13 dezembro 2011

Glória ao Vinho!

Já escrevi aqui sobre Baudelaire e o Vinho, em seu louvor poético a essa bebida mais que bebida. Agora, além de deixar mais alguns trechos da obra Baudelairiana, deixo também trechos de outros autores, inclusive nacionais. 

Charles Baudelaire:

"Profundos prazeres do vinho, quem não os conhece? Quem quer que tenha tido um remorso a aplacar, uma lembrança a evocar, uma dor a esquecer, um castelo na Espanha a construir, todos enfim já o evocaram, deus misterioso escondido nas fibras da videira."

"Muitas pessoas dirão que sou indulgente. 'Você inocenta a embriaguez!' Isso dirão os imbecis ou hipócritas; imbecis, isto é, homens que não conhecem nem a natureza nem a humanidade, artistas que recusam os meios da arte, operários que blasfemam contra a mecânica - hipócritas, isto é, comilões reprimidos, impostores da sobriedade, que bebem sozinho e tem algum vício oculto. Um homem que só bebe água tem um segredo a esconder de seus semelhantes."


Mário Quintana:

"Por mais raro que seja, ou mais antigo,
Só um vinho é deveras excelente:
Aquele que tu bebes calmamente
Com o teu mais velho e silencioso amigo."


Louis Pasteur:

"O vinho não deve ser considerado uma bebida alcoólica: é um produto alimentício. O vinho é a mais sã e a mais pura das bebidas."


Sérgio da Costa Franco:

"Enquanto o vinho se aperfeiçoa, melhorando tipos e qualidades, embalagens e rótulos, o velho H²O se deteriora dia a dia, contaminado por toda a espécie de imundícies.


Paulo Mendes Campos:

"O homem bebe vinho como o poeta escreve seus versos, o compositor faz uma sonata, o místico sai arrebatado pela janela do claustro..."


Cruz e Sousa:

"Que os vossos olhos sombrios
Trazem raros amavios.

Que as vossas bocas, de um vinho
prelibam todo o carinho...


Oscar Bertholdo:

"A adega é um mosteiro
erguido ao lado do vinhedo,
há no vinho segredos
tão antigos quanto o amor."

E encerro com Baudelaire:

"Se a água de tua boca então
Aflora em teus dentes,
Bebo um vinho que me infunde
Amargura e calma." 



Diz o vinho ao poeta: "Nossa união criará a poesia."  Baudelaire


(Na imagem, o quadro "Intitulado III", de Fabian Perez)

11 dezembro 2011

Eu não Falo de Coisa Alguma

olho aquele olhar
que nos olha
sem que esteja
em algum lugar que se entenda
sei que ele gosta de não estar lá

não se ouve uma palavra
quando ele se dessilencia
palavras que  ele nunca disse
o que se pensa que é dito
o que não significa que nada faça

mas pelo contrário
ou talvez nem mesmo pelo contrário
ele se realiza não se importando
e deixando que se fale ou cale
aliás ele não se importa
nem em deixar

ele passa sempre a um passo
enquanto se pensa (nós)
no que se pode ser
mas aqueles que julgam pensar
nunca pensam em ele
o que muito lhe agrada
porque quando se pensa em algo
esse algo torna-se um algo
e o melhor é não estar aqui
mas ser só o ser

e logo surgirá alguém
que pensará que entendeu
que talvez eu fale de Deus...
sinal que não
(e talvez o melhor fosse nem pensar)
pensa de nenhum jeito

aliás
eu não falo de coisa alguma
e este poema
como podem bem ver
nem sequer
chegou a ser feito

08 dezembro 2011

Agora é Lei. Não Ser Feliz é Crime.

I

De agora em diante
pessoas que forem flagradas
não sendo felizes
podem pegar de 5 a 10 anos de prisão
além de pagar multa
e frequentar cursos de reciclagem
em escolas de auto-ajuda.
Não ser feliz
passa a ser considerado crime
contra a moral e os bons costumes
e contra o progresso da civilização.

