnes Mirra (Goiana/PE) e Paulo Soriano (Salvador/BA). Agradeço também ao amigo Guilhermes Damian pelo excelente trabalho de design do zine.

10 julho 2010

Não Voto em Filho da Puta

prezado
senhor candidato:
com todo respeito
vou pegar o meu voto
e enfiar no teu rabo
de rato

não me venhas
com apertadinhas de mão
podres imundas infectas
de bactérias de corrupção

no teu rançoso sorrisinho
de boca amarela e fingida
vou escarrar meu catarro
mais amarelo ainda

não me venhas
perturbar o sono
com tuas alegrezinhas
musiquinhas ridículas
que eu sei muito bem
quais são as alegrias
das campanhas políticas...

então queres
passeatas
carreatas
mamatas?

conchavos
conluios
canalhas?

tratados
tramoias
trapaças?

sobre a vergonha do teu santinho
vou apagar o veneno
do meu cigarro vadio...
senhor candidato
vai à puta que pariu!

09 julho 2010

Mahler, Apocalipse Sonoro

Em 7 de julho de 1860, na cidade de Kalischt, na Boêmia, nascia Gustav Mahler, um dos maiores sinfonistas de todos os tempos. 150 anos de Mahler, portanto.

Depois de Beethoven, dá para contar nos dedos de uma mão os compositores que podem ser considerados grandes sinfonistas. Particularmente, considero como grandes sinfonistas pós-beethovenianos Brahms (pena que compôs apenas 4 sinfonias), Bruckner, Mahler e Shostakovich. Também poderíamos, no meu julgamento, subjetivo, como todo julgamento artístico, incluir no rol das grandes sinfonias a 8 e a 9 de Schubert, as 3 últimas de Tchaikovsky e a Sinfonia em Ré de Franck. Depois, mais abaixo, viriam a "Sinfonia Fantástica" de Berlioz, as sinfonias programáticas "Dante" e "Fausto" de Liszt, a "Do Novo Mundo" de Dvorák, algumas do Sibelius, talvez a "Renana" de Schumann... Será que esqueci de alguma?

Mas Mahler, Mahler é imenso, suas 9 sinfonias, mais a 10ª, que ficou incompleta, seriam perfeitas como trilha sonora para o Apocalipse, com tudo o que ele tem direito, em toda sua força trágica e catastrófica, em todo seu poder de transcendentalização, em todos seus agouros funestos, ou em todo brilho da fúria divina. E entre as 9 sinfonias, creio que as 5, 6 e 7 seriam as mais apocalipticamente adequadas, pois são as mais trágicas.

Com Mahler, viajamos por entre tempestades, furacões, guerras, tiros de canhões, explosões nucleares, queda de astros, catástrofes de todos os tipos, sustos e angústias, derramentos solares, hecatombes, batalhas entre anjos e demônios, ascensões espirituais, alucinações delírios, enfim...

Mahler, com todo o sofrimento por que passou em sua trágica existência, prenunciou o que seria o catastrófico século XX. E  o XXI também. É como ele próprio disse, ao enfrentar grandes dificuldades para a aceitação de sua obra: "Meu tempo há de chegar!" E chegou.

Nada mais justo do que a forma como morreu Mahler, em 1911: durante uma trovoada. Assim como Beethoven.

07 julho 2010

"Agora Vou Lá. Tenho que Degolá-la." - FINAL

Não sentia a mínima piedade em vê-las beber as águas podres de um rio imundo, ou vendo que disputavam com cachorros pestilentos os restos putrefatos de comida dos montes de lixos. Nem mesmo as crianças que eram violentamente espancadas por outras crianças, ou as mulheres sendo estupradas nos cantos das praças despertavam em mim algum tipo de clemência. Que apodrecessem todos no inferno, para mim não faria a menor diferença.

Dessa forma degenerada vivi por mais alguns meses. Ia para casa, alimentava-me, realizava uma precária higiene pessoal e retornava para as ruas escaldantes, com o único propósito de debochar, de escarnecer com crueldade, de desprezar infinitamente todos os malditos que via diante de mim. E claro, quando se aproximava do meio-dia, sem me ausentar uma única vez, lá eu estava, naquele campo sombrio, contemplando hipnotizado, completamente dominado pelos nuances ominosamente avermelhados que percebia, ou acreditava perceber. E parecia ser tal tênue luz vermelha, que se derramava pelas atmosferas, que transmitia à minha psique alguma categoria de ânimo monstruoso, perverso, demoníaco.

