27 julho 2013

“Há Algo de Podre...”

E não é só no reino da Dinamarca, caro amigo Hamlet. Assim como a música um dia desceu das esferas, o desastre da era pós-humana cai adiante. A fumaça do meu cigarro forma algo semelhante a um halo de santidade ao meu redor. Enquanto aquelas quatro fêmeas débeis mentais acendem incensos de merda a três passos da minha miséria.  Querem, aquelas idiotas, afastar o fedor nauseabundo, penetrante que destrói minhas narinas. Contemplo, resignado há muito, a névoa do cigarro e dos incensos subirem aos céus. Tudo inútil. O fedor prossegue. Piorado.

Vapores esbranquiçados saem de orifícios, buracos escuros, latrinas espalhadas pelas ruas. Vapores ferventes. Ao lado, apodrecem carnes sanguinolentas, pedaços de órgãos sexuais. Com uma estúpida ardência nos olhos, consigo debilmente distinguir ao longe a fumaça negra das indústrias. Partem como redemoinhos endemoniados para o espaço. Mau-cheiro com o qual não consigo me adaptar, mesmo após séculos. 

O desenvolvimento que nunca cessa. Daquele rio não sobrará nem o sorriso. Fedendo como uma boca de dentes cariados, o rio parece proporcionar um show de espumantes vapores que brilham pela escuridão. Névoas roxas, esverdeadas, amareladas, escarlates, algumas vezes prateadas, bailam como fantasmas acima de suas imundas águas nervosas. Por onde caminho, há um visco negro da mistura de líquidos seminais, de toda espécie de vísceras liquefeitas, gangrenas, corrimentos vaginais, soros sanguíneos, que unidos naquele horror apodrecem espalhando desgraças pelas atmosferas sufocantes.

A alguma distância do meu desespero há um banhado.  Foi um dia um banhado de água, hoje é de sangue. Animais e fetos humanos são jogados ali. Aproximei-me, mesmo sabendo que vomitaria. Ainda que esteja sem comer nada há dias. Não confio nos alimentos que me dão no trabalho. Aquele escritório fede. Realmente não sei por que ainda compareço naquela merda de escritório. Não há nenhum sentido nisso. Nem em escritórios, nem em trabalho. Vomitei, uma gosma branca e espumosa, parecia a água do rio.

Aliás, o que é que faz sentido?

Estou agora do lado banhado. Cismei com o dedinho mingo podre daquela criança.  Estava meio erguido e esverdeado, com moscas verdes na ponta. De alguma forma, era belo. Havia uma beleza naquele horror. Por que não poderia? Também vi ali alguns corpos de velhos e velhas que tinham se suicidado. Algumas das crianças mortas também tinham se matado. Não sei bem o motivo. Dizem que foi por não terem o que queriam. Outros velhos foram  trazidos dos asilos e ali jogados. Ainda vivos, mas muito doentes. Não havia motivos para cuidar dos velhos. Perda de tempo, de dinheiro e de diversão. Assim exigia a sociedade. Havia certa lógica. Vomitei. Um líquido seco esbranquiçado.

Aquela névoa dos miasmas da putrefação é uma das coisas mais lindas que vejo há anos. A névoa imunda, mas bela, nasce nos órgãos corrompidos dos cadáveres, como bafos de vermes, sobem aos céus nublados. Céus ameaçadores.

Agora, passando por baixo de algumas árvores sem folhas, lá onde deixei minha espera, algumas gotas de sangue começam a pingar sobre meus cabelos oleosos, sobre minha pele irritada, sobre todo o chão diante de mim. Um sangue vinagroso. De vez em quando, caem gotas de pus.  Há aves mortas penduradas nas aves. Alguém as deixou ali. E fedem. Tanto as aves como quem as matou. O calor é absurdo.

            Caminho como quem se destina à forca. Mereceria se o fosse. Sou culpado e admito. Mas talvez a névoa que me cerca e cerca a todos não deixa que minha culpa seja percebida. Aqueles ali, com tanta ou mais culpa do que eu, comem mariposas sob as árvores ressecadas. E as pessoas, não suportando mais aquele calor dos diabos, saem de suas casas, enlouquecidas, caóticas, vorazes, capengas, num fedor alucinante de suor e de excrementos. Junto, correm bandos e mais bandos de ratos e baratas. Algumas daquelas pessoas trazem rodelas de infecções na pele. Devem ser furúnculos. Fedem sob o calor, como merda cozida pelo sol. Os vapores que saem daquelas feridas devem ser contagiosos. Não sei, mas é o que imagino. E mais ratos e baratas, e também cachorros, saem pelas portas, pelas janelas, pelos telhados, observados atentamente por abutres exaustos no alto das torres.

