Amanhã, 22/05, Richard Wagner completa 202 anos. Wagner está entre meus quatro compositores preferidos, após Brahms, logicamente, Beethoven e Bach. Curiosamente, os quatro são alemães. E foi na Alemanha, na segunda metade do século XIX, que ocorreu uma das maiores polarizações da história da música, senão a maior. De um lado, Wagner e Liszt e a música programática, chamada também de "futurista", aquela que deveria servir a algum programa preestabelecido, geralmente ditado pela literatura (como no caso dos dramas musicais), e, de outro lado, Brahms, adepto da música absoluta, da música pura, que nunca compôs uma ópera (o mais próximo disso foi a Cantata Rinald, baseada em texto de Goethe), concentrado principalmente na música instrumental e nos lieder (canções, geralmente um poema cantado acompanhado pelo piano), e, por fim, acusado, injustamente, de ser conservador em demasia, retrógrado.
Seu eu vivesse na época, creio que seria um adepto de Brahms. Mas o tempo passou, e hoje a genialidade de ambos os compositores é compreendida cada uma em seu devido lugar. Wagner elevou a um patamar máximo o drama na música, o canto wagneriano, único, hipnotizante, assombroso. Suas óperas são monumentos da arte, onde se reúnem música, literatura, teatro, mitologia, são obras de força e grandiosidade .
Mas na música absoluta, na música apenas instrumental, na música de câmara, Wagner não existe. Foi necessário Brahms para renovar a fundo a música absoluta pós-Beethoven, de forma mais contida que Wagner, mais discreta, de acordo com seu temperamento denso e sombrio de alemão do norte, mas não menos importante. Ambos os gênios ocupam hoje cada um o seu lugar, cada um trilhou de forma perfeita o seu caminho.
Entre os gêneros da música erudita, a ópera, de forma geral, não está entre os meus preferidos. Tanto que entre os meus três compositores favoritos, há apenas uma ópera: a "Fidélio", de Beethoven, a única que ele compôs. Brahms e Bach não compuseram óperas. Mas as óperas, ou dramas musicais, de Wagner são um caso à parte. São diferentes de todas as outras óperas, absolutamente revolucionárias, de uma profundidade de expressão inédita no campo operístico, e de uma potência sonora devastadora.
É o caso da ópera Tristan und Isolde, para mim, a maior ópera já composta. A obra trata da lenda medieval celta de Tristão e Isolda, enriquecida e transformada por Wagner em um verdadeiro mito do amor impossível e da morte. Esse drama musical é como um hino demente ao amor desesperado, onde novas possibilidades de expressão musical são exploradas até as fronteiras do sistema tonal. É música absolutamente revolucionária e perturbadora. Envolve-nos como um encantamento, como um feitiço, arrasta-nos por nebulosas, inflama-nos de uma febre ardente.
Inspirada no amor impossível de Wagner por Mathilde Wesendonck, esposa de seu amigo Otto Wesendonck, a escrita wagneriana nessa obra transcende as regras clássicas da composição, e, ao mesmo tempo, e também por isso, leva-nos a um outro mundo de absurdos sonoro-emocionais. Wagner foi, musicalmente e psiquicamente muito longe. Abriu as portas do atonalismo. Influenciou decisivamente toda uma geração. Em Tristan und Isolde, tudo parece se dissolver entre si, é como um trabalho alquímico, canto e orquestra se dissolvem, os temas entrecortam-se infinitamente em incessantes modulações, como numa vertigem, fundem-se, assim como o amor e a morte, a luz e a noite, a magia, o sonho e o desespero, a ilusão e a realidade. O canto wagneriano vai se desenrolando e nos hipnotizando, deixa-nos em transe, impregnado de desejo e dor, de fúria e alucinação, entre o sublime e a desgraça, entre o consolo e o veneno. Nessa obra de extremos e de audácias, a noite é a grande heroína, só ela possibilita o amor, enquanto o dia e a luz são sinônimos da opressão da vida. E a morte acaba sendo a única libertação.
Mas Brahms também expressou tudo isso, mas na música absoluta, de uma outra forma, abstrata, que depende de nossa interpretação. A vantagem de Brahms é que ele é mais conciso, e isso é fundamental nos dias atuais.