06 agosto 2009

da Noite a da Arte


se tu te julgas
satisfatoriamente feliz
é melhor que esqueças
da Noite e da Arte
que a Noite e a Arte
pertencem
aos insatisfatoriamente tristes
aos tristemente insatisfeitos

então
larga das asas do Sonho
e deita em tua cama
de sono tranquilo
e vazio

deixa o Sonho partir só
e voar livre a toda parte
que o Sonho
é tão triste quanto a Noite
e tão insatisfeito quanto a Arte

04 agosto 2009

Poesia Velha

gata de canto holocáustico
de coruja pingando na geada:
minha poesia velha
é lâmina de espada
desembainhada

gota de choro noctívago
de neve exaurindo-se a luz:
minha poesia velha
é tigre esfomeado
arrebatando cruz

Goethe de destino fáustico
de frio naufragando no amor
minha poesia velha
é relâmpago pela janela
na festa do leitor

01 agosto 2009

As Almas do Fantástico na História do RS - Conto 1º: O Horror no Campo


(O conto “O Horror no Campo” faz parte de uma série de 7 contos que estou compondo abordando o fantástico na história gaúcha, inspirados em fatos reais, mas desenvolvidos de forma fictícia. Este foi o 1º que compus da série. Foi publicado apenas em meu zine, ainda no ano passado, mas ainda não aqui no blog. Após esse, concluí mais 4 contos, e estou no processo inicial do que será o nº6. Embora estejam relacionados, os contos são independentes entre si.)



No ano de 1631, padres jesuítas e colonizadores a serviço da Espanha, com o auxílio de índios catequizados, fundaram uma pequena colônia no interior do RS. A povoação progrediu através dos anos, chegando a possuir alguns milhares de habitantes. No entanto, conforme a colônia crescia em aparente tranquilidade, uma sombra funesta e silenciosa foi fatalmente sendo despertada nos vastos campos e matas densos de mistério que dominavam a região. Havia algo naquele local estranho que não era nem um pouco amistoso à presença daqueles habitantes estrangeiros. Uma oculta e ominosa força natural não podia aceitar os espanhóis e nem mesmos os índios que já não eram fiéis à sua origem, pois haviam se tornado cristãos...

Em alguns momentos da história humana e em determinados lugares enigmáticos de nosso planeta, a natureza revolta-se contra a existência dos homens... Foi o que ocorreu na 3ª década do século XVII em um pequeno local do então quase deserto pampa gaúcho. Aos poucos, os ventos, as águas, as terras, as plantas, os animais, todos foram lenta e furtivamente conspirando contra os padres, colonizadores e indígenas, sem que a princípio algo fosse claramente percebido.

Tudo teve seu início com a formação de uma estranha e violenta tempestade. No mês de abril de 1636, uma reviravolta assustadora no tempo devido à chegada de uma intensíssima frente fria com ventos absurdamente gelados para a época, ocasionou uma tormenta sem precedentes ao chocar-se com o ar quente que até então permanecia sobre o pampa. De uma hora para outra, gélidas rajadas de vento, uma chuva torrencial mesclada a granizo e um verdadeiro bombardeio de raios passaram a assolar a pequena povoação ainda pouco protegida.

A tempestade durou poucos minutos, porém seus efeitos foram de total destruição. As construções já concluídas ou que ainda estavam sendo erigidas foram quase que completamente arrasadas, seja pelas violentas lufadas de vento ou pela pavorosa queda de raios. Plantações inteiras deixaram de existir, anos de trabalho pesado desfizeram-se em minutos. No entanto, apesar da morte de alguns cavalos, não houve vítimas fatais entre os humanos, e logo após a tempestade acalmar-se, os povoadores reiniciaram suas atividades em busca da reconstrução.

Contudo, após a chegada da anômala tormenta, aquela região não voltaria a ser a mesma. Os dias sucediam-se se mantendo invariavelmente nublados, sombrios e intensamente frios. Neblinas e garoas eram muito freqüentes e, aliadas ao frio, aos poucos foram minando os nervos dos colonizadores. O gélido vento Minuano não dava trégua, e logo uma epidemia de uma poderosa gripe alastrou-se entre os colonizadores e indígenas, causando inclusive vítimas fatais entre estes últimos. A população principiou a reduzir-se. Os padres oravam e fitavam os céus soturnos na triste esperança de que a graça divina estabelecesse um fim àquele clima doentio, contudo foi inútil. As semanas passavam agourentas e sem o menor vestígio de sol.

