24 fevereiro 2012

Do Meu Nome

o meu nome quando é dito
(e quem há dito
que meu nome alguma vez
bem dito?)
nunca se sonora como sendo
quando dizem que sou eu
ninguém a mim
me entendo

e quando dizem que não sou
se contradizem em assim mesmo
porque ao dizê-lo o não
o meu ser já é o som

o meu nome é aquilo que não-trilho
um passo dado ao nada e ao brilho
um sim subindo pelo não dizendo

o meu nome é aquilo que não-lendo
palavra nada
na última página
de um livro de vento

o meu nome
é como se fosse o como...
e como
é que se pode vir do vago?...

do meu nome
não se diz nem do que é céu
mas dirão que digo do meu eu...
ledo engano...
mas só quando advir o dano
lerão que sou
mas...
eu não-eu.

23 fevereiro 2012

Não há Nenhuma


não há alguma nem nenhuma
nem há outra (outro)
ou alternativa
nem do lado de cá
nem no que está por lá
nem daqui para ali
e vice-versa
nem de ti para mim
nem de si para si
há o que se versa
há talvez a volta vasta
velha vaga branca
curva reta manca
ou largo lago claro
talvez um som um sem um não
um voo um vão um raro
palavra em nota e tinta
há o note o pague o sinta
mas nenhuma ou alguma
não há
seja em gota ou em pá
há o que não é
e o jamais do que se veja
há o além do nada
e talvez o Nada Seja...

21 fevereiro 2012

Como ser alguém do Século 21 em apenas 21 lições rápidas e práticas

1)      1)  Consuma o máximo que puder gastar ( e talvez até mais do que puder), mas dê a desculpa, para os outros e para si mesmo, que você tinha real necessidade em tudo que consumiu. Não esqueça de fingir ter consciência de que se deve evitar o consumismo;

2)      2) Tenha consciência ecológica. Apenas tenha, mas não faça para mudar, afinal, a culpa não é sua;

3)      3) Finja não ter preconceitos com absolutamente nada. Guarde o seu preconceito somente para você;

4)      4)  Procure ser você mesmo, seja autêntico, desde que não difira dos outros. Seja diferente mantendo-se dentro do padrão ditado pela mídia e pela sociedade;

5)    5)  Se você for homem, trate a mulher como um produto, um bem, um prazer, de acordo com a premissa: “Praia, verãozinho, cervejinha, mulherada...”;

6)     6)  Se você for mulher, procure um homem somente pela segurança financeira e social que ele pode lhe oferecer, nunca esqueça que o importante é ser profundo. De bolso;

7)     7)  Tenha coragem de assumir seus gostos. Aprecie as músicas e as literaturas da mais completa chinelagem;

8)      8) Mantenha objetivos grandiosos, do tipo: adquirir o carro do ano, obter o mais recente modelo de celulares, aguardar a balada, aparecer nas colunas dos jornais, ir para a praia no verão, enfim, você sabe;

9)      9)  Finja que não acredita na mídia, mas no fundo somente se comporte como ela disser para você se comportar;

10    10) Pense o que todo mundo pensa. Mas nunca admita. Nem para você mesmo. Pensar originalmente é muito cansativo. E inútil; 

11   11) Mantenha uma eterna felicidade. Não importa como, e por mais superficial que seja. Alto astral sempre. A moda é ser feliz;

12   12) Sorria;

13   13) Fuja de si mesmo. Encontrar-se é muito deprê. E dá muito trabalho refletir sobre a vida. Aliás, dá trabalho refletir sobre qualquer coisa. Não há tempo, lembre-se disso sempre;

14   14) Seja otimista, ainda que a casa caia ao seu redor. Sendo otimista e pensando positivo, não se precisa fazer mais nada;

15    15) O sentido da vida é viver. Você está vivo? Ótimo, então não precisa buscar sentido em mais nada. Até porque você não vai encontrar;

16   16) Cultue a aparência e o prazer como se não houvesse outra coisa. Mas lembre-se: mantenha a aparência de que você não cultua somente a aparência;

17   17) Preocupe-se com o planeta, com os direitos humanos, com as injustiças, com as desigualdades... Preocupe-se, porque está na moda.

