18 junho 2013

A Onda de Protestos. Protestos ou Onda?

Os protestos e manifestações que se proliferam pelo Brasil é algo a se aplaudir e apoiar. Sem dúvida, sou inteiramente a favor de que se proteste. Mas não sou alguém que se deixa levar por entusiasmos. Todo entusiasmo tem algo de ingenuidade. Estou ciente de que sou um chato pessimista desmancha-prazeres. Principalmente quando o assunto é “evolução” da humanidade. Não sou dos partidários de que esses protestos são um real começo de mudança no Brasil. Para mim, constituem muito mais uma moda, uma onda, algo como “maria-vai-com-as-outras”, não vejo tais manifestações como uma verdadeira consequência de evolução da consciência do brasileiro. Pode ser que eu esteja errado, é claro, mas deixarei meus argumentos.

Não consigo ver nesses protestos um amadurecimento de consciência e de visão sociopolítica. Começa que não há um direcionamento consciente às manifestações. Pelo que estão protestando mesmo? Por tudo? Mas tudo o quê? Por exemplo: há protestos de pessoas a favor PT e protestos de pessoas contra o PT. Não há nenhuma coerência nos manifestantes. Não que tenham que ser 100% coerentes, mas deve, ou deveria haver algum direcionamento, um sentido de combate. Será que todos sabem os motivos dos seus protestos?

Parece-me que cada um protesta por algo diferente, muitas vezes em sentidos opostos. Será que não há manifestantes que estão ali apenas pela diversão de protestar, em fazer um novo tipo de “festa”, para “dar uma mão à galera”, para fazer uma bagunça que apareça na mídia, seja pela lado que for? Bem, ainda que os motivos sejam esses, não deixa de ser válido, ainda assim é um protesto, e só o fato de enfrentar as autoridades e os abusos dos policiais já é alguma coisa. Porém, parece-me que falta algo, e algo essencial. Falta a consciência individual. Falta algo semelhante ao que afirmou Fernando Pessoa, como Bernardo Soares, em seu polêmico “O Livro do Desassossego”:

“Revolucionário ou reformador - o erro é o mesmo. Impotente para dominar e reformar a sua própria atitude para com a vida, que é tudo, ou o seu próprio ser, que é quase tudo, o homem foge para querer modificar os outros e o mundo externo. Todo revolucionário, todo o reformador, é um evadido. Combater é não ser capaz de combater-se. Reformar é não ter emenda possível."

Não digo para se concordar necessariamente com Fernando Pessoa, mas não há dúvida que aí está um sério ponto a se refletir. Fora isso, creio ser interessante deixar algumas questões:

- Há pessoas protestando contra o governo do PT. Tudo bem, mas querem tirar o PT e seus aliados para colocar o PSDB e seus aliados? Ou será que alguém tem alguma ilusão de que saindo PT e Cia entrará qualquer outro partido que não PSDB e Cia? E dos males o menor. O governo do PT é ruim? Tem muita merda nele, sem dúvida, mas havia ainda mais no de FHC. Para não se dar conta disso só sendo ou um desmemoriado ou um alienado completo alienado ou um direitista babaca endinheirado. O PSDB e Cia representam da maneira mais perfeita todo o ranço das elites brasileiras, o apoio à ditadura, ao colonialismo. Aqui em Santiago, representado pelo PP. Sempre apoiados pelo poder financeiro e pela grande mídia.

- Por que, então, não votam em outros partidos, nos partidos pequenos, que não têm dinheiro nem apoio da mídia? É o que eu sempre fiz, muitos antes desses protestos. O problema é que a garotada quer só votar “em quem pode ganhar”. Essa é a verdade. Protestam, protestam, mas na hora de votar, votam sempre nos mesmos. Querem o novo votando no velho. Acabam sempre convencidos pela mídia. Depois reclamam. E protestam contra a mídia.

- Os que estão protestando contra a Copa do Mundo irão depois assistir e vibrar com os jogos tomando uma cervejinha?

