31 outubro 2017

O Notável Homem de Sucesso

o homem de sucesso sentado no seu escritório
em neutros tons de ilusório
uma janela fechada (do lado)
e um ar livre de fachada no marketing de entrada
e dentro o ar-preso-oprimido-condicionado

enquanto lá fora voam pássaros
ali dentro voam notas
enquanto ali dentro nascem notas
lá fora morrem pássaros

nota 
o notável homem de sucesso
predador idiota
praga e presa do progresso

de mãos vazias a vida passa
e o homem vai contando suas moedas
de ouro cheias as moedas passam
e a vida vai contando seus dias
nos dias sem vida 
das almas vazias

29 outubro 2017

Van Gogh, Goethe, Bach

ler Van Gogh
ouvir Goethe
ou contemplar Bach

se não causar
um além do que se é....
(não, não falo
nem de ciência
nem de fé)

por mais que nossos imensos
sejam si mesmos pequenos
então que venha
uma só faísca
de um minúsculo mais amor
(ao menos)

ou não trouxer
uma certa irmandade
(ou coisa que há-de)
com uma simples estrela
ou com um complexo esquilo...

de que adianta
(pergunto sobre Van Gogh, Goethe, Bach...)
decifrá-lo
entendê-lo
ou senti-lo?

27 outubro 2017

dos Tribunais

cada qual é um tribunal 
que crê poder julgar 
cada um dos outros 
como se fosse seu igual 

cada qual parte do princípio 
que se um qual gosta de sal 
todos outros também o devem: 
não se discute 
foi unânime o júri 
transitou em julgado 
e ponto final 

cada nariz é um juiz 
que espirra seu ranho 
de verdades pessoais 
tidas por universais 
só por que se diz 

e é dada a sentença: 
“só será absolvido 
quem de comum acordo pensa" 

não...
cada qual é um cão 
que rói sozinho um osso de uma razão 
e aguarda diante do espelho 
(e rosna por compromisso) 
a sua pena:
uma tunda de relho
pra se manter submisso

26 outubro 2017

Aquilo que não somos

I - as pessoas
querem acabar com seus problemas:
se conseguissem
deixariam de viver
ou acabariam com elas mesmas

II - alguns acham que paz
é não ter com o que se preocupar..
mas paz
é não se preocupar
com o que se tem

III - como ter paz de consciência
se não se tem consciência de nada?

IV - "ser ou não ser..."
mas o que é o Ser?
é aquilo que não somos

23 outubro 2017

Quem não é Suicida?

a humanidade inventou o trabalho
para que o homem pudesse viver
e a vida pudesse avançar...

conversa pra boi andar

a humanidade
inventou o trabalho
para que o homem
se enchesse de tralha
e possuísse uma trava
e um malho
para não sair do trilho
e não se soltar do encilho

a humanidade
inventou o trabalho
para que o homem vivesse
de se matar
(quem não é suicida?)
e para que o avanço
(como quem estrangula um ganso)
acabasse com a vida

21 outubro 2017

(Des)Trabalho

sendo poeta trabalho
na desafirmação do trabalho:
crio inutilárias
retrogradarias
impraticidades...

todas essas algumas coisas
que não servem para coisa alguma

o que fariam os homens de bens
com esse uni-versos in versos
de improdutos?

o problema
é que um poema
é um resto de resistência
e mais ninguém resiste

mas não há outro jeito:
o que importa
é que meu papel 
está no papel:
o poema está feito
e existe

19 outubro 2017

O Óbvio*

(*Não, o poema abaixo não foi composto em função dos temporais desta madrugada, pois foi escrito dia 17.)

escritor

é quem percebe o óbvio:
nada é mais difícil de perceber
do que está diante de nossos olhos

se colocarmos a página de um livro
muito perto de nosso campo de visão
não conseguiremos ler

dito isso
qualquer criança sabe
que após um tempo de muito calor e seca
de condições climáticas estéreis
de crescente pressão atmosférica
em que o abafamento o sufoco a opressão
se tornam insuportáveis
o resultado inevitável
são tempestades temporais tormentas tremendas
caos pânico destruição
mas que sem essas tempestades
a vida não poderia continuar

mas não se percebe que é por algo do tipo
(só que muito maior)
por que passa a humanidade

a isso chamamos "O Óbvio"

de modo que
em tudo que escrevo
estou explicado

17 outubro 2017

Líquido

vendo Bosch
ouvindo Brahms
lendo Dante
não sei se o que escorre
é lágrima
ou vinho
ou sangue

