13 julho 2007
Sombrios Versos à Luz
imortal
luz do cosmos
luz dos fogos
luz dos olhos
de quem ama
luz de chama
luz astral
luz de Goethe
quando morre
que me escorre
à luz-lágrima
de quem sonha
à luz-selvas
entre danças
e que salvas
luz em valsas
borboletas
e mães-d’águas
vaga-lumes
nessas almas
vale em noite
luz da lua
em fantasmas
que flutua
mais ao alto
luz de raios
raio em astros
sol de estrela
luz de arcanjo
com clarim
luz-além
luz vermelha...
Luz do Fim.
luz do cosmos
luz dos fogos
luz dos olhos
de quem ama
luz de chama
luz astral
luz de Goethe
quando morre
que me escorre
à luz-lágrima
de quem sonha
à luz-selvas
entre danças
e que salvas
luz em valsas
borboletas
e mães-d’águas
vaga-lumes
nessas almas
vale em noite
luz da lua
em fantasmas
que flutua
mais ao alto
luz de raios
raio em astros
sol de estrela
luz de arcanjo
com clarim
luz-além
luz vermelha...
Luz do Fim.
09 julho 2007
06 julho 2007
Soneto a Ela
E paira alta grandeza sobre as nuvens
e pesa mau destino sobre os homens.
Em negro mundo os anos se consomem
e mais clara em tua alma tu nos surges...
Caem raios das horas que refulges,
como sonhos de morte que em mim somem
como fins teus ocultos que há em Beethoven
como sombra em ti fêmea viva em luzes...
Tua voz nas tormentas que há nos céus,
teu olhar cataclísmico nos vela
nos sinais do Infinito dos teus véus...
E por ser Una, arcanamente bela,
alguém dirá talvez que vós sois Deus,
mas eu canto que vós sois no Eterno Ela...
e pesa mau destino sobre os homens.
Em negro mundo os anos se consomem
e mais clara em tua alma tu nos surges...
Caem raios das horas que refulges,
como sonhos de morte que em mim somem
como fins teus ocultos que há em Beethoven
como sombra em ti fêmea viva em luzes...
Tua voz nas tormentas que há nos céus,
teu olhar cataclísmico nos vela
nos sinais do Infinito dos teus véus...
E por ser Una, arcanamente bela,
alguém dirá talvez que vós sois Deus,
mas eu canto que vós sois no Eterno Ela...
30 junho 2007
Contradição
deixar-te-ei contemplando
o rosto claro das existências
para mergulhar pelas sombras
que mantêm vivo teu rosto
onde os olhos estão sem ver
como sol rubro que brilha
sem brilhar nas cavernosas nuvens
gotejarei meu ouvido anímico
no que jamais se ouve por cantar tão alto
que se esconde sob o transparente
no futuro avanço que há muito passou
e que volta novo para os velhos cegos
irei dedicar minha vida e mônada
para todo oculto onde vive a morte
e se ri do olho que não vê sua vida
que sustém a boca que lhe é ingrata
que vai muito longe dessa mão que alcança
nessa minha insânia que já vê o óbvio
de como é acima é abaixo como é abaixo é acima
além das faces eu conheço almas
além da terra eu vivo no cosmos
deixo-te com as certezas
da cegueira do teu Real
para alcançar verdades
nas visões de meu olho em Sonho
o rosto claro das existências
para mergulhar pelas sombras
que mantêm vivo teu rosto
onde os olhos estão sem ver
como sol rubro que brilha
sem brilhar nas cavernosas nuvens
gotejarei meu ouvido anímico
no que jamais se ouve por cantar tão alto
que se esconde sob o transparente
no futuro avanço que há muito passou
e que volta novo para os velhos cegos
irei dedicar minha vida e mônada
para todo oculto onde vive a morte
e se ri do olho que não vê sua vida
que sustém a boca que lhe é ingrata
que vai muito longe dessa mão que alcança
nessa minha insânia que já vê o óbvio
de como é acima é abaixo como é abaixo é acima
além das faces eu conheço almas
além da terra eu vivo no cosmos
deixo-te com as certezas
da cegueira do teu Real
para alcançar verdades
nas visões de meu olho em Sonho
19 junho 2007
A Terrível Responsabilidade
Desde que principiei a publicar meus escritos, sempre abordei de forma dramática a destruição planetária e o destino da humanidade, e, muitas vezes, fui acusado de ser exageradamente apocalíptico. Agora, que a ONU divulgou seu alerta sobre a real ameaça do aquecimento global, todos parecem ter entrado no “clima de fim”. Entretanto, sempre manterei minha coerência e prosseguirei tratando de tais assuntos não por modismos, mas pelas convicções que sempre tive.
Por isso inicio este texto com as palavras de um gênio sempre coerente, Einstein: “A vida é como jogar uma bola na parede; se for jogada uma bola azul, ela voltará azul. Se a bola for jogada fraca, ela voltará fraca. Se a bola for jogada com força, ela voltará com força.” O que afirma o sábio parece ser óbvio, no entanto, não é percebido pela maioria absoluta da humanidade, que não assume a responsabilidade de seus atos. O aquecimento global é somente uma “volta da bola”. E o que de mais terrível há em tudo isso é que não podemos fugir dessa lei cósmica, esse é o verdadeiro horror que aos poucos irá tomando conta da humanidade, da mesma forma que toma conta, quase imperceptivelmente, do homem que se aproxima da morte.
Todos temos nossas responsabilidades referentes ao meio em que estamos inseridos. Por que seria diferente com relação ao cosmos? Porém, intenta-se fugir a essa responsabilidade cósmica de variadas formas: negam-na, como o imbecil que nega e ri de tudo o que desconhece e/ou não quer conhecer, enfeitam-na com um sem-número de teorias “apaziguadoras” falsamente espirituais, entram para religiões que garantam um salvador externo que tudo perdoa, ou ainda apegam-se na crença simplória e grosseira do “morreu, acabou”, isentando-se assim de qualquer responsabilidade, intentando separar-se definitivamente das leis universais, aniquilar a si próprio. Neste último caso, a única atitude existencial que não seria contraditória seria jogar-se em um leito de hedonismo e chafurdar-se nos ditos “prazeres da vida”. E é exatamente esse último caso que impera, dissimulada ou abertamente, na humanidade, e seu reflexo aí está.
O homem, consciente ou inconscientemente, sempre teme o que desconhece, e a melhor proteção contra esse temor é negá-lo ferrenhamente e abarrotar-se de teorias estéreis que procuram justificar que tudo o que não pode ser abarcado pela “segurança” de nossas mentes é absurdo, simplesmente não pode ser, não deve existir. Assim é com essa responsabilidade cósmica a que me refiro: “não a conheço, não a aceito, logo, ela não existe”. O próprio Kant genialmente chegou à conclusão que há limites para mente, que ela não pode conhecer o que está acima dela. A partir daí, outro conhecimento é necessário.
Muitos entendem como conhecimento apenas o que é mentalmente captável, intelectualizável, o que se pode conceituar, creio que devido ao fato de esse ser um conhecimento que transmite uma ilusão de segurança. Já eu não vejo assim. Entendo, por exemplo, que uma sinfonia de Beethoven, um quadro de Da Vinci, um poema de Goethe podem transmitir tanto ou mais conhecimento, através da emoção superior que fazem vibrar em nosso ser, do que todo um tratado teorizável.
Para mim, conhecimento não é sinônimo de intelectualização, pelo contrário, o verdadeiro saber não é transmissível via intelecto, por teorias, mas pela vivência do mesmo. Claro que esse é um conhecimento particular, intransferível, está acima de decodificações mentais, não depende do alcance das máquinas que o dinheiro constrói. E exatamente por isso, respeita e engrandece a liberdade humana, não dá receitas, não restringe a verdade a esta ou aquela teoria, a este ou aquele autor. Tal conhecimento apenas convida a ser vivido (como uma sinfonia convida o ouvinte a senti-la, sem explicar-se) e, assim, compartilhado. E essa responsabilidade cósmica a que me refiro insere-se nesta espécie de conhecimento, não pode ser teorizada, mas pode ser percebida por aqueles que captam através de inúmeras manifestações do saber universal, e a arte é um exemplo, o seu papel dentro da esfera maior do cosmos.
Uma responsabilidade existencial só pode ser plenamente conhecida quando se compreende que a vida não está só no que se vê vivendo, mas em todas as “teias ocultas” que tornam ela possível. Há vida em um planeta como em um átomo, porém nós, cegos, não vemos. Um outro sábio alemão, Novalis, escreveu que “O curioso é que estamos mais ligados ao invisível do que ao visível”. Contudo, a humanidade não quer saber de responsabilidades “invisíveis”, para ela, tudo já está muito claro... ou escuro como uma caverna... E, afinal, como sentenciou Dante: “nas coisas muito secretas devemos ter pouca companhia”.
Por isso inicio este texto com as palavras de um gênio sempre coerente, Einstein: “A vida é como jogar uma bola na parede; se for jogada uma bola azul, ela voltará azul. Se a bola for jogada fraca, ela voltará fraca. Se a bola for jogada com força, ela voltará com força.” O que afirma o sábio parece ser óbvio, no entanto, não é percebido pela maioria absoluta da humanidade, que não assume a responsabilidade de seus atos. O aquecimento global é somente uma “volta da bola”. E o que de mais terrível há em tudo isso é que não podemos fugir dessa lei cósmica, esse é o verdadeiro horror que aos poucos irá tomando conta da humanidade, da mesma forma que toma conta, quase imperceptivelmente, do homem que se aproxima da morte.
Todos temos nossas responsabilidades referentes ao meio em que estamos inseridos. Por que seria diferente com relação ao cosmos? Porém, intenta-se fugir a essa responsabilidade cósmica de variadas formas: negam-na, como o imbecil que nega e ri de tudo o que desconhece e/ou não quer conhecer, enfeitam-na com um sem-número de teorias “apaziguadoras” falsamente espirituais, entram para religiões que garantam um salvador externo que tudo perdoa, ou ainda apegam-se na crença simplória e grosseira do “morreu, acabou”, isentando-se assim de qualquer responsabilidade, intentando separar-se definitivamente das leis universais, aniquilar a si próprio. Neste último caso, a única atitude existencial que não seria contraditória seria jogar-se em um leito de hedonismo e chafurdar-se nos ditos “prazeres da vida”. E é exatamente esse último caso que impera, dissimulada ou abertamente, na humanidade, e seu reflexo aí está.
O homem, consciente ou inconscientemente, sempre teme o que desconhece, e a melhor proteção contra esse temor é negá-lo ferrenhamente e abarrotar-se de teorias estéreis que procuram justificar que tudo o que não pode ser abarcado pela “segurança” de nossas mentes é absurdo, simplesmente não pode ser, não deve existir. Assim é com essa responsabilidade cósmica a que me refiro: “não a conheço, não a aceito, logo, ela não existe”. O próprio Kant genialmente chegou à conclusão que há limites para mente, que ela não pode conhecer o que está acima dela. A partir daí, outro conhecimento é necessário.
Muitos entendem como conhecimento apenas o que é mentalmente captável, intelectualizável, o que se pode conceituar, creio que devido ao fato de esse ser um conhecimento que transmite uma ilusão de segurança. Já eu não vejo assim. Entendo, por exemplo, que uma sinfonia de Beethoven, um quadro de Da Vinci, um poema de Goethe podem transmitir tanto ou mais conhecimento, através da emoção superior que fazem vibrar em nosso ser, do que todo um tratado teorizável.
Para mim, conhecimento não é sinônimo de intelectualização, pelo contrário, o verdadeiro saber não é transmissível via intelecto, por teorias, mas pela vivência do mesmo. Claro que esse é um conhecimento particular, intransferível, está acima de decodificações mentais, não depende do alcance das máquinas que o dinheiro constrói. E exatamente por isso, respeita e engrandece a liberdade humana, não dá receitas, não restringe a verdade a esta ou aquela teoria, a este ou aquele autor. Tal conhecimento apenas convida a ser vivido (como uma sinfonia convida o ouvinte a senti-la, sem explicar-se) e, assim, compartilhado. E essa responsabilidade cósmica a que me refiro insere-se nesta espécie de conhecimento, não pode ser teorizada, mas pode ser percebida por aqueles que captam através de inúmeras manifestações do saber universal, e a arte é um exemplo, o seu papel dentro da esfera maior do cosmos.
Uma responsabilidade existencial só pode ser plenamente conhecida quando se compreende que a vida não está só no que se vê vivendo, mas em todas as “teias ocultas” que tornam ela possível. Há vida em um planeta como em um átomo, porém nós, cegos, não vemos. Um outro sábio alemão, Novalis, escreveu que “O curioso é que estamos mais ligados ao invisível do que ao visível”. Contudo, a humanidade não quer saber de responsabilidades “invisíveis”, para ela, tudo já está muito claro... ou escuro como uma caverna... E, afinal, como sentenciou Dante: “nas coisas muito secretas devemos ter pouca companhia”.
04 junho 2007
O Ser Feminino
Mais uma vez chegara o detestável verão. No entanto, ele trazia-me um consolo: era a época em que iria para a fazenda de meus avós, o que significava ausentar-me momentaneamente do lodo da cidade. Meu estado de espírito melhorou substancialmente logo ao primeiro contato com os ares campestres, e chegando àquela antiga morada carregada de mágicas ancestralidades, esqueci quase que por completo minha lamentável existência urbana.