- Por que também não protestam contra os grupos de funk, contra o Michel Teló, contra o sertanejo universitário? Será que ninguém percebe que são merdas desse tipo as responsáveis pela atrofia mental e emocional dos brasileiros?

- Será que os que protestam para que o governo dê mais verba para educação irão depois apoiar os professores quando estes fazem greve, ou ficarão do lado da sociedade em geral, que julga que os professores fazem greve “de barriga cheia” e que é um crime contra seus filhinhos paralisar as aulas?

- E grande parte desse pessoal todo que agora está se manifestando, daqui a algum tempo estará onde? Lendo um livro, por exemplo, ou tomando cerveja na praia, ouvindo sertanejo universitário, discutindo os novos modelos de carro, atropelando animais nas estradas e planejando a próxima balada?

É por essas e outras que não me deixo levar por entusiasmos. Como diria Machado de Assis,  “a esperança, esse demônio de olhos verdes...”

Além do mais, governos sempre existirão, e governos quase sempre servem para oprimir. Aproveito para publicar um dos meus poemas sobre o assunto:


Contra Governos e Leis e Autoridades

I

governo
é o empregado
pago e autorizado
por todo o povo
para mandar no povo
em benefício de alguns
que fazem do povo
um bando de nadas
e de nenhuns

II

lei
é estabelecer
que todos são iguais
desde que não 
sejam os alguns
para que o povo
se iguale sempre ao povo
e jamais
se desiguale do seu nada
a lei é a ordem
e a ordem
é sempre se manter
dentro dos limitados
limites da estrada

III

autoridade
é o imbecil
escolhido entre imbecis
amparado por imbecis
aplaudido por imbecis
para tentar impedir 
que os grandes
combatam os imbecis
(e acima de governo e lei)
ponham os pingos nos is


17 junho 2013

Sem Encilho

que minha poesia
se funda
ou vazia
não tenha nenhum compromisso
nem com compra
nem com missa

que minha poesia
se foda
ou vadia
seja qualquer vão de hospício
faz de conta
só preguiça

poesia
não é cela
não é sela
é só sê-la


14 junho 2013

O que é Literatura? - Semana Literária em Santiago

O amigo Giovani Pasini convidou-me para ser debatedor na Semana Literária realizada pela Casa do Poeta de Santiago. Eu havia aceito o convite, porém, como a data original do evento foi modificada (ela realiza-se hoje, dia 14/6, e amanhã) cancelei minha participação, pois deverei ir, hoje, para Santa Maria, onde tenho compromissos inadiáveis, somente retornando no domingo. No entanto, prometi ao Pasini que daria alguma contribuição à Semana. Decidi, então, pela elaboração do poema abaixo. Desejo sucesso à Semana Literária de Santiago e que atinja seus propósitos.

O que é Literatura?

Literatura
é saber a arte forte
e o homem fraco
e pode ser desde o beijo
dado em ambos
os lábios
ou o bater num político
com a ponta
de aço
de um taco
pode ser tiro
troco
truco
de bala
um buraco
ou um brinde
e um acinte
junto
ao deus Baco

talvez abraço
um laço
um frasco
de flores
derramado
no espaço
ou talvez tristeza
desprezo
cansaço
sem nenhuma
(anos) luz acesa
pelo mundo aos cacos

pode ser sublime
ou crime
envolvido em névoa
de fatal tabaco
pode ser tragédia
ou tédio
ou trago
ou talvez um lago
ensolarado e frio
dedicado ao vago

pode ser um bolso
vazio
sob infeliz casaco
ou pode ser droga
coca
sexo
mesmo
só tendo a noite
mesmo
não tendo nexo

pode ser chute
na bunda
de algum ricaço
palhaço
velhaco
pode ser sangue
pode ser sopro
vento
correndo alado

pode ser música
pode ser cósmico
ou túmulo
ou tóxico
pode ser alto
ou muito baixo
desde sorriso
até risada
de algum macaco
em fim
Literatura
pode ser tudo
só não pode
puxar o saco

