26 fevereiro 2018

Falta d'Água

qual água preencherá
o vazio de se não-ser?
mais seco que qualquer leito
(de qualquer rio em qualquer seca
pela terra agoniante)
é o vácuo humano esvaziado em pó
(e varrido de horror
sempre mais adiante)

...mais seco
que qualquer leito...
é a terra árida
do humano peito

todo o esgoto
das águas do mundo
não é páreo
ao seu coração esgotado
como quem cortasse
sua própria artéria
de cima abaixo
e de lado a lado

não há semente que germine
nem das mais reles ervas
nem das mais tênues palmas
na esterilidade esfarelenta
disto que chamam de
“humanas almas”

e, meu Deus, que Sede...
quando é que chove
nisso que é trágica?
vou ver se te (sobre)vivo
com a minha última gota
de lágrima

24 fevereiro 2018

Vinho Tinto

o que digo pode 
não estar a te atingir no que venho
mas está a te tingir no que vinho
mais tinto indistinto
que tu vês como um gole sublime
mas a poesia 
é todo um sangue espalhado
entre um rastro do que resta de mim
e o meu crime

21 fevereiro 2018

Nada a (me) Declarar

para quê ler os jornais cansativos de hoje
se no outro cansativo dia 
as cansativas notícias serão outras que são as mesmas
de cansativos dias que já passaram sem nunca passar?
e logo tudo será um cansado passado.

tu, humanidade cansada, 
além da arte, não tens nada a me dizer.
as tuas filosofias, estes cadáveres de boca-aberta.
as tuas esperanças, estes finais de piadas.
as tuas políticas, estes começos delas.
têm mais a me dizer as cansadas cadelas.

ah o cansaço da baba dos que falam em tudo
o nada-adiantar das suas teorias babadas babacas cansadas
que a tudo explicam a não-ser o que se precisa saber.

aqui neste  planeta cansado e exangue
(tu bem o sabes)
só o que não cansa é o Sangue.

19 fevereiro 2018

Rico só dá pra Rico*

dinheiro chama dinheiro:
que quem o tem quanto mais
no quanto mais quer retê-lo
(e esse é seu único anelo)

e te percebas que os ricos
sempre se unem a outros ricos
que se protegem em mútuos
pois o que importa é seus lucros

então conclui-se que os ricos
por em tudo estarem juntos
(sendo a menor minoria)
mantêm sua merda em dia

mas o pobre que é mais número?
já lhe ordenaram que é nada
e que pobre nunca pode
eis a regra: pobre se fode

*Poema escrito e publicado em 2015.

17 fevereiro 2018

Do Futuro da Humanidade

som de tormenta e vingança 
por entre a Marcha que avança
névoa e infortúnio nas tardes 
doença de um sol que não arde 
céu que se cai e desmancha 
som de teu lábio e vingança 

lábio de seca esperança 
gesto que a mão nunca alcança
lagos de sangue e desgraça 
morte que olha e não passa 
um olho no abismo se lança 
lábio de valsa esperança 

valsa e o destino que dança 
e choro em tua lembrança
sonho que nunca nos leva 
criança afogada na treva 
Marcha de morta esperança 
valsa e um Demônio que dança

14 fevereiro 2018

Poema Bem Longe

aquilo que não. que não o quê? que não tudo:
desde o distante até o infinito
tudo o que negar e que for noturno
aquilo que é sem que seja aonde for
o longínquo que é o que está aqui dentro
o que nunca em nunca nenhum momento
sonho que sonha o meu irreal
o outro lado do que nem me lembro
mas conheço como sendo
além-me-ar estando aqui
pelo sono de noites que não foram mas vivi
névoa que escondeu meu nada
olho que não tocou minha visão
fuga de tudo quanto fosse possível
ao voo do que não me fui
em galáxias de imaginação
o  mas do que me distância
em longos por estrelas fundas
mãos pelo éter sem sê-los
luz de ausências em lunares horrores
que terminam em um sempre
e começam em um fim...

aquilo que não
é o que me sim

12 fevereiro 2018

Sobre os Homens Ocos

“Nós somos os homens ocos
Os homens empalhados
Uns nos outros amparados
O elmo cheio de nada.”