Os abutres arrotam sem parar, percebo que seus abdomens estão dilatados. Mas esqueço dos abutres para observar algumas bonitas meninas esqueléticas que vejo passar.  Realmente bonitas, olhos verdes como as moscas no dedinho da criança morta, mas não conseguem fechar suas bocas, literalmente. Não quero dizer que elas falam muito, quero dizer que elas não conseguem movimentar suas mandíbulas. Deve haver algum problema com elas. Estão sempre de boca aberta.  O fedor que sinto deve ser mau-hálito. Não sei se meu ou delas.

Tenho saudade do tempo em que as florestas queimavam. Agora não há o que ser queimado. De tanta saudade, agora comecei a queimar flores. Rosas, camélias, tulipas, gerânios, violetas, lírios, eu as queimo todas.  É bom o cheiro da sua fumaça. Bem melhor que o fedor das ruas. É o único perfume possível de ser sentido, a névoa da queima das flores. Lamento que sejam tão passageiras. As flores passam tão rápido. E lá vão elas, cinzentas em forma de fumaça para os ouvidos dos anjos.

Devo agora descansar um pouco. Sento-me na escadaria de um bar. O fedor de mijo é insuportável. Mas já estou acostumado. Peço cachaça bagaceira. A fétida névoa da noite nessas horas finais do dia já começa a envolver tudo. Fica mais densa, mais úmida, mais pesada, quase pegajosa. Parece que o fedor é exalado até mesmo pelas luzes doentias da cidade. Da cidade agonizando em seu sono suarento.
Toda a sensibilidade do mundo apodrece ao meu redor.

(Na imagem, o quadro "Hamlet e Horácio no Cemitério", de Delacroix)


25 julho 2013

Só a Bala

há momentos
(que nem tampouco
são poucos)
em que não entendo
qual a real
esperança
que traz toda gente
e a faz
morrer em frente

desde os que louvam a vida
negando a sua existência
até os que dizem
de sua existência
negando o como vivê-la
e que veem diferenças
entre um ser
e uma estrela

há um momento
no qual
o real
(que se vive
sem em realidade
se sabê-lo)
é tão somente
um não adianta
diante
de tanta...
anta

e não importa
o que se busca
o que se sonha
o que se traga
o que se faz
o que se fala

há momentos
que com toda gente
só a bala

24 julho 2013

Contra hipocrisias, tome uma dose de Bukowski

Abaixo, trecho de um diálogo do romance Hollywood, em que Henry Chinaski, personagem principal de vários romances,contos e poemas de Bukowski, e algo como seu alter ego, é entrevistado e onde se menciona sobre seu hábito de beber muito.

A entrevistadora pergunta:
"- Acha que que se deveria glorificar a bebida?
- Não mais do que qualquer outra coisa...
- Beber não é uma doença?
- Respirar é uma doença.
- Não acha os bêbados condenáveis?
- Acho, a maioria. E também a maioria dos abstêmios."

Como diria Fernando Pessoa, "Dá-me mais vinho, que a vida é nada."

22 julho 2013

Palco de Palhaços

engraçado
como a humanidade
tornou-se risível
(nos dois sentidos)
neste mundo-circo
sem graça
(des) graça
(nos três sentidos)

à medida que a terra
é aniquilada
há mais razões para piada

assim como o lixo
é cumulativo
mais se acumulam
motivos de riso
e sobre o pesar
de aves massacradas
revoa a leviandade
de frívolas
gargalhadas

aos olhos
da gravidade dos tempos
o horror é o maior dos sarcasmos
o amor é mais um deboche
o poema deve ser ironia

(mais fulge o branco dos dentes
quanto mais a situação é sombria)

este planeta aos estilhaços
tornou-se um palco de palhaços

21 julho 2013

de Amar

no onírico
a alma é água
então há lago
o princípio do verso
com o que há na minha sina
há salto
em que havia em tua lágrima
em que há vôo
há queda
e há lado
e o que há
em cada deles
é o que há no todo

busquei no que passa
o que há sombra
há sempre menos
no que há de mais
o que há funda (me)
como se fosse início
de alto e precipício

e há as sentenças
que vós há sinais
com rio e sangue
por onde há rasto
o meu há lento
em frio olhar
e por fim há sopro
há claro
há solo
mas ao humano
de leito seco
não há mar