18   18) Autoajude-se;

19   19) Considere como retrógrada qualquer coisa que tenha algo de complexo e/ou de profundo e/ou de sublime; Agora, quanto mais simples e mais rasteiro, melhor;

20   20) Não Sinta. Sentir é ser fraco e ridículo. Chorar então, nem pensar;

21   21) Ame. Mas somente até o carnaval.

19 fevereiro 2012

Poema Antipático para o Carnaval *

gosto de
de vez em quando
escrever um verso antipático
isso me faz sentir
sendo aquilo que não sou:
um cara prático

gosto de alguns versos ranzinzas
tipo aqueles
de mancha em prazeres
e de ser algo como um relâmpago
pela janela de uma festa...
são coisas como essas
que à poesia ainda resta...

digo coisas
que uma ou outra pessoa
não gosta
mas há certas culturas populares
que para mim
não passam de bosta
e uso de palavras vulgares
porque há tanta gente lerda
que dá vontade
de mandar à merda

e pouco me importa
que venham me criticar
um ou dois
ou dez ou mil
o carnaval
que val
à puta que pariu

 * Este poema foi escrito e publicado originalmente durante o carnaval de 2011. Realizei algumas alterações no poema, e o republico.

17 fevereiro 2012

Algo ao Anel dos Nibelungos*

trompa e trovão sobre o trono
pulso do pulso do posso
e vi alto que algo se alçava
do que se erguia em espada
além do punho do poço

fúria o sonoro do sol
céu o marcial do vermelho
vi largo que algo se erguia
raio no sangue do dia
olhos no ocaso do espelho

e luz que se arma e de força
à forca este não-ser...  Fafner!
tormenta à íris de Deus
...e um toque à chama dos teus...
entre o horizonte ... há Wagner...

*"O Anel dos Nibelungos" (Der Ring Des Nibelungen) é uma das maiores obras musicais da história, em todos os sentidos, uma tetralogia operística que perfaz mais de 15h ao total, formada pelas óperas "O Ouro do Reno" ( Das Rheingold), "A Valquíria" (Die Walküre), "Siegfried" (Siegfried) e "O Crepúsculo dos Deuses" (Götterdämmerung). Foi composta por Richard Wagner (música e letra) e é baseada na mitologia nórdica, indo, no entanto, bem além dos elementos mitológicos. É música absurdamente poderosa, de intensa profundidade psicológica e um dos monumentos do Drama Musical, criado pelo próprio Wagner. 

16 fevereiro 2012

Por que advertências somente nos maços de cigarro?*

Já que colocam fotos de gente morta nos maços de cigarros, por que não colocar também: 

- De gente obesa em pacotes de batata frita; 

- De animais torturados nos cosméticos; 

- De acidentes de trânsito nas garrafas e latas de bebidas alcoólicas: 

- De gente sem teto nas contas de água e luz; e.... 

- De políticos corruptos nas guias de recolhimento de impostos?

Razoável, não?!

Sugestão de postagem: Profº Daniel Souza."

Agora, eu mesmo acrescento: 
- de gente com osteoporose nas garrafas de Coca-cola;

- de pessoas com hipertensão ou câncer nas embalagens de presuntos, patês e outros alimentos embutidos;

- de pacientes com linfoma (câncer no sistema linfático) em alimentos que recebem agrotóxicos?

*Retirado do blog TerraBrasilis.

