22 março 2013

Textos do ENEM, Educação e Inteligências Múltiplas


O recente caso das redações do ENEM para as quais, apesar de alguns erros de ortografia, pontuação, concordância e de fugirem aos critérios de construção de textos dissertativos, com inserções indevidas, foram dadas notas relativamente altas, faz-me escrever sobre algo que há bastante tempo venho pensando. Independentemente dos objetivos dos candidatos ao escreverem seus textos e da nota que os textos deveriam receber, uma coisa é certa: a educação brasileira, ao avaliar, e não só ao avaliar, é injusta no sentido de que somente valoriza um dos aspectos dos saberes e das inteligências humanas.

Os encarregados de corrigir os textos do ENEM alegaram que a nota atribuída aos mesmos foi devido à criatividade que dizem ter encontrado nas dissertações. O problema é que a dissertação é uma categoria de texto onde há pouco espaço para a criatividade. No entanto, por mais fora das regras e distante dos critérios exigidos que tenham sido os textos, não há como negar que foi criativo o estudante que inseriu uma receita de miojo, de forma totalmente aleatória, em meio à sua dissertação. Foi uma forma eficaz de chamar a atenção, de estabelecer um determinado choque. Tanto é que o texto entrou em discussão.

Em 1985, o psicólogo Howard Gardner criou a Teoria das Inteligências Múltiplas. Na verdade, Gardner estabeleceu de forma sistematizada um pensamento que se encontrava em nosso inconsciente coletivo: o de que os seres humanos não podem ser mensurados ou avaliados somente pela inteligência lógico-formal e pelo acúmulo de conhecimentos, muitas vezes apenas memorizados. Abaixo, as inteligências múltiplas estabelecidas por Gardner (aqui, a fonte):

Inteligência linguística - Os componentes centrais da inteligência linguistica são uma sensibilidade para os sons, ritmos e significados das palavras, além de uma especial percepção das diferentes funções da linguagem. É a habilidade para usar a linguagem para convencer, agradar, estimular ou transmitir ideias. Gardner indica que é a habilidade exibida na sua maior intensidade pelos poetas. Em crianças, esta habilidade se manifesta através da capacidade para contar histórias originais ou para relatar, com precisão, experiências vividas.

Inteligência musical - Esta inteligência se manifesta através de uma habilidade para apreciar, compor ou reproduzir uma peça musical. Inclui discriminação de sons, habilidade para perceber temas musicais, sensibilidade para ritmos, texturas e timbre, e habilidade para produzir e/ou reproduzir música. A criança pequena com habilidade musical especial percebe desde cedo diferentes sons no seu ambiente e, frequentemente, canta para si mesma.

Inteligência lógico-matemática - Os componentes centrais desta inteligência são descritos por Gardner como uma sensibilidade para padrões, ordem e sistematização. É a habilidade para explorar relações, categorias e padrões, através da manipulação de objetos ou símbolos, e para experimentar de forma controlada; é a habilidade para lidar com séries de raciocínios, para reconhecer problemas e resolvê-los. É a inteligência característica de matemáticos e cientistas Gardner, porém, explica que, embora o talento cientifico e o talento matemático possam estar presentes num mesmo indivíduo, os motivos que movem as ações dos cientistas e dos matemáticos não são os mesmos. Enquanto os matemáticos desejam criar um mundo abstrato consistente, os cientistas pretendem explicar a natureza. A criança com especial aptidão nesta inteligência demonstra facilidade para contar e fazer cálculos matemáticos e para criar notações práticas de seu raciocínio.

Inteligência espacial - Gardner descreve a inteligência espacial como a capacidade para perceber o mundo visual e espacial de forma precisa. É a habilidade para manipular formas ou objetos mentalmente e, a partir das percepções iniciais, criar tensão, equilíbrio e composição, numa representação visual ou espacial. É a inteligência dos artistas plásticos, dos engenheiros e dos arquitetos. Em crianças pequenas, o potencial especial nessa inteligência é percebido através da habilidade para quebra-cabeças e outros jogos espaciais e a atenção a detalhes visuais.

Inteligência cinestésica - Esta inteligência se refere à habilidade para resolver problemas ou criar produtos através do uso de parte ou de todo o corpo. É a habilidade para usar a coordenação grossa ou fina em esportes, artes cênicas ou plásticas no controle dos movimentos do corpo e na manipulação de objetos com destreza. A criança especialmente dotada na inteligência cinestésica se move com graça e expressão a partir de estímulos musicais ou verbais demonstra uma grande habilidade atlética ou uma coordenação fina apurada.

Inteligência interpessoal - Esta inteligência pode ser descrita como uma habilidade pare entender e responder adequadamente a humores, temperamentos motivações e desejos de outras pessoas. Ela é melhor apreciada na observação de psicoterapeutas, professores, políticos e vendedores bem sucedidos. Na sua forma mais primitiva, a inteligência interpessoal se manifesta em crianças pequenas como a habilidade para distinguir pessoas, e na sua forma mais avançada, como a habilidade para perceber intenções e desejos de outras pessoas e para reagir apropriadamente a partir dessa percepção. Crianças especialmente dotadas demonstram muito cedo uma habilidade para liderar outras crianças, uma vez que são extremamente sensíveis às necessidades e sentimentos de outros.

