18 novembro 2020

Como se não houvesse Morte

como se houvesse tempo
estão lá com sede de progresso
como se evoluíssem ceifando paraísos
para semear infernos
lucram como se fossem eternos
a transformar vidas em desertos
e é como se nunca bastasse
mentindo como se fosse
para matar a fome
sem ter que distribuir a renda
como se fosse em nome do que fosse justo
como se não fosse pra colher ganâncias
como se fosse ser herói
se enriquecer à custa do que morre
existir à custa do que some

e ainda se acham fortes
e ainda se dizem homens
como se não passassem de parasitas
mais fracos do que cacos
mais fiascos que palhaços
como se não viesse a volta
pelo horror do que plantaram
como se não tivesse preço
todo a beleza desfigurada
como se ficasse por isso mesmo
todo o amor que foi corrompido
e como se não viesse o Tempo
bater no seu endereço

fazem tudo
como se o tudo ficasse mesmo assim:
como se não houvesse o Fim.

16 novembro 2020

Apenas Noite

leis políticas instituições
prédios cidades civilizações
rolarão por terra um dia
mas sempre haverá a noite.

séculos décadas anos
vidas sonhos planos
deixarão a terra um dia
mas ainda continuará a noite.

dados rodas moedas
homens coisas pedras
não serão na terra um dia
no entanto prosseguirá a noite.

planetas sóis luas estrelas
todas as coisas que forem sê-las
não serão no cosmo um dia
e o universo será apenas Noite. 

15 novembro 2020

Mais Alto

um outro sol
um outro sol mais ao alto
se erguerá sobre o sol derradeiro
vitorioso em som sonho e pesadelo
e um outro som mais alto e vermelho
se erguerá em de cada perdido instante
em teu vasto sim de guerra e mais adiante
um outro sou se erguerá em que vai avante
mais alta em larga prata e mortífera espada
de ponta adiante e ainda mais e mais elevada
de ultra e além lâmina e mais afiada em adaga
e um outro canto em soprano surgirá mais além
de sublime em sublime e mais ainda em quem vem
se erguerá mais acima e acima em que nunca ninguém
e se erguerá mais um passo ao alto do horizonte que espanta
e um outro verbo mais grave com fúria aguda venta e se lança
e outro olho mais fundo e avante em outra Força mais alta levanta

13 novembro 2020

Poema Lacônico de Sexta-Feira 13

1.1 - acima das plumas-brancas 
da pomba da esperança
paira a asa-negra do urubu
que voa mais alto.

1.2 - os melhores vinhos
trazem as trevas da noite
e os piores raios
brilham como o dia.

1.3 - no olho do furacão
não há ventos.


12 novembro 2020

Trágico

tristeza de não-antídoto
sorriso de lábio fêmino
um beijo que seja válido
entendo teu gesto lânguido
o sonho em teu rosto sânguino
o longe se arrasta rápido
o tudo que eu digo é símbolo
caminho que seja pórtico
sangue de vela e lâmpada
a chama escarlate tântrica
meus olhos nas luas cálidas
o longínquo em não ser-me ósculo:
trágico é proparoxítono.

10 novembro 2020

De Sangue

sangue nos lábios é perigoso
tanto se vier de fora
como se vier de dentro
mas o sangue vem aos lábios
de qualquer jeito.

vida, sua filhadaputa
ensanguentada louca
que me enche de sangue na boca.

08 novembro 2020

Sofrimento é Algo que Falta

o sofrimento não deve ser medido
pelo tipo de sofrimento
mas pela relação sofrimento x anseio:
sofre a pessoa não pelo que ela é
ou deixa de ser
não pelo que lhe acontece
ou deixa de lhe acontecer
não pelo que ela vive
ou deixa de viver
mas pelo que ela gostaria de ser
ou gostaria que lhe acontecesse
ou que fosse a sua vida
sofrimento é muito mais
o não-vindo.

o tamanho do sofrimento
é o tamanho da insatisfação
o sofrimento é um algo que falta.
uma vida com tudo
ou uma vida com nada
pode dar no mesmo:
o sofrimento se mede pelo desejo
para quem não tem o que comer
o alimento na mesa é a felicidade
para quem tem alimento na mesa
a felicidade está no alimento do sonho
do coração da alma do espírito
e ambos os sofrimentos
são legítimos.



05 novembro 2020

Olhares das Feras


sim, há uma Paz profunda
nos olhares das feras
há verdades silêncios
que se ocultam por eras
saber desde o que é vida
até mortes de estrelas
o olho fogo do tigre
só ao ser se revela 
o olho gelo do lobo
em segredo nos vela

sim, há um Sangue profundo
nos olhares das feras
há tormentas noturnas
que parecem com trevas
são abutres nas árvores
de sentinelas eternas
serpentes que veem almas
de quem passa por elas
é que há um Fim profundo
nos olhares das feras...