II

Já estão sendo confeccionados
manuais, cartilhas, códigos e dicionários
para explicitar à população
o que é felicidade
e como cada um deve proceder
para ser feliz.
O material será distribuído
gratuitamente
e a leitura será obrigatória
para todo e qualquer cidadão
maior de 18 anos.
Ao final de cada semestre
cada indivíduo passará por um exame
para se quantificar o seu nível de felicidade.

III

Professor Félix Felizberto Omar de Rosa
demonstra como se deve agir
com uma pessoa que não é feliz:

“Mas o que é isso?
Que tristeza é essa?
Quero ver um sorriso no rosto, hein!
Não, assim, não!
Abra mais a boca... mais...
isso, agora está bonito
agora me agradou!

E não quero saber de pessimismo, hein!
Repita comigo:
tudo está bem
tudo está ótimo
tudo vai dar certo
a vida é maravilhosa
a humanidade está no caminho certo
eu sou um vencedor
eu já venci!

IV

Não estou gostando desse seu comportamento...
Está muito rebelde, muito revoltado...
Tem que ver que a sua vida
é excelente assim como é.
Mas com esse comportamento
você não vai pra frente!
Cadê o bom senso, hã?

O quê?
Então agora anda dormindo tarde
e levantando tarde!!!
Olhe só para essas olheiras...
que vergonha!
What?
Você está bebendo?
Você está fumando?!!
Mas que absurdo!
Olhe que um dia, assim,
você vai morrer, hein...

Veja o sol lá fora...
É verão, é Calor!
Quanta vida, quanta alegria!
E você aí, nesse baixo astral...

V

Músicas tristes?
Você está ouvindo músicas tristes??
Quer ficar deprê, é?
Só falta chorar agora...
nãnanã...

Helloooouu!
vamos levantar esse astral
hora de ir pra a academia
malhar até de noitinha...
Quer ficar com barriguinha, é?
Que feio...

Depois, quem sabe
ir curtir um shopping
comprar roupas novas
mudar um pouco o visual
tem que ser um mais fashion
depois
comer um sanduíche  vegetariano
de noite
olhar uma comediazinha pra relaxar
e não esqueça
de ir deitar nos horários certos
tem que regular esse seu relógio biológico...

VI

Nesse fim de semana
não esquece
nada de frituras ou de carnes gordas.
Se eu fosse você
iria para a praia
pegar um sol
ver gente bonita
tomar um suco natural
até uma cervejinha...
Mas nada de excessos, hein!
E se beber não dirija.

VII

E então? Já fez a sua boa ação de hoje?
Já doou sangue?
De que campanhas você está participando?
O quê?
Vai pedir demissão?
Ah, não é o que você queria?...
Are You Crazy??
Você ganha muito bem no seu emprego
tem estabilidade
boa posição social
pode fazer sua viagenzinha de fim de ano
enfim, você tem tudo, é feliz!
Que mais você quer?

Tanta gente desempregada
e você querendo pedir demissão...
Que absurdo!
Quer virar vagabundo, é?
Viver de vento?
Escrever versos?
Era só o que faltava...
Nunca você está satisfeito, não é?”

VIII

Blitz policial na avenida:
“Por favor
carteira de habilitação
documento do veículo
e atestado de felicidade...

- Meu senhor
seu atestado de felicidade está vencido...
O senhor não está feliz?
- É... acho que não...Pelo menos na cartilha diz que não...
- Bom, então
por gentileza
o senhor terá que nos acompanhar
até a delegacia."

06 dezembro 2011

um Punhado de Abandono

“deixaram-me só
como quem sopra
ao rosto de quem vê
o seu próprio sono
um punhado de abandono
e um beijo transformado em pó

dos teus pulsares aos meus olhos
um punhado de abandono
dos teus olhares ao meu sangue
um beijo transformado em pó
dos teus pensares ao meu peito
um beijo de abandono
dos teus sonhares à minha alma
um punhado me soprado em pó

olhas com medo e distância
para a minha transgressão
para o meu ser que não é o teu
e deixas-me um sopro de não
carregado de vazio e falência
que no caminho se perdeu...

do Alto
de minha solidão
fito quem não me fita
observo os servos
de toda uma civilização que...
do Alto
da minha sina maldita

no meu olhar há paz e tormento
e no céu do meu abandono
em indiferença à tua sentença
eu me sustento...”

do Alto
de sua melancolia
isso
um Urubu dizia...

