04 fevereiro 2011

Falecimento e Luto

Meu avô, Adão Reiffer, mais conhecido na cidade como "Gringo", faleceu ontem, dia 3/02, às 14h, aos 80 anos de idade, vitimado por graves complicações causadas pela diabete. Era natural de Jaguari, mas passou quase toda sua vida em Santiago.

Sempre admirei meu avô pelo seu inesgotável ânimo para o trabalho e pela sua incrível capacidade de resolver os problemas da vida prática, qualidade esta que não posso a mim atribuir. O "Gringo" era funcionário público, taxista e mecânico nas horas de folga. Realizou, por longo tempo, as três atividades simultaneamente.  Foi também um dos primeiros aviadores de Santiago, sendo sócio-fundador de nosso aeroclube. Por vários anos, foi seu diretor de patrimônio.

Boêmio durante toda sua juventude, e até um pouco depois dela, chegou a ser conhecido, principalmente nos anos 50 e 60, como um dos "reis" da noite santiaguense. E, o que é mais importante, possuía um grande coração sempre disposto a ajudar. A ele deixo meus eternos agradecimentos. O sepultamento será hoje, às 11h. Que esteja agora em paz.
"Requiem aeternam dona eis, Domine, et lux perpetua luceat eis".

03 fevereiro 2011

Aos Deslumbrados

há que se ter cuidado
com a sede de vida
pois o que está na sede da alma
tem sede maior ainda
sede cauteloso:
não se pode saciar ambas
pelas cordas bambas
como quem come um pêssego
e solta o caroço
pelo poço..

nem tudo é eu posso:
às vezes fica tarde
e noutras – tempestade
e pode (m)olhar sol ou chuva
sobre o jardim...

nem tudo é tão simples assim:
é belo colher a tulipa
e derramar suas pétalas
e se fitar a verde trilha
como se tudo fosse
só maravilha...
mas a vida não é só soprar
e fazer espuma:
por trás do arbusto de flores
se oculta o silêncio
do bote do puma...


01 fevereiro 2011

Miséria

como música que é sem ter que ser
assim me espero no que nada sou
vejo os campos tão amplos dos profundos
lagos meus que nunca foram benditos
porque ao âmago sempre inútil seco
aqueles verdes vagos passam e levam-me
raio de dita tornado tornado
olho amigo para o céu que oceana
todos os sorrisos são como pássaros
fêmina passagem em culpa inevita
tudo é triste abaixo dO que não é
e em quatorze versos não disse nada
não disse porque estou rouco e mais louco
e tudo é tão feio tão vão tão pouco...

30 janeiro 2011

A Palavra vale mais do que o Ato

vou deixar que tu vás
que vás tu palavra
vasta
tu que vales mais
do que o ato
porque sem ti
o ato não seria
porque só o Verbo é que alto
e vasto
o Verbo é que deixa o rasto
o Verbo é que fez o “Faça-se!”
a palavra é que foi o princípio
derramado
do divino cálice

a palavra vale mais do que o ato
porque quem age antes pensa
e quem pensa antes sente
e só a palavra torna isso possível
e presente

quem absorve a palavra
o ato pressente
é ela
que do sonho à mente
e da mente ao fato
torna a vontade
no que existe:
o som é o Verbo
cristalizado
e só ele persiste

e só restará um som desolado
e uma palavra de fúria
quando o Faça-se
for proferido ao inverso

por isso deixo que tu vás
palavra
como aquela
(a ela)
do meu verso

29 janeiro 2011

K626 - Uma Tentativa de Salvar a Humanidade

Anteontem, 27/01/2011, Wolfgang Amadeus Mozart completaria 255 anos. Ma o gênio austríaco viveu pouco: faleceu com 35 anos de idade. Viveu pouco e compôs muito. Para ser exato, compôs 626 obras. K626 refere-se à sua última e maior obra: o Réquiem

Mozart, por ser um compositor do período classicista (aliás, o ponto mais alto do Classicismo musical), onde a razão predominava sobre a emoção, evitava, na maioria de suas obras, uma manifestação muito intensa do sentimento, evitava o "pathos", o sentimento trágico (que seria a marca do movimento posterior, o Romantismo). Porém, em várias de suas composições isso não acontece. Mozart, conhecido por expressar a beleza e o colorido da vida, da natureza,  e uma felicidade angelical, celeste, divina, na maior parte de suas obras, também escreveu páginas de uma profunda dramaticidade, onde a tragédia nos toca intensamente, atingindo o âmago da alma. E essas obras trágicas, sombrias, estão entre as melhores do gênio classicista, tanto que Mozart é considerado, devido a tais composições, como um anunciador do Romantismo.  

Há muito sentimento, uma emoção densa, inquietante, em obras como a sinfonia 40, os concertos para piano 20 e 24, a ópera Don Giovanni, alguns quintetos, quartetos, sonatas para piano, para violino e piano, a Missa K427, entre outras. Agora, nenhuma delas é tão trágica, tão perturbadora e tão comovente como o seu inefável Réquiem.

Trata-se de uma das obras máximas da música universal, o maior dos réquiens, capaz de emocionar até alguém com o coração empedernido. Impossível não se assombrar diante de uma composição de uma magnitude sobrenatural que se assoma em uma apocalíptica majestade. 