Havia algo inexplicável naquelas opacas luminosidades rubras que me atraía fatalmente, e mais que isso, fazia fervilhar em meu interior toda a maldade que nele havia, todo o horror humano, a plenitude do lado negro que em mim se ocultava. Assim como a lava do planeta fervilhava, suas águas fervilhavam, evaporando-se, a atmosfera fervilhava em um calor insuportável, eu também fervilhava interiormente de perversidade. Seja lá o que for que ocasiona tudo isso, estou certo de que é algo catastroficamente maligno.

Afirmo-o com absoluta certeza, porque, desde ontem, tenho percebido uma alteração, para pior, em meu comportamento. Percebido e comprovado. Estou há mais de 72h sem dormir. Não sinto sono. Desde os dias em que era dominado pela indiferença, nunca mais tive os pesadelos a que me referi anteriormente, aliás, não tive nenhuma espécie de sonho, pelo menos não que eu lembre. E as minhas horas de sono foram se reduzindo gradativamente, a ponto de eu chegar a dormir apenas 10min a cada 24h.

Agora, cessei definitivamente de dormir. Mas jamais deixo de ir ao campo contemplar em estado de êxtase maligno, em uma maldita hipnose, aquela agourenta luz avermelhada. Hoje, após sair do local, fui tomado de um acesso de loucura. Sei que estou completamente louco, transformei-me em um monstro. Peguei uma enorme pedra que encontrei na rua e esmaguei sem dó o crânio de uma criança e de sua mãe, só porque escutei que a mãe falava para a menina em “manter a esperança” enquanto se alimentavam com as tripas de um gato.

Após ter cometido o ato, voltei para casa e tornei-me consciente do que fiz. Compreendi que fora um horror sem limite e sem perdão. Mas compreendi também que seria inútil me arrepender. No entanto, senti uma necessidade terrível de desabafar, de contar sobre minha doença, minha loucura, minha maldição, o meu desastre, o desastre de um filho de um planeta mergulhado em todos os desastres, enfim, seja lá o que isso for, como que para deixar em um maço inútil de papéis o que ainda resta de bom em mim. Se é que resta algo.

Mas agora, devo sair. Lá fora, na frente da minha casa, uma mulher raquítica está vomitando. Sinto um ódio diabólico ferver, fervilhar dentro de mim, e subindo como sobem os ferventes vapores oceânicos, esse ódio toma conta de todo meu ser.

Aquela imunda, vadia, filha da puta, sujando minha calçada com o fedor do seu vômito. Este machado deve servir. Agora vou lá. Tenho que degolá-la. E fazer guisado de sua carne aidética.

A Voz do Polvo é a Voz de Deus

Em um aquário na cidade de Oberhausen, no oeste da Alemanha, vive o profeta da Copa da África, o polvo Paul. Ele acertou todos os resultados de seu país. Disse o polvo que a Alemanha ganharia da Austrália, perderia para a Sérvia, venceria Gana e depois a Inglaterra nas oitavas de final, que também venceria a Argentina nas quartas, mas que seria derrotada pela Espanha nas semifinais. Dito e feito. Eu acreditava na Alemanha. Assim como acreditava na Argentina antes. Mas não se pode derrotar o polvo nos palpites.

Como que o polvo disse isso? Muito simples: são colocados no fundo do seu aquário dois recipientes com mexilhões. Cada um leva uma bandeira: uma da Alemanha e a outra do adversário. O recipiente que ele atacar primeiro é o da seleção vencedora. Dessa vez o polvo Paul atacou a da Espanha.

Agora vou pedir para colocarem pro Paul um prato com a bandeira do INTER e outra com a do São Paulo. Para ver quem vai para a final da Libertadores da América.

E a copa que era dos sul-americanos terá final europeia. Nada melhor (ou pior) do que as surpresas do caminho...

Ah, e eu não me esqueci do final do conto. Em breve ele será postado.