Após um dia inteiro passado no campo vivenciando profundas e inigualáveis sensações que somente a natureza imaculada poderia proporcionar-me, retornei quase à noite para o casarão, situado em meio a uma infinidade de árvores frutíferas. Depois de um saboroso e restaurador jantar, sentamo-nos eu e meus avós na rústica e singela sala, impregnada de arcaicas recordações da infância, onde meus avós principiaram a contar por inesquecíveis minutos as suas vetustas histórias de assombrações, fantasmas, seres monstruosos e outras aparições enigmáticas, maravilhas das experiências dos mais velhos, sempre ignoradas ou ridicularizadas pela “pós-moderníssima” civilização decadente. Mas quanto a mim, tudo isso me atrai e fascina terrivelmente... Leva-me para outro tempo e espaço, sinto-me mergulhado em outro mundo, que, naquele instante, poderia ser o da minha infância, o mundo dos sonhos ou outras dimensões sobrenaturais... E fui deitar-me sob aquele teto que exalava o cheiro do passado, entre aquelas paredes que pareciam saber de arcaicos segredos perdidos no tempo, imerso naquele ambiente denso e saturado de espectros da antigüidade, recordando-me inquieto e encantado de todos os possíveis mistérios daquelas “histórias extraordinárias”.
Na manhã seguinte, levantei-me cedo e, após um breve café, parti entusiasmado para o campo. Passadas algumas horas de lenta caminhada por uma extensa mata, penetrei em um local um tanto não-familiar, bastante diferente daqueles que já conhecia. Aquele ambiente transmitia-me, devido à sua estranheza, certo receio de avançar, mas resoluto e sedento por novas emoções, passo a passo fui adentrando mais e mais por entre aquelas sombrias e centenárias árvores. Minutos depois, pensei ter avistado, em uma clareira à frente de onde me situava, um vulto semelhante ao de uma mulher. Aproximei-me e pude divisar por entre os vastos arbustos uma belíssima jovem, de uma beleza fascinante, invulgar, assombrosa, que me impressionou no íntimo da alma. Possuía longos cabelos lisos de uma cor indefinida, ora parecendo castanhos, dourados, às vezes de um louro acinzentado e brilhante e, em outras vezes, verdadeiramente prateados. Sua pele era estranhamente branca, e seus olhos de um inadmissível azul-marinho, às vezes pendendo para o lilás. Seu rosto era absolutamente perfeito, impossível imaginar maior perfeição em uma mulher. Seu corpo apresentava formas completamente definidas e delineadas, pelo menos no que se podia discernir através do belo e simples vestido azul-celeste que trajava.
Aquela jovem angelical, bela e esquisita, colhia flores de uma árvore de floração vermelha intensa, quando, creio, ouviu o som de meus passos. Nisso, largou as flores e entrou rápida e graciosa na mata. Tentei segui-la, mas em questão de segundos desapareceu como que por encanto. Não consegui, apesar de minha insistência, encontrar nenhum sinal de para onde ela poderia ter ido, não havia vestígio de pegadas ou do que quer que fosse.
Cansado e decepcionado, resolvi retornar à fazenda. Na volta, tentava explicar a mim mesmo quem seria aquela jovem mulher tão bela, de onde viera, para onde fora. Sabia que não havia outros moradores próximos à fazenda de meus avós, e aquela mulher não poderia ter vindo de muito longe. De imediato veio-me à mente a lembrança de uma das narrações de meu avô, em que havia a aparição de belas mulheres que surgiam nas matas e desapareciam entre as águas dos rios. Disse-me ele que os antigos temiam as mesmas, pois se acreditava que elas carregavam as pessoas que delas se aproximavam para o mundo dos mortos. Seria a história mais que uma fantástica lenda? Era no que refletia... A jovem era de uma beleza realmente sobre-humana, não poderia ser normal...
No dia seguinte e nos próximos sete dias que estive no campo, saí à procura daquele esplêndido ser feminino, impossível esquecer tão prodigiosa beleza. No entanto, apesar de minhas infatigáveis buscas por pradarias e bosques, não percebi o menor indício da jovem. Porém, no último dia de minha estada na fazenda, já à tardinha e quando voltava desiludido ao casarão, ela surgiu diante de mim como uma materialização, saindo de atrás de uma enorme árvore. Olhou-me e sorriu deslumbrantemente, indicando que eu a seguisse. Fascinado e boquiaberto, não hesitei. Corri por entre a mata como um lunático, lutando para não perdê-la de vista, até que ela se deteve à beira de um fulgurante riacho. Estaquei como um demente diante de tanta ternura e beleza veneráveis e, embora cheio de dúvidas, não consegui articular uma palavra. A bela, então, com uma inefável voz de anjo, a mim dirigiu-se:
- Bem-vindo, jovem visitante. Este é meu lar. Aqui vivo com minha família há centenas de anos. Sei que tens me procurado, e como simpatizei muito contigo, decidi apresentar-me. Sou um espírito das águas, um elemental, uma ondina. Ficaria imensamente feliz se viesses sempre me visitar, és tão bonito. Por favor, diz alguma coisa, desejo tanto ouvir tua voz... Queres saber meu nome? Oh, não consegues falar! Eu já esperava. Bem, então agora, deves voltar à tua casa, para pensares melhor em mim... Vai, belo humano, mas saibas que desejo que voltes. Sim, voltarás, e hei de ouvir tua voz... Leva o meu beijo...
Após ser beijado por aquele ser etéreo, senti-me como que na presença de deusas celestiais... Porém, em segundos, e sem que eu proferisse uma única palavra, a inenarrável mulher, voando como um anjo, mergulhou nas águas cristalinas do riacho e desapareceu definitivamente de meus olhos. Nem soube seu nome. Como era quase noite, mesmo contrariado, tive que voltar à fazenda, em estado de êxtase e, simultaneamente, de uma funda e cortante tristeza. Tristeza, porque no dia seguinte deveria retornar à cidade. Quando tornaria a vê-la? Desgraçadamente, impostergáveis compromissos aguardavam-me, teria que abandonar minha amada ondina. Naquele momento detestei e amaldiçoei com todas as forças a vida comum e vulgar do homens, seus odiosos compromissos, seus empregos e trabalhos inúteis e mecanizantes, a monotonia insuportável daquela vida materialista, estressante, aniquiladora dos fundos sentimentos e da real espiritualidade.
Retornei à cidade. Passado um mês, já me era intolerável minha existência urbana. Todos os meus pensamentos e emoções dirigiam-se a um único destino: a ondina. Cada minuto vivido na cidade, desperdiçado com os assuntos corriqueiros do cotidiano, considerava como um minuto a menos que poderia ter passado ao lado dela. Estava farto de ver aquelas mesmas pessoas mesquinhas e insensíveis, que somente viviam para a inveja, para a vaidade, para a cobiça. Não tinha mais nada a dizer a nenhuma delas. Só ansiava abandoná-las para sempre, esquecê-las de forma peremptória, bani-las de minha mente, para que nela ficasse a pura e esplêndida lembrança da minha querida ondina. Não sei exatamente que espécie de fascínio, de magia, de feitiço, de maldição aquele ser feminino fez recair sobre mim, mas seja o que for, obteve pleno sucesso. Encontrava-me a ponto de largar tudo, emprego, vida social, dinheiro, bens familiares para ir ao encontro da misteriosa jovem. Cometeria qualquer loucura para sentir novamente em meus lábios aquele beijo imaterial... Não desejava outra espécie de companhia, a não ser a da estranha menina, não desejava ouvir outra voz, a não ser a sua, tão límpida e elevada como uma Paixão de Bach...
De modo que em certa manhã, tendo planejado tudo em absoluto segredo, deixei meu derradeiro adeus à vida entre os humanos e parti desvairado para a fazenda. Estava pouco ligando para o que poderiam pensar a meu respeito quando soubessem de minha partida, deixei apenas uma carta explicando que necessitei viajar, mas não mencionei meu local de destino. Na verdade, nem mesmo meus avós souberam de nada, pois me dirigi direto ao local onde fora beijado pela ondina, que não saía de meus sonhos alucinados.
Chegando lá, larguei sobre a grama as poucas coisas que trouxera, sentei-me à beira do riacho e aguardei o surgimento do belo ser. Permaneci assim durante todo dia e toda noite, sem dormir, mas ela somente concedeu a graça de sua visão no dia seguinte, próximo ao meio-dia. Desde então, nos 14 dias subseqüentes, não arredei pé do local nem por segundos, contemplando hipnotizado aquele ser magnífico, ouvindo suas miríficas canções de mágica dramaticidade, numa expressão de sonhos... No primeiro dia que a vi, minha idolatrada ondina surgiu na forma de uma intensa luminosidade azul-cintilante, para logo assumir seu comovente aspecto físico. Recebeu-me com um beijo que não saberia descrever. Em seguida, cobrou-me que ainda desejava ouvir minha voz. Satisfiz seu desejo declarando meu insignificante nome e confessando o que sentia por ela, as loucuras que cometi, meu absoluto fascínio que tem me carregado nas garras da insânia. Ela olhou-me fixamente e expressou tão terno sorriso que me transportou a esquisitas sensações oníricas...
Impossível descrever cabalmente as experiências que vivenciei naqueles dias. Conheci sua família, todos seres absurdamente belos, além de outros entes fantásticos, como as sílfides, elementais do ar, que pairavam sobre as águas do rio. Nem mesmo em meus mais febris sonhos poderia imaginar-me viver enlaçado em tão mágicos beijos e abraços... Contudo, ao final do 14º dia, a ondina soprou-me aos ouvidos:
- Em breve, os humanos virão, poluirão este rio, devastarão esta floresta, destruirão nosso imaculado lar. Devemos partir. Hoje iremos para outras regiões do universo. Tu irás conosco. Vem, dá-me tua mão.
Obedeci. E, rápidos como a luz, viajamos para ignotas regiões... Sei que, passados alguns dias, meu corpo foi encontrado à beira do riacho. A causa de minha morte foi identificada como “inanição”. Morri de fome, há duas semanas não me alimentava. Os leitores considerarão este relato absurdo. Eu considero absurdo o destino que me aguarda...
Após um dia inteiro passado no campo vivenciando profundas e inigualáveis sensações que somente a natureza imaculada poderia proporcionar-me, retornei quase à noite para o casarão, situado em meio a uma infinidade de árvores frutíferas. Depois de um saboroso e restaurador jantar, sentamo-nos eu e meus avós na rústica e singela sala, impregnada de arcaicas recordações da infância, onde meus avós principiaram a contar por inesquecíveis minutos as suas vetustas histórias de assombrações, fantasmas, seres monstruosos e outras aparições enigmáticas, maravilhas das experiências dos mais velhos, sempre ignoradas ou ridicularizadas pela “pós-moderníssima” civilização decadente. Mas quanto a mim, tudo isso me atrai e fascina terrivelmente... Leva-me para outro tempo e espaço, sinto-me mergulhado em outro mundo, que, naquele instante, poderia ser o da minha infância, o mundo dos sonhos ou outras dimensões sobrenaturais... E fui deitar-me sob aquele teto que exalava o cheiro do passado, entre aquelas paredes que pareciam saber de arcaicos segredos perdidos no tempo, imerso naquele ambiente denso e saturado de espectros da antigüidade, recordando-me inquieto e encantado de todos os possíveis mistérios daquelas “histórias extraordinárias”.
Na manhã seguinte, levantei-me cedo e, após um breve café, parti entusiasmado para o campo. Passadas algumas horas de lenta caminhada por uma extensa mata, penetrei em um local um tanto não-familiar, bastante diferente daqueles que já conhecia. Aquele ambiente transmitia-me, devido à sua estranheza, certo receio de avançar, mas resoluto e sedento por novas emoções, passo a passo fui adentrando mais e mais por entre aquelas sombrias e centenárias árvores. Minutos depois, pensei ter avistado, em uma clareira à frente de onde me situava, um vulto semelhante ao de uma mulher. Aproximei-me e pude divisar por entre os vastos arbustos uma belíssima jovem, de uma beleza fascinante, invulgar, assombrosa, que me impressionou no íntimo da alma. Possuía longos cabelos lisos de uma cor indefinida, ora parecendo castanhos, dourados, às vezes de um louro acinzentado e brilhante e, em outras vezes, verdadeiramente prateados. Sua pele era estranhamente branca, e seus olhos de um inadmissível azul-marinho, às vezes pendendo para o lilás. Seu rosto era absolutamente perfeito, impossível imaginar maior perfeição em uma mulher. Seu corpo apresentava formas completamente definidas e delineadas, pelo menos no que se podia discernir através do belo e simples vestido azul-celeste que trajava.
Aquela jovem angelical, bela e esquisita, colhia flores de uma árvore de floração vermelha intensa, quando, creio, ouviu o som de meus passos. Nisso, largou as flores e entrou rápida e graciosa na mata. Tentei segui-la, mas em questão de segundos desapareceu como que por encanto. Não consegui, apesar de minha insistência, encontrar nenhum sinal de para onde ela poderia ter ido, não havia vestígio de pegadas ou do que quer que fosse.
Cansado e decepcionado, resolvi retornar à fazenda. Na volta, tentava explicar a mim mesmo quem seria aquela jovem mulher tão bela, de onde viera, para onde fora. Sabia que não havia outros moradores próximos à fazenda de meus avós, e aquela mulher não poderia ter vindo de muito longe. De imediato veio-me à mente a lembrança de uma das narrações de meu avô, em que havia a aparição de belas mulheres que surgiam nas matas e desapareciam entre as águas dos rios. Disse-me ele que os antigos temiam as mesmas, pois se acreditava que elas carregavam as pessoas que delas se aproximavam para o mundo dos mortos. Seria a história mais que uma fantástica lenda? Era no que refletia... A jovem era de uma beleza realmente sobre-humana, não poderia ser normal...