Mas o que é um réquiem? É uma missa fúnebre, a representação máxima da cerimônia de despedida. Uma missa para a alma dos mortos. Vejam só que caso curioso, ou talvez uma ironia do destino: Mozart, famoso por suas notas luminosas e cheias de vida, tem como sua maior obra justamente uma obra que trata da morte.  E vejam que curioso também isto: o Réquiem é sua última obra. Mozart morreu antes de finalizá-la. E Mozart não o compôs de livre e espontânea vontade. Alguém poderia pensar: Mozart sabia que iria morrer e quis compor sua própria missa fúnebre. Não, o Réquiem foi um encomenda do Conde Walsegg para a morte de sua esposa. Mas sem saber, talvez apenas pressentindo, Mozart compôs um Réquiem para si mesmo.

Há a lenda de que o emissário do conde que foi até Mozart encomendar a obra seria a própria morte. Isso ocorreu cinco meses antes de seu falecimento. Durante esse período, Mozart não completou o Réquiem. O que é um absurdo para o gênio, que escrevia impressionantemente rápido. Tanto é que nos legou 626 obras em apenas 35 anos de existência. Escrevia óperas inteiras em apenas 15 dias, como no caso de A Clemência de Tito. Porém, depois de 5 meses, Mozart não havia completado o Réquiem. Certamente, ele pressentia que quando finalizasse essa obra, morreria. Não terminou, morreu antes. O que Mozart não conseguiu completar, principalmente os números do Sanctus, do Benedictus e do Agnus Dei (no total, o Réquiem contém 14 números), foi terminado pelo seu discípulo Franz Süssmayr, que não logrou, obviamente, atingir o mesmo nível sobrehumano dos números escritos somente por Mozart.

O Réquiem de Mozart é um profundo mistério, em todos os sentidos. No primeiro número, o Introitus, entramos em um mundo de dor e sofrimento, prenunciado pela respiração ofegante de alguém que agoniza, sentimento transmitido pelos instrumentos de sopro do início. No assombroso Kyrienão sabemos se ali há desespero ou confiança. No Dies Iraeestá a fúria devastadora do Apocalipse, parecemos entrar em um furacão que se debate entre um coro de anjos nem um pouco amistosos. No Tuba Mirum, soa uma terrível trombeta sentenciosa. No Rex Tremendae, somos invadidos por uma angústia em seu último grau. Uma calma divina, porém sombria e impregnada de súplica, tranquiliza-nos no Recordare. Mas o horror retorna impiedoso no Confutatis, que finaliza em um ar sepulcral arrepiante. Em seguida vem a tristeza que nos dilacera do Lacrimosa, onde o Amen final se ergue sobre a humanidade de forma espantosa e desafiadora. O Domine Jesu Christe é de um tumulto onde luzes e sombras rivalizam sem cessar. E no Hostias, após um momento de indescritível sublimidade celestial, que não chega, no entanto, a nos trazer paz, ressurge o trecho Quam olim Abrahae, de um clima de ameaça e de desespero avassalador. Os três números seguintes não foram terminados por Mozart. O último número, o Communio, é, musicalmente, apenas a repetição do final do Introitus unido ao Kyrie.

Com seu Réquiem, Mozart deixa-nos seu testamento definitivo. E uma tentativa de salvar a humanidade. 

27 janeiro 2011

da Realidade

o trono real
sempre passa
quem é rei hoje
amanhã some
e não passa de um nome
passado
pela pressa da traça:
a realidade
é só fumaça...

a minha real-idade
ninguém olha
ninguém sabe
talvez seja
a da folha
talvez seja
a do tigre
dente-de-sabre

o real está onde?
é o dia ou a noite?
o que se pensa ou o que se sente?
ou é aquilo
que se esconde?

talvez o real
seja o símbolo
ou um sinal...
por isso
o que me dizem sê-lo
não vale um selo
de 1 real

26 janeiro 2011

Ainda Sobre o Hospital (e-mail enviado ao jornalista Júlio Prates)

Caro Júlio:

Agradeço as palavras a mim dirigidas.  Estou no meu direito e no  meu dever de criticar e denunciar uma negligência da qual a vítima foi meu avô, é o mínimo que posso fazer por ele depois de tudo o que ele fez por mim.   Havia um médico responsável no caso do meu avô. O HCS tem a obrigação de saber quem é, pois meu avó paga, há anos, o plano de saúde, eu não necessito citar seu nome. Mas esse médico responsável não estava lá. E pior, estava incomunicável. E só foi aparecer na manhã do dia seguinte, ou seja, quase 24h depois da internação. Disseram no HCS que como o médico responsável era tal, não podia haver a troca de médico, até que o responsável viesse ver meu avô. 

Diga-me se essa burocracia absurda, vergonhosa e cruel é algo que se faça com um ser humano? Com um cliente do hospital? Não se faz isso nem com quem vai comer uma pizza. Quem vai comer uma pizza, pode esperar quase 24h para que ela venha? E se não há garçom, não tem o direito de pedir outro? Os clientes não têm direitos? Isso não se faz com quem espera por uma pizza, mas se faz com quem espera por sua própria vida?  E isso é culpa do hospital, independente da culpa do médico. E se meu avô viesse a falecer durante esse período? É um caso isolado? Olha, sinceramente, tenho fortes dúvidas quanto a isso... Mas ainda que seja, é uma negligência imperdoável. E, em nome do meu avô, eu não perdoo.