06 julho 2010

“Agora Vou Lá. Tenho que Degolá-la.” 2ª Parte

Será que somente eu percebia tal alteração? Ou estaria com alguma doença nervosa, psíquica, que faz com que perceba os céus dessa forma? Sim, doente eu acredito que estou realmente. Tenho certeza, aliás. Não sei qual doença poderia estar me afetando, mas que há muito tempo não me sinto nem um pouco bem, muito pelo contrário, é algo absolutamente inegável. É possível que se trate de uma nova enfermidade, afinal, nos últimos anos, surgiram tantas moléstias desconhecidas, pestes incontroláveis, várias delas brutalmente fatais, que eu posso ter sido mais uma vítima, mais um desgraçado como os milhões de humanos cujas vidas foram ceifadas pelas mutações de vírus e bactérias patogênicas. Diversas delas, foram criadas, voluntária ou involuntariamente, pelo próprio homem, em seu afã de ser um deus. Um deus?! haha, olhem para o que se transformou a humanidade...

Mas ignoro o que realmente ocorre comigo. Tentarei, entretanto, de modo sucinto, descrever os estranhos e deprimentes acontecimentos que há 11 meses vêm degradando minha miserável existência.

Conforme afirmei anteriormente, há alguns meses, percebi, ou julguei perceber, uma sutil alteração na coloração do céu, que estaria sendo “invadido” por uma espécie de funesto “avermelhamento”. Seriam alucinações? Seria o sintoma de alguma terrível enfermidade? Não sei, sei que essa quase imperceptível tonalidade rubra, seja ela real ou fictícia, atrai-me de um modo insanamente irresistível.

Todos os dias, invariavelmente, sinto-me como que “obrigado” a sair durante o momento do ápice do sol, ou seja, ao meio-dia, não importando as condições climáticas, não obstante meu prazer nos dias de sol seja bem maior. Caminho em direção a um campo aberto e desabitado, sento-me sobre a grama, dirijo meus olhos para o céu, e fico contemplando por quase uma hora aquilo que julgo ser uma insidiosa e lentíssima invasão do céu azul por uma tonalidade anomalamente vermelha. Nos primeiros dias, sentia-me bem após o término de minha contemplação, embora melancólico. Porém, com o passar do tempo, essa melancolia foi se transformando em uma negra depressão de espírito, em um desalento, em um desânimo tão profundo, que havia dias que eu não conseguia nem mesmo erguer a cabeça ao retornar para casa e perambulava sorumbático pelas ruas, como um zumbi. Olhava para as outras pessoas, todas infelizes, desesperadas e imersas em problemas sem solução, ou então que expressavam um perverso sorriso diabólico, e minha depressão se intensificava ainda mais.

Ao chegar em casa, atirava-me quase sem forças na cama, sem comer, sem tomar banho. Enfim, sem fazer absolutamente nada, dormia até o amanhecer do outro dia, sendo torturado durante todo o período de sono por pesadelos povoados pelos seres mais absurdos, monstros de aparência indescritível e de uma perversidade inimaginável. Os cenários de meus pesadelos eram os piores possíveis, e, para que se tenha uma idéia dos mesmos, basta que tenha em mente o ambiente do Inferno de Dante.

Ao me acordar, quase sempre por volta das 9h, a tristeza e a desolação pareciam ter regredido, e eu levanta-me, comia alguma coisa, realizava uma breve higiene pessoal e pensava em ir trabalhar. Mas minhas forças não eram suficientes. Então, sentava-me, aguardando ansioso e angustiado o momento de sair para a absurda contemplação dos céus que se avermelhavam, conforme meu enfermiço julgamento. E lá eu permanecia, por períodos de tempo cada vez maiores, sentindo-me consolado pelo que via, ou acreditava ver. E então, deixava o local, muitas vezes debaixo de uma chuva ácida, arrastando um manto de tristezas que pesava como o chumbo. Chegava em casa e jogava-me em meu sono atormentado.

Essa era minha vida, somente isso, durante vários meses. No entanto, aos poucos, minha depressão foi se amenizando, e em seu lugar surgira uma absoluta indiferença por tudo e por todos. Em nenhum momento eu deixava, sempre por volta do meio dia, de ir contemplar as colorações avermelhadas do céu, sempre no mesmo local. Não que fosse somente naquele lugar que eu percebia a insidiosa invasão vermelha nas atmosferas, isso ocorria em todo o céu, invariavelmente, de acordo com meu julgamento perturbado. Porém, e realmente não sei o motivo, eu deveria observar o insólito fenômeno unicamente de lá.