04 novembro 2020

Não ter que dizer nada

aquilo que não. que não o quê?
que não tudo.
desde o lá ao agora que não está
ao que seja como sendo
o longínquo de um algo de dentro
o que nunca em nenhum momento
sonho que sona o meu real
o outro lado do que não o outro
além-me-ar estando aqui
pela sanga do teu quintal
flor que cheirou o meu gesto
sem tocar a minha mão
fuga drogada de um verso
ao voo do que não me fui
em estares de imaginação
o  mas do que me distância
e longos pelos teus anelos
olhos  no éter sem sê-los
que terminam em um nada
e começam em um fim
e ainda tem o outro lado
que é aquilo que sim.

01 novembro 2020

Poema de Finados (ou Um Réquiem)


Mozart morreu antes de terminar seu Réquiem
de certeza uma das músicas mais emocionantes comoventes
assombrosas já compostas nessa merda de mundo
até um cara com um coração de pedra esfarelenta
sentiria algum tipo de arrepio de pelos
ao ouvir alguns trechos rápidos
do sobre-humano Réquiem de Mozart.

Mozart finou-se antes de finalizar
a maior Música de Fim da história
ele escreveu sua própria Missa para os Mortos
e morreu aos 35 anos no abandono e na miséria
foi enterrado como indigente e se tornou imortal...
(a vida é uma puta de uma ironia)

adoecido de corpo e de incompreensão
Mozart já não podia suportar o peso
de escrever a música mais trágica de todos os tempos.
outros caras concluíram o Réquiem a partir de esboços de Mozart
mas as partes completadas apenas pelo Amadeus
já dizem tudo e fim de papo.

seu Réquiem é uma titânica súplica desesperada de ajuda
ao mundo a Deus ao universo
uma urgência em pânico daquele que aos 35 anos
era o maior gênio musical de sua geração.

mas o Réquiem de Mozart é muito mais do que 
uma poderosa súplica sobrenatural
é um monumento ao sentimento uma tentativa de salvação
da humanidade pela vivência da própria morte.
a gente se sente um pouquinho salvo
ao ouvir a mais dolorosa música
já arrancada do último amor
antes da Morte.

28 outubro 2020

Poesia não é para ser entendida

poesia é sensação, não é entendimento.
só fica o que for sentido
só fica aquele gosto de algo
nem que não se saiba do que é
(Poesia não é para ser entendida)
 que se sente e não se explica 
aura de alma que é só sugerida 
uma impressão um indício um vago pelo ar
(qual coisa é que faz sentido pela vida?)
a poesia é mais ser do que pensar

eu sou mas não estou 
na poesia que escrevo 
a poesia é como o beijo:
estraga se tentar explicar
é tudo que fica do que pode haver 
é a palavra mais forte a mais funda a mais pura 
a mais próxima do amor
pode ser trágica terrível mas é sempre bela
está no olhar da Sophie nos olhos dela
para ler poesia não há outro motivo
a não ser o de amar
seja lá o que for

essas palavras que digo
nem sei se estão comigo
assim como não sei se estarei vivo 
no meu próximo dia
mas se um deus ou deusa 
viesse nos falar 
só falará poesia.


26 outubro 2020

Não temos olhos para dentro

o gavião voa pelo céu azul
e paira no ar entre a corrente de vento
com suas asas abertas aproveitando o instante
e nós olhamos e achamos isso grande e belo

porque é a vida em seu estado puro
e a vida em seu estado puro é imensa e simples
e vivida a cada instante porque a vida é o instante
e não há outra vida a não ser o instante que se vive
e isso é simples e é grande e é belo

mas nós humanos estamos aqui
não sabemos nem ser simples nem grandes nem belos
sufocados numa existência complicada e pequena
não vivemos os instantes porque pensamos em outros instantes
que ainda não vieram e talvez nunca venham
e bem lá dentro no nosso íntimo no nosso ser
que é onde vive a vida
nós não alcançamos
porque não olhamos mais para dentro
mas só para o próximo desejo lá fora
a (não) ser alcançado.

23 outubro 2020

Cacem minha Alma

Peguem meus versos e matem a pauladas
sujem em fluídos de todas as mortes,
deixem aos pedaços pingando dos cortes,
e enterrem aos montes, não servem pra nada.

Joguem no lixo da Terra acabada,
cacem minha alma em covardes esportes,
juntem com a noite da antiga má-sorte,
deixem que caiam meus olhos da escada.

Aplausos à arte são risos mentidos,
e todo artista que se acha mui útil
já vê seu vasto nas ruas cuspido.

Homens só louvam imbecis, o que é fútil,
o verme e a merda. Tudo ânsia perdido
num ato morto de um sonho que é inútil.

20 outubro 2020

Nas Ruas de Santa Maria

o ato de caminhar pelas ruas
para quem vive é diferente de quem caminha
só pelo necessidade de caminhar 
ou pelo bem estar físico.
geralmente as pessoas caminham mortas:
ou afundadas no quem tem que fazer pelas ruas
ou afundadas na sua dita saúde
para que possam viver mais
estando mortas.

para quem vive caminhar é algo que vem de dentro:
como sentir que naquele canto da calçada
de qualquer rua do centro de Santa Maria
muita coisa já aconteceu, já houve almas ali
sendo felizes ou desgraçadas
e que tanta coisa poderia ter acontecido
e é triste o não ter sido.

as folhas rolando pelas ruas com o vento
são como facas que fere o que se olha
e fere mais ainda o que se sente
e o céu de amores e ausências se infiltra 
por entre prédios sacadas janelas e negócios
como vapores de um pântano de distâncias.

caminhar para quem vive é um ato de solidão.
e o porquê já está explicado.