25 janeiro 2011

A Incompetência e a Vergonha do Hospital de "Caridade" de Santiago e Alguns Médicos Mercenários

Meu avô, que está com 80 anos de idade, foi internado no Hospital de Caridade (não entendo o porquê de "Caridade" nesse hospital, deve ser piada de humor negro) hoje, logo após o meio-dia. Meu avô sofre de diabetes, há alguns anos teve uma isquemia cerebral. Foi internado agora com um quadro que parece ser de insuficiência respiratória. Pois desde o instante em que foi internado até as 22h, nenhum, eu disse NENHUM, médico dignou-se a atendê-lo. Isso, olhem só o absurdo, que meu avô paga o plano de sáude do hospital!!!

E mesmo se não pagasse o plano, meu avô sempre foi um homem honesto, digno e honrado que sempre pagou seus impostos em dia. Deveria ser atendido sem pagar nenhum plano especial. Mas paga, e mesmo pagando, nenhum médico vai vê-lo. Disseram que há um médico responsável, não citarei nomes, e que esse médico "responsável" encontra-se em seu campo cuidando de seus gados. O médico é pago para cuidar das pessoas e vai pro seu campinho cuidar dos seus gados??? Que tipo de brincadeira de mau-gosto é essa? Esse é o nosso Hospital de Caridade que ganha prêmios, que é badalado em alguns jornais e blogs? 

Quantos pacientes já viveram ou ainda vão viver situação semelhante, ou pior, em nosso hospital? É necessário vivenciar algumas realidades para ver como as coisas são. É claro que há médicos de verdade, que honram o seu trabalho (e que trabalham),  mas há também médicos mercenários, que estão na profissão para lucrar com a desgraça dos outros. Não só não atendem com a devida competência e responsabilidade a seus pacientes, mas cobram os olhos da cara, por exemplo, por uma consulta particular de 5 minutos. E os planos de saúde então? Pior ainda. Esse do Hospital de Caridade (entendi agora: caridade vem de caro) é uma vergonha, um lixo. Aí está o nosso grande Hospital. Perto dele, a Morte parece ser mais amistosa.

24 janeiro 2011

(H)à Noite















em cada noite
há um segredo
de olhar e de medo
não-igual
ao da noite anterior
em cada noite
há uma espera maior
no mistério
do que ainda é cedo
em cada noite
há um termo
sem termo
que pode ser término
ou início
e lá o céu
pode ser céu
ou precipício
e a estrela
pode sê-La
ou ser só
estrela
distante
que em cada noite
há um fatal
e um adiante

cada noite
pode ser a primeira
de uma nova vida
que pode ser vivida
ou sonhada
que pode ser na Terra
ou no Nada...

(Na imagem, o quadro "Pescadores ao Mar", de William Turner)

23 janeiro 2011

"Ao Leitor" - A Poesia Maldita e Impiedosa de Baudelaire

A poesia de Baudelaire é como um soco no estomâgo. O maior gênio da poesia francesa, na minha opinião, juntamente com Victor Hugo, Charles Baudelaire (1821-1867) está mais atual do que nunca. Em um época onde a decadência psíquica da humanidade avança no mesmo ritmo das conquistas tecnológicas (e isso podemos comprovar desde lá na China até aqui em Santiago), a poesia baudelairiana,  que desvenda o mais profundo do interior humano, serve-nos como um terrível espelho.

Baudelaire, fortemente influenciado por Allan Poe, foi não só o iniciador do Simbolismo na literatura universal, mas também o precursor de toda poesia moderna, juntamente com Walt Whitman. Realizou uma profunda e densa fusão em sua obra do sublime com o grotesco. Inaugurou um novo uso da linguagem. Foi um dos primeiros artistas a ser qualificado de "maldito", tanto pela sua obra, que dizia aquilo que os outros não queriam ouvir, como pela sua vida, marcada por grandes dificuldades, desde financeiras até de saúde, e pela total incompreensão do público da época, que via sua obra como exageradamente sombria e imoral. Baudelaire faleceu precocemente sem conhecer o sucesso que viria de forma arrebatadora nas décadas seguintes.

O poema "Ao Leitor" é o que abre sua obra-prima "As Flores do Mal", livro que foi censurado e acusado de ultrajar a moral pública. Sintam o soco baudelairiano:

Ao Leitor

A tolice, o pecado, o logro, a mesquinhez
Habitam nosso corpo e o espírito viciam,
E adoráveis remorsos sempre nos saciam,
Como o mendigo exibe a sua sordidez.

Fiéis ao pecado, a contrição nos amordaça;
Impomos alto preço à infâmia confessada,
E alegres retornamos à lodosa estrada,
Na ilusão de que o pranto as nódoas nos desfaça.

Na almofada do mal é Satã Trismegisto
Quem docemente nosso espírito consola,
E o metal puro da vontade estão se evoca
Por obra deste sábio que age sem ser visto.

É o diabo que nos move e até nos manuseia!
Em tudo que repugna, uma jóia encontramos;
Dia após dia, para o Inferno caminhamos,
Sem medo algum, dentro da treva que nauseia.

Assim como um voraz devasso beija e suga
O seio murcho que lhe oferta uma vadia,
Furtamos ao acaso uma carícia esguia
Para espremê-la qual laranja que se enruga.

Espesso, a fervilhar, qual um milhão de helmintos,
Em nosso crânio um povo de demônios cresce,
E, ao respirarmos, aos pulmões a morte desce,
Rio invisível, com lamentos indistintos.