15 fevereiro 2012

Ser Livre é Ser Dúvida?

o que é que me diz o que não sabe que não fiz?
aquilo que não era
em que era é que será?
o que será será por mim
ou sou só eu que sou assim?

lua que te luar
o que é que vejo quando me vejo
no som do teu não estar?

aquilo que sendo entardece
nuvens formando tardes
aves que auroram campos
pelo inverso solar do sono...
sou eu que tardo no que sinto
ou é o campo que se nubla como tinto?

noite que te atrás
o que é que tu me trazes?
e o que olho de horizonte
me olha como
entre o que vento
no que silência do monte?

o que não sou está sendo no que fiz
o que não fiz está feito no que sou

14 fevereiro 2012

12 milhões de hectares de terras férteis se tornam desertos a cada ano

Bem, conforme prometido, prosseguirei com as "boas" notícias que adornam o nosso planeta e a nossa civilização.  E, também conforme prometido, procurarei deixar apenas a notícia seca, sem análises ou opiniões da minha parte. 

"O secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, fez um apelo para que a seca e a destruição de terras aráveis sejam um dos temas centrais do desenvolvimento mundial.  
Cálculos da Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação indicam que, a cada ano, 12 milhões de hectares se tornam incapazes de produzir alimentos – o equivalente ao tamanho da África do Sul por década. A estimativa é que 2 bilhões de pessoas vivam em áreas com risco de desertificação.
Para Ban, a comunidade internacional reage, em geral, tarde demais, quando os custos para solucionar o problema são maiores que os gastos para evitá-lo. Ele citou a situação atual do Chifre da África, onde a seca e a falta de recursos colocam 13 milhões de pessoas em necessidade urgente de ajuda humanitária.
Além de afetar a vida da população de áreas atingidas, o processo de desertificação ameaça o abastecimento em todo o mundo. Estudos da ONU apontam que o crescimento da população até 2050 deverá forçar a demanda pela produção de alimentos em 70%."
Apenas um comentário: chamo a atenção para esta constatação: o equivalente ao tamanho da África do Sul por década. A África do Sul é um dos países de maior extensão territorial da África. Possui 1 219 912 km². Para se ter uma ideia, toda a região Nordeste do Brasil possui 1.554.257Km². Se perdemos toda essa extensão territorial a cada 10 anos, quanto restará de terras cultiváveis dentro de um século? 

12 fevereiro 2012

Sinto o sono que não me dorme

a final
o que é que
não querendo
queres de mim?
que eu nade no mar da tua morte
ou que morra no amar do teu nada?
dera que o sono me caia
como quem nada
e dorme na praia
por que é que faço isso que não fiz?
ah que o meu sempre
é sempre
por um triz

semprei-me de lado  a lado
extremando-me
de extremo a extremo
e de cada lado e de cima a baixo
gosto de vento e veneno...
dera que meu sonho me saia
como aquele único pedido
que me fizeste
em troca de que eu pedisse
quem dera
que meu olhar fechasse
que dormisse outra era
que se te durmo
me sumo
de espera

mas agora
o que é que me acorda?
a corda

10 fevereiro 2012

O que faltou nos Últimos 50 Anos?

faltou da folha um ramo
nas florestas desfolhadas
na guerra do vietnã

faltou um grão de arroz
entre os dentes já caídos
dos famintos africanos

faltou um ponto a menos
na tremenda escala richter
do tsunami da indonésia

faltou vazio a menos
entre a área devastada
pela radiação de chernobyl

faltou o som do grito
das milhares de espécies
que do agora se extinguiram

faltou uma esperança
aos milhões de gente humana
que vivem a vida sem sentido

faltou um pouco d’água
pelos 100 riachos rios
que secaram pelo mundo

faltou uma só lágrima
gotejando pelo queixo...

eu aqui a deixo.

09 fevereiro 2012

Disse-me o que não fui...

da minha (p)arte

poeta é olho
do que me falta
ser minha sina
desimagina...

 poeta é nunca
de nunca seca
sacar no peito
do meu desfeito...

poeta é pulso
fazer que sinta
ser tinta e nota
na tua porta...

poeta é ir-se
lamber à lágrima
em anjo adejo
e mais despejo...

poeta é lábio
que eu sempre sangue
no acima ao é
no abaixo ao pé...

poeta é nada
querer que venha
o que partida
da minha vida...

poeta é morte
olhar ao tudo
cadê minha alma?

sem uma palma.