Com as plantações destruídas, a fome passou a assolar os habitantes, principalmente após a estranha e desconhecida peste que dizimou o gado e os cavalos criados pelos espanhóis. Não restou alternativa, a não ser partir para a caça. No entanto, mesmo com toda a experiência dos índios e sabendo-se que a caça na região era abundante, não se conseguia abater nenhum animal realmente útil para a alimentação. Os caçadores avistavam veados, capivaras, emas, tatus, lagartos, jacus, pacas, porém de forma absolutamente inexplicável, não conseguiam abatê-los, salvo algumas aves de pouca carne. E repetia-se o mesmo insucesso na pesca. Os rios transbordantes de águas pareciam estar vazios de peixes. E se os caçadores não encontravam a caça, as serpentes encontravam os caçadores. Nunca houve na povoação tantos casos de picadas de cobras, na maioria fatais. Ocorreu ainda um caso da morte de um padre atacado por um imenso felino durante a noite, e um espanhol teve sua mão extirpada por um animal da mesma espécie. O homem acabou morrendo de gangrena dias depois.

E através daqueles dias de frio hediondo e deprimente escuridão funerária, as forças naturais foram dizimando a população de colonizadores e indígenas. E foram estes que perceberam que havia algo de errado com a natureza, que existia uma ameaça terrível e impalpável pairando nos ares daquela região. Intentaram então retornar às suas antigas crenças, às orações aos seus deuses telúricos, porém já era tarde demais, e o que quer que fosse de oculto que ali exterminava os humanos era definitivamente implacável.

As causas das mortes eram as mais variadas, todas oriundas de “acidentes” naturais ou doenças. As vitimas ou eram levadas pelas águas e morriam afogadas, ou eram atingidas por raios, ou picadas por serpentes, ou ingeriam plantas venenosas, ou morriam nas garras das feras, da fome ou do frio. Alguns ainda eram vítimas de doenças desconhecidas, ou então enlouqueciam e num ataque de demência tentavam assassinar seus companheiros, mas acabavam por eles sendo mortos.

Passaram-se cerca de 6 meses. A população inicial contabilizava mais de 4000 indivíduos, na maioria homens, mas também havia mulheres e crianças, principalmente entre os indígenas, das quais a quase totalidade já falecera. E nesses 6 meses de horror, em que o quadro funesto do clima permanecia inalterado, mais de 75% da população fora exterminada. Então os menos de 1000 sobreviventes tomaram a decisão de retirar-se daquele local amaldiçoado. Seria uma marcha difícil e penosa pela desolação daquele pampa sombrio e hostil, porém não havia outra saída.

Mas... no exato dia em que a população estava preparada para a partida, surgiu o primeiro caso de uma peste absolutamente mortífera e brutal. Os índios afirmavam que a enfermidade viera com os ares insalubres daquele tempo maldito e que consistia na arma derradeira da natureza para a aniquilação dos povoadores. Os sintomas da peste eram assombrosamente horríveis. A vitima inicialmente sofria terríveis dores de cabeça e nos olhos, além de violentas crises de febre, vômito e diarréia. Então, em questão de poucas horas, surgiam por todo corpo feridas e chagas abomináveis, imensas e repugnantes de infecção, donde vertia um líquido amarelado, viscoso e purulento, exalando um cheiro fétido e nauseabundo. A morte advinha em 3 dias.

Os casos surgiam às dezenas; mesmo assim os espanhóis e índios decidiram partir no dia seguinte aos primeiros casos. Conseqüentemente, sua marcha tornou-se uma verdadeira marcha fúnebre. Conforme avançavam pelos campos gelados, úmidos e nevoentos, deixavam um rastro de cadáveres aberradores. A peste não poupou ninguém, e após algumas dezenas de quilômetros percorridos através do horror, estavam todos mortos, apodrecendo sobre as vastas pradarias gaúchas. Porém, houve um sobrevivente. O padre Pablo Gonzalez foi o único a não contrair a enfermidade. Foi encontrado por uma tribo de índios nativos que passava pelo local e levado a uma outra redução jesuítica.

O religioso, então, retornou à Espanha e lá relatou toda a catástrofe que vivenciara. Ninguém acreditou. Preferiu-se crer que os espanhóis e os índios catequizados foram assassinados por alguma tribo indígena de guerreiros selvagens, e que o padre Gonzalez, em sua imensa piedade, optou por esconder o fato a fim de poupar a tribo de uma possível vingança espanhola, pois espanhóis e portugueses exterminavam as tribos que resistiam à catequização. Vale lembrar que quando o padre fora resgatado pelos índios, o tempo sombrio já havia passado. O dia estava ensolarado, agradável e de uma beleza radiante. Muitas décadas depois, o local da tragédia foi povoado com sucesso pelos portugueses, que, aliás, nada souberam sobre ela.