Se o veneno, a paixão, o estupro, a punhalada
Não bordaram ainda com desenhos finos
A trama vã de nossos míseros destinos,
É que nossa alma arriscou pouco ou quase nada.

Em meio às hienas, às serpentes, aos chacais,
Aos símios, escorpiões, abutres e panteras,
Aos monstros ululantes e às viscosas feras,
No lodaçal de nossos vício ancestrais,

Um há mais feio, mais iníquo, mais imundo!
Sem grandes gestos ou sequer lançar um grito,
Da Terra, por prazer, faria um só detrito
E num bocejo imenso engoliria o mundo;

É o Tédio! - O olhar esquivo à mínima emoção,
Com patíbulos sonha, ao cachimbo agarrado.
Tu o conheces, leitor, ao monstro delicado
- Hipócrita leitor, meu igual, meu irmão.

Charles Baudelaire

21 janeiro 2011

Três Rápidas Considerações Meio-Poéticas IV

I

o coração
deve ser como um pano
que está sempre em valde:
absorver tudo
para depois torcer
dentro de um balde

II

chorar
é saber que se sabe
ou cedo
ou tarde

III

poeta
é quem nunca te desistes
e com um só arrependimento:
o de não ter escrito
ainda mais tristes

20 janeiro 2011

Tratado Completo Unificado de Poesia e Filosofia

quando necessito ouvir...

vou à beira dos banhados
escutar o coaxar dos sapos
e o matraquear dos patos
abaixo de tempestades...

é o que faço
quando necessito ouvir verdades

19 janeiro 2011

Sobre a Casa do Poeta de Santiago

Sinto-me na obrigação de comentar um pouco sobre a Casa do Poeta de Santiago, tendo em vista a discussão que está ocorrendo sobre a mesma em nosso universo blogueiro. Pouca coisa, de forma simples, sem frescuras.

Eu não participei do evento recente da Casa do Poeta por um motivo extremamente simples: eu não gosto desses eventos. Admito, reconheço sua importância, mas não gosto, é algo extremamente pessoal. Prefiro participar dos cafezinhos. Pelo mesmo motivo não participei da Feira do Livro. Mas o evento da Casa do Poeta foi um sucesso e eu parabenizo aos que o tornaram possível. A Casa existe, eu ajudei a fundá-la, e não me arrependo. Apesar de andar um pouco afastado da mesma, por inúmeros motivos, que são pessoais, sei o quanto ela é importante para o nosso município, o quanto já fez e o quanto ainda fará. Tenho amigos lá que admiro e respeito, e se tivesse lá inimigos, eu respeitaria a Casa da mesma forma, e entenderia a importância de seu papel.

Poderia discordar da Casa e poderia me manifestar contra, como faz o poeta Froilam, ele está no seu direito.  Qualquer pessoa pode se manifestar contra ou a favor dela. Eu julgo que devo ser a favor da Casa. Outros julgam que devem ser contra. Não vejo nenhum problema nisso. Cada qual tem suas opiniões. E ninguém é proprietário da verdade. Aqui em Santiago há pessoas que não gostam de mim, não gostam do que escrevo, e isso pouco me importa. E se falassem mal de mim dentro da Casa do Poeta, eu iria entender assim: isso é a literatura. Se estamos na chuva é para se molhar. Por que partir para brigas inúteis?

Se um dia eu tiver inimigos lá dentro, paciência. Cada um cumpre o seu papel. Eu escrevo. Ponto final. Não gosto da literatura de Paulo Coelho, mas ele tem uma excelente frase: "Os escritores escrevem, os leitores leem e os críticos criticam". Eu, quando julgo que devo criticar algo, eu o faço. E todos têm esse direito. Assim como todos têm o direito de escrever o que quiserem. Se bom ou ruim, só o tempo irá dizer.

Todos temos erros e acertos. A Casa tem seus erros e acertos. Eu tenho meus erros e acertos. Da mesma forma é com cada membro da Casa e com cada crítico da Casa. Deveríamos aprender a conviver com nossas imperfeições e nossos erros.

Se eu escrever um  poema ou um conto, estarei sujeito a críticas e a elogios. Aceitarei ambos, o que não significa que eu concorde com a crítica ou com o elogio. Se a Casa do Poeta realizar um evento, estará sujeita a críticas e a elogios. E aqueles que criticam ou elogiam estarão, por sua vez, sujeitos a críticas e a elogios por terem criticado ou elogiado. Assim é. Cada um deve arcar com as consequências de suas ações, SERENAMENTE, sejam elas boas ou ruins. Nada é feito impunemente. O que não significa que não deva ser feito. Pelo contrário: o pior castigo vem para os que nada fazem. Devemos sempre seguir os ditames da nossa consciência. Essa é a única lei.


18 janeiro 2011

FARSA: Palavra-Chave do Governo Yeda

Que os governos, os políticos em geral, vivem de mentiras, não é novidade para ninguém. Agora, no governo Yeda essa "verdade" raiou o absurdo. A nossa ex-governadora e sua equipe desenvolveram um trabalho de marketing de fazer passar gato por lebre. Sempre apoiado, do começo ao fim, diga-se de passagem, pelo PP, tão querido aqui em Santiago.