18 julho 2013

Manifesto Antipático*

não concedo
não sou
de concessões
nem de um
nem de outro tipo
evito
suavidades
e atos
que voltam atrás
aliás

não agrado
não dou o braço
(talvez só
para a dança...)
não busco a paz
não mais
(quem é pacífico
me cansa)
não me retrato
nem retrocedo
(se um dia o fiz
eu me arrependo)

não dou ouvidos
nem ouço motivos
radicalizo
definitivo
e com deboches broncos
as babetes
babadoras de botas
eu ironizo

e também não perdoo
não alivio
ou contemporizo
mas se me juram
o contrário
é claro
que não acredito

faço miséria
e mau poema

nem sinto pena


*Poema reelaborado e republicado.

Criação

I

pouco faço:
crio
como a água
desce o rio

II

se Deus
existe ou não
não
sei
sei
que a imaginação
(mas não que eu saiba)
é a continuação

III

poesia
é o que resta
do que foi verdade
em um certo dia...

17 julho 2013

Conclamação aos Homens de Bem e Progressistas a Combaterem a Marginália Deselitizada

Senhores e senhoras que fazem, que atuam, que trabalham incansavelmente em prol do avanço econômico, homens do progresso e do desenvolvimento , altos dignitários, titânicos mandatários, monumentais coronéis, solenes empregadores,  vastos proprietários de nossa cidade, venho por meia desta conclamá-los aberta e magnanimamente para combaterem a escória, a vagabundagem, a marginalidade,  a baderna, a falta de respeito e de reverência que anda degradando a honra e dignidade duramente obtidas pela nossa nobre estirpe.

Unam-se, formem trincheiras, exércitos se for preciso, porque alguns desaforados inimigos da ordem, da paz, da prosperidade estão espalhando mentiras, boatos e covardias invejosas contra as verdades já estabelecidas e naturalmente inquestionáveis em nossa cidade. Estão ferindo nosso domínio justo, natural, nosso direito divino e praticamente constitucional de mandar e desmandar segundo nosso bem entender e nosso bel prazer, o qual, mui obviamente, não se questiona, uma vez que está profundamente encravado nas tradições imodificáveis do seio augusto da nossa sociedade.

Querem acabar com tantos anos de dedicação e merecimento, desejam emporcalhar nosso nome imaculado impregnado de peso e de razão eterna, apenas para terem o prazer de satisfazer seus ódios mesquinhos e porque não podem estar no nosso lugar, nos nossos tronos absolutistas.  De onde julgam tirar argumentos contra nossas verdades há tanto tempo estabelecidas e nunca perturbadas?  Como podem se pronunciar contra o poder financeiro que é o que, gostem ou não gostem, vem mantendo viva nossa cidade?

Vejam quantos empregos temos formados, olhem para a massa de trabalhadores assalariados que construímos e que recebem todos os meses seus magníficos salários mínimos. Observem como essa gente quieta e conhecedora do seu lugar vive feliz e contente em sua rotina de trabalho por nós traçada e determinada com justiça e bondade. Vejam como são a nós gratos pelos favores que lhe fizemos em oferecer tantas e tantas vagas de miríficos empregos. Vejam como caminham humildes e satisfeitos com as vidas tranquilas com que lhes presenteamos. Agora vêm esses animais, essa corja de malandros que não tem o que fazer dizer que há algo errado, que duvidam de nossa benignidade e generosidade? Iremos permitir que espalhem o mal em nossa cidade de forma tão sórdida, cruel e sorrateira?

Reajam, senhores e senhoras, façam algo, esperneiem, chorem, intimidem, ameacem, processem, mas defendam vossas verdades, direitos, comodidades, regalias, defendam vossos privilégios que indubitavelmente foram obtidos com real sacrifício e com alianças, tratos, tratados e apertos de mão históricos e revolucionários.

Tiremos fotos juntos, abraçados, de mãos dadas, estampando vivos e celestiais sorrisos de vitória e de religiosidade, para ostentar altivamente contra os que simbolizam a maldade e a violência.

E tenho dito.