T.S.Eliot

nós somos os homens ocos
(e já nem digo cagados)
em cujas cucas já poucas
há um caldo de água de coco
vazado pelos buracos
que ao menor toque de tocos
se faz em cacos

os nossos crânios 
esmagados por tacos
a pauladas da vida mecânica
pelos socos do mundo vácuo

antes fôssemos loucos
mas nos acocoramos diante 
do caos como os porcos
que curvam as fuças diante dos céus

não valemos nem para troco
menos do que macacos
mais do que meros tolos
nós somos os homens ocos
chocos botando ovos
na vida de só rebocos
já nos disseram os corvos
que somos os homens mortos 

10 fevereiro 2018

O Rastro do Ser Humano

por onde quer que o ser humano passe
deixa um rastro de destruição e morte
tudo para poder manter sua bunda rica
sobre o banco de couro do seu carrão do ano
matas devastadas campos miseráveis
paisagens desoladas rios apodrecidos
tudo em nome da ostentação do sucesso
por onde quer que o ser humano cruze
deixa um banho de horror e sangue
animais caçados massacrados torturados
queimados atropelados extintos
tribos dizimadas escravizadas perdidas
tudo em nome da enganação do progresso
o rastro do ser humano
é um rastro de fedor e doença
o homem caga em tudo mija em tudo cospe em tudo
a tudo suja a tudo estraga
desconstrói sonhos afunda paraísos
enegrece as águas enfumaça os céus
o rastro do ser humano é de óleo e de injustiça
de agrotóxicos e de lágrimas
tudo para que uns se afoguem em moedas
e outros mergulhem em restos
e o que me resta de eu ser humano
é um rastro de cansaço.

07 fevereiro 2018

Homens do Progresso

como se não houvesse sede
estão lá com sede de progresso
os homens de bem e sucesso
como se evoluíssem
ao matar paraísos e semear infernos
como se fossem eternos
como se fossem espertos
em transformar campos em desertos
e como se não bastasse
dizem que é para matar a fome
como se só de fome morresse um homem
mas é para engordar o lucro
e matam como se fosse em nome
do que fosse justo
como se fosse por esperanças
a mascarar o que é só ganâncias
e posam como se fossem heróis
a enriquecer sempre às custas
do que era vida do que era gente
como quem descarada mente
e fazem como se houvesse tempo
como se não tivesse volta
como se o tempo não cobrasse o preço
como se já não fosse tarde
fazem como se não fossem covardes
como se tudo fosse só assim
como se não houvesse aquele rosto diabo
a nos olhar como se fosse o Fim

05 fevereiro 2018

Lições da Poeira

vê como tudo se perde
por entre os dedos
do que não vemos
vê como tudo se verte
por entre a vida
que nem é vista
e a água que corre
(só nos resta o porre)
nem percebemos
que já é areia...
lições da poeira

quando vê-se que é
o que nem é já se foi
estamos sempre
um passo atrás
daquilo que nos passa
só somos
(somos sós)
quando nem será mais
e deixamos que morram
antes que o corpo
as nossas almas
até então imortais
mas eram só de areia...
lições da poeira

e o que sobra
é o papel do que fomos
superfície maquiada e derradeira
o pó da face plastificada
e ficam ali as pessoas
num mundo já à beira
sendo um móvel de belo verniz
a se escorrer do nariz
perfilado da máscara
o que os cupins deixaram em lasca
aquelas pessoas ainda vivas
mas só do que não foram
restos vazios de casca
baldes cheios de poeira
e castelos de areia...

03 fevereiro 2018

Lições das Trevas

I – do Gato

tu gato noturno
atento ao vazio da treva
vês ainda mais vezes
que vazio sou eu
que não estou
no que te leva

tu sabes, gato
que toda a ciência
não vale o sentido
do teu olfato

II – da Coruja

e o teu canto
coruja hermética
de olhos autônomos
equivale a uma europa
de filósofos
e de autômatos

e, por fim
há mais sabedoria no teu pio
do que em todo
o povo do Brasil

III – da Estrela

tu que não nos sabes
nunca te fracassas:
sendo estrela és distante
e sendo distante és verdade