13 junho 2013

Conto cujo Final é de Fernando Pessoa*

Em homenagem aos 125 de Fernando Pessoa, poeta maior da nossa língua, republico o poema escrito em 2012, tendo por mote versos do gênio português.

quem só percebe a parte
percebe a parte como sendo o todo
e não parte do todo
e então parte dessa parte
como se ela fosse o todo do todo

quem percebe somente a parte
percebe a sua parte
e não a parte do outro
e para o outro
a sua parte que é o todo
mas para um
a parte do outro não pode ser parte
pois a sua parte é que é o todo
logo, a outra parte está fora do todo
e então é um erro
a verdade só estaria em sua parte
que é o todo para ele
e não pode haver outro todo
logo, não pode haver verdade em outra parte
e vice-versa

aquele que percebe o todo como todo
de longe
contempla as ligações das partes
e conhece que uma parte é uma parte
e que cada parte tem uma parte do todo
mas como a parte não é todo
não pode apresentar-se como sendo
logo, sempre faltará algo em toda parte
que será completa
quando se alertar do todo que a inclui

mas é inútil falar do todo
para quem só percebe a parte
porque se para ele a parte é que é todo
não pode haver um todo que inclua outra parte
porque para ele outra parte
não é outra parte
é um nada sem nada de verdade

e assim quem só percebe a parte
combate a outra parte
não se alertando que a outra parte
também faz parte do todo
e que traz uma parcela
(e só uma parcela)
do que verdade

logo, quem percebe o todo como todo
vê a verdade sendo uma parte em cada parte
e o ponto e a linha
(de um ponto ao outro
e de linha em linha)
que ligam uma parte a outra
e o todo formado entre uma e outra
onde
“Deus é um grande Intervalo, 
Mas entre quê e quê?..."

* Os dois últimos versos (entre aspas) são de Fernando Pessoa

12 junho 2013

O que há a ser dito

dizem
que nada mais
há a ser dito
que tudo já o foi
ou que tudo já se foi

e o que é inaudito
será inaudito
para sempre

dizem
que já disseram
todas as coisas
de todas as formas
para todos os homens
e que ouviram tudo
ou não ouviram nada

os que ouviram
ouviram e fizeram
ou ouviram e não fizeram
se fizeram
nada mais há a fazer
por eles
se não fizeram
já não farão mais

e aqueles que nunca ouviram
é porque definitivamente
jamais ouvirão

então
para quê dizer?

é o que dizem...

e talvez realmente
o que vale a pena dizer
para o futuro humano?

mas uma coisa
ainda há a ser dita:
vale a pena
que eu diga,
Patrícia,
que eu te amo.

*dedicado a Patrícia Almeida

10 junho 2013

Fome Saciada

estar com fome
durante muito tempo...

contar as horas
os minutos
para poder preparar
aquela refeição perfeita
intensamente desejada
constantemente imaginada...

enfim
poder preparar a refeição:
mais de hora
para finalizá-la
feita com trabalho minucioso
cuidadoso
paciencioso
para que fique
o mais saborosa possível
enquanto a vontade de comê-la
transforma-se em funda
ansiedade...

finalmente
refeição pronta:
as horas e horas
de desejo espera e trabalho
consumidas em 15 minutos
desejo satisfeito
fome saciada
nem se pensa mais na refeição
e os restos
serão guardados
talvez esquecidos...

em algum tempo mais
se pensará
na refeição seguinte...

eis o que chamam os humanos
de felicidade

09 junho 2013

De(x)ploração* (poema à Semana do Meio-Ambiente)

ao erguer-se
a luz empurecida do sol
brilha a claridade etérica
de éter
das espumas dos rios
sangas
arroios
riachos
diachos

castelos
de espumas
em graças em graxas
erigidos no ar
e as formas alvas
das névoas
lépidas fétidas
formas brancas
formas claras
de ovos
infinitos e intestinais

a serenidade impassível
intragável
das águas plácidas
pútridas
ácidas
básicas
aquelas águas plásticas
recobertas
pela camada espessa
de folhas flores e fezes

aquelas águas tranquilas
imperturbáveis
onde nem um peixe
causa alguma onda...

aquelas águas-espumas
brancas brilhantes
como resultado tardo
de ter gentes

* Segundo a ONU, 1, 6 bilhões de pessoas vivem em escassez ABSOLUTA de água. Até 2025, quase 70% da população mundial deverá ter sérios problemas de abastecimento hídrico.