No dia seguinte e nos próximos sete dias que estive no campo, saí à procura daquele esplêndido ser feminino, impossível esquecer tão prodigiosa beleza. No entanto, apesar de minhas infatigáveis buscas por pradarias e bosques, não percebi o menor indício da jovem. Porém, no último dia de minha estada na fazenda, já à tardinha e quando voltava desiludido ao casarão, ela surgiu diante de mim como uma materialização, saindo de atrás de uma enorme árvore. Olhou-me e sorriu deslumbrantemente, indicando que eu a seguisse. Fascinado e boquiaberto, não hesitei. Corri por entre a mata como um lunático, lutando para não perdê-la de vista, até que ela se deteve à beira de um fulgurante riacho. Estaquei como um demente diante de tanta ternura e beleza veneráveis e, embora cheio de dúvidas, não consegui articular uma palavra. A bela, então, com uma inefável voz de anjo, a mim dirigiu-se:
- Bem-vindo, jovem visitante. Este é meu lar. Aqui vivo com minha família há centenas de anos. Sei que tens me procurado, e como simpatizei muito contigo, decidi apresentar-me. Sou um espírito das águas, um elemental, uma ondina. Ficaria imensamente feliz se viesses sempre me visitar, és tão bonito. Por favor, diz alguma coisa, desejo tanto ouvir tua voz... Queres saber meu nome? Oh, não consegues falar! Eu já esperava. Bem, então agora, deves voltar à tua casa, para pensares melhor em mim... Vai, belo humano, mas saibas que desejo que voltes. Sim, voltarás, e hei de ouvir tua voz... Leva o meu beijo...
Após ser beijado por aquele ser etéreo, senti-me como que na presença de deusas celestiais... Porém, em segundos, e sem que eu proferisse uma única palavra, a inenarrável mulher, voando como um anjo, mergulhou nas águas cristalinas do riacho e desapareceu definitivamente de meus olhos. Nem soube seu nome. Como era quase noite, mesmo contrariado, tive que voltar à fazenda, em estado de êxtase e, simultaneamente, de uma funda e cortante tristeza. Tristeza, porque no dia seguinte deveria retornar à cidade. Quando tornaria a vê-la? Desgraçadamente, impostergáveis compromissos aguardavam-me, teria que abandonar minha amada ondina. Naquele momento detestei e amaldiçoei com todas as forças a vida comum e vulgar do homens, seus odiosos compromissos, seus empregos e trabalhos inúteis e mecanizantes, a monotonia insuportável daquela vida materialista, estressante, aniquiladora dos fundos sentimentos e da real espiritualidade.
Retornei à cidade. Passado um mês, já me era intolerável minha existência urbana. Todos os meus pensamentos e emoções dirigiam-se a um único destino: a ondina. Cada minuto vivido na cidade, desperdiçado com os assuntos corriqueiros do cotidiano, considerava como um minuto a menos que poderia ter passado ao lado dela. Estava farto de ver aquelas mesmas pessoas mesquinhas e insensíveis, que somente viviam para a inveja, para a vaidade, para a cobiça. Não tinha mais nada a dizer a nenhuma delas. Só ansiava abandoná-las para sempre, esquecê-las de forma peremptória, bani-las de minha mente, para que nela ficasse a pura e esplêndida lembrança da minha querida ondina. Não sei exatamente que espécie de fascínio, de magia, de feitiço, de maldição aquele ser feminino fez recair sobre mim, mas seja o que for, obteve pleno sucesso. Encontrava-me a ponto de largar tudo, emprego, vida social, dinheiro, bens familiares para ir ao encontro da misteriosa jovem. Cometeria qualquer loucura para sentir novamente em meus lábios aquele beijo imaterial... Não desejava outra espécie de companhia, a não ser a da estranha menina, não desejava ouvir outra voz, a não ser a sua, tão límpida e elevada como uma Paixão de Bach...
De modo que em certa manhã, tendo planejado tudo em absoluto segredo, deixei meu derradeiro adeus à vida entre os humanos e parti desvairado para a fazenda. Estava pouco ligando para o que poderiam pensar a meu respeito quando soubessem de minha partida, deixei apenas uma carta explicando que necessitei viajar, mas não mencionei meu local de destino. Na verdade, nem mesmo meus avós souberam de nada, pois me dirigi direto ao local onde fora beijado pela ondina, que não saía de meus sonhos alucinados.
Chegando lá, larguei sobre a grama as poucas coisas que trouxera, sentei-me à beira do riacho e aguardei o surgimento do belo ser. Permaneci assim durante todo dia e toda noite, sem dormir, mas ela somente concedeu a graça de sua visão no dia seguinte, próximo ao meio-dia. Desde então, nos 14 dias subseqüentes, não arredei pé do local nem por segundos, contemplando hipnotizado aquele ser magnífico, ouvindo suas miríficas canções de mágica dramaticidade, numa expressão de sonhos... No primeiro dia que a vi, minha idolatrada ondina surgiu na forma de uma intensa luminosidade azul-cintilante, para logo assumir seu comovente aspecto físico. Recebeu-me com um beijo que não saberia descrever. Em seguida, cobrou-me que ainda desejava ouvir minha voz. Satisfiz seu desejo declarando meu insignificante nome e confessando o que sentia por ela, as loucuras que cometi, meu absoluto fascínio que tem me carregado nas garras da insânia. Ela olhou-me fixamente e expressou tão terno sorriso que me transportou a esquisitas sensações oníricas...
Impossível descrever cabalmente as experiências que vivenciei naqueles dias. Conheci sua família, todos seres absurdamente belos, além de outros entes fantásticos, como as sílfides, elementais do ar, que pairavam sobre as águas do rio. Nem mesmo em meus mais febris sonhos poderia imaginar-me viver enlaçado em tão mágicos beijos e abraços... Contudo, ao final do 14º dia, a ondina soprou-me aos ouvidos:
- Em breve, os humanos virão, poluirão este rio, devastarão esta floresta, destruirão nosso imaculado lar. Devemos partir. Hoje iremos para outras regiões do universo. Tu irás conosco. Vem, dá-me tua mão.
Obedeci. E, rápidos como a luz, viajamos para ignotas regiões... Sei que, passados alguns dias, meu corpo foi encontrado à beira do riacho. A causa de minha morte foi identificada como “inanição”. Morri de fome, há duas semanas não me alimentava. Os leitores considerarão este relato absurdo. Eu considero absurdo o destino que me aguarda...
30 maio 2007
13 Versos
Trago nos olhos uma marcha fúnebre
à humanidade que caminha pútrida,
e a mão que acena de caveira esquálida
a um hino roxo de um final que é trágico.
A tua desgraça, ó mundo humano, é júbilo
pra quem de horror já traz em lava o espírito
e viu à morte os altos gênios - mártires!
que pra te erguer verteram sangue e lágrimas.
Homem acabado, sinto miasma e túmulo
pra te enterrar em teu dantesco báratro
e erguer a flâmula em teu lixo cósmico.
A ti eu deixo o meu adeus de Hercólubus
e parto só pra contemplar o Término.
Alessandro Reiffer
à humanidade que caminha pútrida,
e a mão que acena de caveira esquálida
a um hino roxo de um final que é trágico.
A tua desgraça, ó mundo humano, é júbilo
pra quem de horror já traz em lava o espírito
e viu à morte os altos gênios - mártires!
que pra te erguer verteram sangue e lágrimas.
Homem acabado, sinto miasma e túmulo
pra te enterrar em teu dantesco báratro
e erguer a flâmula em teu lixo cósmico.
A ti eu deixo o meu adeus de Hercólubus
e parto só pra contemplar o Término.
Alessandro Reiffer
20 abril 2007
O Olho no Relâmpago
Acordei-me estranhamente sobressaltado. Consultei o relógio, exatamente 3h51m da madrugada. Havia sonhado com inenarráveis imagens exacerbadas, febris, em uma profunda atmosfera de iminência. Não revelarei ao leitor tais imagens. Como disse, são inenarráveis. A noite era gelada, sombria, e um vento intenso e inquietante varria os ares numa fúria insana. Mas havia algo de anormal naquele quase vendaval. O som que produzia não era tão-somente uivos e gemidos típicos do Minuano invernal, eram vozes, algumas, com características humanas. Sim, tenho certeza, posso afirmar ao leitor que nitidamente ouvi ressoar pela noite o meu nome. Alguém me chamou, era uma voz suave e etérea, melíflua, uma celestial voz feminina. E sei que provinha do vento. Mas não era a única. Outras vozes vibravam medonhas nos meus tímpanos. E estas, absurdas, hediondas, martelavam sobrenaturalmente macabras. Como disse, não eram os naturais uivos do vento. Eram lamentações deprimentes, gritos humanos e inumanos em uma língua para mim desconhecida, grunhidos infernais, cavernosos, como que oriundos de infandas cordas vocais de bestas e monstros, vociferações guturais de imundos demônios.
Levantei-me. Naturalmente, estando eu profundamente inquieto (mas não amedrontado), queria saber a origem daquelas vozes e, ainda mais, quem clamava por meu nome através do vento. Abri a janela. Para meu íntimo assombro, não havia nenhuma das características do local onde me encontrava, ou pelo menos acreditava, e tinha certeza, encontrar-me no instante em que fui dormir. Somente minha casa ainda permanecia; das restantes, simplesmente, não havia o mínimo vestígio. Sob a noite negra, meus olhos atônitos contemplavam uma planície desolada e sem fim, melancolicamente vazia, seja de construções, objetos ou seres. Porém, discerni, quebrando a insuportável monotonia uma estreita e interminável estrada cruzando a planície hedionda. Digo estrada pelo fato de que possuía uma coloração diversa do restante da planície, apresentando tons mais claros e acinzentados, enquanto as regiões que a cercavam tinham uma tonalidade escura, violácea.
Olhei para o céu. Empalideci e o sangue gelou-me nas veias, quando presenciei tão pungente horror: creio que podia “ver” o vento. Os sons demoníacos que me perturbavam originavam-se de uma hoste de espíritos, ou qualquer tipo de seres incorpóreos, imateriais, infestavam todo o espaço noturno. Não possuíam uma forma definida, constantemente metamorfoseavam-se em imagens absurdas, todas repulsivas, diabólicas, apresentando diferentes colorações, sendo a violeta, a negra e a amarela as principais. No entanto, eram cores doentias, do negativo raio do infravermelho. E aquelas... coisas eram o vento, ou estavam indissociavelmente amalgamadas a ele, pois eram elas que sopravam, erguendo enormes nuvens de poeira da terra despovoada e berrando e gemendo de maneira verdadeiramente perturbada. Pareciam também emitir uma opaca luz enfermiça, que transmitia uma sensação angustiante impossível de descrever. E eles cruzavam o céu freneticamente, formavam redemoinhos, faziam brilhar sordidamente determinados cantos do céu, em constelações infernais, em um espetáculo fantasticamente horripilante.
Não obstante tanto assombro, a voz feminina continuava invocando meu nome pela escuridão, e dela, infelizmente, ainda ignorava a origem. Intentei observar melhor entre os espíritos (ou entre o vento) com o propósito de identificar de onde ela provinha, mas foi inútil. Foi então que ao longe, no horizonte carregado, vislumbrei um imenso relâmpago, cuja luz feriu meus olhos de forma insólita, muito mais intensa e penetrante do que um raio comum, e, tudo levando a crer que a causa foi o próprio relâmpago, uma sugestão, uma estranha influência recaiu sobre minha mente... Ela impetrava-me irresistível desejo de descer até a planície, percorrer aquela trilha ominosa, imergindo-me entre os espíritos, no vendaval, até atingir o exato local do relâmpago, que de tempos em tempos repetia-se de forma absolutamente idêntica. E o fiz, desesperado, com a alma inflamada, segui como um louco o fulgor terrível e transcendental daquele relâmpago que ironizava minha sanidade...
Contudo, à medida que avançava na estrada cinzenta, o vento satânico principiou-se a acalmar, e seus entes informes, a desaparecer enigmaticamente. Considerei muito estranha tão repentina tranqüilidade. Não era a calma que sucede a tempestade, mas a que precede uma pior. Minha intuição alertou-me. Gradualmente, nas imediações da estrada, percebi formas engendrando-se das pesadas atmosferas. Eram seres humanos, às centenas, ou imagens dos mesmos. Ao meu lado direito, todos trajavam roupas de batalha, típicas da 2ª Guerra Mundial, com nefastos armamentos. Todos me olhavam sinistramente, com um ar de maligno deboche, e principiou-se uma cena aterradora de genocídio. Assassinavam-se mutuamente, com inimaginável crueldade, enquanto a mim gritavam: “Olha, esta é a humanidade, este é o homem!”; e degolavam seus rivais, arrancavam suas vísceras, metralhavam seus cérebros fazendo-os saltar aos pedaços; traziam mulheres não sei de onde e as estupravam brutalmente, mastigando seus seios e dilacerando seus órgãos genitais, enquanto seus filhos eram fuzilados diante de seus olhos ensangüentados. Com punhais extirpavam os olhos dos inimigos, injetavam-lhes venenos, arrancavam-lhes os dedos, até que, de morte em morte, restou um único soldado que se suicidou com um tiro na boca.
Já ao meu lado esquerdo, a perversidade extrema assumiu outra forma. Agora, outros homens, trazendo diversos animais, bradavam-me a fatídica sentença: “Vê, esta é a humanidade, este é o ser humano”; e iniciou-se uma sessão de tortura e assassinato de uma infinidade de animais inocentes e indefesos. Quebravam, a picaretas, os crânios de dóceis filhotes de focas, abriam o ventre de gatos vivos e extirpavam seus intestinos, indiferentes aos seus berros. Derramavam substâncias corrosivas nos olhos de coelhos, queimavam rabos e patas de cachorros imobilizados por correntes... “Basta! Basta!”, eu resmungava comigo, completamente abatido, caindo por terra quase inconsciente, mergulhado em meu próprio choro.