Todavia, como dizia, deixei progressivamente de sair do local dominado pela profunda tristeza, e passei a sentir uma gélida indiferença que me fazia vagar o dia inteiro pela desolação de minha cidade, em seu calor absurdo, degradante, alimentando um desejo doentio e perverso de desprezar e rir de todos os infelizes que cruzavam o meu amaldiçoado caminho. Eu observava com uma frieza e uma ironia malignas aqueles homens e mulheres, todos desgraçados, todos miseravelmente perdidos. Era infinito o meu desprezo por aqueles doentes, vítimas das inúmeras epidemias que surgiram, fatais ou não; por aqueles mendigos estúpidos, aqueles refugiados dos desastres ambientais, que vieram com seu odiento desespero para minha cidade.

Amanhã, o final.

05 julho 2010

“Agora Vou Lá. Tenho que Degolá-la.”

Aqueles fenômenos foram chamados de “El Niño” e “La Niña”. O aquecimento das águas do oceano Pacífico. Mas ninguém sabia com certeza o porquê, a causa exata de seu surgimento. Ou se alguém sabia, omitia a verdade. Ou se alguém dissera a verdade, ninguém acreditara. Somente o que se comprovou com o trágico passar dos anos é que tais fenômenos não eram normais, como afirmavam alguns cientistas, ou ignorantes, ou mal intencionados.

O fato é que o aquecimento das águas era real e se intensificava gradualmente com o passar dos anos, e não somente no oceano Pacífico, mas foi atingindo também os demais oceanos. Claro que tal anômalo fenômeno tinha relação com o aquecimento global ocasionado pelo acúmulo de gases poluidores na atmosfera terrestre. Muito embora, no princípio, houvesse um considerável número de cientistas que duvidassem da veracidade do aquecimento global, com o passar dos anos, tal elevação confirmou-se de forma irrebatível.

Porém, o aquecimento das águas dos oceanos não ocorreu somente devido à elevação da temperatura atmosférica. As grandes potências admitiram mais tarde. Haviam realizado durante décadas experiências e testes atômicos no fundo do mar. Pequenas e sucessivas explosões nucleares supostamente controladas. Aos poucos, o leito dos oceanos foi se abrindo, rachando assustadoramente, com o consequente contato das lavas do magma terrestre com as águas marinhas. Obviamente, com o tempo, a temperatura das águas foi se elevando, situação agravada pelo aquecimento atmosférico.

O efeito sobre o planeta das altas temperaturas das águas oceânicas foi absolutamente catastrófico. Os primeiros sinais foram relativamente leves e deram-se principalmente sobre o clima do planeta. O número de tempestades, tornados, ciclones, furacões, secas e enchentes foi crescendo gradativamente. E não só tais fenômenos tornaram-se mais numerosos e frequentes, mas também mais intensos, mais impiedosos, mais devastadores.

Paralelamente, perceberam-se alterações na vida marinha, tanto na animal como na vegetal. Após anos de análises, foi comprovada não só a redução das populações oceânicas, como também a extinção de incontáveis espécies. Em pouco tempo, cerca de um terço de toda vida marinha fora varrida dos oceanos, a começar pelos corais, que principiaram a perder suas variedades e colorações, até, finalmente, perder a vida.

(...)

Agora, estamos no ano de 2047. Os seres oceânicos encontram-se praticamente extintos em sua totalidade de espécies. As tempestades e furacões e secas e inundações tornaram a vida impossível em imensas regiões do globo e dizimaram enorme parcela da humanidade. Isso sem falar no aumento drástico dos terremotos e tsunamis. Até mesmo regiões consideradas antigamente como situadas fora das áreas de risco são agora afetadas por tais catástrofes. A humanidade durante muito tempo intentou lutar desesperadamente contra as tragédias ambientais que se desencadeavam de forma cada vez mais avassaladora, porém tudo resultou em retumbantes fracasso. Já era tarde demais. No momento em que ainda resultava possível evitar que a fúria do planeta recaísse sobre a civilização, não o fizeram. De modo que o nosso destino já estava selado.