Como disse o Juremir Machado da Silva, em sua coluna no jornal Correio do Povo, já há alguns meses, "marketing é enganação". Aí está a governo Yeda para provar. A começar pelo educação. Foi uma enxurrada de propaganda alardeando conquistas e melhorias e comprometimento com os professores e alunos felizes e contentes e escolas aparelhadas até os dentes, enfim, era tudo uma maravilha. Teve quem acreditasse. Aqui em Santiago, até jornal acreditou. Mas o que se viu foi a educação sendo desmantelada, cortes de verbas, guerra contra os professores, arrocho salarial, desrespeito ao plano de carreira, salas de aula lotadas, autoritarismo, enfim, o diabo. Teve quem acreditasse.

Quem andasse pelas estradas do RS afora veria mais placas do que obras. Chegava a ter placa de propaganda atribuindo uma obra ao governo do Estado onde não tinha obra alguma que pudesse ser vista. Devia ser uma obra em alguma outra dimensão.

E agora, o novo governo desmascarou a farsa do tão propalado Déficit Zero, a maior propaganda do governo Yeda. Era déficit zero pra cá, déficit zero pra lá, tudo era pelo déficit zero. Os professores, por exemplo, deveriam passar fome para que existisse o déficit zero. A única coisa que não poderia ser sacrificada em prol do déficit zero era a casinha da governadora. E os caixas dois. E os desvios do Detran. Porém, parece que o déficit zero corresponde a um déficit de R$ 170 milhões para março. Sou ruim em matemática. Não consigo entender. Quer dizer que zero é igual a 170 milhões? Essa fórmula genial nem Einstein elaboraria.

Segundo o novo Secretário da Fazenda, Odir Tonollier, o governo Tarso herdou R$ 1 bilhão de restos a pagar, sendo que o déficit do caixa único atinge atualmente R$ 4,6 bilhões. O secretário também afirma que os R$ 3,6 bilhões que foram "deixados como herança" do governo Yeda para o governo Tarso são, na verdade, originários de depósitos judiciais e não se apresentam como verba disponível para investimentos imediatos.

Ou seja, mais uma vez, o novo governo começa sua gestão sem dinheiro algum. E pior, devendo. Não haverá aumento salarial para os servidores (para os servidores apenas, pois os nossos queridos deputados, que obviamente ganhavam uma merreca,  já aumentaram, merecidamente, seus próprios salários) e os investimentos serão mínimos. E a ladainha continua... "Agnus Dei, qui tollis peccata mundi, miserere nobis."

16 janeiro 2011

Teu Toque em Silêncio...

teu olhar mudo
é como um toque
de trombeta
e quando tocas
tocas
os homens de ti
e daqui

sempre impassível
vês o nunca e o impossível
além dos sonhos
dos que sonam
o toque
dos sinos
e o tique...
taque...
invisível
dos destinos

o toque
da pedra no lago
produz ondas
que não te tocam:
nada abala
teu ser intocável

mas tocaste a mim
com tua melodia escura
como quem procura
um violino
e um toque de mãos
ao final da tarde...

tocas sem fazer alarde...
e quando a tua árvore
for só um toco
tocarás o céu...
Tu
imperturbável Urubu.

15 janeiro 2011

Mais Uma Catástrofe Criminosa na Amazônia

Vou apenas transcrever aqui trechos do e-mail recebido da ong Avaaz, que luta pela preservação ambiental em nossas terras:

"O Presidente do IBAMA se demitiu ontem devido à pressão para autorizar a licença ambiental de um projeto que especialistas consideram um completo desastre ecológico: o Complexo Hidrelétrico de Belo Monte.

A mega usina de Belo Monte iria cavar um buraco maior que o Canal do Panamá no coração da Amazônia, alagando uma área imensa de floresta e expulsando milhares de indígenas da região. As empresas que irão lucrar com a barragem estão tentando atropelar as leis ambientais para começar as obras em poucas semanas.

A mudança de Presidência do IBAMA poderá abrir caminho para a concessão da licença – ou, se nós nos manifestarmos urgentemente, poderá marcar uma virada nesta história. Vamos aproveitar a oportunidade para dar uma escolha para a Presidente Dilma no seu pouco tempo de Presidência: chegou a hora de colocar as pessoas e o planeta em primeiro lugar.

Assine aqui a petição de emergência para Dilma parar Belo Monte – ela será entregue em Brasília, quando conseguirmos 150.000 assinaturas.

A hidrelétrica iria inundar 100.000 hectares da floresta, impactar centenas de quilômetros do Rio Xingu e expulsar mais de 40.000 pessoas, incluindo comunidades indígenas de várias etnias que dependem do Xingu para sua sobrevivência. O projeto de R$30 bilhões é tão economicamente arriscado que o governo precisou usar fundos de pensão e financiamento público para pagar a maior parte do investimento. Apesar de ser a terceira maior hidrelétrica do mundo, ela seria a menos produtiva, gerando apenas 10% da sua capacidade no período da seca, de julho a outubro.

Os defensores da barragem justificam o projeto dizendo que ele irá suprir as demandas de energia do Brasil. Porém, uma fonte de energia muito maior, mais ecológica e barata está disponível: a eficiência energética. Um estudo do WWF demonstra que somente a eficiência poderia economizar o equivalente a 14 Belo Montes até 2020. Todos se beneficiariam de um planejamento genuinamente verde, ao invés de poucas empresas e empreiteiras. Porém, são as empreiteiras que contratam lobistas e tem força política – a não ser claro, que um número suficiente de nós da sociedade, nos dispormos a erguer nossas vozes e nos mobilizar. "

Já disse que aqui, várias vezes, que essa forma de desenvolvimento que todos os governos vêm promovendo em quase todos os cantos do mundo, pensando apenas no retorno imediato, vai acabar consumindo todo o nosso planeta. Aliás, é o que está acontecendo.