Mas... afinal, por que a natureza rebelou-se contra os espanhóis e indígenas naquela ocasião, sendo que o mesmo não ocorreu em outros casos de povoações similares? Não se sabe. O que se sabe é que, às vezes, as ocultas e insondáveis forças naturais decidem varrer os representantes humanos de determinado local. E, talvez, em breve chegue o dia em que essas mesmas forças decidam varrer toda a humanidade de todo o planeta...

30 julho 2009

Que Não Diga Nada

um poema que não diga nada
e que morra e nasça como a velha noite
e que sempre volte como insano inverno
que se retrai se expande
como eterno cosmos
um poema quieto
sempre surdo ao mundo
só pra ventar na chuva
só pra soprar no sol
que nas almas longas
nutre as vidas curtas
um poema que se esvai se esconde
como tudo aquilo que não surge e vem
pra deixar que falem que na morte riam
e que bebe rios e se oculta em pedras
onde pisa o homem e não vê a água
como toda coisa que já surge e some
como largo louco que já sonha e é
como luz que vive sob a morte lógica
um poema nulo que se não aceita
que não diga nada...
mas que veja tudo

28 julho 2009

do Horror

ser humano
é ser fracassado
por isso
entre o tudo que não existe
dou-te este poema
fracassadamente triste

mas se minha tristeza
não é suficiente
olha pra o mundo...

eu dou-te aquilo
que não perdoa:
eu dou-te a culpa

que troa

eu dou-te aquilo
que sempre surge:
eu dou-te o erro

que ruge

eu dou-te aquilo
que nunca passa:
eu dou-te a dor

com a taça

eu dou-te aquilo
que sempre é firme:
eu dou-te o medo

e o crime

eu dou-te aquilo
que não se apaga:
eu dou-te o mal

com a chaga

eu dou-te aquilo
que é sempre igual:
eu dou-te a morte

triunfal

eu dou-te aquilo
que nunca esquece:
eu dou-te o Fim

sem prece

e se mesmo assim
tu me disseres
“com todo horror
eu não chorei”
eu te direi
que até nisso
até nisso
eu fracassei

26 julho 2009

O Poema Pior

que fosse o poema mais sombrio
transbordante de todo escuro
dos negros futuros humanos
que fosse o poema pior
o mais mal dito
o mais mal feito
desprezado e mal falado
que não arranque nenhum sorriso
de prazer ou de beleza
que não traga nenhum efeito
de moderno ou de verdade
aquele que se tu tens febre
torne ela ainda maior
cheio de tudo que perdeste
pleno do nada que viveste
um frasco de palavras com veneno
quero um poema que te faça mal
que se vire a cara
que se feche o livro
que se não aceite
com risinhos de deboche
um poema antipático
feio de amargura e de cansaço
um poema onde se estampe
a pequenez da humanidade
e a imensidão do seu fracasso

24 julho 2009

A Misteriosa Aproximação

"Furioso delírio se apossava de todos os humanos, e, com os braços rigidamente estendidos para os céus ameaçadores, todos tremiam e bradavam desesperadamente... E assim tudo se acabou." Edgar Allan Poe

O maior erro da humanidade é o esquecimento. Esquecemos o que há de mais vital, tudo se perde nos vendavais do tempo. Como escreveu certo sábio, “Não aprendemos as lições da vida nem a canhonaços”. E se esquecemos os “canhonaços”, como lembrar de discretos sinais que parecem nos dizer tão pouco, leves insinuações do desconhecido? No entanto, tais sinais, que falando pouco dizem muito, estão constantemente presentes em nossas vidas, e, muitas vezes, nem os percebemos. E quando o fizemos, logo são completamente deixados de lado, como se por serem tão “pequenos” e passageiros não merecessem maior atenção. Assim é o ser humano, sempre desprezando o que é sutil... Mas... a que preço?

Se dispensássemos a devida atenção aos sinais, compreenderíamos, por exemplo, o porquê de na mitologia nórdica o deus supremo Wotan ter necessitado morrer enforcado em uma árvore sagrada para adquirir conhecimento, e, no cristianismo, Cristo ter necessitado morrer crucificado para finalizar sua doutrina. É claro que tais sinais são profundamente simbólicos. E com a misteriosa Aproximação não foi diferente; também se manifestou a princípio com sutis sinais bem pouco reconhecíveis, sinais enigmaticamente simbólicos.