Há alguns anos, quando a incidência de terremotos principiou a se tornar alarmante, os cientistas intentaram encontrar explicações para o fato. Não obtiveram êxito. Ou, se encontraram determinada resposta, deveria ser algo definitivamente inevitável, porque nada foi divulgado, ao menos não oficialmente. Surgiram rumores, jamais confirmados, de que algum astro provavelmente desconhecido estaria interferindo no campo gravitacional da Terra, em seu magnetismo, e desse modo causando inauditas alterações geológicas no planeta. Até hoje, não se sabe o que está ocorrendo com a Terra, além, é claro, do massacrante desequilíbrio causado pela poluição infrene e pela exploração desmesurada dos recursos naturais. Mas algo além disso, algo extremamente grave está acontecendo...

Há cerca de cinco anos, foi notada uma leve alteração na cor dos céus. Não era mais aquele azul celeste reconfortante, mas sua tonalidade havia sido sutilmente modificada, tornara-se opaca, desbotada, amarelecida talvez, porém, era algo quase imperceptível. E eu posso jurar que, há alguns meses, além da opacidade, os céus passaram a apresentar, com a quase imperceptibilidade ainda maior, uma sugestiva e inquietante tonalidade avermelhada...

Amanhã, a continuação.

(Na imagem, o quadro "Dante e Virgílio no Inferno", de Bouguereau)

03 julho 2010

Ó Noite, Imperatriz do Mundo!

aos poucos
como a queda dos impérios
cai a Noite universal
sobre o destino da humanidade
com tudo o que nela se oculta...

Noite...
tu sabes que tu governas
que o teu medo domina
nos quatro cantos da terra
enquanto os homens riem pelas festas,
na imponderabilidade das trevas
tu preparas as tuas surpresas...

tu preparas as tuas surpresas
nos olhos rubros do demônios
que espreitam atrás dos galhos
na densidade do silêncio tenso
quebrado pelo susto do grito do gato
pela ameaça do rosnado canino
pela espera do assalto
na curva invisível da esquina...
tu, Noite, preparas as tuas surpresas
para o destino da humanidade...

é no teu seio que as bruxas conciliabulam
que os morcegos vampiram pelas vítimas
que as corujas agouram pelos sinos
que os amores proibidos se fatalizam
que os vinhos metaforizam sobre o sangue
que os malditos poetas marcham fúnebre
e que certos astros da terra se aproximam...
é na Noite que as coisas acontecem...

Noite, tu preparas as tuas surpresas
para o destino da humanidade...
homem!
caminha alerta pela Noite
que tu não podes pelo escuro
ver da Noite o segredo profundo...

ó Noite, Imperatriz do Mundo!

Alemanha, Tetra!

Disse, em 27 de junho, que do jogo entre Alemanha e Argentina sairia o campeão da Copa 2010. Dei preferência à Argentina. Que decepcionou mais que o Brasil. Deu Alemanha, com justiça,  com sobras, com show, ditando o ritmo da dança. Valsa, não tango. Brasil e Argentina, Los Hermanos, morreram abraçados. A copa dos sul-americanos, até as quartas de finais, fica só com o heroico Uruguai (já que o Paraguai deve ser desclassificado logo mais pela Espanha),que dificilmente passará pela Holanda. 

Alemanha, tetra!

02 julho 2010

Curso de Poesia - Casa do Poeta de Santiago

Neste mês, pela Casa do Poeta de Santiago, ministrarei um curso de poesia.
O evento ocorrerá nos dias 20 a 22 de julho de 2010, durante as férias acadêmicas. O horário do curso será das 19h00min às 23h00min (Terça, quarta e quinta). Investimento é de apenas R$ 20,00, e será fornecido um certificado de 15h. Acompanhe o cronograma abaixo:

CRONOGRAMA DO CURSO:

1º Dia (20 de julho - Terça):
- O que é poesia (diferenciação entre poesia e prosa)
- Poesia Clássica e Poesia Moderna
- Tipos de poesias clássicas
- Leitura e Interpretação de poemas

2º Dia (21 de julho - Quarta):
- Versificação
- Verso tradicional
- Elisão, crase, sinalefa
- Hiato, ditongo, diérese, sinérese
- número de sílabas métricas
- acentuação do verso
- rima
- classificação das rimas
- enjambement
- versos brancos
- versos livres

3º Dia (22 de julho - Quinta):
- Figuras de Linguagem
- Oficina de Criação de Poemas
- Encerramento