14 janeiro 2011

Poema Catastrófico nº5 – Sem Saída*

não tenho culpa
se sou um
morro
e minha
água
lava
e leva
e mata
a leva
dos que levaram
a minha
mata

um dia fui só
mata-atlântica
e alegria de araras
hoje sou só
chuva-cáustica
e maresias amaras

há muito tempo
aqui estou
sem saída
e para lado algum
eu corro...

os humanos
sem saída
correm
e morrem
vindo até mim
e eu
deslizando ao fim
morro...

*Poema para a maior catástrofe climática da história brasileira, que deixou mais de 500 mortos, vítimas dos deslizamentos de terra provocados pelas enchentes na região serrana do Rio de Janeiro.

12 janeiro 2011

Pedido

mantenha-me
atento-te
ao mim mesmo
e a tudo que me acerca
e ao cerco
que me há pressa
e ao circo
(de esterco)
deste mundo
atenta-me
e tenta-me
versa-me no teu adiante
de paz e de todo instante
e no teu desilusionismo
pro fundo

ao fundo
do meu lago
que nenhuma onda
se afogue ou se abale  
quer por onde
eu vago
quer por onde
eu vale...

(pre)
sinta-me na minha pele
sem motivo ou alarde
que antes da queda
eu pegue
seja cedo ou tarde
seja mau ou bela:

eterna vigília
e alerta sentinela
porque sempre há um crime
entre um alarme e outro
do que é sublime...

11 janeiro 2011

Lentamente, o Pampa Morre

No Brasil, parece que o único bioma que deve ser preservado é a Amazônia. E os outros biomas e ecossistemas brasileiros, tão imporatentes quanto a Amazônia? O que estamos fazendo com eles? Somente a Amazônia mantém a maioria de sua área preservada, cerca de 80%. Lembrando, no entanto, que até início dos anos 80, a área preservada era de 95%. Em 30 anos, perdemos 15% da floresta.

Já os outros biomas, estão em torno de 50% de sua área original, ou menos que isso. A Mata Atlântica está quase extinta. Resta, tão somente, 7% dessa mata que é uma das mais ricas em biodiversidade do mundo. O mesmo se dá com a Mata de Araucárias, no Sul do Brasil, hoje limitada a algumas "ilhas" nos 3 estados da região. A Caatinga nordestina já perdeu a maioria de sua área, restando algo em torno de 45%, e o Cerrado está em torno dos 50%, sendo, porém, o bioma com o maior índice anual de devastação.

E o Pampa gaúcho? O que nós, gaúchos, estamos fazendo por ele? Atualmente, o Pampa mantém 44% de sua área original. Sendo o RS o único estado brasileiro a possuir esse magnífico bioma que possui 4 mil espécies endêmicas ( ou seja, que só ocorre nessa região), sua responsabilidade na preservação é imensa. No entanto, não é isso que ocorre.  Apenas 3,6%  da área do Pampa está dentro das prioridades de preservação dos governos. Todos os anos, são perdidos 364 km² de sua vegetação, que vai dando lugar à agropecuária sem sustentabilidade, ao avanço das plantações de pinus, à desertificação e ao desenvolvimento caótico das cidades.

Se isso continuar, o que nos restará dentro de alguns anos? Rios secos e desertos? Para o Pampa que morre, escrevi o poema abaixo, que republico aqui no blog.

Ao Fim do Pampa

quero-quero vasto que me olha denso,
o que é que alarma no teu sino antigo?

pampa que crepúsculas,
não te sones antes que eu me vide...

folha de angico que te nervas sopro,
o que é que julga na tua chama acesa?

pampa que te noites,
não te lues antes que eu me ocase...

sanga que adaga em todo um céu de chumbo,
o que é que marcha no teu grito frio?

pampa que te sangues,
não te doenças antes que eu me febre...

coxilha em cosmo que me fúria um sonho,
em quais sentenças é que te levantas?

pampa que te fins,
não te mortes antes que eu te ame...

(Na imagem, um trecho preservado do Pampa na fazendo de meu tio, na região do rio Itacurubi.)

10 janeiro 2011

O Sucesso de um Conto (e motivos para o ler)

A arte é, para mim, o que de melhor saiu da alma humana. Mas também pode ser ingrata. O artista, principalmente se for um artista marginal, maldito, que não está presente na grande mídia, além de ser criador, deve ser também seu próprio empresário/publicitário/editor, tudo, enfim. Não basta ao artista marginal criar. Deve ainda divulgar o que escreve, realizar sua própria propaganda, autopromover-se. Porque são raros os que se propõem a fazer a propaganda de alguém relativamente desconhecido. E porque, é ostensível,  o sentido da arte não é só a sua existência, a sua criação, mas também é fundamental a sua recepção pelo público.