No princípio surgiu uma estrela. Uma estrela nos céus do hemisfério sul que brilhava um pouco mais que o convencional, qualquer indivíduo que olhasse para os céus no começo da noite já perceberia o intenso e intrigante cintilar daquele incomum astro. Porém, naturalmente, ninguém deu atenção ao fato, e tudo foi considerado como absolutamente normal. É claro que este não foi o sinal único que funestamente prenunciara a devastadora Aproximação, muitos outros ocorreram, todos igualmente imperceptíveis para a quase totalidade da humanidade, mas creio ser desnecessário mencioná-los agora.

O certo é que conforme a Aproximação se concretizava, lentamente, imensas tragédias, catástrofes, desastres, fossem eles naturais ou provocados pelo homem, foram se desencadeando, em um ritmo mais e mais acelerado. Até que em certo dia extremamente aziago para a raça humana, Ele foi visto pela primeira vez, ao longe, como um outro sol que surgia no horizonte carregado de maus-presságios. E então, todos os engodos das autoridades e dos senhores responsáveis por nossa mal fadada ciência caíram por terra. Restou tão somente a trágica realidade dos fatos, e a Aproximação daquilo que brilhava sinistramente diante dos olhos estupefatos da humanidade doente.

A partir desse instante, o medo, o pânico, o desespero absoluto dominaram os seres humanos, compreendendo-se definitivamente que a situação era muito mais grave do que se poderia imaginar. Pior do que isso, era catastroficamente inexplicável.

À medida que a misteriosa Aproximação tornava-se mais e mais visível, gigante, ameaçadora, em todos os cantos da Terra procurava-se encontrar respostas e possíveis soluções para o que estava ocorrendo, porém, não se dava um passo a frente, talvez, só para trás. Pensou-se, por exemplo, em utilizar-se poderosíssimos artefatos nucleares para evitar-se a tragédia maior, o que se revelou um imensurável desastre. Enfim, só o que se pode afirmar é que todos os intentos e planos e invectivas do homem para se evitar o inevitável resultaram em trovejantes fracassos.

Os anos foram passando de forma arrastada e lúgubre, enquanto a humanidade afundava-se em um estado caótico de verdadeiro horror. Gradativamente, os homens foram sucumbindo em meio a mais atroz loucura coletiva já presenciada, em um desespero de se arrancar os cabelos. Descrever aqui todo o horror vivenciado naqueles dias seria algo impossível... e absurdamente cruel.

Só o que posso dizer é que a intensificação de todas as espécies de catástrofes, as mais inimagináveis, as mais absurdas, as mais devastadoras desencadearam-se na exata proporção matemática da sinistra Aproximação. Na dantesca ignorância sobre o que estava ocorrendo, compreenderam então os homens que todas as suas certezas sobre suas próprias existências não tinham mais o menor sentido, tudo se desmoronou de uma hora para outra. E a humanidade engolia em seco sua ilusória segurança da estéril racionalidade.

E o terror cósmico da Aproximação concretizou-se de forma canhestramente fantástica. O pavor reinava absoluto para onde quer que se olhasse, já que nosso céu já não era nosso céu, era outro, um monstro tenebroso. Ali estava Ele, inaceitável imensidão alienígena, em sua órbita elíptica gigantesca, em sua verdade descomunal e cíclica. Na sua esmagadora opressão atmosférica e gravitacional, todo o sangue da Terra voou pelos ares, inflamou-se ao extremo a alma planetária, e sua febre de doente terminal derramou-se como lava sobre seus filhos em negra decadência.

Era a Aproximação do Terror inominado. E toda a abóbada celeste incendiava-se em um fulvo-escarlate de um vivo e marcial vermelho enegrecido.

Mas por agora... isso tudo é ficção, e eu sou um louco que não devo ser levado a sério.

22 julho 2009

Re-volta

é re-voltantemente
revoltante
dos mais revoltosos
ideais

re-tornando-me
desesperado
de onde jamais fui
foi a minha re-volta
revolucionando-se
a galácticas alturas
infernais

respirei-me
o sopro das esferas
em dramáticos re-volteios
estertorantes
e finais

agora
re-torno
a ser em fim
e a ouvir revolteado
revolto
a revolta sentença
onde se diz que Vós
vos re-voltais

20 julho 2009

Pintura do Fim

na tela dourada
imensa cidade
pintada
tão vasta tão alta tão bela
em vasto céu em alto azul em belo sol
cigarros e carros horários
conversas compadres contentes
sorrisos safados só risos
trabalhos tratados trapaças...

