Dia
22 de maio, o grande Richard Wagner completa 200 anos. Admiro intensamente Wagner
e sua obra. Nietzsche ficou de mal com Wagner porque Wagner foi o “Super-Homem
de Nietzsche” que o próprio Nietzsche não conseguiu ser. Ou quase isso. No
fundo, não foi pela alegação do filósofo de que Wagner curvou-se ao
Cristianismo. Wagner viveu, e muito, no sentido de realizar-se em vida. E realizou
também a enorme façanha de ser contraditório sem jamais se perder na
contradição. Nenhum homem pode ir além sem ser contraditório. Um grande homem
nunca é eternamente coerente. Porque, não se podendo jamais alcançar a
perfeição como ser humano, é necessário, no entanto, realizar-se em totalidade
de alma para ser um gênio. E em nossa alma (e seja lá o que for que cada um
entenda por isso) há não somente um lado, mas vários. Que o diga Fernando Pessoa. Que o diga Wagner.
O gênio alemão fez de sua contradição uma obra gigantesca, monumental e
revolucionária.
Sua
vida foi grandiosa e polêmica. Viveu tudo o que podia e o que não podia. Errou
insuportavelmente, mas nunca foi derrotado. Venceu em tudo, impôs-se ao mundo e
entronizou-se num orgulho antipático, mas justificável. Era um forte. Foi herói
e bandido. Um sublime e um criminoso. Amou a fundo e traiu a fundo. Teve e
defendeu ideais imensos e preconceitos mesquinhos. Pecador divino ou divino
pecador? Foi um humano, demasiado humano. E ao mesmo tempo um deus. Era um
semideus. Por que não? Da mesma forma que, na música, Brahms, Beethoven, Bach,
enfim, também o foram. O fato de serem semideuses não retira deles a miséria de
sua humanidade. Mas também é ostensível que não podem ser considerados reles
mortais como todos os outros.
Wagner
era antissemita, não gostava, em geral, de judeus, embora ele mesmo afirmasse
ter amigos judeus. Mas na época, na Europa, era tão comum europeus,
principalmente alemães, odiarem judeus como é comum hoje americanos odiarem
árabes. Condenável, mas compreensível. Viam os judeus como exploradores
econômicos como hoje veem os árabes como terroristas. Wagner não teve culpa de
ser mal-compreendido por Hitler. Seria o mesmo que jogar a culpa dos estupros
dos pastores evangélicos dos nossos dias em Jesus Cristo.
Wagner
era egoísta, orgulhoso, narcisista e até soberbo. Isso são defeitos ou erros para
as pessoas comuns? Talvez. Mas o que as
pessoas comuns trazem de significativo para a humanidade? Wagner trouxe, e
muito, usando-se de seus defeitos e erros. Eles foram necessários para a
concretização de sua “arte total”, para que ele impusesse sua obra
revolucionária, difícil, titânica e extrema ao mundo. Estaria Wagner consciente
disso ou ele desenvolveu essa personalidade através da "mão do
destino" (seja lá o que for essa “mão do destino”)?
Se
Wagner fosse mansinho, humilde, quem aceitaria suas loucuras musicais? Ele teve
que se impor. Abrir caminho. Necessitou “se achar” e ter uma confiança
ilimitada em si mesmo. É caso muito semelhante ao de Beethoven. Mas Beethoven
nos parece mais "simpático" que Wagner. E com razão. Beethoven não
era tão exibicionista quanto Wagner. Porém também era dotado de imenso orgulho
e de uma cósmica certeza de superioridade com relação aos demais seres humanos.
E era superior, ponto final. E se assim não fosse, de onde tiraria a força para
ser Beethoven e revolucionar a música a fundo, vencendo na marra?
Mas
por que diabos mencionei “sexo e morte” no título deste texto? Chegarei lá. Reconheço
em Wagner uma genialidade que só poderia se manifestar através de seus
"pecados". Se Wagner não fosse um adúltero, teríamos Tristão e
Isolda? Talvez até tivéssemos, mas devemos lembrar que a maior ópera de todos
os tempos somente chegou aonde chegou sendo fruto do amor adúltero entre Wagner
e Mathilde Wesendonck, ambos casados, ele com Minna Planner, e ela com Otto
Wesendonck , amigo de Wagner e seu financiador. É, Wagner era foda. Era um
sedutor apaixonado e inconstante. Até que se acalmasse com Cosima Liszt (com
quem também teve, de início, uma relação adúltera).
Não
fosse esse “amor impossível” entre Wagner e Mathilde, não teria surgido a
sublime, tensa e terrível Tristão e Isolda. Porque Wagner não tinha a intenção
de revolucionar a música quando a compôs. No entanto, revolucionou, e de forma
natural. A obra surgiu da expressão autêntica do seu sentimento absurdo e extremo,
alucinado e angustiado, tempestuoso e culposo por Mathilde. A inspiração “criminosa”
e divina advinda do que sentia pela mulher de Otto Wesendonck levou Wagner a ir
muito longe, a quebrar as barreiras das estruturas musicais, a “dilacerar” a
música até então conhecida, trazendo harmonias inauditas, acabando com o ritmo
tradicional, dissolvendo música e drama em um mar sem fim de arte angustiada e
hipnotizante. Foi a saída de Wagner para um amor devastador, que não tinha como
dar certo. Monumento maior ao binômio “amor e morte”, ou “sexo e morte”, que perturbará a humanidade para todo o sempre.