07 fevereiro 2012

E fez-se, então, a minha vontade... (Final)

Eu convenci este primeiro indivíduo de tal forma que ele se convenceu que as minhas idéias eram, na verdade, suas, que ele sempre pensara assim, mas que apenas nunca havia expressado a outros. Nem a si mesmo. Para ele, era algo que jazia nas profundezas de seu subconsciente. Bastava o seu descobrimento. E então, uma vez tendo descoberto (era assim que ele pensava), resolveu-se por expressar, cheio de entusiasmo, de orgulho, com o ego totalmente inflado, absolutamente cheio de si. Que gênio! Tendo ideias tão novas, tão revolucionárias, tão convincentes... e tão humanas...  O que as pessoas não fazem por orgulho, por vaidade... ?  Eu sempre soube manter as pessoas inflamadas no incêndio do orgulho. E, orgulhoso, aquele imbecil acreditava que irradiava para outros as “suas” ideias, não as minhas. E assim, muito bem convencido e entendendo perfeitamente tudo o que eu quis dizer sem dizer, foi o meu primeiro porta-voz, sem saber que o era.

Ah, as verdades agradáveis... Mas o que seria uma verdade agradável? É aquela que não condena, mas que aceita, perdoa e compreende tudo. E mais ainda, é aquela que julga como correto o que se julga em geral como errado. Não em totalidade, mas parcialmente. Como disse, uma verdade agradável está sempre cercada de agradáveis mentiras. Eu nunca me pronunciei contra qualquer verdade generalizada. Isso seria um comportamento estúpido, pois seria rechaçado de imediato. Há que se ir contornando a situação, envolvendo as vítimas com a sedução das verdades agradáveis. 

Uma verdade agradável concordará inicialmente com todas as verdades, para depois, com as mentiras intimamente a ela ligadas, ir aos poucos, bem as poucos, muito gradualmente, de forma imperceptível, distanciando-se da verdade primordial. Até que acabará por inverter totalmente o que antes era uma verdade absoluta, porém, desagradável. Desagradável porque ia contra o desejo geral das pessoas. As verdades absolutas pretendem ser inflexíveis. A minha intenção era acabar com tais verdades absolutas. O que eu tencionava era transformar desejos aparentemente condenáveis em desejos perfeitamente realizáveis, justificáveis, que sorrissem, que agradassem, que pudessem ser concretizados sem o mínimo sentimento de culpa. E isso sempre foi feito de forma tão sistemática e tão gradativa, através de tantos engodos e enleios em torno de verdades agradáveis, com tão inteligentes e inquestionáveis argumentos, através de raciocínios e teorias tão lógicas e envolventes que duvidar das minhas mentiras tornou-se um absurdo. Qualquer um que duvidasse seria ridicularizado.

Há que se saber agradar, atender aos desejos mais intensos e secretos do ser humano, não importando as consequências. Nunca me importei se o desejo era correto ou incorreto. Correto com relação a quê? O que importava é que ele fosse realizado. Sempre fui um especialista nisso. Mas não era eu quem realizava os desejos. Não, eu incitava, imperceptivelmente, aquelas pessoas a que realizassem os seus desejos mais “culpáveis” de maneira absolutamente livre. E elas realizavam os seus desejos entre elas próprias.

Mas... e se elas não tinham nenhum desejo “culpável”? Aí está outro ponto de minha responsabilidade. Saber criar desejos, criar necessidades, tornar aquilo que antes era desprezível, ou visto como um erro, ou que era sempre evitado, ou, simplesmente, desconhecido de forma completa, em algo intensamente desejável. Incutir o desejo naquelas pessoas constituía-se em um imenso prazer para mim. E, mais uma vez, eu não ditava nada como algo que deveria ser desejado, mas apenas sugeria muito sutilmente para algumas pessoas mais influenciáveis e mais naturalmente corruptíveis que talvez houvesse algo que valeria a pena se fosse desejado. Porque seria facilmente realizável. E traria infinito prazer e satisfação. 