18 outubro 2020

"Um urubu pousou na minha sorte" Augusto dos Anjos

 a Morte sempre esteve do meu lado
desde quando eu vivia antes de agora
pedi mas ela nunca foi embora
nem se comoveu por eu ter chorado

me olhou com seus olhos acastanhados
os cabelos pelos ombros afora 
sangue e mais sangue e mais sangue indo embora
por entre beijos de horrores e fados

hoje os dias só nos falam de morte
de tudo que parte acaba se finda
e resto de almas caçado em esporte

meus dias de vida resistem ainda
mas "um urubu pousou na minha sorte"
e a Morte... a Morte é sempre mais linda.



15 outubro 2020

Agora, estão Todos Mortos

Goethe disse que nunca conheceu um artista
tão enérgico e concentrado como Beethoven.
depois completou afirmando que
o mundo lhe deveria ser detestável e que  
"infelizmente, tem uma personalidade incontrolável".
Beethoven, que era fã de Goethe, bêbado mais tarde
não gostou dos elogios 
e mandou Goethe se foder declarando que ele, Goethe
gostava demais do ambiente dos ricos para um poeta.

sobre Van Gogh conta-se
que ele passava por episódios de profunda 
tristeza e isolamento (depressão, né)
tinha personalidade complicada (sério?)
e adorava discussões.
frequentemente causava apreensão em sua família
(que ele mandava à merda)
e só tinha amores impossíveis ou infelizes.

já Michelangelo, conhecido como "O Divino"
era desconfiado e antissociável.
tinha má digestão e dores de cabeças frequentes
o que o deixava ainda mais melancólico.
diziam os italianos que era terrível e passional 
e estava sempre puto da cara.

quanto ao borracho Edgar Allan Poe
o inventor do terror moderno
das histórias policiais e de crime
criador do poema mais perfeito da história
bom, esse era o pior.
não passava de um pinguço apaixonado 
com QI acima de 180.
como não tinha Quem lhe Indicasse
muito menos sorte ( que o diga O Corvo)
o gênio da literatura morreu na sarjeta
literalmente.





13 outubro 2020

Sorriso-máscara

aquele sorriso dos seres humanos 
salivando os dentes alvos e calvos
com lábios largos e vastos
já tocando nas costas

aquele sorriso distribuído nas ruas
e servido com bosta
de graça sem graça nenhuma
noticiado em jornais 
e em ditos progressos de governos 

sempre dando nas vistas
e nos nervos 
em telas de TV celulares capas de revistas

aquele sorriso da dita alegria da vida

de que não se duvida e a todos afaga
do ideal alcançado
da esperança elevada

aquele sorriso-máscara 

do que não adianta 
mais nada.

10 outubro 2020

Bunda Suja

ninguém assume seu próprio peido 
ninguém se olha no seu espelho 
muito menos no próprio poço 
todos só querem saber de "eu posso"
mas ninguém enxerga o "eu morro"

só queremos coisas leves 
sem preço retorno ou culpa
otimismos sorrisos sucessos 
existências fashion
e descoladas
onde pensar tornou-se um saco
e sentir tornou-se piada

queremos vidas de nada
em que se possa ter de tudo
e não se paga por nenhum ato
com os lábios até as orelhas
sem voltas sem consequências 

enfim aquela coisa
em que todo mundo caga
e ninguém lava a bunda

e a humanidade afunda

05 outubro 2020

Uma Ave Cantou na Madrugada

 uma ave cantou ontem na madrugada
eram quase 5h
de canto estranho antigo desconhecido
como se fosse um presságio um aviso um hino
(aquela ave realmente cantou de madrugada)
eu não soube que ave que era
eu que conheço tantas aves e tantos cantos
tantos sons tantas músicas tantos espantos
parecia não ser deste século milênio ou idade
soou pré-histórico não-existente algo de extinto
de coisas que morrem que partem desaparecem
parecia que vinha de florestas tombadas e paraísos perdidos
havia algo de fim havia algo de morte
um eco de tudo que foi e já não é
de tudo que é e não será
de tudo que será quando nada for
era como um grito um sangue um pranto
cheirava a sonhos ou de outros planetas
um último ou um novo sopro de vida
a morte e a donzela de Schubert
lacrimosa do Réquiem de Mozart
e foi no fim da madrugada
mas era só o começo do que anoitece
talvez fosse um bater de sino
talvez do fim do mundo
talvez do meu destino


03 outubro 2020

Breve Consideração sobre o Fim desta Humanidade

há sabedoria na natureza.
em todas as grandes extinções em massa
(e hoje já vivemos outra)
o objetivo final sempre foi
extinguir a espécie dominante 
para que outras novas espécies 
pudessem reinar.