Reservas e inscrições poderão ser feitas pelos e-mails:
palavraseondas@hotmail.com
gpasini@ig.com.br
reiffer@gmail.com
ou pelo telefone 8406-7896

Baudelaire e a Glória ao Vinho

Charles Baudelaire, o grande poeta maldito, em seu livro "Paraísos Artificiais", onde trata dos estados psicológicos anormais causados pelo uso de drogas, mais especificamente o ópio e o haxixe, brinda-nos com um magnífico elogio do vinho. Sendo o vinho a minha bebida favorita, companheira de muitos momentos, não posso deixar de concordor com o gênio do Simbolismo e precursor da poesia moderna. Vejamos o que Baudelaire tem a nos dizer sobre o vinho. A seguir, alguns trechos:

"Profundos prazeres do vinho, quem não os conhece? Quem quer que tenha tido um remorso a aplacar, uma lembrança a evocar, uma dor a esquecer, um castelo na Espanha a construir, todos enfim já o evocaram, deus misterioso escondido nas fibras da videira. Como são grandes os espetáculos do vinho iluminados pelo sol interior! Como é verdadeira e abrasadora essa segunda juventude que o homem dele retira! Mas como são, também, perigosas as suas volúpías fulminantes e os seus encantamentos enervantes.

Muitas pessoas dirão que sou indulgente. "Você inocenta a embriaguez!" Isso dirão os imbecis ou hipócritas; imbecis, isto é, homens que não conhecem nem a natureza nem a humanidade, artistas que recusam os meios da arte, operários que blasfemam contra a mecânica - hipócritas, isto é, comilões reprimidos, impostores da sobriedade, que bebem sozinho e tem algum vício oculto. Um homem que só bebe água tem um segredo a esconder de seus semelhantes."

Com a palavra, o vinho:

"Cairei no fundo do seu peito como uma ambrosia vegetal. Serei  o grão que fertiliza o solo dolorosamente escavado. Nossa íntima reunião criará a poesia. Para nós dois faremos um Deus e flutuaremos ao infinito, como os pássaros, as borboletas, os filhos da Virgem, os perfumes e todas as coisas aladas."

"Ouve agitar-se em mim e ressoar os poderosos refrãos dos tempos passados, os cantos de amor e de glória? Iluminarei os olhos de sua mulher. Abrandarei o seu olhar e porei no fundo de suas pupilas o brilho da juventude. "

(Na imagem que acompanha o texto, o quadro "Bacco", de Caravaggio)

30 junho 2010

"Estão destruindo a humanidade ali, e ninguém faz nada."

Essa afirmação foi feita pelo ginecologista Denis Mukwege, já indicado ao prêmio Nobel da Paz, e refere-se à violência sexual contra mulheres na República Democrática do Congo, África, que vem aumentando absurdamente nos últimos dez anos - 18% dos casos da década são de 2009. A notícia saiu no jornal Correio do Povo de 29/06/2010. Vejamos o horror de que nos fala o médico:

"Há 15 anos houve intensos genocídios em Ruanda. Os ''genocidários'' vieram se refugiar na República Democrática do Congo e utilizam as mulheres como arma de guerra. A destruição psicológica e emocional em uma mulher violentada na comunidade faz com que os moradores queiram fugir. Pela humilhação e pela violência, destroem famílias. Com a aniquilação dos moradores, exploram mais facilmente a região rica em materiais utilizados em componentes eletrônicos, como a cassiterita. Há empresas multinacionais que extraem os minérios na África."

"Intensificam-se os casos em que elas perdem não só o aparelho genital, mas também a bexiga e até mesmo o aparelho digestivo. Atiram na genitália, inserem baionetas, pedaços de pau, deixando suas marcas. Querem traumatizar ao máximo e não há distinção de idade; atingem de crianças a idosas. A violência sexual ocorre em outros países como Congo, Bósnia, Colômbia ou Quirguistão, onde crianças são violentadas na frente dos pais.”

A barbaridade mencionada aqui não necessita de maiores comentários. Mas quero chamar a atenção para a seguinte afirmação do ginecologista: “Com a aniquilação dos moradores, exploram mais facilmente a região rica em materiais utilizados em componentes eletrônicos, como a cassiterita. Há empresas multinacionais que extraem os minérios na África."