07 junho 2013

Ironias, Políticos e Punhetas

I

ironia
(entre outros risos)
é o ato de saber rir
de quem só
distribui sorrisos

II

a missão dos políticos
(entre outros ridículos)
é apertar as mãos
enquanto
lhes chamam de putas
as suas mães

III

há dois tipos de jornalistas:
os que batem duro
nos dominantes
e os que lhes batem punheta
como suas amantes

05 junho 2013

Álcool e Cigarro

sem dúvida sou a favor
da proibição do cigarro
e da proibição do álcool
proibição total
devem ser banidos
extirpados
exterminados
do imaculado seio
da civilização avançada

o cigarro
é um atentado
à celestialidade da nossa saúde
o álcool
é um crime
contra a vastidão da nossa consciência

sou a favor
da proibição de ambos
mas somente depois
somente depois
de se proibir a hipocrisia

não, não estou tirando sarro:
para se suportar tanta máscara
só bebendo
e fumando um cigarro

03 junho 2013

Merdaria

mostra-me uma gota d’água
ainda não contaminada
com a merdaria humana.

merdaria
vai desde
a merda do organismo
que é o preço que se paga
de se viver o dia a dia
até a merda do progresso
a que se chama
com pompa e baba
de tecnologia

mostra-me uma gota-mar
ainda não tocada
pela quinquilharia humana.

mostra-me uma gota-lágrima
ainda não tocada
pela hipocrisia humana

01 junho 2013

a Ti, Tigre*

“você pode enjaular um tigre, mas jamais terá certeza que ele está domado. com o homem a coisa é mais fácil”

Charles Bukowski

não sou digno
como o foi Blake
de cantar-te como o ser
que em plenitude és
(já o homem
não é o homem)
ao meu nada
restou para mim
a gota
de dignidade fatal
de deplorar o teu Fim...

na teoria do caos
(que o caos
é nosso meio
e nosso destino)
o sopro das asas
de uma borboleta
pode causar um furacão...
então
o teu hálito vibrará que sinos?
o teu olho espalhará que raios?
quais guerras virão  da tua garra?
teu rugido será qual trovão?

há triunfo
na morte que te livra:
verá um dia a humanidade
que do massacre do teu dente
vingar-se-á

uma gota de saliva...

*Poema reelaborado e republicado

31 maio 2013

A Propósito do Corte de Árvores

a árvore passa
porque o progresso passa.
não tem sentido?
não tem sentido
a humanidade o perdeu
atrofiou seu sentido
de encontrar sentido
ou de fazer sentido
ou de ser sentido
ou de ter sentido

qual sentido seguir?

a árvore passa
no sentido de que é passado
o progresso passa
no sentido de que caminha

mas qual o sentido
em dar um passo
(e é fato
não é pessimismo)
no sentido
do caminho do abismo?  

29 maio 2013

Três Rapidinhas Nada a Ver

I

aos a favor dos transgênicos:
transbúrricos

II

patriota?
patota
ou pato
pateta

III

pensar dá trabalho
além de mente
há que ter peito
e bolas
(e não só caralho)



27 maio 2013

Campanha de Camiseta

“seja você mesmo”
diz a sociedade
mesma
e diz a mesma coisa
a todo mundo
seja você mesmo
desde que seja o você mesmo
aceito pelos outros mesmos
que no fundo
são os mesmos mesmos