De modo que para que se leia a  obra de alguém que pouco se conhece, é necessário que se deixe alguns motivos, e tais motivos podem ser a opinião de alguns leitores. É o que farei aqui. Alguns de meus contos são publicados em um dos mais importantes sites de literatura fantástica do Brasil, o Estronho e Esquésito. Um deles, o conto "A Lenta Morte da Mulher Bela" recebeu um número expressivo de comentários. Transcreverei alguns aqui no blog, com a intenção de que suscitem nos leitores o interesse de o ler, do começo ao fim, espero. Talvez alguns julguem isso como um exibicionismo. Não serei hipócrita em dizer que não há nada de exibicionismo no ato. Porém, todo ser humano é exibicionista, todos gostam de ver suas qualidades apreciadas. Alguns são discretos, mais reservados, mais conscienciosos, outros chegam a ser insuportáveis. Mas todos temos ao menos um pouco de exibicionismo. Negá-lo é uma hipocrisia. No entanto, minha intenção maior é, realmente, estimular os leitores a conhecerem e interagirem com o meu trabalho. Abaixo, alguns comentários deixados no citado site (aqui o link), e, em seguida, o conto: 

De Júlio César Vieira:

Com certeza um dos melhores contos que eu já li.
É incrível a comparação e a gente não consegue parar de ler, vai devorando. 

De Alessandra Bellan:

Parabéns pelo excelente conto!
Suas descrições são de tirar o fôlego. Pude visualizar os ambientes com clareza, sentindo todo o clima denso que é criado na história, linha após linha. Adorei o final! Digno de reflexão. 

De Rafael Schiabel:

Terminei a leitura emitindo um expressivo "Nossa!".
As palavras usadas e as descrições da mulher e da bestialidade de seus companheiros de quarto me fizeram adentrar na história.
Alessandro se mostrou um ótimo escritor. O clima sombrio e o sofrimento da mulher ficaram excelentes, além de proporcionar ao leitor uma reflexão sobre o que fizemos e ainda estamos fazendo com nosso planeta.

De Marina Rosa:

Realmente muito bom conto. Devorei com os olhos a tela desde o começo em uma imensa expectativa. O suspense contido no conto me levou a ficar até um pouco entorpecida no final, com a resolução e ainda querendo mais.
É fácil imaginar o estado da mulher bela da forma como é retratado, repugnante e ao mesmo tempo impressionantem ente impossível de parar de ler.
Excelente leitura, e muito boa para reflexão também. Adorei.

De Valdênia:

incrível, maravilhoso...
um conto surpreendente, rico e emocionante.
jamais imaginaria este final e no entanto ele fez mto mais sentido que qualquer outro.

De Joana D'arc Maciel:

Não esperava um desfecho como esse...realmente nos faz refletir sobre as nossas atitudes, a nossa indifença para com os problemas da Terra, que é nosso lar, nossa base, um dos motivos pelo qual vivemos.
Além disso, a narração do autor foi brilhante...me fez adentrar na cena, como se eu vivenciasse o momento, a dor e o sofrimento da mulher.

Aproveitando, deixo ainda este comentário, feito sobre o meu conto mais recente publicado, "O Meu 33º Assassinato". O comentário é de José Jorge (aqui o link):

Sem dúvida, um conto muitíssimo bem engendrado, digno de figurar entre os mais famosos casos de mistérios policiais!
O autor pareceu-me ser um profundo conhecedor da natureza humana, bem como dos seus inúmeros problemas psíquicos.
Vá em frente, amigo, você tem futuro, mas espero que nunca lhe ocorra a idéia de usar seu talento para fazer o mal, certo? 


A Lenta Morte da Mulher Bela


A magnífica beleza daquela mulher deslumbrava a todos. Mesmo agora, gravemente doente, sua beleza ainda encantava. Mas um intenso sofrimento era plenamente visível em seu rosto de olhos fundos e encovados. Sua doença era verdadeiramente terrível, impiedosa, e, aos poucos, bem aos poucos, em uma extrema e quase imperceptível lentidão de brutal angústia, seu organismo ia sendo consumido pela absurda enfermidade. Era como a mais desolada e arrastada das marchas fúnebres.


Enfermidade que a definhava de uma forma digna da mais elevada comiseração. Seus sintomas algumas vezes surgiam, noutras, desapareciam por completo. Porém, quando retornavam, eram ainda mais violentos. Dores insuportáveis em todas as partes do corpo. Ela chorava copiosamente nestes momentos. Mas o que assombrava ainda mais era a inexplicável indiferença com que quase todos observavam a sua agonia.

Das dez pessoas que viviam em seu quarto, apenas uma delas sentia verdadeira piedade ao vê-la morrer de maneira tão lenta e sofrível. As outras aparentavam não se dar conta da devastadora desolação que acometia a bela e pobre mulher. No entanto, todos afirmavam que conheciam sua doença, que sabiam de suas causas a fundo e que possuíam a cura para a pavorosa e fatal enfermidade. Consideravam-se médicos de extrema perspicácia e inteligência. Havia até alguns que diziam que a doença não era grave, que seria facilmente curada e que exageravam no julgamento da intensidade de seus sintomas. Mas ainda não a haviam curado, apesar de todas as tentativas de fazê-lo, tentativas em realidade estúpidas, vergonhosamente insuficientes, enfim, absolutamente inúteis.
Todos os dez indivíduos também afirmavam com total segurança que conheciam o fato de que eles, todos eles, eram os responsáveis, os culpados pela bela mulher agora se encontrar enferma. Sim, a moléstia que a afetava foi causada pelas dez pessoas que viviam em seu quarto. Viviam em seu quarto e dependiam da bela mulher para tudo, para absolutamente tudo, inclusive para viver. Não viveriam sem ela. Daí então a urgente necessidade de curá-la. Se ela morresse, todos os dez morreriam com ela.

