Lentamente, o navio naufraga enquanto a festa prossegue no convés. O caos climático que assola o planeta não se manifesta de uma forma total, mas como sintomas isolados (que são cada vez menos isolados) e de acordo com uma determinada frequência (que é cada vez mais frequente). É como o progresso de uma doença. Talvez seja a doença do progresso. E esse avançar arrastado, com uma pequena alteração climática aqui, outra ali, outra acolá deixa-nos a enganosa sensação de que o clima não está mudando. Que tudo está bem. Porque o ser humano não sabe ser consciente. Possui uma consciência, mas raramente a usa. Vive inconscientemente. Porém, quando nos detivermos para observar o que está acontecendo, veremos o quanto o clima do planeta se modificou, e para pior, obviamente. É como o avanço de uma vagarosa calvície. Nem se percebe que o cabelo está caindo. De um dia para outro parece não ter mudado nada. Mas depois de meses, de anos, os resultados saltarão aos olhos. E, muitos vezes, já é tarde demais...
E nem precisamos ir longe para comprovarmos o que afirmo. Aqui no RS mesmo, sofremos com uma seca recorde de mais de 200 dias sem chover o suficiente. Rios e barragens secas por todo o Estado. Racionamento de água em inúmeras cidades, com muitas delas em estado de emergência. Imensas perdas na agropecuária.
Porém sempre surgem os “sensatos”, para os quais tudo está sempre bem, para dizerem que sempre houve secas no RS, e muitas delas bastante severas. É verdade. No entanto tais “sensatos” (os mesmos que diziam que a partir de março deste ano tudo voltaria ao normal) esquecem que tais secas eram em intervalos de vários anos. Havia uma ou duas secas severas em 10 anos. Mas agora tivemos 10 secas, sendo 8 severas, em 12 anos. E eu não me recordo de termos vivido uma seca tão prolongada. Nunca vi os rios tão secos pelo interior do Estado. Há cidades no interior que nunca permaneceram tanto tempo racionando água. Está tudo nos jornais, é só verificar. É recorde batido atrás de recorde batido. Mas para muitos, isso é só um detalhe que a humanidade tira de letra.
E quanto aos rios e demais cursos d’água, o problema vai muito além da seca. É a exploração da água para a agropecuária, é a poluição em níveis estratosféricos, é a destruição das matas ciliares, é o assoreamento... E conforme vai se perdendo o volume de água dos rios, as secas vão se agravando. Amanhã ou depois, a seca acaba, pode até vir uma enchente, mas o tempo passa e cada vez em intervalos de tempo menores surge outra seca devastadora. E assim vamos. Até onde?
E como se tudo isso não bastasse, os nossos queridos deputados e senadores aprovam um Código Florestal criminoso para contribuir com esse lindo quadro de desolação ambiental que está sendo pintado em todo nosso país. E depois, esses mesmos políticos aparecerão nos programas de TV da campanha eleitoral de 2012 com um sorriso rançoso na cara de hipócritas, garantindo que lutam pela preservação ambiental, que a educação é prioridade etc., aquelas baboseiras de sempre. Como é o caso do nosso excelentíssimo deputado Luis Carlos Heinze, do PP, que se diz muito preocupado com os problemas ambientais, mas foi um dos “cabeças” do Código Antiflorestal. Obviamente, defendendo sempre o interesse dos ricos, dos grandes latifundiários, do dinheiro que deita e rola no agronegócio, o que é típico do seu partido. E não só do PP, logicamente.
Eu me restringi ao RS porque é o que está mais próximo da minha realidade. Mas é claro que o caos climático não se restringe a somente a secas no RS, mas aos mais diversos desequilíbrios, extremos climáticos, catástrofes ao redor do planeta. E não é o caso de serem fenômenos novos (embora alguns sejam), são fenômenos que sempre existiram, porém ocorre que agora estão cada vez mais frequentes e mais graves. O que acontece gradualmente. E esse lento, insidioso avançar do caos nós pouco percebemos, se é que o fazemos. São enchentes cada vez mais intensas, verões com recordes de calor, invernos com recordes de frio, frio em épocas de calor, calor em épocas de frio, desertos que avançam sem cessar, tornados onde antes não existiam, derretimento de geleiras, frio glacial em locais não esperados... Mas nada disso importa, não é mesmo?
Afinal, é assim que caminha a humanidade.