triunfas ao iluminares nuncas
e dar as costas
à humanidade

01 fevereiro 2018

A História Fodida da Arte

Beethoven surdo e bêbado deixando seu testamento de quase suicídio
Dante pondo fim à Idade Média graças à sua amada defunta
Chopin tossindo sangue sobre o piano
Van Gogh arrancando uma orelha antes de levar uns tiros no peito
Rimbaud morrendo na África em meio a armas e guerras
Brahms e Fernando Pessoa destruindo seus fígados
Goya quase cego quase surdo quase vivo
Dostoiévski quase sendo fuzilado na Sibéria
Tchaikovski bebendo de propósito água com cólera
Lorca sendo assassinado pelo governo espanhol
Schumann alucinado morrendo num hospício
Borges sempre no escuro
Baudelaire acabando-se por amar prostitutas
Mozart ainda jovem enterrado como indigente
Poe encontrado semimorto em delírio alcoólico
Shostakovich com os nervos aniquilados
Kafka sangrando tuberculose
Munch bêbado alucinado e paralisado
Jane Austen possivelmente envenenada com arsênico
Schubert compondo suas últimas obras com 31 anos
Bukowski esvaído em sangue e em álcool
(...)

ah esses caras, com tanta presença da morte
nos deram tanto sentido pra vida...

30 janeiro 2018

Constituição Da República Federativa de Mim Mesmo

eu não deixarei que eles me digam o que fazer.
por que eles sempre querem te dizer o que fazer?
por que eles sempre querem te dizer o que gostar o que sentir?
ou não gostar ou não sentir?
eu não mantive 40 anos de um resto de alma
para acabar sendo uma porra de boneco autômato
ou para me portar conforme as regras
como um cachorrinho amestrado de madame

não gostarei de verão porque dizem que verão é melhor
não sairei sorrindo para ser aceitável
não serei feliz por decreto ou por conselho
não deixarei de beber em nome da saúde da ordem do bom senso
nem só de ordem vive o homem
viver não é sinônimo de continuar vivo
o bom senso é bom senso pra quem?

não admito autoridades.
porque alguém estaria acima de mim?
não me curvarei a titulados a fardados a abastados
e não escreverei o que eles querem para ser publicado
ou lido ou aceito ou estado
não me sujeitarei a um conceito alheio de limite
não serei o cara de sucesso a ser estampado como exemplo
não deixarei de escrever "no teu cu"para não chocar
os hipócritas de plantão

não abandonarei minha personalidade
porque alguém me julgou arrogante
não entendo humildade por deixar de ser-me
por que outros devem criar regras comportamentos e padrões
e eu tenho que aceitá-los e segui-los?
então eu não devo ser eu, devo ser outros?
minha glória é não estar no que me esperam
o que se pode esperar de mim?
o que se pode esperar dessa humanidade?


28 janeiro 2018

Séculos

um dia tudo que vive será cíclico
um dia tudo que é calma será sísmico
um dia tudo que é nada será épico

um dia tudo que é seca será cáustico
um dia tudo que é sangue será crístico
um dia tudo que é morte será mítico

um dia tudo que cala será crítico 
um dia tudo que grita será trágico
um dia tudo que morre será cíclico

26 janeiro 2018

Tudo que no Resta

só na noite é possível a vida interior:
a noite é a melhor sensação
a noite que não termina
a não ser quando acaba além do dia
e ainda continua em dia sendo noite:
atravessar a noite é atravessar a alma
atravessar a noite é penetrar na vida

a vida que é massacrada durante o dia:
a vida em seu massacre do cotidiano
manhãs tardes da vida aniquiladas pelo trabalho
trabalho inútil por mais que se faça
trabalho de responsabilidades sociais pessoais e o diabo
trabalho pelo desejo de sucesso que em si é o fracasso

a vida é massacrada pelo que se DIZ vida
a noite é o último refúgio do que É vida
na noite a poesia a música ainda mantêm seu domínio
a arte distante da tagarelice estúpida do progresso
a noite sem fim que se funde na luz da aurora
e permanece em vida nos sonos e sonhos

o dia já não traz mais a esperança
o dia foi dominado pela mecanicidade exploratória
da civilização robótica

a Noite é o derradeiro império da liberdade
a Noite é o campo verde e final da reflexão e do sentimento
a Noite é tudo que nos resta
enquanto a humanidade dorme
é que o universo pode nos acontecer
a Noite é a última resistência da vida
como os animais que por serem caçados de dia
escolheram sair somente à noite
a Noite é a última chance ao mistério
a Noite é o verdadeiro triunfo da luz

(Na imagem, "Pescadores ao Mar", de William Turner)

24 janeiro 2018

Ah, o Progresso...