Pintura:
mirífica mecânica metrópole
mas...
no quadro
pintado
no canto
pintada
escura
a nuvem
vem vindo
tão negra
lá em cima
eu noto
no quadro
no alto
pintada
a nuvem
pequena
que cresce
tão rápido
e nunca
no nunca
alguém
ninguém
a vê
que vem

17 julho 2009

A Criatura que Não Deveria Existir

Foi naquela noite de lua cheia que a vi. E desde então a criatura nunca mais saiu de minha vida. Eu sabia que aquela noite seria anormal, senti-o naturalmente logo aos meus primeiros passos pelo início da fria madrugada. Havia algo de estranho, de anômalo pairando nos ares, algo indefinível... Um aroma não identificável se alastrava com a brisa gelada que provinha do sul. Eu caminhava rápido para aquecer o corpo em uma rua pouco iluminada, quando escutei o som de passos lentos em um pátio. Detive-me para identificar de onde advinha o som e voltei minha atenção para uma tranqüila residência ao meu lado. Era ali que estava a criatura.

Ela se aproximou um pouco de mim e olhou-me de forma assustadoramente fixa. Mirou o fundo de meus olhos, como se pretendesse decifrá-los, decifrar minha alma através deles, e creio que deve ter conseguido. E eu ali permaneci, hipnotizado, extático, insano, contemplando como um lunático aquela criatura absurda que não deveria existir...

Então ela baixou a cabeça e dirigiu-se para os fundos da casa. Por alguns instantes eu ali fiquei, absorto nas terríveis sensações causadas pela visão daquele ser. Não sabia o que pensar. Não cheguei à conclusão alguma. Então retornei para minha casa, perdera todo o ânimo para prosseguir na caminhada. Aquela criatura não deixava minha mente nem por um segundo, a impressão que me causou foi imperecível, intensíssima, absolutamente devastadora. Foi como um furacão que arrasasse uma ilha desprotegida. A imagem inacreditável do ser que vislumbrei iria me perseguir por todos os meus dias, estava quase certo.

E naquela noite não consegui dormir. Passei-a em claro, e ao levantar da cama exausto de tanto pensar na criatura, tentei ir ao trabalho, e também me foi impossível. Decidi voltar a caminhar pelas ruas, profundamente abalado. Seria até mesmo possível que encontrasse novamente a criatura, não havia como excluir esse sombrio pensamento. Não a encontrei, no entanto. E finalmente o sono principiou a cair sobre meu organismo exaurido. Retornei a minha casa e atirei-me quase morto na cama; já havia anoitecido.

Dormi, porém não encontrei alívio a minha profunda perturbação. Tive sonhos e pesadelos insanos, verdadeiramente transtornados. É claro que em todos eles estava presente a criatura absurda, aquele olhar terrível, sempre escrutando a integridade de meu espírito. Naqueles estados oníricos, perambulei pelos mais estranhos lugares, por desconhecidas regiões de assombro, por locais tão estranhos e insólitos como a própria visão que tive, como aquele próprio ser de existência não admissível.

O que vi em meus sonhos e pesadelos situam-se muito além da compreensão humana. Eu mesmo não os compreendi, apenas os senti com uma intensidade psíquica arrebatadora, não sei se doentia ou salutar. O fato é que acordei ainda mais perturbado do que quando fora dormir. Levantei por volta do meio-dia e mal consegui almoçar. Após tomar banho, senti-me um pouco melhor e decidi novamente realizar uma caminhada pelas ruas ensolaradas e de temperatura agradável. Talvez conseguisse afastar de meus pensamentos e emoções a lembrança massacrante daquela criatura.

Andando sem destino e cantarolando melodias de Brahms para reconfortar minha alma, parecia que havia logrado esquecer minha visão sentenciosa. Mero engano. Definitivamente, a lembrança da criatura inaceitável vinha ao meu ser com uma fúria apocalíptica despertada pela própria luz do sol, pela própria melancolia da música de Brahms. A criatura era uma maldição, e eu, sua vítima. Compreendi naquele instante que não haveria saída para minha alma. Ela havia se tornada possuidora de meu espírito. Eu estava perdido, e uma força invencível ordenava-me a buscá-la por todos os meus dias.

E eles foram passando de forma fatídica, porém, após aceitar minha maldição, fui gradativamente equilibrando-me psiquicamente, tentando manter uma existência normal. No entanto, ainda que eu retornasse a minhas tarefas rotineiras, jamais poderia viver normalmente como antes. A todo instante a lembrança da criatura invadia-me como uma tempestade, e somente a arte aliviava-me de tão terrível força. Eu via seus olhos abrasadores em todos os lugares. Sua face absurda perseguia-me por todas as horas, como que me ordenando a buscá-la de forma irresistível, demente e inexplicável.