04 dezembro 2011

O Diabo Mundo

Alguém conhece o poeta José de Espronceda (1808 - 1842)?  No Brasil, para variar, é bem pouco conhecido. Mas Espronceda foi um dos maiores nomes do romantismo espanhol, na poesia, talvez o maior. Sua poesia, influenciada por Goethe e Byron (mas sem se prender aos cânones), é de grande força e intensidade, explorando temas quase sempre sombrios, expondo toda a angústia e a desolação humana, chegando por vezes a ser catastrófica.

Em seu vasto poema "El Diablo Mundo (1841)", que ficou incompleto, interrompido por sua morte aos 34 anos, Espronceda, de forma fantástica e filosófica, aborda a questão do desespero e da impotência do homem frente à perversidade implacável da realidade de nosso mundo. Diabo mundo! Abaixo, deixo alguns trechos do espetacular poema. 

O Diabo Mundo (trechos)

Mortal! Tu criaste e deste um nome;
Puseste em mim a dor que te consome,
Em minha alma teus rancores!
Em minha fronte esta ansiedade louca,
Em meu peito teus furores,
Blasfêmias, maldições em minha boca!

Eu sou parte de ti... Sou este espírito
Que perto sempre vês...
Que não dorme, e te acorda, e te levanta
A novas regiões te impele a planta...
E no teu nada inerme
Infiltra o pensamento – dos arcanjos
Na pequenez – do verme!

(...)

Pobre cega, que vagas louca, errante,
Torpe ou sagaz, na fera escuridão
Interrogando a essência de ti mesma...
Só vendo – confusão


E este verme, que sentes bem no fundo
Teu coração morder,
Esta sombra, que o prisma de teus sonhos
Vês, torva, escurecer,

Sou eu! Sou eu – luzeiro decaído,
Anjo da maldição!
O rei do mal... e fiz o meu inferno
No humano coração.

Feliz quando a esperança a teus delírios
Presta lúcido véu!
Infeliz, se a saudade te envenena
O tempo, que morreu...

Jamais estrela há de aclarar-te... embalde...
Hás de chamar por Deus... Deus não te vê...
Nem te escuta os insultos, que o provocam,
Nem a reza sem fé...

Há de só responder aos teus gemidos
A voz da trovoada...
Para ti não há plaga nem repouso,
Nem plácida enseada!

José de Espronceda


02 dezembro 2011

E eu não sabia o que digo...

o Horror veio  e jantou comigo
e em nele eram
os todos em que já não
(que ele existe-me no que te sigo)
e falamos como se insanos
entre um copo de água quente
(daquela, água ardente)
e um prato de feijão

alguma coisa não estava bem
(era como se um algo me olhasse além)
e gritei oh Mãe do que me era
para onde foi o teu foste?

e qual dos 7 é que me é?
e era vasto o cheiro de café
quando uma voz me sorriu estranha...
(o Caos me serviu outro trago de canha)

era o Horror que me perguntava
se (r)indo:
“então amar já não está mais
na moda?”

e eu não sabia o que digo
(ao Horror, o meu melhor amigo)
e proferi:

é foda!

01 dezembro 2011

Música que se Água

música que se  água
deixo-te que o silêncio sangue
no dizer que meu olhar que morte

o tudo que te busco é longe
sol segredo que se esvai em lábio
quando em sublime
não me sinto simples

um horizonte longo
sabe do que penso
pulso que me vaga nas auroras
quando me vejo sendo
o sempre que não tive

lago de esperança
que se abisma ao alto
onde uma nota violinou-me o olho
e rubrou-me a fúria
que beijar me (e)leva

o caminho em asas
pelo todo e onde
onde Beethoven relampejou meu nada
deixa-me ver o que Som
noite que me alaga alada
deixa-me ser o que Sou...