(Uma humilde homenagem a Jorge Luís Borges)
Ao falecer aquele sábio, um de meus melhores amigos, fez-me uma assombrosa revelação. Disse-me que existia, em algum canto do mundo, um livro jamais lido que explicaria Deus em toda sua verdade e completude. Segundo meu amigo, eu era o homem destinado a encontrá-lo e lê-lo pela primeira vez. E não deveria tentar fugir à minha missão.
Após encontrar e ler o fantástico livro, eu deveria divulgá-lo à humanidade. E para cumprir esse supremo desígnio, eu teria que dedicar a integridade de minha existência, realizar tudo o que fosse necessário para encontrar o livro onde quer que ele estivesse. Para tamanho empreendimento, eu possuía apenas uma informação: o livro estaria em um local onde jamais pessoa alguma colocou os olhos ou as mãos, porém, tal local se encontraria em um lugar frequentado regularmente pelas mais diversas pessoas. Perguntei em que país do mundo se encontraria tal lugar, mas o sábio não soube me dizer. Descobri-lo seria uma parte, a mais difícil, de minha missão. Acrescentou apenas meu amigo que o livro apresentaria uma capa preta sem absolutamente nenhuma inscrição. Eu deveria verificar a primeira página, pois ali estaria o título dele: “O Livro que Explica Deus”.
Como último questionamento, quis saber o que aconteceria comigo se não procurasse o absurdo livro. O sábio advertiu-me que não aconteceria nada, mas que o peso de minha consciência seria tão intenso que iria esmagar a totalidade de minha vida. Em seguida, meu amigo faleceu.
Eu tinha 22 anos quando fui abalado pela revelação. Minha reação inicial, apesar de já estar familiarizado com as inaceitáveis verdades do Ocultismo, foi de absoluto ceticismo. Porém, esse ceticismo se transformou em estupefação. E esta, em um terrível peso na consciência que me impossibilitava de dormir, de comer, de trabalhar, de me divertir, enfim, de viver. Não havia saída para mim. Fosse real ou não minha missão, eu deveria fazer tudo para cumpri-la.
Encontrar o fantástico livro parecia algo impossível. A princípio, era-me quase inviável imaginar um local intocado e jamais visto situado nos limites de um lugar frequentado por muitas pessoas. Apenas concluí que deveria ser um local público onde houvesse muitos livros. Seria uma biblioteca? Uma livraria? Uma universidade? Talvez algum museu? Uma igreja? Um templo? Enfim, imaginando quantos lugares assim deveriam existir pelo mundo, procurar o livro era um trabalho para Hércules. Eu não poderia realizá-lo. No entanto, uma força maior e implacável em meu interior como que me obrigava a sair alucinado à procura do livro que explicaria Deus.
E eu o fiz. Porém, não sem antes planejar muito bem como poderia realizar minha inaceitável missão. Primeiramente, julguei mais sensato procurar o livro nos locais públicos de minha cidade e de cidades próximas, sempre investigando à exaustão aqueles locais mais escondidos e, teoricamente, raramente observados pelo público em geral. O livro poderia estar camuflado de alguma forma. Então, toda atenção seria pouca.
Trabalhava pela manhã, e durante as tardes e parte da noite, dedicava meu tempo para a procura febril do livro. Minha vida resumia-se a isso. Alimentava-me mal, dormia ainda pior. Minhas horas de lazer não existiam, não havia feriados ou fins de semana. Sempre que conseguia férias de meu emprego, ou em feriadões, eu viajava para as mais distantes cidades do país e de países vizinhos, com o óbvio intuito de encontrar o livro. E sempre foram nulos os meus resultados. Creio que em cinco anos vasculhei quase toda a América. Claro que não visitei todos os lugares possíveis. Porém o mundo era muito vasto. Havia ainda quatro continentes para vasculhar.
Felizmente, sendo o proprietário de uma lucrativa empresa, durante esses cinco anos reuni uma considerável soma de dinheiro que me permitiria viajar mundo afora. E eu o fiz. Fui para a Europa, em seguida para a África, Ásia e Oceania. Creio que visitei todos os seus principais museus, bibliotecas, universidades, livrarias e igrejas; eu não suportava mais ver livros na minha frente, estava me transformando em um verdadeiro louco. Minha vida era de uma total insanidade. Não possuía amigos, renunciei ao amor, não tinha olhos para as mulheres. Não me divertia, não aproveitava os lugares maravilhosos que visitava, unicamente preocupado em encontrar o livro. Enfim, minha vida não existia.
