Quando se trata de dar um chute na bunda na mediocridade, no caos, no vazio e no sem sentido da vida contemporânea, ninguém melhor do que Bukowski. Isso que ele morreu em 1994. O que ele escreveria se estivesse vivo hoje?
No seu avassalador livro de contos, "Fabulário Geral do Delírio Cotidiano", a metralhadora ferina e sem papas na língua do escritor alemão, naturalizado estadunidense, desconstrói todos os delírios de uma sociedade hipócrita e falida, não só a americana, mas a de qualquer parte deste mundo miserável. A seguir, alguns trechos selecionados por mim:
"...os bolsões de miséria vivem cheio de desiludidos e rejeitados. os pobres morrem em enfermarias de indigentes em meio à falta de médicos; obter alívio é um ato de misericórdia que nem sempre dura e os hospícios têm paredes acolchoadas por causa de uma sociedade que usa as pessoas como se fossem peões de uma partida de xadrez... é agradável pra caralho ser intelectual ou escritor e ficar observando essas amenidades desde que não seja o nosso PRÓPRIO rabo que esteja em jogo."
"...prefeitos, governadores, generais, presidentes têm tanto juízo quanto as lesmas colhidas por teias de aranhas."
"As duas maiores invenções da humanidade foram a cama e a bomba atômica; não saindo da primeira a gente se salva, e, soltando a segunda, se acaba com tudo."
"...a poesia de maior aceitação hoje ocupa uma redoma de vidro, vistosa e escorregadia, e aquecida pelo sol ali dentro existe uma junção de palavras formando um todo meio metálico e desumano ou um ângulo semiescondido. é uma poesia para milionários e gordos desocupados... uma poesia sem vida, chatérrima, sem culhões, a tal ponto que a sua insipidez é interpretada como possuindo um significado oculto..."
"... a maior parte dos seres humanos já está capturada e domada, por completo, por volta dos 7 ou 8 anos. muitos jovens PARECEM livres, mas se trata apenas de um fenômeno químico do corpo e da energia, não uma manifestação realista do espírito... é muito raro encontrar almas livres, mas logo se vê quando são..."
"se se fosse proibir tudo o que provoca a loucura, a estrutura social cairia por terra: o casamento, a guerra, o serviço de transportes coletivos, os matadouros, a apicultura, a cirurgia, o que se queira incluir, qualquer coisa pode levar o homem à loucura, pois a sociedade está estruturada sobre estacas falsas."