Muitas vezes me perguntei, tomado por crises de escrúpulos, se não deveria entregar todos esses cafajestes à imprensa, ao julgamento da opinião pública. Pensei sobremaneira nessa possibilidade quando pude comprovar definitivamente que os políticos são muito mais desonestos do que inicialmente imaginava. Sim. Dissera no princípio deste relato que esperava lucrar com minha organização criminosa o suficiente para ter um bom nível de vida. No entanto, os lucros foram imensamente superiores aos imaginados. Hoje sou um homem rico. E vários outros membros importantes da organização também o são. É que o número de políticos sujeitos às nossas extorsões era bem superior ao que inicialmente esperávamos.
No início, eu ficava atônito ao verificar que aqueles homens públicos, de aparência tão respeitável, muitas vezes ilibados pais de família, cujos discursos seriam capazes de nos fazer chorar por irradiarem tanto amor pelo povo e pela sua terra, com tão comovente sinceridade, com tão elevada disposição, com tão inflamadas frases, que duvidar de tais homens, de seus incontestáveis argumentos, de suas emoções à flor da pele, de suas intenções angelicais, de seus sorrisos puros e ingênuos, de seus motivos fulgurantes de justiça consistiria em um tremendo sacrilégio. Eram os homens mais dignos e honrados da humanidade, sempre dispostos a dar o sangue pelo bem comum, enfim, seres sublimes!
Mas que belos atores, haha! Sim, não passam de ótimos atores. Quanto fingimento, quanta hipocrisia! Aquele mesmo político, amigo, que tu colocarias a mão no fogo por ele, é tão criminoso quanto eu. Não, é mais.
Por isso, como disse, senti em vários momentos o desejo de entregá-los e vê-los na cadeia. Mas o que digo? Na cadeia? Político na cadeia em nosso país? Só se for um político honesto. Por isso que não há nenhum preso, haha! Então, se eu os entregasse, o que aconteceria? No máximo seus crimes seriam divulgados por alguns jornais, às vezes com bem pouco destaque, seriam processados (ou talvez nem isso) e não cumpririam um só dia na cadeia. E o povo, ora, o povo é formado por imbecis, e em alguns meses já teria esquecido todas as cafajestadas de seus amados políticos, seus dignos representantes, haha, que piada! Logo, logo, estariam votando nos mesmos canalhas que eu denunciara. Não é assim?
Então, considerei melhor não delatá-los, mas extorqui-los, extorqui-los cada vez mais, de forma mais impiedosa. E o dinheiro obtido com nosso crime, não é apenas para nos enriquecer. Também ajudamos um número incontável de pessoas pobres, de doentes e aposentados miseráveis, de jovens e crianças esquecidas, realizamos doações a entidades que atuam no campo social e ambiental. Afinal, o dinheiro é deles. E assim também obtemos o reconhecimento e a gratidão de um sem-número de indivíduos. E um dia poderemos vir a precisar de seus favores... É ostensível que para lavar o nosso dinheiro, abrimos várias empresas filantrópicas.
Claro que houve e há políticos que não se sujeitam de início às nossas chantagens e exigências. Dizem não temer nossas delações, que sempre dariam a volta por cima, enfim, essas baboseiras de político metido a macho. Mas a coragem sempre se desvanece com uma pistola automática enfiada na boca, com algumas unhas arrancadas, ou com uma sutil menção à beleza e tranquilidade da vida em família... Como seria triste perder a esposa, ou um filho, uma filha... Bem, creio que nossa organização sabe ser devidamente convincente.
Mas tais casos são raros. E agora, quase impossíveis. Digo “agora”, porque com a Lei da Ficha Limpa, nenhum político que queira continuar nos governos para poder exercer a sua sagrada rapinagem dos cofres públicos se arriscaria a ter um processo nas costas que impeça sua (re)eleição. De modo que mais do que nunca estamos com a faca e o queijo nas mãos...
Amanhã, o final.