Inteligência intrapessoal - Esta inteligência é o correlativo interno da inteligência interpessoal, isto é, a habilidade para ter acesso aos próprios sentimentos, sonhos e ideias, para discriminá-los e lançar mão deles na solução de problemas pessoais. É o reconhecimento de habilidades, necessidades, desejos e inteligências próprios, a capacidade para formular uma imagem precisa de si próprio e a habilidade para usar essa imagem para funcionar de forma efetiva. Como esta inteligência é a mais pessoal de todas, ela só é observável através dos sistemas simbólicos das outras inteligências, ou seja, através de manifestações linguisticas, musicais ou cinestésicas.

Em nenhum ser humano, tais inteligências atuam de forma isolada, porém os indivíduos diferem substancialmente quando a questão é saber qual delas é a preponderante. Em alguns pode ser a lógico-matemática, em outros, a linguística, em outros, a interpessoal. E em meio a todas essas manifestações da inteligência está a imaginação, a criatividade, a capacidade de perceber e de estabelecer o novo, o que irá modificar as regras, talvez chocar, despertar consciência. Afinal, sem o advento do novo, não há nenhum tipo de evolução. Em nenhuma área. Já dizia Einstein que “a imaginação é mais importante que o conhecimento”. Contudo, ao avaliarmos um estudante para o ingresso em uma universidade, e mesmo ao avaliarmos os estudantes das escolas de Ensino Básico, quais dessas inteligências são avaliadas? Parece-me que quase tão somente a inteligência lógico-matemática. Talvez um pouquinho da linguística. Pergunto: é justo?

É justo que o estudante que possua em alto grau, por exemplo, a inteligência interpessoal e a intrapessoal e em menor a lógico-matemática seja avaliado e, portanto, julgado, apenas pelo seu ponto fraco? E, por exemplo, onde entra a valorização da imaginação, da capacidade de criar? Então, só é bom, produtivo, inteligente, capaz, o estudante que, mesmo sem criatividade alguma e sendo um completo imbecil nas outras inteligências, domina o raciocínio lógico e a estruturação mental do conhecimento? Não estamos privilegiando determinadas pessoas em detrimento de outras? Que tipo de sociedade “justa” estamos criando? E mais: por que a seleção, nas universidades, é quase sempre padronizada, se cada curso tem características próprias que, muitas vezes, são diametralmente opostas às características de outros?

E não me refiro somente à educação brasileira, mas ao sistema educacional como um todo, de toda a humanidade. Por que julgamos como “bons” os racionais e não os imaginativos e não os que possuem grande sensibilidade? Não estaria aí uma das causas da desumanização da sociedade contemporânea? Como avaliar, e, portanto, julgar, de uma maneira inteiramente nova, revolucionária? São perguntas que deixo, apenas perguntas. 

4 comentários:

Ana Bailune disse...

Alguns conceitos precisam ser repensados, e outros, simplesmente, pensados... bom dia!

Roberta Santos disse...

Colega, gosto da tua escrita e concordo com tudo o que escreveste sobre a sensibilidade de considerar os vários tipos de inteligência e privilegiar cada um deles. O que me parece preocupante é a cultura de exigir cada vez menos, em termos de desenvolvimento de competências, dos alunos. Infelizmente nossa forma de avaliação mais utilizada ainda é a "prova" e sua consequente "nota". Realmente uma avaliação muito parcial e que não contempla todos os tipos de competências humanas. Acontece que "politicamente" é importante ao governo, tanto federal como estadual, que o índice de reprovação emagreça muito (devido à repasses, verbas, empréstimos, etc que só são concedidos quando há minimamente atendida a satisfação dos índices de aprovação na educação). Tanto é que ao que me parece, as escolas públicas de ensino médio têm políticas que evidenciam a NÃO reprovação de alunos. É uma infelicidade, considerando que oferta-se menos exigências para o desenvolvimento dos alunos, avlia-se menos, evolui-se menos, e tudo pode estar relacionado à políticas economicas. Vê-se mais acesso à educação e menos qualidade nela.

Luma Rosa disse...

Assisti uma entrevista com uma avaliadora e ela disse que eles são instruídos a relevar alguns erros, porque o aluno não pode zerar a nota da prova, para que tenha novas oportunidades futuras. Os gaiatos sabem disso, pois sim? Não acho que fez por inspiração ou qualquer tipo de inteligência. Até acho que ler e escrever é o básico para todos!! Entramos na escola para isso e erros ortográficos quer dizer no mínimo que o aluno não tem o hábito da leitura.
Posteriormente ao ensino básico e as chatices das provas, cada pessoa deve fazer aquilo que bem apetece com os dons e inteligências que possui, antes disso tem que respeitar as regras.
Bom fim de semana!!

Al Reiffer disse...

Sim, Luma, mas essas regras benefeciam alguns e esquecem de outros. As regras foram feitas por quem e para quem? Quem determinou que o correto seria assim e não de outro jeito? Por que deve valer mais saber a fórmula de báskara do que ter sensibilidade para ouvir uma sinfonia de Beethoven? E vejam bem, eu não estou dizendo que o ensino deve ser afrouxado, muito pelo contrário, estou dizendo que ele dever ser diversificado, tornado mais amplo e justo. A discussão que proponho partiu dos textos do ENEM, mas o que trato é de algo muito mais profundo, que fica mascarado pelo aparente "inquestionabilidade" das "regras" do que deve ser "aprendido".