“há quem passe pelo bosque
e só veja lenha para a fogueira” (Tolstói)

há quem sente na grama dos campos
e só veja escavações para minérios
(ah, o progresso)

há quem observe uma cascata de águas
e só veja inundações para hidrelétricas
(ah, mais progresso)

há quem mire  no olhar do tigre
como um inimigo a ser massacrado
e substituído o mistério que vem da vida
pelo lucro que vem da máquina
(tanto progresso)

há quem olhe para o céu
e só veja seca ou chuva
para a lavoura de soja
(quanto progresso)

arrebentar planeta e humanidade
para encher os cofres de um punhado
dos homens que fazem
dos homens de bem
(quanto cansaço)

amém

22 janeiro 2018

Catástrofes

I - para o planeta
(em sua condição atual)
a vida de um tigre
representa uma importância muito maior
do que a vida de um ser humano

II - a humanidade ainda acredita
que não será extinta 
pelas catástrofes planetárias
porque está no topo:
mas as catástrofes planetárias
(e isso nos ensina a história)
são justamente para derrubar
o que está no topo

III - "como é acima é abaixo":
é claro que há uma sabedoria planetária\universal
ou haveria algum sentido
não haver sabedoria no planeta
mas ela ser encontrada de vez em quando
nos vermes que o habitam?

19 janeiro 2018

Eu sou Doente

a maneira dos que controlam a sociedade
poder controlar aquilo que não controlam
é determinar tudo que foge ao controle
como doença:
se eu bebo além do social, eu sou doente
se eu fumo, eu sou doente
se eu não como o que é propagandeado
que deve ser comido, eu sou doente
se eu não ando de acordo com o padrão estabelecido
eu sou doente
se eu não faço exames regulares com um médico
eu sou doente
se não me interessa ser alguém 
com um bom emprego e bem sucedido
eu sou doente (mental)
se eu tenho pensamentos gostos e comportamentos incomuns
eu sou doente (mental) 
se eu não seguir a regra geral
de estudar se formar trabalhar
constituir família
ser um pilar da sociedade
ter boa casa bom carro
acumular bens
e morrer
eu serei doente (total)
enfim
se eu não me sentir vitorioso feliz alto astral sorridente
eu sou doente

para eles
eu só não serei doente
se eu estiver morto como eles

17 janeiro 2018

Sobremortos

I - na vida temos a ilusão da escolha
mas tudo nos é imposto:
desde os impostos
até nossos postos
até nossos gostos

II – porque nossa vida está condicionada de uma maneira
que não haja maneira de haver vida
e de tal forma
que não se saia da fôrma

III – viver tornou-se apenas sobre:
sobretudo uma sobrevida
de sobremortos
na busca de um sem sentido
sobrenada

15 janeiro 2018

O Mal sou Eu

se eu escrever otimismos e autoajudas
não terei escrito coisa nenhuma
se eu disser que passarei a mão na cabeça do leitor
nem terei sido escritor
literatura não se faz com sorrisos e gestos de coraçãozinho
não se escreve sob céu azul
não se pensa sobre a vida assistindo a comédias românticas
literatura é o incômodo o soco no estômago
o ácido do limão o punhal revirando a ferida
a provocação para que se reaja

quero literatura que não me iluda com esperanças
mas que me jogue na cara a minha merda
que não me fale do meu sucesso ou qualidades
mas que me escancare meu verme e arranque minha máscara
a humanidade caminha para o abismo
porque ninguém quer enxergar o seu abismo particular
as pessoas reprimem sua dor suas debilidades seus erros
ao invés de aprender com eles

a literatura tem que me mostrar que o mal do mundo sou eu
que não é o meu vizinho mas sou eu quem destrói o planeta
quero literatura que me diga que estou morto
para que eu perceba que não vivo

13 janeiro 2018

Abaixo de Tempestades

I - o sofrimento dos animais me condói mais 
que o sofrimento dos humanos adultos
porque os humanos em geral
sabem da culpa que têm (seja no que for),
os animais não só não sabem
como não a têm.