E então ensejava no indivíduo o desafio de realizá-lo, com frases tais como esta: “Mas é claro que tu jamais farias uma coisa dessas, eu mesmo nunca fiz, e nunca faria. Quem sou eu para tanto? Eu sou um ninguém. Somente uma pessoa com mais coragem, com mais determinação, com mais força interior seria capaz de fazê-lo. Não acho que tu serias capaz...” E, assim, a pessoa, desafiada e ferida em seu orgulho (o orgulho, sempre o orgulho...), e, também, desejando sobressair-se sobre os demais, por realizar algo até então inédito, considerava como um feito extraordinário a realização daquele desejo, e o concretizava. E, naturalmente, aos poucos, outros foram seguindo seu exemplo.

É lógico que muitas vezes encontrava-se resistência. Muitos se manifestavam indignados, escandalizados, em presenciar a perpetração de atos considerados até então completamente absurdos ou perversos ou imundos ou até mesmo inconcebíveis... De modo que eu, por diversas e diversas vezes, necessitei agir, claro, sempre em segredo, sempre através de uma insidiosa sutileza, para que aquilo que eu queria que os outros fizessem, desejassem, sentissem, pensassem, enfim, estivesse de acordo com a minha vontade. Foi necessário para tanto, recuar alguns passos, retornar às verdades agradáveis, unir um desejo condenável a uma demonstração celestial, “provar” que era possível amar sem abrir mão do egoísmo, sem deixar de lado a realização dos desejos mais intensos, satisfazendo-se sempre, de forma fácil, sem a necessidade de percorrer caminhos tortuosos. É claro que eu sempre agradava.

Eu buscava exatamente essa agradabilidade de se viver. Que todos vivessem assim. Na alegria, na despreocupação, levando a vida de forma leve, sem nenhum peso , sem nenhuma culpa, sem a necessidade de ir-se em busca de feitos ditos grandiosos, belos, sublimes, mas irrealizáveis. Que apenas trariam amarguras e infelicidades. Provei que a felicidade estava apenas na satisfação do desejo do momento. Assim deveriam ser os sonhos. Ou, para aqueles que disso jamais eram convencidos, deixei a alternativa de se satisfazerem exatamente não satisfazendo seus desejos momentâneos. Para receberem uma recompensa bem maior depois. Também é uma forma de se satisfazer desejos. E o que mais poderia fazer sentido?

E foi assim que eu, que nunca existi de fato, aquele que ninguém nunca notou DEVIDAMENTE, obtive a vitória de minha vingança silenciosa e imperceptível. E fez-se, então, a minha vontade. .. Exatamente o oposto do que era no princípio. Entre todas aquelas pessoas. Que nunca viram e nunca veem a minha vontade como se fosse minha. Mas isso pouco me importa. O que me importa é que, agora, a humanidade me pertence.

06 fevereiro 2012

E fez-se, então, a minha vontade...

Desde aquele dia eu jurei vingança. Uma vingança lenta, calculada de forma absolutamente perfeita. Extremamente fria e insidiosa. Sem reações imediatas, sem impulsos violentos. Uma vingança como devem ser as vinganças grandiosas.

Meu primeiro passo foi me infiltrar entre eles silenciosamente. Como se eu não estivesse entre eles. Não chamando a atenção ou desviando a atenção para outros pontos não relacionados (ou que não se consiga estabelecer alguma relação). Foi assim que me infiltrei. Eu era como um nada. Infiltrar-se é desaparecer sabendo estar-se conscientemente. E eu fiz desse desaparecimento o ponto de onde partiam todas as determinações. O detalhe fundamental é que ninguém percebia tais determinações como sendo determinações. Pois elas não podem vir de algo que não estava ali. Eu não estava ali. A não ser para mim mesmo.

