25 outubro 2025

A Sociedade (do) Lixo

uma civilização que produz 
tanto lixo ao infinito 
está condenada à morte.
cuidado que lixo não é só 
se atirar sacos de restos nos lixões...
(o que por si só 
já bastaria para o Fim).

mas o maior lixo 
não é o que está cheio
é o vazio:
é o não se importar 
o não pensar o não sentir
é o não estar nem aí 
é se rir da ignorância 

é o perverso que nem se vê 
é o sem sentido é o normal
é o dia a dia é o que é aceito
é o que é tido como vida 
vida que só causa morte
(mas ninguém quer falar 
de morte
não é mesmo?
melhor me ignorar).

mas continua 
o sem saída a alma podre
a mente em fezes
o coração que fede
por enquanto o existir flores...

e tu, meu amigo,
(ou toda a humanidade)
bem (ou nem)
sabes do que digo.

24 outubro 2025

Soneto à Mater Natura

tempestades fulguram como flores
entre beijos desastres e outros rastros
eu me sangro o perfume dos teus astros
e o sol olhou-me os olhos ao te pores

entre a tarde anoiteço as tuas dores
eu te sonho e te trago entre teus vastos
dos teus olhares eu jamais me afasto 
e me ergo alucinado onde tu fores

sinto na pele as mortes do que fito
meus olhos se  lacrimam nas tragédias
desastro que não passo de um maldito

mas além em nebulosas anjo-argênteas
se erguem mais ao alto tuas rédeas 
a nos mostrar quem comanda o Infinito.

12 outubro 2025

Para que te lembres no meio da Noite

todas as tecnologias que te fascinam
os celulares os carros as TVs
os aviões os shoppings os edifícios 
as internets as naves as IAs
um dia irão passar: elas morrerão
como morre tudo que não tem alma.
mas permanecerá a poesia.

todos os teus problemas os teus sonhos 
os teus desejos os teus gostos tuas ansiedades
tuas preocupações os teus temores
todos os deboches todas as arrogâncias
tudo isso passará como o vento de verão 
mas continuará a poesia.

todas as ambições todos os planos 
todos os negócios todos os dinheiros
todos os status todos os sucessos
todas as conquistas todos os troféus 
tudo isso será esquecido
tudo o tempo tragará.
mas ficará a poesia.

e mesmo quando esta civilização se acabe
nas ruínas dos seus próprios erros
ainda permanecerá a poesia 
porque foi a poesia 
que previu todo o Fim.






11 outubro 2025

Versos Diretos n°163, 164, 165, 166 e 167

n°163: há três coisas inegociáveis
(porque se forem negociadas
não são verdadeiras):
a morte 
a arte
e o amor.

n°164: os versos voam a todo instante 
sobre o que sente em mim
como pássaros que batem asas
pelo céu das vastas florestas: 
o difícil não é ver
ou sentir os versos 
o difícil é deixá-los em mim
sem jamais aprisionar os pássaros.

n°165: dizem que as pessoas 
do mundo de hoje 
perderam as suas almas.
isso não é verdade.
as suas almas elas perderam 
faz muito tempo.
hoje elas perderam os sentidos:
não veem mais nada 
não ouvem mais nada
não entendem mais nada 
não sentem mais nada.

n°166: já pensei em poemas 
que esqueci 
e nunca escrevi:
eles me deixaram.
se eram verdadeiros 
um dia irão voltar.

n°167: nossa sociedade 
não permite equilíbrios
ela exige extremos:
entre ser indigno 
e ser orgulhoso 
eu não tenho a menor dúvida 
em qual lado escolher
com muito orgulho.







09 outubro 2025

(Só) Trabalhe!*

quando eles dizem: "Trabalhe!"
eles querem dizer: "SÓ trabalhe!"
é a melhor forma de dominação:

quem só trabalha
não tem tempo para ler
não ... para ouvir
não ... para ver
não ... para pensar
não ... para sentir

não se inquieta
não questiona
não contempla
não tem tempo para a vida

quem não vive
não se importa com o que vive
não ... com o que sofre
não ... com o que morre

a era pós-humana
a era pós-tudo
quer só máquinas quer só robôs
porque eles SÓ trabalham

quando eles dizem: "Trabalhe!"
eles querem dizer "SÓ trabalhe!"
eles só não dizem só
porque sabem que não é 
só isso
e nem sequer o mais o importante.
quando eles dizem "Trabalhe!"
eles querem dizer:
"Trabalhe para mim, 
não para você."

*Poema publicado originalmente em 2017, revisado.

04 outubro 2025

Lições Felinas

a primeira lição que aprendi 
dos Felinos 
foi que posso ter mil
espinhos cravados 
mas jamais ter uma 
espinha curvada.
Felinos são como a poesia:
não servem a nada 
não servem a ninguém.
depois vieram tantas outras lições 
que só fizeram me envergonhar
de ser um membro desta civilização.
Felinos não confundem amor 
com submissão
confiam em si mesmos 
mas sabem de seus limites 
nunca se diminuem diante de nada 
mas reconhecem quando precisam de ajuda
são pacientes atentos serenos
observadores contemplativos
(ficam horas a fio
contemplando a noite, 
uma aula contra a ansiedade)
presentes quando se precisa deles
ausentes quando se precisa disso
solitários mas não sozinhos
jamais abandonam sua dignidade 
aceitam os revezes 
mas não se abatem por eles 
se sabem parte do cosmos 
onde estiverem 
impõem sua personalidade 
e somente à Tempestade se curvam.
mas a maior de todas as lições 
dos Felinos 
é que eles sentem 
sentem muito
e sentem tudo 
e são fiéis ao que sentem 
mas só demonstram o sentimento 
a quem confiam
que os pode sentir.