15 julho 2013

A Diferença entre uma Autoridade e um Artista

Bem, são várias, são muitas as diferenças entre autoridades e artistas. Não lembro qual escritor afirmou, creio que Fernando Pessoa, que "homens profundos não ocupam cargos de autoridade".  Mas não é disso que quero tratar. Quero tratar do seguinte: alguém já ouviu falar do senhor Carlos Barbosa Gonçalves? Talvez um que outro leitor que seja profundo conhecedor da história gaúcha. Barbosa Gonçalves foi a maior autoridade do Rio Grande do Sul, ou seja, foi o Governador do Estado (na época, Presidente) durante 1913 a 1928. Foram longos 15 anos. Porém, hoje, quem sabe sobre ele? Eu não sabia nada até hoje. 

Agora, falemos de outro gaúcho, João Simões Lopes Neto, o grande escritor dos famosíssimos e essenciais "Contos Gauchescos e Lendas do Sul". Pois Simões Lopes publicou as "Lendas do Sul" em 1913 e os "Casos do Romualdo" em 1914, ou seja, durante o governo de Carlos Barbosa Gonçalves. Na época, quem era João Simões Lopes Neto? Quase um desconhecido. Morreu pobre em 1916, ainda no governo de Gonçalves. O seu renome literário surgiu após sua morte, principalmente a partir de 1949, quando foi lançada a edição crítica de "Contos Gauchescos e Lendas do Sul". 

Hoje, Simões Lopes é considerado o maior autor regionalista do RS. Quem, ao menos, já não ouviu falar dele? Quem não conhece uma de suas lendas, "O Negrinho do Pastoreio"? Já Carlos Barbosa Gonçalves, maior autoridade no tempo de Simões, é apenas o homem que governou o RS naqueles anos. Mais nada. E quase ninguém sabe. 

O artista, quando grande e verdadeiro, fica. Porque tem alma. A autoridade, quase sempre, passa. Porque, no fundo, não significa nada. E mesmo o lembrado Borges de Medeiros, que governou o RS antes de Barbosa Gonçalves, hoje tem seu nome ainda muito falado porque está em nomes de ruas e avenidas. Mais que isso, quem é que sabe mesmo o que ele fez? 

É que o artista enxerga longe, "como os gatos, que acompanham com os olhos coisas que passam no ar e ninguém vê".  João Simões Lopes Neto

14 julho 2013

O Momento Oportuno

o momento mais oportuno
é o momento
que não é oportuno
a ninguém:
assim se vai mais além

deixar que se espere
até quando já não
mais se espera
é a forma mais severa
de se provar que se é grande:
surpreender na batalha
quando o outro julga
que não há batalha alguma
é já estar na batalha
adiante

o silêncio
prolongado ao intolerável
deixa de ser silêncio
e se torna ausência
e na ausência há medo...

no absoluto da ausência
o sim se torna segredo
e surge um auge
do que consciência:
instante em que do nada
se fala
(como aquele que não espera
mas leva o baque da bala)

o que não... é o que há.
quando deixar claro
que não é,
então será

12 julho 2013

Nas Pregas Deles

escrevo
sem nada
ao nada
com tudo
para não ter que seguir
as regras deles
nem ser menstruado
capado
cagado
capacho

escrevo
desmedido
contudo
para não ser medido
pelas réguas deles
e para não ser mais um
a punhetear no cu
como as éguas deles

escrevo
com luto
para não ter
que pedir tréguas a eles
ou ter que dizer sim
e não ser fodido por ninguém
além de mim

escrevo
com muco
para não me mesclar
com o que sai
do seu reto
do seu reto cetro
de cusco
escrevo
com cuspo
para poder cuspir
nas pregas deles

10 julho 2013

A Gloriosa, Magnânima e Sublime Imprensa Santiaguense

Não posso concordar com e nem mesmo tolerar aqueles que afirmam revoltosos e enganosos que a impressa santiaguense não é isenta, que é parcial e tendenciosa, que favorece e privilegia alguns lados, alguns grupos, alguns indivíduos, em detrimento de outros, que atua conforme seus próprios interesses e de seus patrocinadores e não em benefício da comunidade. Não, isso é uma afronta à ética dos nossos jornais (que primam pela qualidade inigualável de conteúdo, diga-se de passagem), blogs compromissadamente noticiosos e jornalistas abnegados, verdadeiros, sinceros, desinteressados, humildes e inflexíveis.

Desconheço completamente a existência, por exemplo, de favorecimentos aos nossos coronéis. E mesmo que haja algum, qual o problema que veem no fato? Nossos coronéis são todos grandes homens que honram o fio do bigode (mesmo que não o tenham) que eternamente têm controlado nossa cidade com seu reto certo, digo, reto cetro, com o único e sagrado objetivo de torná-la mais próspera e livre da canalha preguiçosa e anarquista, principalmente essa juventude corrompida e libertina que anda maculando o santo nome da Terra dos Poetas, estragando a beleza esfuziante de nossas ruas e levando a infâmia à paz das famílias progressistas.