A questão era onde encontrá-la, como encontrá-la e por que deveria fazê-lo, mesmo sabendo o sofrimento insuportável que seria mirar naqueles olhos catastróficos. Passaram-se meses desde o dia em que a vi, e é claro que durante todo esse período eu procurei a criatura exaustivamente, rondei a residência onde a havia visto como um tigre ronda sua presa. Porém, eu era a presa. A vítima forçada a procurar pelo seu próprio martírio...

Pois eu procurei a criatura como um louco e jamais voltei a vê-la. Mesmo pensando que era impossível vê-la outra vez, que tudo poderia consistir em tão somente uma medonha alucinação, a força magnética da maldição real ou imaginária caída sobre mim era definitivamente insuperável. Em minha mente, em minha alma vivia apenas uma lei: buscar a criatura, por mais hediondo e torturante que isso fosse para mim.

E como isso era perturbador, como eu atravessava meus dias em constante tormento, meu sofrimento tornava-se intolerável dia após dia. Nenhum outro ser humano poderá ter ideia do que é viver de instante a instante com a imagem daquela criatura sempre presente de forma funesta em meu espírito, que não encontrava descanso. E pior do que isso: presença que me dominava e outorgava-me imperativamente a buscá-la, mesmo que isso fosse contra a minha real vontade...

Ou será que era minha real vontade? E se a minha vontade fosse a de encontrá-la infatigavelmente, porém de uma forma inconsciente, que para mim se mascarava através de uma suposta ordem advinda de um ser sobrenatural? Não sei, não posso responder, talvez jamais consiga... O fato é que a vi pela segunda vez...

Era uma noite como a primeira, a mesma lua luminosa e imensa, o mesmo clima denso e estranho. Eu passava pelo mesmo local, sentindo no rosto a mesma brisa fria... e lá estava a absurda criatura, exatamente à mesma hora da vez anterior... Detive-me atônito e enlouquecido diante daqueles inimagináveis olhos que me dominavam invencivelmente. Nem saberia agora descrever o que senti naquele instante. Apenas digo que a totalidade de meu ser quase foi consumida ao suportar por uma segunda vez aquela extrema visão. E então, como antes, a criatura que não deveria existir baixou sua inacreditável cabeça e dirigiu-se lentamente aos fundos da casa.

Eu a havia visto pela segunda vez... Como o mundo não acabou após isso. Como não morri? O que seria de minha existência a partir daquele momento? Eu jamais poderia imaginar que houvesse neste planeta uma visão tão terrível e avassaladora... Mas... creio que chegou o instante de eu tentar revelar o que, afinal, era essa visão. Sem dúvida, é uma visão verdadeiramente terrível! Porém, o terrível pode ser o supremo horror ou a suprema beleza. No caso da criatura absurda, não, não era a suprema beleza. Era mais, muito mais do que isso, talvez nem mesmo se possa aplicar àquele ser a palavra bela, ou sublime, ou celestial, ou qualquer outra palavra de qualquer língua. Todas serão sempre infinitamente inferiores, incapazes, impotentes. Talvez somente os anjos a saibam defini-la...

Eu vi uma mulher absolutamente divina? Uma deusa no sentido mais puro e pleno da palavra? Ou foi exatamente o contrário? O que contemplei foi um ser feminino incomensuravelmente infernal, tão demoníaco a ponto de desvelar ante meus miseráveis olhos mortais tão impiedosa beleza? Certa vez, li, não lembro em que amaldiçoado livro, que quando algumas criaturas de beleza absurda aparecem na terra, algo de extremamente trágico está na iminência de acontecer com a humanidade...

Aquela criatura não deveria existir, e se existe, jamais deveria ter se apresentado diante de mim... Por que eu? Como posso suportar tamanho tormento? Como, por um só instante, deixar de acatar qualquer ordem que ela incuta em minha alma de alguma forma desconhecida e subliminar? Como deixar de buscá-la? O que será de minha vida após essa 2ª visão? Só sei que prosseguirei com minha busca alucinada. Porém, quando eu a ver pela 3ª vez, e eu a verei, estou certo disso, quando eu a ver pela 3ª vez, não será somente uma visão... Vou preparar-me e tomarei uma outra atitude... uma outra suprema atitude.

15 julho 2009

Soneto Para Depois do Sono

o que será de mim depois do sono
que astro em chama me olhará no outro dia
qual sol ouvirá a minha voz vazia
que verso virá do que em mim outono?

mas o que é que do meu destino é dono
qual igual seguirá a minha sangria
qual caminho qual estrada em que via
quais das mesmas ruas eu sempre tomo?

que alta lei retornará ao meu olhar
que mão divina desfará meus laços
quem comigo se arriscará no mar?

quem beberá sangue a meus olhos lassos
por qual sublime então irei chamar
quem é que irá me segurar nos braços?