De modo que assombrava, era quase inacreditável a indiferença com que seus companheiros de quarto contemplavam a sobrenatural agonia que a passos de anômala marcha fúnebre levava aquela linda mulher a uma morte dolorosa e implacável. Algo realmente incompreensível. O que passaria pela mente dos cinco homens e das cinco mulheres que ali naquele quarto de doença viviam? O que passaria por seus sentimentos?

Talvez os moradores do quarto já estivessem tão habituados com a doença que causaram à mulher que já nem eram capazes de se emocionar com o vagaroso, lento, gradual sofrimento que ela irradiava. Havia ali somente uma pessoa que ainda agia intentando acender os sentimentos dos outros para que realmente tomassem consciência da iminente situação em que se encontravam. Porém, sempre inútil.

Mais e mais o clima reinante naquele quarto tornava-se pesado e nervoso. Sombras pesarosas iam surgindo dos cantos do ambiente carregado de densos espectros de ocaso. Lentamente, numa lentidão que parecia eterna. Em alguns momentos, luzes cintilavam em algumas pequenas reentrâncias quase ocultas que traziam consigo determinada esperança. Porém, em pouco tempo eram rapidamente subjugadas por nuvens escuras de uma fumaça de ignota origem.

Sistematicamente, a bela mulher em sua suprema agonia emitia gritos horripilantes, gemidos dilaceradores, que ensurdeciam e inflamavam os ouvidos dos seus companheiros de quarto, a ponto de sangrá-los. Mesmo assim, raramente se emocionavam, bem raramente...

Os gritos da bela mulher não eram reações desesperadas somente às suas dores excruciantes, mas ela reagia também às terríveis chagas que surgiam em todo o seu corpo e sangravam de forma inclemente, espargindo um sangue pútrido e mau-cheiroso, que se derramava por toda a cama, maculando os brancos lençóis e carregando o ar impuro de pestilentas emanações. As chagas desapareciam com o passar dos arrastados dias, mas sempre retornavam, cada vez piores, em cores mórbidas que iam do vermelho, ao roxo e finalmente ao negro.

E as pessoas ali respiravam aquela atmosfera mefítica, com uma imbecil tranquilidade sorridente. A mulher ardia em febre, e sua febre irradiava-se pelo ar, elevando a temperatura gradativamente. Ondas de enfermidade visivelmente partiam de seus entristecidos olhares de negras olheiras. Suas lágrimas não cessavam de escorrer como orvalhos de desgraça por seus miríficos cabelos negros. Sua face pálida e cadavérica implorava por misericórdia. No entanto, aqueles que viviam em seu quarto apresentavam um comportamento tão estúpido, tão indiferente, tão agressivo e miserável, que faziam, ainda que inconscientemente, com que a moléstia da mulher se agravasse ainda mais.

Em um instante soou um luto deprimente. E nas atmosferas ensombrecidas, mornas de enfermidade, densas de pesadelos, assomou pelo ambiente degradado a tensão desesperada de uma trágica marcha fúnebre. E suas notas noturnas vibravam como sinos agourentos de palpáveis maldições. Simultaneamente, adejaram pela janela as asas de um corvo que surgiu da noite distante, do espaço longínquo, e fitou seus olhos fundos de sentenças nas pessoas que ali no quarto estavam. O corvo assemelhava-se a um anjo. Trazia uma carta no bico.

Às vezes, os dias transcorriam em aparente serenidade. A serenidade funesta que antecede as mais devastadoras tormentas. E nos dias lentos, rastejantes, de tensão insuportável, relâmpagos e trovões, por vezes distantes, por vezes próximos, espargiam horrores e deixavam um odor ominoso pelo ambiente do quarto. E o clima obscurecia-se paulatinamente.

Ataques golfejantes de tosse assediavam os pulmões da bela mulher. Golfadas espessas de sangue espalhavam-se por todo o aposento. Um catarro amarelecido descia canhestramente de seu nariz. Ela debatia-se e revirava-se na cama inundada de um suor ardente, pegajoso e febril.

Pela janela semiaberta do quarto, uma estranha luminosidade avermelhada penetrou no ambiente de dúvidas e desesperos adejantes. A bela mulher desvairava, inebriada das mais absurdas catástrofes. Contorcendo-se de dor em todos os seus órgãos, ela levava as mãos amareladas e ressequidas, de veias proeminentes, à cabeça que latejava freneticamente.
Um sopro anômalo e rubro de sangue entrou com diabólica violência pela janela entreaberta. Tal sopro deve ter afetado a sanidade da bela mulher. Agonizante, como um furacão ela redobrou suas forças para erguer-se da cama sanguinolenta. Insana, descontrolada, enlouquecida, ela agarrou com suas mãos crispadas, de unhas crescidas e ensanguentadas, um por um o pescoço daqueles que viviam em seu quarto e os estrangulou com fúria alucinante. Nove dos dez moradores do quarto foram mortos dessa forma. Apenas aquela mulher que sinceramente tentava ajudar a bela enferma foi poupada. E, nesse instante, uma tênue fagulha de vida refulgiu em seus enormes olhos verdes. E o nome da bela mulher era Terra.