Esses dois versos são aparentemente de uma total contradição. No entanto, foi o mesmo poeta que escreveu. O grande Fernando Pessoa. Maior poeta da língua portuguesa e maior poeta do século XX em todo o mundo, na minha opinião. Porém, as pessoas preferem citar somente o verso mais otimista dele. Por que também não citar o mais pessimista, o mais negro? Fernando Pessoa era assim: coerentemente contraditório. Era muitos em um só. Que o digam seus geniais heterônimos. Afinal, o ser humano é contraditório por natureza. Quem pretende ser sempre coerente em seus atos, sentimentos e pensamentos, mente para si mesmo.
Mas como eu dizia, as pessoas deveriam conhecer mais, e citar mais, e analisar mais o lado escuro, o lado pessimista, desiludido, cruel, indiferente e doentio de Fernando Pessoa. Aquela face de Pessoa que reflete toda a verdade de sua vida na solidão e na incompreensão, sem reconhecimento, fracassando em todos os seus projetos de vida prática, conseguindo publicar apenas um livro, sem dinheiro, sem amor, sem família, sem nada, a não ser a arte e a alma. Agora já é moda citar os versos belos, elevados, sublimes, luminosos de Fernando Pessoa. Agora todos reconhecem a sua devastadora genialidade. Mas esquecem da profundidade abismal de seu lado negro. Tão vasto quanto o outro. Então, deixo abaixo 13 trechos que selecionei dessa face sombria e furiosa de Fernando Pessoa. Espero que alguém deixe tais versos como uma recepção em seu blog, ou twitter, ou orkut...
1) “Vão para o diabo sem mim,
Ou deixem-me ir sozinho para o diabo?
Para que havemos de ir juntos?”
2) “Falhei. Os astros seguem seu caminho.
Minha alma, outrora um universo meu,
É hoje, sei, um lúgubre escaninho...”
3) “Toda obra é vã, e vã a obra toda.”
4) “Dá-me mais vinho,
Que a vida é nada.”
5) “A vida...
Branco ou tinto é o mesmo: é para vomitar.”
6) “Tudo me cansa, mesmo o que não me cansa. A minha alegria é tão dolorosa como a minha dor... Os meus sonhos são um refúgio estúpido, como um guarda-chuva contra um raio.”
7) “Tenho esperança? Não tenho.
Tenho vontade de a ter?
Não sei. Ignoro a que venho.
Quero dormir e esquecer.”
8) “Se te queres matar, por que não te queres matar?
(...)
De que te serve o teu mundo interior que desconheces?
Talvez matando-te, o conheças finalmente.”
9) “Fazes falta? Ó sombra fútil chamada gente!
Ninguém faz falta. Não fazes falta a ninguém...”
10) “Não: tudo menos ter razão!
Tudo menos importar-me com a humanidade!
Sim, ser vadio e pedinte, como eu sou
É ser isolado na alma, e isso é que é ser vadio...”
11) “Verifico que, tantas vezes alegre, tantas vezes contente, estou sempre triste.
Não há sossego – e, ai de mim!, nem sequer desejo de o ter.”
12) “ A esperança, como um fósforo inda aceso,
Deixei no chão, e entardeceu no chão ileso.
A falha social do meu destino
Reconheci, como um mendigo preso.”
13) “Dorme, que a vida é nada!
Dorme, que tudo é vão!
Se alguém achou a estrada,
Achou-a em confusão,
Com a alma enganada.”
Aqui estão apenas alguns exemplos. Eu poderia deixar centenas de outros.