Meu plano era tornar minha vontade soberana sem que ela fosse percebida como tal. Aos poucos, extremamente aos poucos (a paciência é a tutora da vingança), fui convencendo todos de como eles deveriam pensar. Sem que ninguém soubesse quem orientava seus pensamentos. E a melhor maneira de dominar o que alguém pensa não é atuando diretamente sobre o centro intelectual, mas sobre o centro emocional. Eu agi sobre os sentimentos daquelas pessoas. O ser humano, uma vez tocado em suas emoções, torna-se suscetível a mudanças de pensamento. Suas estruturas psíquicas se abalam. Então, é relativamente fácil convencê-los do que se pretende. Para se emocionar alguém, deve-se dizer aquilo que esse alguém quer ouvir. E exaltá-lo. Exaltar todas as suas características admiráveis, exagerando sempre, omitindo os defeitos, e até inventando algumas qualidades que ela acha que possui, ainda que em verdade não possua.

A mentira. A mentira é a base de toda dominação. Mas nunca a mentira isolada. Para se convencer alguém de alguma coisa com real eficiência é preciso dizer-lhe verdades que ela quer ouvir, verdades agradáveis, e mesclá-las com pequenas mentiras, a princípio, aparentemente inofensivas. Mentiras que se relacionem com as verdades ditas. De forma que não parecerão ser mentiras. Mas serão essas pequenas mentiras que, crescendo sem limites, estabelecerão o ponto de mudança nos pensamentos. Por isso as mentiras devem ser perfeitamente calculadas para que atinjam o objetivo desejado. Foi exatamente o que fiz.

Eu nunca proferi uma mentira por si só. Antes de mentir, eu pensava naquela verdade mais agradável para ser dita, alguma que fosse óbvia, inquestionável, de fácil assimilação e comprovação e que enaltecesse a inteligência, a sensibilidade, a profundidade de meu interlocutor. Hipocritamente, é claro. Tal verdade agiria sobre seu centro emocional. E essa verdade agradável sempre o deixava de tal forma contente e satisfeito que ele sempre cooperava comigo. Mas cooperava sem saber que o fazia. É nesse ponto que entravam as mentiras. As mentiras intimamente conectadas com as verdades faziam com que meu interlocutor imaginasse que os pensamentos que estavam sendo introduzidos por mim em sua mente eram na verdade dele próprio. E as mentiras sempre eram aceitas, uma vez que não era possível desconectá-las das verdades. Eu fazia com que fossem uma coisa só, um monstruoso organismo vivo com belos olhos sedutores. Aliás, as pessoas nem se preocupavam em comprovar a veracidade das mentiras, das ilusões, dos enganos. Afinal, aquelas sedutoras mentiras estavam arraigadas a verdades tão claras... Para que se dar ao trabalho de comprová-las? E talvez tal comprovação nem fosse possível. E as pessoas nem desejavam fazê-lo, uma vez que estavam plenamente satisfeitas.

É ostensível que nunca necessitei convencer a todas aquelas pessoas diretamente. Uma vez devidamente infiltrado entre eles, procurei os indivíduos que eram mais psiquicamente influenciáveis, e, ao mesmo tempo, que exercessem alguma importante influência entre os demais. Encontrei então a pessoa ideal para agir sobre seus centros emocionais e intelectuais. Foi a primeira a ser convencida, que passou a convencer outras que, por sua vez, convenciam mais outras e assim sucessivamente até o infinito... Porém, é importante salientar que esta pessoa por mim convencida jamais se sentiu dessa maneira. Eu jamais poderia, na sua mente, tê-la convencido de nada. Como eu disse, eu mesmo não era nada, eu não era ninguém. Ninguém sabia da minha presença entre eles. Eu era apenas mais um. 

(Amanhã, o final do conto.)