Creio que desmaiei por alguns minutos. Quando retomei a consciência, tudo havia cessado, e reinava um silencio sepulcral. Nem mesmo uma brisa soprava. Mas, para meu assombro, novamente refulgiu o relâmpago a poucos metros de onde eu ergui-me. Era gigantesco, porém inofensivo, pois pude verificar que o raio era unicamente luz. Aproximei-me, e a voz feérica soou, elevada, profunda, chamando por mim. O relâmpago tornou-se constante, isto é, já não era propriamente um relâmpago, mas algo como um jato de anômala luz, e a voz ordenou-me: “Posta-te debaixo do raio”. Obedeci, e ao fazê-lo, perplexo, distingui, ao alto, um titânico olho no centro da irradiação luminosa. Apresentava-se sob todas as cores do espectro do arco-íris, alternadamente, e ao seu redor abriam-se portas para ignotas regiões. Então contemplei sóis brilhando em longínquos horizontes, anjos e fadas beijando-se apaixonadas, águias cruzando os céus violáceos... E vi vaga-lumes dirigindo-se a uma áurea lua, náiades pairando sobre mares escuros, majestosas árvores gotejando orvalho... E as portas fecharam-se, enquanto o olho voltou-se para mim em grave expressão. E ressoou a voz feminina, tendo eu a definitiva sensação de que ela provinha de dentro de mim, de minha alma, como se fosse a voz da consciência... a ser ouvida e seguida por toda a eternidade.
Levantei-me. Naturalmente, estando eu profundamente inquieto (mas não amedrontado), queria saber a origem daquelas vozes e, ainda mais, quem clamava por meu nome através do vento. Abri a janela. Para meu íntimo assombro, não havia nenhuma das características do local onde me encontrava, ou pelo menos acreditava, e tinha certeza, encontrar-me no instante em que fui dormir. Somente minha casa ainda permanecia; das restantes, simplesmente, não havia o mínimo vestígio. Sob a noite negra, meus olhos atônitos contemplavam uma planície desolada e sem fim, melancolicamente vazia, seja de construções, objetos ou seres. Porém, discerni, quebrando a insuportável monotonia uma estreita e interminável estrada cruzando a planície hedionda. Digo estrada pelo fato de que possuía uma coloração diversa do restante da planície, apresentando tons mais claros e acinzentados, enquanto as regiões que a cercavam tinham uma tonalidade escura, violácea.
Olhei para o céu. Empalideci e o sangue gelou-me nas veias, quando presenciei tão pungente horror: creio que podia “ver” o vento. Os sons demoníacos que me perturbavam originavam-se de uma hoste de espíritos, ou qualquer tipo de seres incorpóreos, imateriais, infestavam todo o espaço noturno. Não possuíam uma forma definida, constantemente metamorfoseavam-se em imagens absurdas, todas repulsivas, diabólicas, apresentando diferentes colorações, sendo a violeta, a negra e a amarela as principais. No entanto, eram cores doentias, do negativo raio do infravermelho. E aquelas... coisas eram o vento, ou estavam indissociavelmente amalgamadas a ele, pois eram elas que sopravam, erguendo enormes nuvens de poeira da terra despovoada e berrando e gemendo de maneira verdadeiramente perturbada. Pareciam também emitir uma opaca luz enfermiça, que transmitia uma sensação angustiante impossível de descrever. E eles cruzavam o céu freneticamente, formavam redemoinhos, faziam brilhar sordidamente determinados cantos do céu, em constelações infernais, em um espetáculo fantasticamente horripilante.
Não obstante tanto assombro, a voz feminina continuava invocando meu nome pela escuridão, e dela, infelizmente, ainda ignorava a origem. Intentei observar melhor entre os espíritos (ou entre o vento) com o propósito de identificar de onde ela provinha, mas foi inútil. Foi então que ao longe, no horizonte carregado, vislumbrei um imenso relâmpago, cuja luz feriu meus olhos de forma insólita, muito mais intensa e penetrante do que um raio comum, e, tudo levando a crer que a causa foi o próprio relâmpago, uma sugestão, uma estranha influência recaiu sobre minha mente... Ela impetrava-me irresistível desejo de descer até a planície, percorrer aquela trilha ominosa, imergindo-me entre os espíritos, no vendaval, até atingir o exato local do relâmpago, que de tempos em tempos repetia-se de forma absolutamente idêntica. E o fiz, desesperado, com a alma inflamada, segui como um louco o fulgor terrível e transcendental daquele relâmpago que ironizava minha sanidade...
Contudo, à medida que avançava na estrada cinzenta, o vento satânico principiou-se a acalmar, e seus entes informes, a desaparecer enigmaticamente. Considerei muito estranha tão repentina tranqüilidade. Não era a calma que sucede a tempestade, mas a que precede uma pior. Minha intuição alertou-me. Gradualmente, nas imediações da estrada, percebi formas engendrando-se das pesadas atmosferas. Eram seres humanos, às centenas, ou imagens dos mesmos. Ao meu lado direito, todos trajavam roupas de batalha, típicas da 2ª Guerra Mundial, com nefastos armamentos. Todos me olhavam sinistramente, com um ar de maligno deboche, e principiou-se uma cena aterradora de genocídio. Assassinavam-se mutuamente, com inimaginável crueldade, enquanto a mim gritavam: “Olha, esta é a humanidade, este é o homem!”; e degolavam seus rivais, arrancavam suas vísceras, metralhavam seus cérebros fazendo-os saltar aos pedaços; traziam mulheres não sei de onde e as estupravam brutalmente, mastigando seus seios e dilacerando seus órgãos genitais, enquanto seus filhos eram fuzilados diante de seus olhos ensangüentados. Com punhais extirpavam os olhos dos inimigos, injetavam-lhes venenos, arrancavam-lhes os dedos, até que, de morte em morte, restou um único soldado que se suicidou com um tiro na boca.
Já ao meu lado esquerdo, a perversidade extrema assumiu outra forma. Agora, outros homens, trazendo diversos animais, bradavam-me a fatídica sentença: “Vê, esta é a humanidade, este é o ser humano”; e iniciou-se uma sessão de tortura e assassinato de uma infinidade de animais inocentes e indefesos. Quebravam, a picaretas, os crânios de dóceis filhotes de focas, abriam o ventre de gatos vivos e extirpavam seus intestinos, indiferentes aos seus berros. Derramavam substâncias corrosivas nos olhos de coelhos, queimavam rabos e patas de cachorros imobilizados por correntes... “Basta! Basta!”, eu resmungava comigo, completamente abatido, caindo por terra quase inconsciente, mergulhado em meu próprio choro.
Creio que desmaiei por alguns minutos. Quando retomei a consciência, tudo havia cessado, e reinava um silencio sepulcral. Nem mesmo uma brisa soprava. Mas, para meu assombro, novamente refulgiu o relâmpago a poucos metros de onde eu ergui-me. Era gigantesco, porém inofensivo, pois pude verificar que o raio era unicamente luz. Aproximei-me, e a voz feérica soou, elevada, profunda, chamando por mim. O relâmpago tornou-se constante, isto é, já não era propriamente um relâmpago, mas algo como um jato de anômala luz, e a voz ordenou-me: “Posta-te debaixo do raio”. Obedeci, e ao fazê-lo, perplexo, distingui, ao alto, um titânico olho no centro da irradiação luminosa. Apresentava-se sob todas as cores do espectro do arco-íris, alternadamente, e ao seu redor abriam-se portas para ignotas regiões. Então contemplei sóis brilhando em longínquos horizontes, anjos e fadas beijando-se apaixonadas, águias cruzando os céus violáceos... E vi vaga-lumes dirigindo-se a uma áurea lua, náiades pairando sobre mares escuros, majestosas árvores gotejando orvalho... E as portas fecharam-se, enquanto o olho voltou-se para mim em grave expressão. E ressoou a voz feminina, tendo eu a definitiva sensação de que ela provinha de dentro de mim, de minha alma, como se fosse a voz da consciência... a ser ouvida e seguida por toda a eternidade.
28 fevereiro 2007
EU NÃO SOU PATRIOTA! (Considerações sobre o serviço militar obrigatório)
Sempre defendi a liberdade humana em todos os sentidos, creio que a liberdade é um princípio fundamental da arte, tanto que foi ferrenhamente defendida e preconizada por dois dos maiores gênios artísticos de todos os tempos: Beethoven e Goethe. Natural, portanto, que eu mantenha uma posição contrária ao serviço militar obrigatório, assim como mantenho contra o voto obrigatório.
Sei que muitos jovens desejam o serviço militar e até mesmo seguem carreira nas forças armadas. Tudo bem, ótimo para eles, no entanto, por que deve ser ele obrigatório? Por que deve todo adolescente, ao completar 18 anos, apresentar-se a uma pátria que muitas vezes não dá a mínima a ele? Por que um jovem que não deseja seguir carreira militar, que tem outros objetivos em mente, é obrigado a adiar seus sonhos, ver pisoteados seus ideais, prejudicados os seus estudos, talvez perdido todo um ano de sua vida? Qual a justificativa para toda essa injusta arbitrariedade? Servir à pátria? Mentira. Nos países em guerra, é servir à guerra estúpida e inútil, ao interesse financeiro e político das elites, pois toda guerra resume-se a dinheiro e poder. E quem paga o preço? O mais alto é pago pelos jovens, por muitos que nunca desejaram “servir à pátria”, pago com seu sangue, com o horror vivido, pago com o sacrifício de seus sonhos e ideais, pago com a vida! E para quê? Para que alguns poucos egoístas multipliquem suas fortunas, os mesmos imbecis que estão arrastando nossa civilização a um trágico fim. Isso é servir à pátria? Que piada! É por fatos como esse que esta humanidade degenerada caminha à sua autodestruição.
E no caso do Brasil, que não está em guerra? Nesse caso, por que precisamos de tantos jovens “servindo à pátria”? Não são suficientes aqueles que naturalmente desejam a carreira militar? A verdade é que grande parte de todo o pessoal que ingressa no serviço militar torna-se ocioso, fica apenas realizando tarefas inúteis para a sociedade, servindo apenas aos caprichos de alguns oficiais. Eu defendo que nossas forças armadas deveriam agir mais, muito mais, em benefício de todo nosso povo e nossos interesses. Por que não estão, por exemplo, expulsando os estrangeiros da Amazônia, que, todos sabem, estão explorando e destruindo essa incomensurável riqueza? Por que o governo não põe os militares para combater o tráfico de drogas? Para fiscalizar os crimes ambientais? Para que investir tanto em algo que faz tão pouco? Será que os jovens que ingressam contrariados nas forças armadas não seriam mais úteis se tivessem liberdade de escolha?
Então, volto a perguntar? Para que “servir à pátria”? Para ser explorado e humilhado por alguns oficiais desumanos e prepotentes, que tratam seus recrutas e soldados adolescentes na base de palavrões, de xingamentos desmoralizantes, horrores que nem mesmo seus pais sentir-se-iam no direito de proferir? Servir, para trabalhar num visível regime de exploração, tão somente para satisfazer os desejos de um oficial que julga os recrutas como sua propriedade particular ou como mais uma arma em suas mãos? Ou argumentarão agora que é para “aprender a ser homem”? Aprender a ser homem é ser condenado durante um ano a humilhações e trabalhos forçados? “Ser homem” é ser chamado de “bixona”, “mongolóide” e “filho-da-puta”? Aprender a ser homem é aprender a ser desumano? Acredito realmente que devem existir oficiais que não agem dessa forma, oficiais decentes, não generalizo, mas que há muitos que o que mais apreciam em sua profissão é humilhar os pobres recrutas e soldados, despejando neles todas suas frustrações e recalques, disso estou certo. Ou será ainda que “ser homem” é ter cabelo curto, como pensam alguns oficiais, certamente ignorantes do fato de que muitos dos maiores guerreiros da história possuíam cabelos longos, como os bárbaros medievais, os Vikings, os samurais e muitos dos nossos próprios heróis farrapos.
Felizmente, aprendi a “ser homem” sem ter que ir para o exército, e se ser patriota é ter “servido à pátria” de bom-gosto, eu não sou patriota. Aliás, mudando um pouco de assunto, se ser patriota é gostar de pagode, de axé, ter que pular carnaval, pensar só em futebol, cerveja, praia e verão, eu definitivamente não sou patriota. Porém, se ser patriota é lutar pela cultura, pela educação, pela liberdade, então sou patriota demais.
Sei que muitos jovens desejam o serviço militar e até mesmo seguem carreira nas forças armadas. Tudo bem, ótimo para eles, no entanto, por que deve ser ele obrigatório? Por que deve todo adolescente, ao completar 18 anos, apresentar-se a uma pátria que muitas vezes não dá a mínima a ele? Por que um jovem que não deseja seguir carreira militar, que tem outros objetivos em mente, é obrigado a adiar seus sonhos, ver pisoteados seus ideais, prejudicados os seus estudos, talvez perdido todo um ano de sua vida? Qual a justificativa para toda essa injusta arbitrariedade? Servir à pátria? Mentira. Nos países em guerra, é servir à guerra estúpida e inútil, ao interesse financeiro e político das elites, pois toda guerra resume-se a dinheiro e poder. E quem paga o preço? O mais alto é pago pelos jovens, por muitos que nunca desejaram “servir à pátria”, pago com seu sangue, com o horror vivido, pago com o sacrifício de seus sonhos e ideais, pago com a vida! E para quê? Para que alguns poucos egoístas multipliquem suas fortunas, os mesmos imbecis que estão arrastando nossa civilização a um trágico fim. Isso é servir à pátria? Que piada! É por fatos como esse que esta humanidade degenerada caminha à sua autodestruição.