15 outubro 2017

(Re)conheço

o que me resta de alma
mal dá pra cobrir
um vão do ente
do meu ventre em vão

e vão todas as gentes
no vácuo do (des)humano
a vagar para o abismo
ano após ano
asno após asno
ismo após ismo
sem saber de si mesmo

reconheço que desagrado
e que não toco
nenhum vão do que se sente
com meu taco em não
(e os outros pensam que o são...)

reconheço que me degrado
cataratas de sangue e caos
e outras quedas e tals

é o que se chama Evolução?
então fico com minha busca
(como quem dirige um fusca)
por um resto de consciência
no que me fiz Decadência

12 outubro 2017

Bebida Forte

I - a poesia
(pelos olhos)
é pouco lida
porque exige
(pela alma) 
muita lida

II - em termos de poesia
as pessoas
preferem os eventos
já eu               
ao termo da poesia
prefiro os ao ventos

III - a poesia é vida
e onde há vida
há morte

poesia
também pode ser festa
mas com bebida forte

10 outubro 2017

Ninguém melhora Ninguém

I - não escrevo
para que os outros me leiam
me entendam me decifrem

escrevo
para eu fazê-lo
com os outros

II - não escrevo
para melhorar ninguém

(só o si
melhora a si
quando cai em si)

escrevo a meu ser
que saindo da miséria que sou
se vá além do que sei

III - ser poeta
é perceber
que não se percebe
é dar-se conta
de que não se dão conta

08 outubro 2017

da Rebeldia Brasileira

rebeldes com causa
sem causa
ou rebeldes com cauda
de rato?

rebeldes com calda
açucarada
de leite
de saco

rebeldes com causa?
rebeldes com calça
frouxa
frouxos
trouxas
engolindo os reais
(que dizem ser o real)

rebeldes arcados
alcaides
com o peso do desprezo
do preço...

rebeldes sem calça
com o saco
sem bolas
coçando
e com o saco
dos ricos
puxando

(Poema reelaborado e republicado)

06 outubro 2017

Após Humanidade

o meu verso é de sangue e decadência 
pela percepção viva do que morre 
como se o peso de um cósmico porre 
tivesse elevado a minha consciência 

o meu verso é de alarme e de iminência 
pela percepção óbvia do que (o)corre 
a visão do desabe de uma torre 
além filosofia além ciência 

eu sinto em um após humanidade  
queda da noite que me dura um século 
e sinal da anímica liberdade 

da morte se entende que a alma é círculo 
nada a se dizer a não ser o que há-de 
em meu sangue há catástrofe e espetáculo

03 outubro 2017

Manchetes (anti)Poéticas para os Jornais Contemporâneos (ou Contemporários)

I – Extra! Um modelo de carro a mais
e uma espécie de bicho a menos

II – Nova descoberta da ciência
causa nova encoberta da consciência

III – Tecnologias de última geração
condenam espécies à sua última geração

IV – Robôs quase humanos
são desenvolvidos para tomar o lugar
de humanos quase robôs
e vice-versa

V – Seção Autoajuda:
para conhecer o valor do Bem
possua um bem de Valor

VI – O Ministério da Saúde adverte:
quem pensa não é feliz.
Mas se for pensar, não escreva.
Se for escrever, não pense.

01 outubro 2017

Vida Corrida

I – o homem transformou a vida
numa corrida
em que nunca chega a nada
e nada nunca chega:
enquanto ainda corre a uma chegada
chega a hora da partida

II – pensando só em notas
e não ouvindo nota alguma 
o homem deixou de notar as almas:
só se passa pelos seres
só se cruza nos lugares
e não se nota viva alma
e assim se passa a todo da vida
e não se leva nota nenhuma

III – o caminho da existência
corrido
percorrido
concorrido
não-vivido:
corremos mas não fomos
existimos mas não somos