“seja você mesmo”
diz a mocinha mesma
se autoajudando ao seu si mesmo
pleonasticamente
o mesmo
na mesmice do seu ser
que é tão mesma
quanto todo mundo
mesmo
e que pensa que não é
como todo mundo
ensimesmado em ser igual
aos iguais
em seu si mesmo não seu
ou seja
que gostam andam agem
pensam sentem fazem
o mesmo

“seja você mesmo”
dizia a campanha
estampada
em uma camiseta
que todo mundo
usava a mesma


26 maio 2013

Doutor

I

prodígio da mente
ele somente
diz verdades fortes
de saber e sabor profundos
e sempre provadas:
todas as suas palavras
são do cu mentadas

II

e quando suas verdades
são proferidas
pelo ar espargem-se
quentes
borbulhantes
gaseificadas
após revolverem-se
em merditações
fermentarem
durante ânus
décadas
dentro do seu eu

partem
suas palavras ao vento
de vento
a bundantemente
interiorizadas
intensíssimas
e intestinas


24 maio 2013

Bukowski, Hospitais e Médicos*

Há dois tipos de escritores: os que bajulam e os que metem o pau. Bukowski metia o pau.

"hospitais são onde eles tentam matar você sem explicar por quê. a fria e calculista crueldade dos hospitais não é causada por médicos que estão sobrecarregados de serviços e que estão habituados e entediados com a morte. é causada por médicos QUE GANHAM DEMAIS PRA FAZER TÃO POUCO e que são admirados pelos ignorantes como feiticeiros que curam, quando na maior parte do tempo não sabem diferenciar seus próprios cabelos do cu de barbas de milho."

Charles Bukowski, em "Notas de um Velho Safado". As palavras em letras maiúsculas no texto foram assim escritas pelo próprio Bukowski.

*Postagem dedicada aos médicos que não querem que médicos estrangeiros venham para o Brasil fazer o que eles não querem fazer. 

22 maio 2013

da Impiedade do Olhar da Fera


só quem
pelo pior espera
mantém-se incólume
entre as desgraças das eras
e preparado em fado
caso o melhor não venha...

mas quem o que é pior desdenha
e só aceita o que melhor
caso for o pior a surgir
(e vê como o pior gosta de se ser...)
verá como é prazeroso
ao que é destino
de na cara lhe rir

só quem espera pelo pior
já subiu o degrau
da decepção acima
e mantém impassível
a necessária espada afiada
em sua imperturbável mão
assassina

quem espera pelo pior
conhece a fundo o coração humano
e jamais se deixa do atento
no agora
e em qualquer momento

aquele que o pior espera
torna-se o melhor
amigo
da impiedade
do olhar da fera


21 maio 2013

200 Anos de Wagner – Sexo e Morte


Dia 22 de maio, o grande Richard Wagner completa 200 anos. Admiro intensamente Wagner e sua obra. Nietzsche ficou de mal com Wagner porque Wagner foi o “Super-Homem de Nietzsche” que o próprio Nietzsche não conseguiu ser. Ou quase isso. No fundo, não foi pela alegação do filósofo de que Wagner curvou-se ao Cristianismo. Wagner viveu, e muito, no sentido de realizar-se em vida. E realizou também a enorme façanha de ser contraditório sem jamais se perder na contradição. Nenhum homem pode ir além sem ser contraditório. Um grande homem nunca é eternamente coerente. Porque, não se podendo jamais alcançar a perfeição como ser humano, é necessário, no entanto, realizar-se em totalidade de alma para ser um gênio. E em nossa alma (e seja lá o que for que cada um entenda por isso) há não somente um lado, mas vários.  Que o diga Fernando Pessoa. Que o diga Wagner. O gênio alemão fez de sua contradição uma obra gigantesca, monumental e revolucionária. 