E no caso do Brasil, que não está em guerra? Nesse caso, por que precisamos de tantos jovens “servindo à pátria”? Não são suficientes aqueles que naturalmente desejam a carreira militar? A verdade é que grande parte de todo o pessoal que ingressa no serviço militar torna-se ocioso, fica apenas realizando tarefas inúteis para a sociedade, servindo apenas aos caprichos de alguns oficiais. Eu defendo que nossas forças armadas deveriam agir mais, muito mais, em benefício de todo nosso povo e nossos interesses. Por que não estão, por exemplo, expulsando os estrangeiros da Amazônia, que, todos sabem, estão explorando e destruindo essa incomensurável riqueza? Por que o governo não põe os militares para combater o tráfico de drogas? Para fiscalizar os crimes ambientais? Para que investir tanto em algo que faz tão pouco? Será que os jovens que ingressam contrariados nas forças armadas não seriam mais úteis se tivessem liberdade de escolha?
Então, volto a perguntar? Para que “servir à pátria”? Para ser explorado e humilhado por alguns oficiais desumanos e prepotentes, que tratam seus recrutas e soldados adolescentes na base de palavrões, de xingamentos desmoralizantes, horrores que nem mesmo seus pais sentir-se-iam no direito de proferir? Servir, para trabalhar num visível regime de exploração, tão somente para satisfazer os desejos de um oficial que julga os recrutas como sua propriedade particular ou como mais uma arma em suas mãos? Ou argumentarão agora que é para “aprender a ser homem”? Aprender a ser homem é ser condenado durante um ano a humilhações e trabalhos forçados? “Ser homem” é ser chamado de “bixona”, “mongolóide” e “filho-da-puta”? Aprender a ser homem é aprender a ser desumano? Acredito realmente que devem existir oficiais que não agem dessa forma, oficiais decentes, não generalizo, mas que há muitos que o que mais apreciam em sua profissão é humilhar os pobres recrutas e soldados, despejando neles todas suas frustrações e recalques, disso estou certo. Ou será ainda que “ser homem” é ter cabelo curto, como pensam alguns oficiais, certamente ignorantes do fato de que muitos dos maiores guerreiros da história possuíam cabelos longos, como os bárbaros medievais, os Vikings, os samurais e muitos dos nossos próprios heróis farrapos.
Felizmente, aprendi a “ser homem” sem ter que ir para o exército, e se ser patriota é ter “servido à pátria” de bom-gosto, eu não sou patriota. Aliás, mudando um pouco de assunto, se ser patriota é gostar de pagode, de axé, ter que pular carnaval, pensar só em futebol, cerveja, praia e verão, eu definitivamente não sou patriota. Porém, se ser patriota é lutar pela cultura, pela educação, pela liberdade, então sou patriota demais.
18 fevereiro 2007
Discursos Vazios
Tenho percebido algumas coisas sobre a humanidade, sobre o ser humano. Uma delas está entre nossas principais características: falar, falar, falar e nada fazer. Genialmente escreveu Shakespeare: “Palavras! Palavras! Palavras!” intentando dizer que nossos discursos carecem de valor. Provavelmente, o leitor já deve ter associado as afirmações acima, o próprio título, com os discursos dos políticos, que muito falam, muito prometem, muito brilham sobre os palanques, diante das câmeras, porém, chegando ao poder, nada cumprem, até mesmo “esquecem” do que haviam afirmado. No entanto, serão somente os políticos que agem dessa maneira? Será que eles não consistem unicamente no reflexo de nossa sociedade, de nós mesmos, de nossa psicologia geral?
É fato notório que, no século XIX, os cientistas, a sociedade em geral, estufavam o peito para preconizar que no século vindouro, isto é, o XX, a ciência seria a solução para todos os problemas, que não haveria mais guerras nem violência nem fome nem miséria nem injustiças nem doenças etc. Era uma crença generalizada da população, todos acreditavam firmemente que o futuro seria melhor, que o mundo seria melhor no próximo século. Quase que unicamente os artistas simbolistas tinham certa “pré-visão” das tragédias que nos aguardavam. Sabemos como foi o século XX: se algumas coisas a ciência resolveu, outras agravou ainda mais, e outros problemas e crises surgiram de forma devastadora. Não é à toa que o século XX foi um dos mais trágicos, catastróficos e ameaçadores da história humana, e chega a ser risível a previsão dos cientistas. E então? Onde ficaram as palavras dos otimistas? Discursos soltos ao vento...
A verdade é que nenhum mundo pode melhorar sem que melhorem aqueles que formam o mundo, isto é, nós. Nosso interior é podre, e como asseverou Kant, “o exterior é o reflexo do interior”. Se cada um de nós não melhora interiormente, como querer o tão cacarejado “mundo melhor”? Assim, ficamos tão-somente nos discursos vazios, proferindo belas palavras (às vezes nem tão belas assim), sem que ocorra uma contrapartida de ação, principalmente para com nós mesmos.
Sim, amigo leitor, é muito agradável ouvirmos palavras de consolo, belos e comoventes discursos otimistas, que crêem engrandecer e dignificar o homem, elevar o seu “astral”, enchê-lo de confiança etc. É ótimo emocionarmo-nos com as mensagens de Natal e Ano-Novo exibidas em cartões, na TV, enviadas pela Internet, para os celulares... É maravilhoso chorarmos com os belíssimos discursos nas formaturas, nos plenários, nas igrejas, nas novelas (não incluo “lendo um poema” porque ninguém mais chora lendo poemas, só os poetas), cheios de confiança no homem e no futuro. Sim, todas essas palavras “edificantes” são muito agradáveis de serem ouvidas. Mas eu pergunto: e daí? No fundo, permanecemos sempre os mesmos, não mudamos nunca, “não aprendemos as lições da vida nem a canhonaços”, como sentenciou certo autor... Não obstante tantos “emocionamentos” (criei essa palavra para diferenciar de emoção), no fundo no fundo permanecemos mesquinhos, medíocres, egoístas, perversos, consumistas etc.
Os mesmos que defendem a natureza, no outro dia estão largando o papel de bala na rua, escovando os dentes com a torneira aberta, jogando toco de cigarro no chão... Os mesmos que exaltam a honestidade, não devolvem o troco no mercado se ele vier em excesso... Os mesmos que pregam a cultura não compram um livro, ou, se o compram por certa obrigação moral muito hipócrita, não o lêem, deixando-o guardado às traças. Os mesmos que criticam o consumismo, o império norte-americano, bebem coca-cola todos os dias. E então?!! Há exceções? Claro que sim, mas o mundo não é feito de exceções, é feito do que é geral...
Finalizando, questiono: porque não conseguimos passar para a prática os nossos belos discursos, as nossas profundas e momentâneas emoções? Afinal, o que há com nós, seres humanos?
É fato notório que, no século XIX, os cientistas, a sociedade em geral, estufavam o peito para preconizar que no século vindouro, isto é, o XX, a ciência seria a solução para todos os problemas, que não haveria mais guerras nem violência nem fome nem miséria nem injustiças nem doenças etc. Era uma crença generalizada da população, todos acreditavam firmemente que o futuro seria melhor, que o mundo seria melhor no próximo século. Quase que unicamente os artistas simbolistas tinham certa “pré-visão” das tragédias que nos aguardavam. Sabemos como foi o século XX: se algumas coisas a ciência resolveu, outras agravou ainda mais, e outros problemas e crises surgiram de forma devastadora. Não é à toa que o século XX foi um dos mais trágicos, catastróficos e ameaçadores da história humana, e chega a ser risível a previsão dos cientistas. E então? Onde ficaram as palavras dos otimistas? Discursos soltos ao vento...
A verdade é que nenhum mundo pode melhorar sem que melhorem aqueles que formam o mundo, isto é, nós. Nosso interior é podre, e como asseverou Kant, “o exterior é o reflexo do interior”. Se cada um de nós não melhora interiormente, como querer o tão cacarejado “mundo melhor”? Assim, ficamos tão-somente nos discursos vazios, proferindo belas palavras (às vezes nem tão belas assim), sem que ocorra uma contrapartida de ação, principalmente para com nós mesmos.
Sim, amigo leitor, é muito agradável ouvirmos palavras de consolo, belos e comoventes discursos otimistas, que crêem engrandecer e dignificar o homem, elevar o seu “astral”, enchê-lo de confiança etc. É ótimo emocionarmo-nos com as mensagens de Natal e Ano-Novo exibidas em cartões, na TV, enviadas pela Internet, para os celulares... É maravilhoso chorarmos com os belíssimos discursos nas formaturas, nos plenários, nas igrejas, nas novelas (não incluo “lendo um poema” porque ninguém mais chora lendo poemas, só os poetas), cheios de confiança no homem e no futuro. Sim, todas essas palavras “edificantes” são muito agradáveis de serem ouvidas. Mas eu pergunto: e daí? No fundo, permanecemos sempre os mesmos, não mudamos nunca, “não aprendemos as lições da vida nem a canhonaços”, como sentenciou certo autor... Não obstante tantos “emocionamentos” (criei essa palavra para diferenciar de emoção), no fundo no fundo permanecemos mesquinhos, medíocres, egoístas, perversos, consumistas etc.
Os mesmos que defendem a natureza, no outro dia estão largando o papel de bala na rua, escovando os dentes com a torneira aberta, jogando toco de cigarro no chão... Os mesmos que exaltam a honestidade, não devolvem o troco no mercado se ele vier em excesso... Os mesmos que pregam a cultura não compram um livro, ou, se o compram por certa obrigação moral muito hipócrita, não o lêem, deixando-o guardado às traças. Os mesmos que criticam o consumismo, o império norte-americano, bebem coca-cola todos os dias. E então?!! Há exceções? Claro que sim, mas o mundo não é feito de exceções, é feito do que é geral...
Finalizando, questiono: porque não conseguimos passar para a prática os nossos belos discursos, as nossas profundas e momentâneas emoções? Afinal, o que há com nós, seres humanos?
06 fevereiro 2007
ENTREVISTA
A amigo e excelente escritor baiano Paulo Soriano realizou uma entrevista comigo, abordando temas como meu livro de contos. Confiram no site www.contosdeterror.com.br e aproveitam para ler os fantásticos contos lá publicados. Abraços Apocalípticos.
12 janeiro 2007
A Morte do Sentimento
Ninguém seria capaz de negar que a humanidade passa por uma das mais graves crises de sua história, creio até que a mais grave, e é possível que o qualificativo de “crise” seja um eufemismo para o quadro atualmente vivenciado por nosso planeta e pelas populações nele existentes. Desnecessário seria aqui exemplificar os terríveis fatos que cotidianamente assolam nossas existências, no entanto, há um que me chama a atenção sobremaneira, até devido à circunstância de eu trabalhar com a arte: a morte do sentimento.
Fato incontestável é que a humanidade vem tornando-se cada vez mais fria e insensível, e não é à toa que a pós-modernidade é caracterizada pelo superficialismo, pela efemeridade das relações; vivemos a época do descartável, tanto física quanto psiquicamente, a época dos afetos de uso momentâneo, a época da mecanicidade, do que eu qualifico como “robotismo”.
Esse robotismo nada mais é do que a brutal frieza e indiferença que impera absoluta nas mentes e nos corações de uma tremenda parcela da população, particularmente nos jovens. A grande maioria das pessoas, para usar uma expressão pós-moderna, “não está nem aí para nada!” Vive-se tão habituado à tragédia, ao horror, às catástrofes sociais e ambientais que lentamente devastam nosso mundo, que uma a mais ou a menos, já não faz a mínima diferença. A violência monstruosa que todos os dias abarrota os jornais de notícias é vista como um mero acidente de percurso, e até mesmo uma denúncia de corrupção não passa de “mais um que roubou, e daí?”
Alguns artistas e filósofos já falam de uma próxima época, sucessora do pós-moderno, qual seja, a do pós-humano. Será quando os homens não passarão de máquinas absolutamente empedernidas, tendo unicamente como objetivos ganhar dinheiro, acumular bens, e usufruir dos prazeres materiais, em um comportamento completamente egoísta, hedonista e consumista. Cabe aqui perguntar: já não estaríamos nessa época? E se estamos, que futuro ela pode reservar a nós, que tipo de civilização poderá resultar de tais “filosofias de vida”? A questão do consumismo desenfreado já nos dá um sombrio indicativo da gravidade do problema: está mais do que demonstrado que nosso planeta não suportará o nível de consumo atual de seus recursos naturais, e os efeitos catastróficos dessa situação já estão bastante presentes em nosso dia-a-dia...
Na época pós-humana, os sentimentos não terão lugar, serão vistos como algo retrógrado, ultrapassado, piegas, cafona. Decretar-se-á então a morte da poesia, da música clássica, enfim, de todas as grandes manifestações artísticas, para dar lugar às mais baixas expressões da degeneração humana, como ocorre hoje com a pseudomúsica do funk, que faz vibrar os mais vulgares instintos do homem, na ausência absoluta de sentimentos elevados. Alguém poderá contestar-me, afirmando que funk é música também. Nesse caso eu diria que tal atitude é mais um sintoma da pós-humanidade. O funk é só um exemplo, um dos mais claros, poder-se-ia mencionar dezenas de outros, mas, obviamente, o espaço não me permite.