Que nossos órgãos de imprensa beneficiem os coronéis, os homens que fazem, a gente da classe alta, a elite (afinal, o que significa a palavra elite que não “os melhores”, e classe alta é o mesmo que pessoas nobres)  é algo verdadeiramente louvável, uma vez que provam que estão alinhados e comprometidos com o que é inquestionavelmente certo, correto, justo, claro e progressista. Não, ao mencionar “progressista”, não pensem os senhores que fiz uma alusão maliciosa ao Partido dos Pobres, ou PP. O que quero dizer é que nossos órgãos de imprensa demonstram que são compromissados com o nosso desenvolvimento. Alguns invejosos, caluniosos, vagabundos, chegam ao cúmulo inaceitável de pronunciar a grosseira e grotesca palavra “cabresto” para a nossa imprensa, dizendo que foi encilhada pelos coronéis, o que, é, logicamente, um absurdo, uma atitude de má-fé e covardia. Essa gente têm provas do que afirma? Duvido muito.

Também nunca soube de casos, por exemplo, de pessoas que tenham sido excluídas dos jornais por dizerem certas verdades inconvenientes, ou seja, nunca nem mesmo ouvi falar de censura, de discriminação, de impedimento, ou daquela expressão popular e de mau-gosto: “fulano foi cortado...”. A democracia é o lema pujante, o pendão glorioso da imprensa santiaguense, onde qualquer indivíduo, mesmo que seja um pobre coitado assalariado, pode deixar livre e desimpedido a sua opinião e mesmo assim seguir trabalhando. Nem mesmo no Facebook soube de algum caso de algum jornalista ter excluído algum amigo por este estar incomodando ou perturbando as verdades já estabelecidas em nosso município.

Digam-me, cavalheiros de bem, digam-me damas espetaculares da sociedade, que magnificamente e semanalmente frequentam as páginas de glamour e badalação social de nossos jornais, digam-me se há algo mais belo, mais saudável, mais edificante do que a chegada de um honrado e ilibado homem de imprensa a algum evento, a alguma festa, enfim, a qualquer acontecimento digno de nota? Olhem, observem, admirem a divina sinceridade e alegria espontânea estampadas em seus sorrisos, que lembram as celestialidades mozartianas, e são um alento, uma esperança, uma saudação de paz e benignidade à inteligente e culta sociedade santiaguense.

Como alguém pode caluniar tais homens, próximos à grandeza dos semideuses, afirmando que são um bando de interesseiros vaidosos e narcisistas que andam atrás de vultuosos patrocínios, chegando mesmo a usar termos chulos e vulgares, como este que ouvi esses dias, mais ou menos assim: “esse pessoal da imprensa quer é encher o cu de dinheiro...”?

E como podem afirmar essas pessoas, sem amor ou bondade ou moral em seus corações, que os nossos homens de imprensa enchem seus veículos de informação de fofocas, de sensacionalismos baratos, ou de frivolidades, banalidades, futilidades, inutilidades e outras “dades” mais? Como podem?

Só falta agora cometerem o sacrilégio criminoso de dizer que nossa impressa oculta ou distorce ou omite algum fato, alguma verdade. Não, isso seria demais, ainda acredito na sensatez, no bom senso da humanidade, e espero que jamais surja uma pessoa capaz de pronunciar tamanha ideia descabida.

E eu não são serei o primeiro.

Obs.: Deixo a foto acima daquele simpático macaquinho para que nossos jornais e blogs, sempre preocupados com a questão ambiental, publiquem-na, como forma de contribuir com a preservação do raríssimo Macaco-de-Saco-Azul. Só espero que não venha algum malicioso desaforado metido a engraçadinho insinuar que publiquei a foto para que os puxa-sacos de Santiago fiquem felizes em finalmente poderem puxar um saco azul.  

09 julho 2013

Não Sirvo* (Poema Antissubmissão)

vós me perguntastes
em algum (de nenhum) tom
entre o fútil e o vago
(como se perguntar
respondesse algo)
o para quê?
serviria um poeta

respondi
(como se nem estivesse aqui)
que poeta
(se poeta)
não serve pra nada
e não serve a ninguém

poeta
(estando sempre em riste)
é o que ainda resiste
em ser-se

a função do poeta
é ser o ser em si
num mundo
onde todos são como todos
e ninguém é ninguém

sou-me
(ainda
que em um além)...

mas jamais
ser-vos


* Tendo em vista a onda de submissão e subserviência em Santiago, republico este poema.