Sua vida foi grandiosa e polêmica. Viveu tudo o que podia e o que não podia. Errou insuportavelmente, mas nunca foi derrotado. Venceu em tudo, impôs-se ao mundo e entronizou-se num orgulho antipático, mas justificável. Era um forte. Foi herói e bandido. Um sublime e um criminoso. Amou a fundo e traiu a fundo. Teve e defendeu ideais imensos e preconceitos mesquinhos. Pecador divino ou divino pecador? Foi um humano, demasiado humano. E ao mesmo tempo um deus. Era um semideus. Por que não? Da mesma forma que, na música, Brahms, Beethoven, Bach, enfim, também o foram. O fato de serem semideuses não retira deles a miséria de sua humanidade. Mas também é ostensível que não podem ser considerados reles mortais como todos os outros.

Wagner era antissemita, não gostava, em geral, de judeus, embora ele mesmo afirmasse ter amigos judeus. Mas na época, na Europa, era tão comum europeus, principalmente alemães, odiarem judeus como é comum hoje americanos odiarem árabes. Condenável, mas compreensível. Viam os judeus como exploradores econômicos como hoje veem os árabes como terroristas. Wagner não teve culpa de ser mal-compreendido por Hitler. Seria o mesmo que jogar a culpa dos estupros dos pastores evangélicos dos nossos dias em Jesus Cristo.

            Wagner era egoísta, orgulhoso, narcisista e até soberbo. Isso são defeitos ou erros para as pessoas comuns?  Talvez. Mas o que as pessoas comuns trazem de significativo para a humanidade? Wagner trouxe, e muito, usando-se de seus defeitos e erros. Eles foram necessários para a concretização de sua “arte total”, para que ele impusesse sua obra revolucionária, difícil, titânica e extrema ao mundo. Estaria Wagner consciente disso ou ele desenvolveu essa personalidade através da "mão do destino" (seja lá o que for essa “mão do destino”)?

Se Wagner fosse mansinho, humilde, quem aceitaria suas loucuras musicais? Ele teve que se impor. Abrir caminho. Necessitou “se achar” e ter uma confiança ilimitada em si mesmo. É caso muito semelhante ao de Beethoven. Mas Beethoven nos parece mais "simpático" que Wagner. E com razão. Beethoven não era tão exibicionista quanto Wagner. Porém também era dotado de imenso orgulho e de uma cósmica certeza de superioridade com relação aos demais seres humanos. E era superior, ponto final. E se assim não fosse, de onde tiraria a força para ser Beethoven e revolucionar a música a fundo, vencendo na marra?

Mas por que diabos mencionei “sexo e morte” no título deste texto? Chegarei lá. Reconheço em Wagner uma genialidade que só poderia se manifestar através de seus "pecados". Se Wagner não fosse um adúltero, teríamos Tristão e Isolda? Talvez até tivéssemos, mas devemos lembrar que a maior ópera de todos os tempos somente chegou aonde chegou sendo fruto do amor adúltero entre Wagner e Mathilde Wesendonck, ambos casados, ele com Minna Planner, e ela com Otto Wesendonck , amigo de Wagner e seu financiador. É, Wagner era foda. Era um sedutor apaixonado e inconstante. Até que se acalmasse com Cosima Liszt (com quem também teve, de início, uma relação adúltera).

Não fosse esse “amor impossível” entre Wagner e Mathilde, não teria surgido a sublime, tensa e terrível Tristão e Isolda. Porque Wagner não tinha a intenção de revolucionar a música quando a compôs. No entanto, revolucionou, e de forma natural. A obra surgiu da expressão autêntica do seu sentimento absurdo e extremo, alucinado e angustiado, tempestuoso e culposo por Mathilde. A inspiração “criminosa” e divina advinda do que sentia pela mulher de Otto Wesendonck levou Wagner a ir muito longe, a quebrar as barreiras das estruturas musicais, a “dilacerar” a música até então conhecida, trazendo harmonias inauditas, acabando com o ritmo tradicional, dissolvendo música e drama em um mar sem fim de arte angustiada e hipnotizante. Foi a saída de Wagner para um amor devastador, que não tinha como dar certo. Monumento maior ao binômio “amor e morte”, ou “sexo e morte”, que  perturbará a humanidade para todo o sempre.