A verdade é que uma hedionda acomodação psíquica tomou conta da humanidade. Atingimos um ponto em que nada mais é capaz de emocionar o ser humano. Quando falo em emocionar, refiro-me à emoção profunda, de caráter superior, ao que classificamos de nobreza de sentimentos. As pessoas, de uma forma geral, já não mais se preocupam em demonstrar e manter afeto, comoção, sensibilização a respeito de algum fenômeno ou acontecimento, de alguma verdade ou constatação. Muito pelo contrário, até mesmo tem-se vergonha de sentir; chorar é encarado como uma fraqueza, a meiguice, como uma ingenuidade, a emoção profunda e espontânea, como um desvio da mentalidade padrão. Não é assim, amigos leitores? Aqui, lembro de Rui Barbosa, que, na “Oração aos Moços” afirmava que o homem um dia desanimaria da virtude, riria da honra, teria vergonha de ser honesto. Esse dia, senhores, já chegou. Agora, chegará o dia em que o homem desanimará da arte, rirá da sensibilidade, terá vergonha se ser profundo. Estabelecer-se-á então a lei do “quanto mais fútil, melhor”. E creio que esse dia funesto chegará rapidamente, se é que já não o estamos vivendo...
É possível que alguém pergunte a si mesmo: “E daí?” Nesse caso, estará confirmando tudo o que eu afirmei acima. Os negros resultados estão ao nosso redor, e caminhamos firmes e resolutos ao caos absoluto e à autodestruição inexorável...
Fato incontestável é que a humanidade vem tornando-se cada vez mais fria e insensível, e não é à toa que a pós-modernidade é caracterizada pelo superficialismo, pela efemeridade das relações; vivemos a época do descartável, tanto física quanto psiquicamente, a época dos afetos de uso momentâneo, a época da mecanicidade, do que eu qualifico como “robotismo”.
Esse robotismo nada mais é do que a brutal frieza e indiferença que impera absoluta nas mentes e nos corações de uma tremenda parcela da população, particularmente nos jovens. A grande maioria das pessoas, para usar uma expressão pós-moderna, “não está nem aí para nada!” Vive-se tão habituado à tragédia, ao horror, às catástrofes sociais e ambientais que lentamente devastam nosso mundo, que uma a mais ou a menos, já não faz a mínima diferença. A violência monstruosa que todos os dias abarrota os jornais de notícias é vista como um mero acidente de percurso, e até mesmo uma denúncia de corrupção não passa de “mais um que roubou, e daí?”
Alguns artistas e filósofos já falam de uma próxima época, sucessora do pós-moderno, qual seja, a do pós-humano. Será quando os homens não passarão de máquinas absolutamente empedernidas, tendo unicamente como objetivos ganhar dinheiro, acumular bens, e usufruir dos prazeres materiais, em um comportamento completamente egoísta, hedonista e consumista. Cabe aqui perguntar: já não estaríamos nessa época? E se estamos, que futuro ela pode reservar a nós, que tipo de civilização poderá resultar de tais “filosofias de vida”? A questão do consumismo desenfreado já nos dá um sombrio indicativo da gravidade do problema: está mais do que demonstrado que nosso planeta não suportará o nível de consumo atual de seus recursos naturais, e os efeitos catastróficos dessa situação já estão bastante presentes em nosso dia-a-dia...
Na época pós-humana, os sentimentos não terão lugar, serão vistos como algo retrógrado, ultrapassado, piegas, cafona. Decretar-se-á então a morte da poesia, da música clássica, enfim, de todas as grandes manifestações artísticas, para dar lugar às mais baixas expressões da degeneração humana, como ocorre hoje com a pseudomúsica do funk, que faz vibrar os mais vulgares instintos do homem, na ausência absoluta de sentimentos elevados. Alguém poderá contestar-me, afirmando que funk é música também. Nesse caso eu diria que tal atitude é mais um sintoma da pós-humanidade. O funk é só um exemplo, um dos mais claros, poder-se-ia mencionar dezenas de outros, mas, obviamente, o espaço não me permite.
A verdade é que uma hedionda acomodação psíquica tomou conta da humanidade. Atingimos um ponto em que nada mais é capaz de emocionar o ser humano. Quando falo em emocionar, refiro-me à emoção profunda, de caráter superior, ao que classificamos de nobreza de sentimentos. As pessoas, de uma forma geral, já não mais se preocupam em demonstrar e manter afeto, comoção, sensibilização a respeito de algum fenômeno ou acontecimento, de alguma verdade ou constatação. Muito pelo contrário, até mesmo tem-se vergonha de sentir; chorar é encarado como uma fraqueza, a meiguice, como uma ingenuidade, a emoção profunda e espontânea, como um desvio da mentalidade padrão. Não é assim, amigos leitores? Aqui, lembro de Rui Barbosa, que, na “Oração aos Moços” afirmava que o homem um dia desanimaria da virtude, riria da honra, teria vergonha de ser honesto. Esse dia, senhores, já chegou. Agora, chegará o dia em que o homem desanimará da arte, rirá da sensibilidade, terá vergonha se ser profundo. Estabelecer-se-á então a lei do “quanto mais fútil, melhor”. E creio que esse dia funesto chegará rapidamente, se é que já não o estamos vivendo...
É possível que alguém pergunte a si mesmo: “E daí?” Nesse caso, estará confirmando tudo o que eu afirmei acima. Os negros resultados estão ao nosso redor, e caminhamos firmes e resolutos ao caos absoluto e à autodestruição inexorável...
25 dezembro 2006
Tristeza... Spleen... Deprê...
eu sonhando com febre – no Término!
no sem fim e no Fim – Crepúsculo!
perambulo diante – Romântico!
da tua alta janela – a Última!
som de flores e almas – Saudade!
no meu Apocalipse – Ocaso!
noite de aves e velas – Tragédia!
que teus olhos me olham – são Corvos!
que teus olhos são coros – Corujas!
e tu acenas de longe – Espíritos!
ao meu sonho de antigo – Castelos!
o teu sono nos céus – na Rosa!
que já é tudo tão findo – Sozinho!
eu te olho nos olhos – Relâmpago!
em incêndio nos campos – Ciprestes!
na tua torre de ozônio – Fantasmas!
secam rios perdidos – Trombetas!
tu me atiras um beijo – Morcegos!
bomba atômica doente – tão Gótica!
teu cabelo na lua – com Sangue!
oceanos sem vida – Ciência!
eu te atiro um poema – Catástrofe!
nos meus sonhos de louco – Violinos!
teu sorriso magoado – Sopranos!
e o teu beijo na noite – Princesa!
furacões nos meus olhos – Arcanjos!
e o Destino do Mundo – Tristeza...
no sem fim e no Fim – Crepúsculo!
perambulo diante – Romântico!
da tua alta janela – a Última!
som de flores e almas – Saudade!
no meu Apocalipse – Ocaso!
noite de aves e velas – Tragédia!
que teus olhos me olham – são Corvos!
que teus olhos são coros – Corujas!
e tu acenas de longe – Espíritos!
ao meu sonho de antigo – Castelos!
o teu sono nos céus – na Rosa!
que já é tudo tão findo – Sozinho!
eu te olho nos olhos – Relâmpago!
em incêndio nos campos – Ciprestes!
na tua torre de ozônio – Fantasmas!
secam rios perdidos – Trombetas!
tu me atiras um beijo – Morcegos!
bomba atômica doente – tão Gótica!
teu cabelo na lua – com Sangue!
oceanos sem vida – Ciência!
eu te atiro um poema – Catástrofe!
nos meus sonhos de louco – Violinos!
teu sorriso magoado – Sopranos!
e o teu beijo na noite – Princesa!
furacões nos meus olhos – Arcanjos!
e o Destino do Mundo – Tristeza...
04 dezembro 2006
Contos do Crepúsculo e do Absurdo
Os apreciadores da Literatura Sombria que estiverem interessados em adquirir meu livro de contos, por favor, entrem em contato comigo aqui mesmo ou pelo e-mail alreiffer@hotmail.com Obrigado.
Quatro Poemas Apocalípticos
I
A Vida Corre
no medo mudo
o mundo berra
no amor já morto
que cai por terra
e o homem brinca
de boca-aberta
de mente-torta
de alma-morta
e o homem mata
e a mata morre
e a água escorre
num fundo corte
martelo em sangue
que a morte morde
e a vida escorre
e ao fundo corre
e o mundo berra
e o homem morre
II
Águas do Fim
águas em marcha
fúnebre
águas de março
seco
águas alvas
brancas
águas claras
de espuma: de ter gente
águas belas?
águas plásticas
chuvas ácidas
gotas trágicas
água da vida?
água da morte
dá medo
dá peste
e morre
a humanidade
e a água:
perdida
acabada.
e o que tu fazes?
fezes,
sem mágica...
e que água que resta?
A Lágrima.
III
Do Fim nº2
nem uma estiagem sobre o peito
nem um canhonaço nas idéias
nem um furacão sobre a esperança
nem um genocídio dos valores
nem um tsunami na virtude
nem um terremoto na psique
nem a bomba atômica no espírito
nem uma catástrofe na alma
nada
nem o próprio Fim
acordará o homem
do seu nada
e do seu próprio Fim
IV
Soneto a Ela
Paira tua grandeza sobre as nuvens
e pesa mau destino sobre os homens.
Em negro mundo os anos se consomem
e mais clara em tua alma tu nos surges...
Caem raios das horas que refulges,
como sonhos de morte que em mim somem
como fins teus ocultos que há em Beethoven
como sombra em ti fêmea viva em luzes...
Tua voz nas tormentas que há nos céus,
teu olhar cataclísmico nos vela
nos sinais do Infinito dos teus véus...
E por ser Una, arcanamente bela,
alguém dirá talvez que vós sois Deus,
mas eu canto que vós sois no Eterno Ela...
A Vida Corre
no medo mudo
o mundo berra
no amor já morto
que cai por terra
e o homem brinca
de boca-aberta
de mente-torta
de alma-morta
e o homem mata
e a mata morre
e a água escorre
num fundo corte
martelo em sangue
que a morte morde
e a vida escorre
e ao fundo corre
e o mundo berra
e o homem morre
II
Águas do Fim
águas em marcha
fúnebre
águas de março
seco
águas alvas
brancas
águas claras
de espuma: de ter gente
águas belas?
águas plásticas
chuvas ácidas
gotas trágicas
água da vida?
água da morte
dá medo
dá peste
e morre
a humanidade
e a água:
perdida
acabada.
e o que tu fazes?
fezes,
sem mágica...
e que água que resta?
A Lágrima.
III
Do Fim nº2
nem uma estiagem sobre o peito
nem um canhonaço nas idéias
nem um furacão sobre a esperança
nem um genocídio dos valores
nem um tsunami na virtude
nem um terremoto na psique
nem a bomba atômica no espírito
nem uma catástrofe na alma
nada
nem o próprio Fim
acordará o homem
do seu nada
e do seu próprio Fim
IV
Soneto a Ela
Paira tua grandeza sobre as nuvens
e pesa mau destino sobre os homens.
Em negro mundo os anos se consomem
e mais clara em tua alma tu nos surges...
Caem raios das horas que refulges,
como sonhos de morte que em mim somem
como fins teus ocultos que há em Beethoven
como sombra em ti fêmea viva em luzes...
Tua voz nas tormentas que há nos céus,
teu olhar cataclísmico nos vela
nos sinais do Infinito dos teus véus...
E por ser Una, arcanamente bela,
alguém dirá talvez que vós sois Deus,
mas eu canto que vós sois no Eterno Ela...
O Fim Inaceitável de Cada Um de Nós (Você concorda que esse será o nosso destino?)
Que importa agora que eu diga meu nome? De que vale um nome em meio do nada? Ou um nome em meio da treva? Um nome em meio da Morte? Não sei, não sei agora como se encontram as outras regiões deste miserável planeta agonizante, quem sabe já absolutamente morto, e não sei devido ao fato de que não tenho acesso a nenhum meio de comunicação. Mas sei o que vi, sei do horror inimaginável que devastou toda a minha cidade e, com toda certeza, todas as regiões próximas a ela. Sou o único ser humano vivo em um raio de quilômetros, pois eu mesmo verifiquei, praticamente me arrastando, por estes últimos dias, os dias negros subseqüentes a este apocalipse. É possível que no lodo coberto tão-somente por mortos e ruínas ainda viva alguém além de mim? E quando eu digo que por quilômetros há somente lodo e ruína, não estou exagerando. Avisto unicamente três construções ainda parcialmente em pé e algumas árvores completamente mortas. Foi em uma dessas construções que encontrei este papel e este lápis, e assim escrevo estas linhas derradeiras, na derradeira esperança de que algum humano que talvez ainda exista em algum ponto do globo venha até aqui e leia meu trágico (antes fosse somente trágico) relato.
Sei que em breve morrerei. Há dias não como, tenho o coração coberto de feridas purulentas e de hematomas, e utilizarei minhas últimas energias para escrever estas palavras de desolação. No entanto, não tratarei de catástrofes externas...
Eu poderia escrever sobre as arrasadoras guerras nucleares, sobre a aniquilação completa das vegetações e dos animais, dos desastres ambientais e climáticos que varreram minha região, mas não escrevo. Eu poderia aqui falar sobre os rios secos ou apodrecidos, sobre o efeito-estufa que transformou nossas terras em um deserto, sobre as doenças e epidemias surgidas dos erros da ciência e do massacre ambiental, mas não é necessário falar sobre isso, todo mundo já sabia... Poderia ainda tratar da brutal violência, da violência absurda e inconcebível que imperou nas ruas, ou ainda do fim definitivo da água potável e da energia elétrica, dos ares negros empesteados de todas as formas de poluição; poderia falar dos furacões, dos cataclismas, dos holocaustos, dos infindáveis incêndios, das mutações genéticas, da queda de gigantescos asteróides, do calor infernal e mortífero, dos mórbidos céus negros e doentiamente avermelhados, da aproximação daquele planeta terrível, dos monstros que surgiram não sei como nem de onde, enfim, eu poderia falar de horrores e mais e horrores, mas eu calo, em desespero, sobre tudo isso, pois tudo era previsível e perfeitamente lógico.