13 julho 2009

a um Anjo

ó Tu, Anjo
que quanto menos dizes de ti
mais comigo tu és
inspira-me com teu não-eu
esteja-me em tudo que falto
consiga-me em tudo que falho
conheça-me em tudo que esqueço
que tu sendo tu sou eu

sou eu que ao nunca me lanças
és tu que ergue-me em lanças
aos perigos das alturas da morte
que se assoma como tu te ocultas
e nos surge nas sombrias curvas
nestas curvas que te esquecem todos
nestes finais em que te elevas grave
como o verbo em que vibrei teu nome
além do amar em que filtrei-me o mal
além das forças que ao olhar triunfas...

que as noites sejam comigo leves
e contigo me leves...

10 julho 2009

No Mistério do Eterno Retorno (Parte Final)

Então, percebendo as extremas alterações, desviei meus olhos do animal para ver o que ocorria ao meu redor, e para meu estarrecedor assombro, todos os elementos da floresta passaram a se modificar numa rapidez inaceitável. Árvores morriam e eram substituídas por outras que cresciam em inenarrável aceleração. Surgiam animais como que do nada e desapareciam de maneira tão rápida que eu nada saberia dizer sobre eles. Chovia em questão de segundos, ou menos que isso, e logo surgia o sol. Dias e noites se sucediam como relâmpagos, e tudo se alterava de maneira cada vez mais veloz. Até que não tive dúvida de que se tratava de uma inexplicável aceleração do tempo...

E eu ali permanecia estático, com somente a árvore e o felino diante de mim, enquanto ao meu redor nada continuava igual nem por uma fração de segundo. De modo que pude ver a presença de homens na floresta, e o número crescia incessantemente. E após, percebi que tais homens destruíam a mata, matavam os animais, e logo já se avistavam construções cujo número aumentava espantosamente. E o rio corria a meu lado, e em suas águas, grandes barcos desciam em absurda velocidade. E quando voltei meus olhos à direita, já não havia mais floresta, havia agora uma cidade habitada por milhares de humanos, e a cidade crescia em um ritmo assustador. E prédios gigantescos assomavam diante de meus olhos, e passei a vislumbrar máquinas estranhas que se moviam sozinhas, cada vez de maneira mais rápida, e então vi outras máquinas absurdas que voavam frenéticas pelos ares, como gigantescos pássaros de ferro.

E os ares foram escurecendo, cada vez mais cinzentos, e o rio foi reduzindo sua extensão, suas águas foram perdendo força, tornando-se cada vez mais sujas, imundas. No entanto, eu ali permanecia, com a árvore e o felino, sem que ninguém nos visse ou percebesse a nossa presença. Era como se estivéssemos em outra dimensão, jamais afetados pelas ocorrências exteriores.

E, finalmente, uma cidade hercúlea, ciclópica, caótica, infinda e superpovoada ergueu-se diante de meus olhos atônitos, e soube, não sei como, que ela era uma cidade de um país chamado Brasil, e que o rio ao meu lado, agora podre e morto, chamava-se Tietê. Porém, a corrida do tempo não cessou. Após a cidade atingir seu auge, vi o seu declínio vertiginoso, a sua destruição, contemplei a sua ruína causada por devastadoras catástrofes, por guerras monstruosas, por calamitosas doenças, vi a morte imperar absoluta, vi terremotos e dilúvios brutais, explosões inimagináveis, furacões de fúria infernal, enfim, vi o fim definitivo de toda a cidade, a morte de todos seus habitantes. E somente o que me ocorria era ver, porque todos os meus outros sentidos pareciam neutralizados. Eu nada ouvia, não sentia nenhum cheiro, nem frio, nem calor, nada além das visões.