Ou seja, indiretamente, os responsáveis por tamanha catástrofe são empresas de outros países. De onde seriam elas: EUA, Europa? Quase certo que sim. Então a África deixou de ser colônia do primeiro mundo...? Não basta devastarem as selvas e massacrarem os animais, é necessário também que dizimem brutalmente os seres humanos. E claro que isso não ocorre só na África, mas em todos os países subdesenvolvidos.

Depois a Europa e os EUA vêm nos falar de direitos humanos, eles, montados na riqueza que obtiveram explorando por séculos os outros povos. E que ainda o fazem. E agora, a Europa, que deve muito de seu desenvolvimento ao roubo dos recursos naturais dos países subdesenvolvidos, tenta, de forma cada vez mais determinada, impedir que imigrantes desses países possam ir para os países europeus tentar uma vida melhor. Isso constitui, no mínimo, uma imensa ingratidão.

Quando falamos no desenvolvimento dos países de primeiro mundo, devemos, antes de qualquer coisa, refletir sobre o preço pago para que chegassem ao patamar de desenvolvidos. Eles tiveram méritos? É claro. Mas só eles? E quem mais pagou o preço? Não foram povos hoje miseráveis, que foram roubados e torturados de todas as formas? E que continuam sendo, agora pelas multinacionais. E não só os povos. Mas também, e ainda mais, o altíssimo preço da riqueza e do desenvolvimento foi pago pela vida do planeta.

29 junho 2010

Todos os Palpites Certos e a Copa Dos Sul-Americanos

Encerradas as oitavas de final da Copa da África, confirmei todos os meus palpites. Todas as seleções que disse que passariam, passaram (independente de placares). O Luiz Paulo é testemunha, hein Luiz Paulo? rsrs, pena que não apostamos. E como eu previa, classificaram-se todas as seleções sul-americanas que poderiam passar (no jogo entre Brasil e Chile, uma sairia, é claro).

Jamais na história das copas houve mais seleções sul-americanas que europeias. Agora são 4 contra 3. E uma africana. Sem dúvida, os sul-americanos necessitam mais do consolo do futebol que os europeus. Já os africanos, nem esse consolo podem ter... Falando em africanos, em minha próxima postagem tratarei de mais um desastre no continente africano...

Sobre uns Versos do Pedro Ortaça*

“Eu nunca pedi bexiga pra patrão ou pra milico,
Por isso ninguém me obriga a ser pelego ou pinico,
Não choro por rapariga nem tiro chapéu pra rico...”

Pedro Ortaça – música “Guasca”

o verso não se dobra:
se eu escrever um verso bárbaro absurdamente extenso
ele
não pode
ser publicado
dobrado
assim
só para
se adequar
ao formato
do veículo
de publicação

o verso não se dobra.
e o poeta também não.

*Pedro Ortaça é cantor e compositor tradicionalista gaúcho

28 junho 2010

Lei de Proteção Animal - Abaixo-Assinado

Com a imagem acima, pretendo torturar a sensibilidade dos leitores, mostrando um gato inocente sendo torturado em nome do "progresso da ciência". E para onde tal estupendo "progresso" está nos levando, todos já estão cansados de saber.

Assim, peço que assinem o abaixo-assinado em prol do projeto que pretende estabelecer a Lei de Proteção Animal no Brasil. O projeto é de autoria do deputado federal Ricardo Trípoli. Parabéns ao deputado. Quando um político faz em algo em defesa da natureza, deve ser aplaudido, porque é algo difícil de acontecer, não é mesmo?

Aqui o link para a assinatura: http://www.leideprotecaoanimal.com.br/

27 junho 2010

Legado do Terror - Antologia

O site de literatura fantástica ARCAHDIA publicou a antologia digital "Legado do Terror", onde foram incluídos dois contos meus. O livro está disponível para download no site http://arcahdia.webnode.com.br/

Alemanha x Argentina

Disse aqui no blog, ao final da 1ª rodada da Copa, que os melhores times da competição eram Alemanha e Argentina. E as oitavas de final estão comprovando isso. Independente dos lamentáveis erros de arbitragem, Alemanha e Argentina jogaram bem melhor seus jogos e mereceram vencer.

Na minha opinião, do confronto entre as duas seleções sairá o campeão da Copa da África. E creio que será a Argentina, conforme já havia dito em postagem anterior aqui no blog.