05 julho 2013

Às Três Sonatas para Violino e Piano de Brahms

I

melodia do que me dia
e companhia
à matilha de finais
quanto mais
eu quanto contigo
canto e ergo-me
sigo-te
quantifico-me
no que me frio
deixando rastro
e foice
no dia-a-dia
que é mais um arrasto
um fogo-fátuo
do que não-fosse

II

melodia do que me tarde
tempestade-sereno
sonático beijo
em pizzicatos sinais
nota que não me acorde
rosa deixada em arpejo
esmagada por entre o ver-te
ou rosa que amarelece
a messe
por entre o meu verde

III

melodia do que noturna
sangue de cordas
de cadências de lua
friccionada em íris
piano no que te alma
enquanto tu nua
corte no opus dos olhos
látegos flagelos açoites
melodia e grito
solo e sexo
e baladas nas frontes
empunhaladas nos sonhos
melonoites

04 julho 2013

274 Espécies de Animais em Extinção no RS. 11 já Extintas

Foi divulgada este mês a lista dos espécies de animais com risco de extinção no RS. Realizada por 129 pesquisadores, a pesquisa avaliou no total 1580 espécies de animais, entre mamíferos, aves, répteis, anfíbios, peixes e invertebrados. Abaixo, publico trechos da entrevista concedida por Glayson Bencke, pesquisador do Museu de Ciências Naturais da Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul (MCN/FZB):

"Sabemos que 22% das espécies de mamíferos no estado estão ameaçadas. Quer dizer, uma em cada quatro ou cinco espécies de mamíferos está ameaçada. As aves são 14%, aproximadamente uma em cada seis espécies. Répteis são 11%, uma em cada dez espécies ameaçadas. Anfíbios são 15%; esse é um grupo que subiu bastante em relação à lista anterior. Em 2002 contabilizamos uns dez anfíbios, e agora estamos com 16, houve um aumento de 60%. Houve um aumento da extinção de peixes também; passou de 28 espécies em extinção para 69."

"As espécies campestres estão em extinção, porque os pampas e os campos de cima da serra sofreram uma redução significativa nos últimos oito e 15 anos, respectivamente, com a expansão da soja e da silvicultura, além de problemas oriundos de espécies exóticas."

"O avanço da silvicultura no Estado contribui para a extinção de algumas no sentido de eliminar o habitat das espécies que dependem do campo. A expansão ocorre nas regiões campestres, assim como a agricultura eliminou os ambientes florestais há décadas com a expansão do trigo. É um processo que se repete com as paisagens campestres, e isso preocupa porque se percebe o declínio de espécies por conta dos monocultivos. Também destaco a situação crítica de algumas espécies de peixes ao longo da costa do Rio Grande do Sul, que chegam a limites inaceitáveis, como as populações de peixes que foram levadas a zero por uma sobrepesca, chegando à beira de extinção, como os pequenos tubarões."

"Os grupos de espécies florestais, especialmente das florestas de planícies das terras baixas do litoral norte, das florestas do alto Uruguai e do planalto, que são mais degradadas, despontam como as que sustentam espécies em situação mais crítica. Nós podemos citar o norte do estado, com o Parque Estadual do Turvo, e outras poucas áreas no entorno, onde existem a anta, a onça pintada, o porco-queixada, e outras espécies praticamente restritas a essas poucas grandes manchas do norte."

Abstenho-me de comentar.

Fonte: clique aqui.


03 julho 2013

que se nubla como sangue...

nada me diz
o que não sei-me
que não fiz?
aquilo que não era
em que era
em fim será?

o que vejo
quando me sinto?
há imagem
no som
do não estar?
e o que há de meu
no íntimo
de tudo que é indistinto?

aquilo que sendo
me entardece
nuvens crepusculam tardes
aves que auroram campos
pelo inverso
solar do sono

sou eu
que tardo no que sinto
ou é o campo
que se nubla como sangue
seco e tinto?

noite que te atrás
entre a eternidade
da dúvida
o que é que tu me trazes
enquanto trago a chuva...?
e que olho de horizonte
me olha desde o ontem
entre o que vento
e o que silência
do ruir do monte?

que seja...
o que não sou
está sendo no que fiz
o que não fiz
está feito no que sou