Mesmo assim, irei falar do fim absoluto... Não das conseqüências e resultados externos do fim, mas do que o causou. Falarei do fim interno, escreverei sobre a catástrofe e o apocalipse que se desencadeou no interior do homem, como uma doença fatal. Que doença foi essa? Qual o seu nome? De onde surgiram tão extremada degradação e decadência, corrupção tão impiedosa, tão avassaladora de sua mente e de seu coração, carcomendo como um câncer o íintimo ? De onde surgiue de seu coraçao,o interior do homem, como uma doença fatal. calo, em desespero, sobre tudo isso.ças entimo da humanidade? Eu falarei sobre o fim da Alma.
Tal qual ocorreu com o remoto Império Romano, a decadência da civilização atual foi nada mais que o trágico resultado da degeneração psíquica e espiritual de cada membro de sua população. Só que agora, a degradação individual realizou-se em um nível muito mais amplo e profundo. É claro que não foi algo ocorrido de um dia para o outro, mas o lento resultado de décadas de uma progressiva agonia anímica, em que o homem foi assassinando sua chama interior, a raiz de sua humanidade.
Ainda me recordo daqueles longínquos dias de minha infância, onde constantemente ouvia meus avós mencionarem coisas do tipo: “no meu tempo não era assim, as pessoas eram mais honestas, mais confiáveis, mais honradas, respeitavam-se mais...” Cresci ouvindo tais palavras e quando me tornei adulto, eu passei a proferi-las, percebendo o quanto as pessoas, em minha infância, eram melhores do que as que convivo agora, isto é, convivia. Consistiu-se em lugar-comum afirmar que a humanidade evoluiu prodigiosamente em seu aspecto externo, ou seja, nas descobertas supostamente científicas, nas invenções materiais, nas criações tecnológicas, que fizeram o ser humano cercar-se de uma infinidade de máquinas e aparelhos, dos quais se tornou completamente dependente. No entanto, e isso também se tornou um lugar-comum, essa evolução externa não teve seu correspondente interno, muito pelo contrário, como seres humanos, como seres dotados de vida psíquica, emotiva, espiritual, involuímos progressiva e implacavelmente, e o resultado último de tal constatação, eu vejo negramente retratado ao meu redor. Talvez esse seja o maior dos lugares-comuns...
Durante minha existência, fui como uma antena orgânica que captava todas essas inevitáveis e, muitas vezes, sutis degradações, e percebi que o fim viria a passos rápidos, resolutos, inexoráveis. Testemunhei a morte absoluta da alma humana. Vi o ser humano tornar-se mais e mais insensível, vulgar, brutal, empedernido ao extremo. Eu contemplei aniquilado o desfile daqueles seres mecânicos, que não mais se poderia qualificar como humanos, enquanto eles massacravam em risadas a antiga nobreza de alma que possuíam. Pisotearam em sua honra, em sua dignidade, em tudo de alto e belo que vivia em seu espírito, ao mesmo tempo em que entronizavam a lei do “quanto mais baixo e vulgar, melhor”. Nada mais do que míseros robôs de carne e osso que viviam tão-somente para comer, beber, procriar e se divertir eventual e porcamente, numa busca desesperada por um prazer efêmero, de conseqüentes marasmos e amarguras insuportáveis.
Devi dizer que me insuflava uma profunda depressão a visão daqueles “humanos”, cuja alma encontrava-se em estado terminal. Não passavam de zumbis, dos quais o maior objetivo de vida consistia nos fatídicos e bestiais bordões: “Viver para mais ter”, ou “Eu estando bem, os outros que se danem”. Essa perversa filosofia do capitalismo, essa autêntico louvor à mais exacerbada e perversa manifestação egóica, aos poucos, foi tornando a vida humana mais e mais materialista, repugnantemente materialista, hediondamente fria e sem nenhum sentido, a não ser o de acumular bens e produtos e aquilo que os poderia comprar... Acumular dinheiro: maior e mais sublime motivo de nossas existências. E assim a humanidade transformou-se na cega e degradada vítima do consumismo desenfreado que, como sugere a própria palavra, foi consumindo vorazmente todos os recursos naturais do planeta, até esgotá-los em uma horrenda plenitude.
O que esperar de uma população com tais pensamentos, além de um inevitável suicídio, de uma dolorosa autodestruição lógica e inexorável? O que esperar de um povo que somente cultuava as posses físicas e as aparências ao mundo social? De uma civilização incapaz de demonstrar uma real manifestação de grandeza anímica? O que dizer daquela diabólica ordem? Aquela do quanto mais superficial, quanto mais vazio, quanto mais idiota, melhor, será mais reverenciado, obterá mais sucesso, será mais discutido e aclamado? Assim foi com todas as coisas, o que decretou a morte definitiva das culturas e das artes. A começar pela poesia, pelas profundas criações literárias e filosóficas, atingindo até mesmo a ciência, que morreu no dia em que deixou de buscar a verdade para satisfazer os interesses financeiros.
Ninguém mais demonstrava o mínimo interesse por um poema, por um romance, por um tratado filosófico, porque tais coisas já não significavam mais nada, ninguém mais era capaz de verdadeiramente compreendê-las, pois tais coisas não eram consumismos, não eram “prazerosas” de acordo como se conceituava o prazer na época do pós-modernismo. Porque cultuar um poema não trazia dinheiro ou bens materiais, não contribuía com o incremento das aparências físicas etc.
Ao meu desolado redor vejo o funesto resultado da perda da nossa alma. Aí está a trágica, a cosmicamente trágica conseqüência dos atos daqueles homens e mulheres que não eram capazes de apreciar uma pintura, ou a música clássica dos grandes mestres, que somente buscavam, como vermes afogados no lodo, as piores baixezas, as pseudo-artes mais desprezíveis e vulgares, falsas músicas degeneradas, imundas, nojentas, que apelavam para as mais pútridas e abomináveis degradações humanas. E essa foi a categoria de indivíduos que herdou o mundo e acabou com ele...
Enquanto a cobiça irrefreável destruía todo o planeta, aniquilando rios e florestas, mares e animais, o homem cego e estúpido, em sua tola prepotência, em seu orgulho verdadeiramente imbecil, acreditava como um fanático que a ciência iria resolver todos os seus problemas, que poderia evitar o fim, que salvaria a humanidade, ainda que o homem prosseguisse liquidando com tudo, em um ritmo de destruição desolador. E tal pensamento, de uma medonha e inacreditável estupidez, imperou monárquico, ninguém estava preocupado com o futuro do planeta, com o legado que seria deixado aos seus próprios descendentes. Todos caminhavam firmes e decididos ruma a uma solene destruição, com um sorriso idiota estampado em um rosto que era a face morta da decadência. E horror não parou por aí...
E enquanto eu agonizava em meio à destruição absoluta, refletia desesperado sobre todas essas tragédias, e pensava sobre a corrosiva indiferença que foi lentamente carcomendo o espírito humano, a desoladora verdade de que nada era capaz de tocar a sensibilidade das robóticas populações. O homem habituou-se ao horror que dominou os quatro cantos da Terra. Nem a fome, nem a violência, nem o massacre ambiental, nem os genocídios, nem as piores atrocidades, nada, absolutamente nada mexia com os sentimentos da grande maioria da civilização. E o reinado do horror e da morte ascendeu triunfante sobre a humanidade.
E era verdadeiramente intolerável a tristeza que causava a visão de todas aquelas multidões semimortas, escravos da matéria e da vulgaridade mais rasteira, seres que não encontravam o menor sentido para suas vidas e, assim como assassinaram sua alma, acreditavam também que todos os outros seres e astros do universo eram desprovidos de espírito, que não passavam de amontoados, aglomerações de átomos a formar um ser mecânico e insensível como tornou-se a humanidade. Para os humanos, não havia vida no universo, não havia ordem, harmonia ou equilíbrio, somente caos. Como o caos reinou em nossa civilização, assim pensava o homem, deveria ser em todo o cosmos.
E esquecidos de tudo o que era elevado, mortos a tudo que era sublime, cegos à superioridade da alma, a humanidade apenas buscava viver a mediocridade de uma existência imediatista, com a miserável mentalidade de “aproveitar a vida”, sendo este “aproveitar” sinônimo de consumir o maior número de produtos possíveis, entupir-se de alimentos e bebidas, divertir-se bestialmente e despejar no sexo os estresses do trabalho escravizante, das existências vazias, dos problemas eternos, insolucionáveis, até que viesse a morte e acabasse com tudo. Ninguém se importava em buscar um conhecimento superior, em compreender verdades maiores sobre a vida e sobre o universo, em sobrelevar-se espiritualmente sobre a miséria da humanidade. E tal civilização de desalmados herdou a terra...
É lógico que nosso fim chegaria, ainda que todos fingissem que não, que tudo estava muito bem, ou então, fingiam que seria possível resolver a irreversível situação. Aliás, fingir, apresentar grandiosas e irrepreensíveis aparências, tornou-se a maior especialidade desta civilização de víboras. A regra geral era aparentar tudo e não ser nada. O importante era a imagem de honestidade, de bondade, de profundidade, não tais qualidades em si; importava o que os outros pensassem que fôssemos, não o que realmente éramos. Aliás, o que era o homem?
Inquestionavelmente, a humanidade tornou-se egoísta em sua totalidade, ainda que aparentasse um enganoso amor, uma enganosa fraternidade, uma falsa justiça. O ser humano até poderia ser fraterno, desde que com isso ganhasse alguma coisa ou que, no mínimo, não perdesse nenhum centavo com seu ato caridoso. Tinha-se que ganhar algo sempre, o lucro era imperativo, ainda que tal lucro fosse de caráter falsamente espiritual. Porém, o lucro final, o grande lucro definitivo foi o horror absoluto, a desgraça suprema que impera em meu redor.
Todavia, o pior de tudo foi que a maioria esmagadora das pessoas julgava-se correta, ninguém tinha culpa de nada, cada um considerava-se a mais certa pessoa do mundo, sempre se encontrava uma maneira de justificar seus próprios erros, de lavar as mãos, de subtrair-se de sua própria culpabilidade. Quem admitiria sua parcela de culpa no horror que assolava o planeta? Não, ninguém o faria, era preferível colocá-la no vizinho, no estrangeiro, no governo, no irmão, no destino, em Deus, no diabo, mas nunca em si próprio. E até freqüentava-se pseudo-religiões que soprassem nos ouvidos humanos uma vida fácil, isenta de responsabilidade, de culpa, de real compromisso com a humanidade, com o planeta, para que cada indivíduo julgasse o melhor possível de si mesmo. Ademais, muitos pensavam: “Por que devo fazer minha parte se os outros não fazem a sua?” Então, dessa forma irremediável, o planeta foi morrendo, não suportando tão absurdas agressões, e, com ele, morria a humanidade já sem alma, pois “o exterior é o reflexo do interior”...
E, agora, só o que desejo é a Morte...
Eu ainda poderia falar do sexo, no que ele se transformou, mas estou exaurido, estou morrendo. Portanto, basta. Calo-me.
Apenas finalizo bradando aos negros céus e perguntando onde agora estão os grandes homens... Para onde foram os gênios? Onde estão a elevação da Arte e os grandiosos sentimentos? O que foi feito do verdadeiro homem, meu Deus? O que nós fizemos com ele? O que fizemos com o que havia de melhor em nós?
Mas... agora... agora sei que morro... Vejo aproximar-se uma luz, uma luz tão bela como há anos não vejo, cego que estou em meio a essa medonha escuridão causada pelo inverno nuclear. Ali, ali vejo a luz aproximando-se, serena e sublime... O que será, meu Deus! o que será ela? Distingo algo como olhos, olhos de luz, tão grandes, tão calmos, tão belos... Olhos femininos que agora me consolam tanto! Lá do alto eles vêm, ouço um bater de asas, será um ruflar de asas!? E aquela luz, aqueles olhos calmos, femininos, eles vêm... e eu..
Sei que em breve morrerei. Há dias não como, tenho o coração coberto de feridas purulentas e de hematomas, e utilizarei minhas últimas energias para escrever estas palavras de desolação. No entanto, não tratarei de catástrofes externas...
Eu poderia escrever sobre as arrasadoras guerras nucleares, sobre a aniquilação completa das vegetações e dos animais, dos desastres ambientais e climáticos que varreram minha região, mas não escrevo. Eu poderia aqui falar sobre os rios secos ou apodrecidos, sobre o efeito-estufa que transformou nossas terras em um deserto, sobre as doenças e epidemias surgidas dos erros da ciência e do massacre ambiental, mas não é necessário falar sobre isso, todo mundo já sabia... Poderia ainda tratar da brutal violência, da violência absurda e inconcebível que imperou nas ruas, ou ainda do fim definitivo da água potável e da energia elétrica, dos ares negros empesteados de todas as formas de poluição; poderia falar dos furacões, dos cataclismas, dos holocaustos, dos infindáveis incêndios, das mutações genéticas, da queda de gigantescos asteróides, do calor infernal e mortífero, dos mórbidos céus negros e doentiamente avermelhados, da aproximação daquele planeta terrível, dos monstros que surgiram não sei como nem de onde, enfim, eu poderia falar de horrores e mais e horrores, mas eu calo, em desespero, sobre tudo isso, pois tudo era previsível e perfeitamente lógico.
Mesmo assim, irei falar do fim absoluto... Não das conseqüências e resultados externos do fim, mas do que o causou. Falarei do fim interno, escreverei sobre a catástrofe e o apocalipse que se desencadeou no interior do homem, como uma doença fatal. Que doença foi essa? Qual o seu nome? De onde surgiram tão extremada degradação e decadência, corrupção tão impiedosa, tão avassaladora de sua mente e de seu coração, carcomendo como um câncer o íintimo ? De onde surgiue de seu coraçao,o interior do homem, como uma doença fatal. calo, em desespero, sobre tudo isso.ças entimo da humanidade? Eu falarei sobre o fim da Alma.