26 junho 2010

Dois Os dos Sonhos

ah os dois os dos sonhos...

locos loucos longos
medonhos

os dois os
esgotados
de sono
sem portos
torvos
tortos

dois os dos sonhos
dos poços
dos fossos
destroços

dois os dos sonhos
demônios
de dourados
olhos
dois os de agosto
do horror
desgosto
os de velório
dolorosos
remorsos

dois os tristonhos
dos voos
dos corvos

dois os dos sonhos:
dois os dos mortos...

24 junho 2010

da Poesia Viva

a poesia viva
não nasce
da letra morta das teorias
do verbo putrefato dos manuais
dos sermões miasmáticos dos acadêmicos

a poesia viva
nasce

das letras axiomáticas das estrelas
gravadas no livro infinito do infinito

das palavras sussurradas pelo vento
nos campos-página escritos pelo sol

do verbo hieroglífico dos pássaros
palestrando para os ouvidos das florestas

dos sermões sentenciosos das tormentas
proferido por entre os órgãos dos trovões

e finalmente
da linguística dos beijos...

a poesia viva nasce
de se ter a coragem
de buscar o azar e a sorte...
da vida nasce a poesia
mesmo que trate da morte
que tenha o lábio tocado
e leve a alma ferida:
só a morte
faz valer a pena
a vida de ser vivida

22 junho 2010

O Tempestuoso e Sombrio Quarteto Op.51 nº1 de Brahms

Em 1865, aos 32 anos, o meu compositor favorito, o grande Johannes Brahms, compôs aquele que para mim é o maior dos quartetos para cordas criados depois de Beethoven. Trata-se do quarteto nº1 do Op.51. Obra mestra de uma intensidade emocional avassaladora e de uma perfeição formal inquestionável, características típicas de Brahms.

Para o leitor que não sabe o que é exatamente um quarteto para cordas, esclareço: é uma composição para 2 violinos, 1 viola (não confundir, por favor, esta viola com a viola usada no samba, que é dedilhada; a viola clássica é algo como um violino maior, executada da mesma forma que o violino, com um som um pouco mais grave que este) e 1 violoncelo. É uma categoria de composição de câmara (obras para pouco instrumentos) muito cultivada. O quarteto para cordas foi estabelecido em seu formato tradicional por Haydn, que também o cultivou muito, assim como Mozart. Mas foi Beethoven quem levou o estilo ao auge, com obras absolutamente sublimes e transcendentais. No século XIX, Brahms, Schubert, Schumann, Tchaikovsky, Dvorák, entre outros, criaram grandes obras no gênero. No século XX, Bartók, Shostakovich, Berg, prosseguiram a tradição do quarteto de cordas. O brasileiro Villa-Lobos também criou importantes obras para quartetos.

Quando ouvi pela primeira vez o Quarteto nº1 de Brahms, aos 18 anos, chorei. Trata-se de uma obra densa e profunda, que principia em um ritmo forte e selvagem. Um clima de gravidade e resignada melancolia perpassa toda obra. O primeiro movimento é de uma força e de um sentimento de tragédia que nos marca profundamente. Não há lugar para sorrisos. Ritmos violentos são interrompidos por tristes e angustiadas melodias. O movimento finaliza de forma arrebatada, onde os instrumentos encerram seu doloroso diálogo em um grito de força e desespero, em um clamor sentencioso e indomável.

O segundo e o terceiro movimentos são mais tranquilos e resignados, porém ainda melancólicos e sombrios. O "Romanze, poco adagio" (2º movimento) desenvolve-se suavemente, entre a ternura e o desalento, mesclando luzes e sombras, trazendo melodias de um intenso romantismo. O terceiro movimento prossegue nesse clima mais apaziguador, porém uma desconsolada tristeza sonhadora impregnada de mistério atravessa-o do começo ao fim. Um céu cinza e antigo caiu sobre nossos olhos, e os breves momentos de luz do movimento anterior são deixados de lado.

O movimento final surge de forma violenta e cortante, e a tempestade ressurge. Um ritmo frenético e desesperado dá  poucos momentos de descanso aos nossos ouvidos. É uma música alucinada, veemente, angustiada, de sofrimento e de luta. O final é de uma dignidade e de uma contundência absolutas, deixando bem claro que jamais se curvará ao infortúnio. Este é Brahms.