Havia deixado minha empresa sob a direção de meu irmão, e ele frequentemente me enviava, como eu solicitara, boas quantias de dinheiro para prosseguir em minha demente missão. Passaram-se oito anos desde que parti do Brasil para a Europa. O último país que visitei foi a Nova Zelândia, na Oceania. E não encontrara absolutamente nada do fabuloso livro, nenhum sinal, nem a mínima referência, ninguém nunca ouvira falar nele, não estava em lugar algum entre os que procurei. Estava exaurido, verdadeiramente acabado. Emagrecera mais de 20 quilos, minha saúde estava precária, e eu sentia que logo enlouqueceria total e definitivamente. Procurei o livro divino por 13 anos. E nada. Decidi pôr um fim à minha missão suicida. E retornei para casa.
Retornei e tomei a resolução de viver a vida que não havia vivido. Optei por não reassumir a direção da empresa, e pedi a meu irmão que me destinasse uma renda mínima que me permitisse viver com dignidade, porém sem luxo ou excessivo conforto. Passei a dedicar-me à pintura, arte para a qual sempre tive talento, mas que as tarefas da vida cotidiana jamais me permitiram. Curiosamente, mesmo não encontrando o livro e não cumprindo minha missão, minha consciência encontrava-se estranhamente aliviada.
Ao mesmo tempo em que me aprofundava mais e mais na pintura e divulgava meus quadros com muito esforço e dificuldade, intensifiquei minhas relações sociais e criei um bom e confiável círculo de amigos. Junto com alguns deles, principiei intensos estudos no Ocultismo durante as nossas longas e agitadas noites regadas à vinho e à arte. Em nenhum de meus estudos, no entanto, encontrei qualquer livro que explicasse Deus em sua totalidade.
Relacionei-me com algumas mulheres, mas nenhum dos relacionamentos foi duradouro e definitivo. Seguia procurando um amor para minha vida. Empreendi algumas viagens, agora não para procurar o livro, mas para aproveitá-las como lazer e como crescimento humano e espiritual. Creio que aos poucos fui tornando-me um homem sábio. Não um sábio que renunciou à vida, mas que procurava vivenciar de forma diversa e intensamente as experiências existenciais, não rechaçando suas inúmeras oportunidades, mas aprendendo com elas.
Até que finalmente amei. Amei total e profundamente uma mulher que também me amou da mesma forma. Porém, eu não era feliz. No fundo, eu era um eterno insatisfeito. Sempre me faltava algo, e eu não sabia exatamente o que era...
Quando estava com meus 47 anos realizei uma viagem a uma pequena cidade do interior gaúcho. Lá, dirigi-me a uma biblioteca, uma das raras que não havia ainda visitado em minha terra. Apesar de a cidade ser pequena, sua biblioteca possuía um número razoável de livros.
Quando eu folheava um livro de literatura estrangeira, mais precisamente um antigo exemplar em alemão do “Faust” de Goethe, que parecia nunca ter sido retirado da estante, tamanha era a quantidade de pó e bolor em suas páginas, encontrei um outro livro em seu interior, de reduzidas proporções. Sua capa era inteiramente negra. Abri-o, e, na primeira página, li: “O Livro que Explica Deus”. Possuía apenas 7 páginas. Rapidamente li todo o livro.
O que dizia nele? Dizia exatamente esta história que você, leitor, está lendo. Você está pensando que escrevi este relato? Não, não escrevi uma linha, nem uma palavra. Tudo o que fiz foi transcrever com o mais absoluto rigor aquilo que estava impresso no livro. Não havia autor. Tampouco, havia ano, editora ou local de publicação, somente havia o que você leu e está lendo. Não acrescentei uma letra sequer ao livro. Esta história, rigorosamente DO COMEÇO AO FIM, é o que estava no “Livro que Explica Deus”. E esta história acaba aqui.