II
- se necessito ouvir verdades
me vou à beira dos banhados
sentar atento junto aos sapos
por entre a lentidão dos cágados
e só abaixo de tempestades
se necessito ouvir verdades

III
- alguém me colocou em meu devido lugar:
foram as minhas gatas
elas vivem a vida delas em plenitude
sem precisar que alguém lhes diga coisa alguma.
a vida... e eu mal sei que tenho uma

11 janeiro 2018

Beiras de Abismo

você sabe quantos metros de suas próprias tripas
um compositor um escritor um poeta um pintor teve que arrancar
para conseguir criar a sua obra?
mas esta atual civilização de bosta
só reconhece o intérprete e ignora o criador:
é que o intérprete é quem aparece

não te importas com quanta solidão e amargura
quanta angústia e lama na cara
quanta ansiedade e noites em claro
quanto desespero e passos na merda
quanta beira de abismo
quanto suicídio
foram necessários para quem criou
a obra que tu vês como bela

só te importa a aparência



09 janeiro 2018

Eu Não sei Dançar

não tenho  nenhum talento  para ir mostrar que tenho algum talento
não consigo me relacionar com as pessoas 
para dizer que faço alguma coisa
ou mendigar admiração
não tenho o dom das relações públicas
não tenho a habilidade de entrar em contato para me divulgar
sou um orgulhoso fechado antipático: detesto pedir favores
não consigo exibir sorrisos e ser legal
para que as pessoas gostem de mim
não tenho o jogo de cintura nem a flexibilidade
para me inserir nos meios sócio-culturais
jamais faria alguma concessão para ser aceito
não consigo me enfiar no meio de onde estão os outros
não sei sair do que sou e não ser eu.

eu só escrevo. e deu.

07 janeiro 2018

A Quinta Sinfonia de Beethoven

nas quatro notas iniciais
da 5º Sinfonia de Beethoven
(o famoso "tan tan tan taaannnn")
há uma verdade
e essa verdade é única e intransferível
de cada um que a sinta.
há uma verdade em toda outra grande música
ou mesmo em uma música nem tão grande
e há verdade no "Fausto" de Goethe
e há verdade na "Mona Lisa" de Da Vinci
verdades que não se impõem
mas que nos falam direto ao coração
sem necessitar do labirinto da mente

a verdade que há nas artes
é a mais verdadeira das verdades
porque permite ao homem ser verdadeiro
e não forçado a aceitar verdades
e nem obrigado a transmitir verdades

a verdade que há nas artes
é a que está no ser de cada ser

06 janeiro 2018

Soneto a Schubert

surgiste dos solares das auroras
já pronto para ocasos iminentes
anoiteceu em tudo o que tu sentes
e cavalos galopam tuas horas

um sonho de mais vida te devora
que é o oposto de sublime ir em frente
há um alto nos avisos que pressentes
segredos que ameaçam ao ir embora

que deus que morre em teu gênio profético?
quem é que escuta teus sopros fatais?
que traz de oculto teu cântico hermético?

as fúnebres marchas são teus sinais...
quem me dera um catastrófico épico
para entender-te os anúncios finais

(No vídeo, o 2ª movimento da Sonata para Piano nº20 de Schubert, com Alfred Brendel ao piano.)

03 janeiro 2018

Trombeta

a céu que não descia
pairava um mas
aquém do verde negro
loucura em vão
um álcool lento a lento
do que mais fiz
um vento em som de adeus
do que não vou
caída aquela estrela
quando me vi
desejo insana a vida
fracasso e luz
sangrar venena a rosa
tristeza o sim
a noite sinto em ser
o que não sou

01 janeiro 2018

Novos-Anos

nos Anos-Novos as pessoas falam em mudanças
mas durante os Novos-Anos
fazem o que estão certas
que devem fazer:
não há mudança
se não se põe em dúvida o que se faz.
sempre achamos
que devemos fazer as mesmas coisas
e que somos o que fazemos
e que cumprimos nossos deveres
e os deveres são sempre os mesmos
e cumpridos sempre da mesma forma

mudança seria
admitir que não mudaremos 
que cometeremos os mesmos erros
que continuaremos hipócritas 
e que cultivaremos as aparências

ninguém nunca se questiona nada
e no fim das contas
o banquete de virada
sempre termina em marmelada