Tal qual ocorreu com o remoto Império Romano, a decadência da civilização atual foi nada mais que o trágico resultado da degeneração psíquica e espiritual de cada membro de sua população. Só que agora, a degradação individual realizou-se em um nível muito mais amplo e profundo. É claro que não foi algo ocorrido de um dia para o outro, mas o lento resultado de décadas de uma progressiva agonia anímica, em que o homem foi assassinando sua chama interior, a raiz de sua humanidade.
Ainda me recordo daqueles longínquos dias de minha infância, onde constantemente ouvia meus avós mencionarem coisas do tipo: “no meu tempo não era assim, as pessoas eram mais honestas, mais confiáveis, mais honradas, respeitavam-se mais...” Cresci ouvindo tais palavras e quando me tornei adulto, eu passei a proferi-las, percebendo o quanto as pessoas, em minha infância, eram melhores do que as que convivo agora, isto é, convivia. Consistiu-se em lugar-comum afirmar que a humanidade evoluiu prodigiosamente em seu aspecto externo, ou seja, nas descobertas supostamente científicas, nas invenções materiais, nas criações tecnológicas, que fizeram o ser humano cercar-se de uma infinidade de máquinas e aparelhos, dos quais se tornou completamente dependente. No entanto, e isso também se tornou um lugar-comum, essa evolução externa não teve seu correspondente interno, muito pelo contrário, como seres humanos, como seres dotados de vida psíquica, emotiva, espiritual, involuímos progressiva e implacavelmente, e o resultado último de tal constatação, eu vejo negramente retratado ao meu redor. Talvez esse seja o maior dos lugares-comuns...
Durante minha existência, fui como uma antena orgânica que captava todas essas inevitáveis e, muitas vezes, sutis degradações, e percebi que o fim viria a passos rápidos, resolutos, inexoráveis. Testemunhei a morte absoluta da alma humana. Vi o ser humano tornar-se mais e mais insensível, vulgar, brutal, empedernido ao extremo. Eu contemplei aniquilado o desfile daqueles seres mecânicos, que não mais se poderia qualificar como humanos, enquanto eles massacravam em risadas a antiga nobreza de alma que possuíam. Pisotearam em sua honra, em sua dignidade, em tudo de alto e belo que vivia em seu espírito, ao mesmo tempo em que entronizavam a lei do “quanto mais baixo e vulgar, melhor”. Nada mais do que míseros robôs de carne e osso que viviam tão-somente para comer, beber, procriar e se divertir eventual e porcamente, numa busca desesperada por um prazer efêmero, de conseqüentes marasmos e amarguras insuportáveis.
Devi dizer que me insuflava uma profunda depressão a visão daqueles “humanos”, cuja alma encontrava-se em estado terminal. Não passavam de zumbis, dos quais o maior objetivo de vida consistia nos fatídicos e bestiais bordões: “Viver para mais ter”, ou “Eu estando bem, os outros que se danem”. Essa perversa filosofia do capitalismo, essa autêntico louvor à mais exacerbada e perversa manifestação egóica, aos poucos, foi tornando a vida humana mais e mais materialista, repugnantemente materialista, hediondamente fria e sem nenhum sentido, a não ser o de acumular bens e produtos e aquilo que os poderia comprar... Acumular dinheiro: maior e mais sublime motivo de nossas existências. E assim a humanidade transformou-se na cega e degradada vítima do consumismo desenfreado que, como sugere a própria palavra, foi consumindo vorazmente todos os recursos naturais do planeta, até esgotá-los em uma horrenda plenitude.
O que esperar de uma população com tais pensamentos, além de um inevitável suicídio, de uma dolorosa autodestruição lógica e inexorável? O que esperar de um povo que somente cultuava as posses físicas e as aparências ao mundo social? De uma civilização incapaz de demonstrar uma real manifestação de grandeza anímica? O que dizer daquela diabólica ordem? Aquela do quanto mais superficial, quanto mais vazio, quanto mais idiota, melhor, será mais reverenciado, obterá mais sucesso, será mais discutido e aclamado? Assim foi com todas as coisas, o que decretou a morte definitiva das culturas e das artes. A começar pela poesia, pelas profundas criações literárias e filosóficas, atingindo até mesmo a ciência, que morreu no dia em que deixou de buscar a verdade para satisfazer os interesses financeiros.
Ninguém mais demonstrava o mínimo interesse por um poema, por um romance, por um tratado filosófico, porque tais coisas já não significavam mais nada, ninguém mais era capaz de verdadeiramente compreendê-las, pois tais coisas não eram consumismos, não eram “prazerosas” de acordo como se conceituava o prazer na época do pós-modernismo. Porque cultuar um poema não trazia dinheiro ou bens materiais, não contribuía com o incremento das aparências físicas etc.
Ao meu desolado redor vejo o funesto resultado da perda da nossa alma. Aí está a trágica, a cosmicamente trágica conseqüência dos atos daqueles homens e mulheres que não eram capazes de apreciar uma pintura, ou a música clássica dos grandes mestres, que somente buscavam, como vermes afogados no lodo, as piores baixezas, as pseudo-artes mais desprezíveis e vulgares, falsas músicas degeneradas, imundas, nojentas, que apelavam para as mais pútridas e abomináveis degradações humanas. E essa foi a categoria de indivíduos que herdou o mundo e acabou com ele...
Enquanto a cobiça irrefreável destruía todo o planeta, aniquilando rios e florestas, mares e animais, o homem cego e estúpido, em sua tola prepotência, em seu orgulho verdadeiramente imbecil, acreditava como um fanático que a ciência iria resolver todos os seus problemas, que poderia evitar o fim, que salvaria a humanidade, ainda que o homem prosseguisse liquidando com tudo, em um ritmo de destruição desolador. E tal pensamento, de uma medonha e inacreditável estupidez, imperou monárquico, ninguém estava preocupado com o futuro do planeta, com o legado que seria deixado aos seus próprios descendentes. Todos caminhavam firmes e decididos ruma a uma solene destruição, com um sorriso idiota estampado em um rosto que era a face morta da decadência. E horror não parou por aí...
E enquanto eu agonizava em meio à destruição absoluta, refletia desesperado sobre todas essas tragédias, e pensava sobre a corrosiva indiferença que foi lentamente carcomendo o espírito humano, a desoladora verdade de que nada era capaz de tocar a sensibilidade das robóticas populações. O homem habituou-se ao horror que dominou os quatro cantos da Terra. Nem a fome, nem a violência, nem o massacre ambiental, nem os genocídios, nem as piores atrocidades, nada, absolutamente nada mexia com os sentimentos da grande maioria da civilização. E o reinado do horror e da morte ascendeu triunfante sobre a humanidade.
E era verdadeiramente intolerável a tristeza que causava a visão de todas aquelas multidões semimortas, escravos da matéria e da vulgaridade mais rasteira, seres que não encontravam o menor sentido para suas vidas e, assim como assassinaram sua alma, acreditavam também que todos os outros seres e astros do universo eram desprovidos de espírito, que não passavam de amontoados, aglomerações de átomos a formar um ser mecânico e insensível como tornou-se a humanidade. Para os humanos, não havia vida no universo, não havia ordem, harmonia ou equilíbrio, somente caos. Como o caos reinou em nossa civilização, assim pensava o homem, deveria ser em todo o cosmos.
E esquecidos de tudo o que era elevado, mortos a tudo que era sublime, cegos à superioridade da alma, a humanidade apenas buscava viver a mediocridade de uma existência imediatista, com a miserável mentalidade de “aproveitar a vida”, sendo este “aproveitar” sinônimo de consumir o maior número de produtos possíveis, entupir-se de alimentos e bebidas, divertir-se bestialmente e despejar no sexo os estresses do trabalho escravizante, das existências vazias, dos problemas eternos, insolucionáveis, até que viesse a morte e acabasse com tudo. Ninguém se importava em buscar um conhecimento superior, em compreender verdades maiores sobre a vida e sobre o universo, em sobrelevar-se espiritualmente sobre a miséria da humanidade. E tal civilização de desalmados herdou a terra...
É lógico que nosso fim chegaria, ainda que todos fingissem que não, que tudo estava muito bem, ou então, fingiam que seria possível resolver a irreversível situação. Aliás, fingir, apresentar grandiosas e irrepreensíveis aparências, tornou-se a maior especialidade desta civilização de víboras. A regra geral era aparentar tudo e não ser nada. O importante era a imagem de honestidade, de bondade, de profundidade, não tais qualidades em si; importava o que os outros pensassem que fôssemos, não o que realmente éramos. Aliás, o que era o homem?
Inquestionavelmente, a humanidade tornou-se egoísta em sua totalidade, ainda que aparentasse um enganoso amor, uma enganosa fraternidade, uma falsa justiça. O ser humano até poderia ser fraterno, desde que com isso ganhasse alguma coisa ou que, no mínimo, não perdesse nenhum centavo com seu ato caridoso. Tinha-se que ganhar algo sempre, o lucro era imperativo, ainda que tal lucro fosse de caráter falsamente espiritual. Porém, o lucro final, o grande lucro definitivo foi o horror absoluto, a desgraça suprema que impera em meu redor.
Todavia, o pior de tudo foi que a maioria esmagadora das pessoas julgava-se correta, ninguém tinha culpa de nada, cada um considerava-se a mais certa pessoa do mundo, sempre se encontrava uma maneira de justificar seus próprios erros, de lavar as mãos, de subtrair-se de sua própria culpabilidade. Quem admitiria sua parcela de culpa no horror que assolava o planeta? Não, ninguém o faria, era preferível colocá-la no vizinho, no estrangeiro, no governo, no irmão, no destino, em Deus, no diabo, mas nunca em si próprio. E até freqüentava-se pseudo-religiões que soprassem nos ouvidos humanos uma vida fácil, isenta de responsabilidade, de culpa, de real compromisso com a humanidade, com o planeta, para que cada indivíduo julgasse o melhor possível de si mesmo. Ademais, muitos pensavam: “Por que devo fazer minha parte se os outros não fazem a sua?” Então, dessa forma irremediável, o planeta foi morrendo, não suportando tão absurdas agressões, e, com ele, morria a humanidade já sem alma, pois “o exterior é o reflexo do interior”...
E, agora, só o que desejo é a Morte...
Eu ainda poderia falar do sexo, no que ele se transformou, mas estou exaurido, estou morrendo. Portanto, basta. Calo-me.
Apenas finalizo bradando aos negros céus e perguntando onde agora estão os grandes homens... Para onde foram os gênios? Onde estão a elevação da Arte e os grandiosos sentimentos? O que foi feito do verdadeiro homem, meu Deus? O que nós fizemos com ele? O que fizemos com o que havia de melhor em nós?
Mas... agora... agora sei que morro... Vejo aproximar-se uma luz, uma luz tão bela como há anos não vejo, cego que estou em meio a essa medonha escuridão causada pelo inverno nuclear. Ali, ali vejo a luz aproximando-se, serena e sublime... O que será, meu Deus! o que será ela? Distingo algo como olhos, olhos de luz, tão grandes, tão calmos, tão belos... Olhos femininos que agora me consolam tanto! Lá do alto eles vêm, ouço um bater de asas, será um ruflar de asas!? E aquela luz, aqueles olhos calmos, femininos, eles vêm... e eu..
28 outubro 2006
Soneto ao Fim
Pra onde foi a luz do que é Antigo?
Pra onde foram as almas dos Olhares?
Pra que abismo? que inferno? negros mares?
E este sonho? aonde vai? aonde sigo?
Muito bem... já que tudo está perdido
e pairam teus fantasmas pelos ares,
cantarei Fim por todos os lugares
e o que foi, sem jamais aqui ter sido...
O meu triunfo é estar-me nos teus braços,
vivo de morte, de sombra e de agouro
dos quais jamais irei fugir dos laços...
Vejo descendo uma deusa em negro e ouro
de que já tenho o beijo e o seu abraço
em febre e fúria de indomável touro.
Pra onde foram as almas dos Olhares?
Pra que abismo? que inferno? negros mares?
E este sonho? aonde vai? aonde sigo?
Muito bem... já que tudo está perdido
e pairam teus fantasmas pelos ares,
cantarei Fim por todos os lugares
e o que foi, sem jamais aqui ter sido...
O meu triunfo é estar-me nos teus braços,
vivo de morte, de sombra e de agouro
dos quais jamais irei fugir dos laços...
Vejo descendo uma deusa em negro e ouro
de que já tenho o beijo e o seu abraço
em febre e fúria de indomável touro.
Febre da Lua
à noite
a morte
a fim de que eu te veja
e no final desejo
eu vejo
duendes nos cantos
aos cantos de fadas
e sucumbo em arfadas
de visionários de asmas
doentes aos cantos
e se erguendo fantasmas
em fantásticas falas
que eu canto nos cantos
sem ar pelo amar
o fim dessas almas
que desejo tão altas
pelo fim que te canto
e ao fim não te vejo
só canto de cisnes
nas névoas flutuando
e flutua na lua
minha mágica maga:
à noi...
te amo
a mor...
a morte
a fim de que eu te veja
e no final desejo
eu vejo
duendes nos cantos
aos cantos de fadas
e sucumbo em arfadas
de visionários de asmas
doentes aos cantos
e se erguendo fantasmas
em fantásticas falas
que eu canto nos cantos
sem ar pelo amar
o fim dessas almas
que desejo tão altas
pelo fim que te canto
e ao fim não te vejo
só canto de cisnes
nas névoas flutuando
e flutua na lua
minha mágica maga:
à noi...
te amo
a mor...
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