E atingi o instante, sempre seguindo a progressão de absurda velocidade do tempo, em que ao meu redor não existia mais nada, em definitivo, a não ser um infindável deserto de uma matéria horrível e informe, que transmitia total desolação, sob um céu intensamente vermelho, em chamas eu diria, até que finalmente veio o fogo. Uma combustão apocalíptica e insalubre apoderou-se da massa informe e indeterminável e consumiu tudo. Então, nesse instante, o imenso felino, que continuava me fitando, para a expansão de meu assombro, o felino, ou algo ou alguém através dele, falou:

- Agora está concluído. Em breve virá o grande recomeço. Quando tu, amigo, chegaste até aqui, eu vivia em uma interminável floresta intocada e plena de vida. Mas o tempo passa, como aceleradamente presenciaste. E, talvez, tenhas te perguntado para onde foram todos os vegetais e animais que aqui existiam. Pois eu digo que seus corpos físicos foram aniquilados, porém suas almas permanecem, continua o ciclo da existência em uma outra dimensão do infinito universo, numa transmigração de acordo com as leis cósmicas. Lá, aguardam o momento preciso em que deverão voltar e “reconstruir” a gigantesca floresta que ocupou estas terras. Como a água que é evaporada pelo sol e depois retorna como chuva. É a sábia lei do Eterno Retorno.

Nesse momento, deixei de ouvir a humana voz do felino e de ver qualquer coisa. Creio que adormeci ou desmaiei... Não sei. Só o que sei é que quando retomei a consciência, eu me encontrava em uma imensa embarcação, em um navio pertencente a uma esquadra, que singrava o mar e se aproximava de uma terra desconhecida, da qual somente se avistava uma vasta e infindável floresta...

Após alguns instantes de verificação, pude comprovar, ao menos para mim, aquilo que intuitivamente suspeitava. Aquelas terras estavam sendo descobertas mais uma vez, tudo estava se repetindo. Já haviam sido descobertas na anterior civilização, cujo fim contemplei, por um homem chamado Cabral. Agora, quem realizaria a nova façanha chamava-se Labrac. E lá, adiante, eu podia vislumbrar a colossal floresta novamente erguida e vitoriosa, conforme profetizara aquele fantástico felino... “Não há nada de novo sobre a terra...”

09 julho 2009

No Mistério do Eterno Retorno (1ª Parte)


No mês de março do ano de 1547, cheguei pela primeira vez às vastas terras daquela nova e magnífica região. Sendo eu um eterno apaixonado pela natureza e por suas mais diversas manifestações, possuía apenas um único objetivo ao deixar a Europa para visitar aquelas surpreendentes terras a pouco descobertas: conhecer, através de um contato direto e perdurável, toda a sua fantástica e paradisíaca flora e fauna, alucinado como estava pelas quase sobrenaturais histórias que me eram narradas na Europa a respeito das luxuriantes florestas e dos deslumbrantes e estranhos animais que aqui existiriam.

De modo que ao chegar ao meu destino, não perdi tempo em organizar uma expedição para me acompanhar em uma excursão ao interior de uma floresta que aparentava ser infinita e cujo aspecto monumental e misterioso irradiava uma terrível sensação de estarmos diante de algo absolutamente sobre-humano, e que, por isso, deveríamos respeitar e reverenciar como os próprios deuses.

Diferentemente do que geralmente ocorria, minha pequena expedição não tinha nenhum interesse de exploração econômica ou científica, mas, ao contrário, consistia em algo de puro interesse contemplativo, artístico e poético, eu diria, apenas para satisfazer e elevar a alma com tão majestática grandeza, cujos inextrincáveis enigmas e mistérios me seduziam de forma arrebatadora.

Aos poucos, com certa dificuldade, mas também com imenso prazer, ao menos de minha parte, eu e meus companheiros fomos penetrando naquela vegetação exuberante e infindável, que aparentava ser o cenário de alguma nebulosa lenda mitológica. Instantes depois, tomado de uma fascinação que me exaltava a consciência, sem saber esclarecer como, vi-me, em determinado momento, sozinho em meio à labiríntica selva. Todos os meus companheiros haviam desaparecido, não ouvia mais suas vozes ou passos ou o som de suas ferramentas para abrir passagem na mata... Agora, era só eu e a natureza selvagem e monárquica. Longe de sentir-me amedrontado, fui invadido por uma sensação de puro êxtase e tranquilidade, que me fez prosseguir por entre a vegetação estranhamente emocionado e confiante...

Ao longo de meu percurso, em que avançava lentamente, passava ao lado de gigantescas árvores de aspecto solene que deixavam a impressão de moverem-se em minha direção, como que me observando na curiosidade de entender a minha presença naquele mirífico local, muito provavelmente sendo pisado pela primeira vez por um membro da civilização européia. Encontrava-me cercado pelas mais estranhas e exóticas formações vegetais, ouvia maravilhado os esplêndidos e bizarros cantos de aves absolutamente desconhecidas, alguns belíssimos e celestiais, outros verdadeiramente assustadores. Mesmo em completa solidão, não me sentia solitário, era como se todos aqueles seres desconhecidos consistissem em companheiros confiáveis e conscientes de minha presença, e eu tinha a esquisita impressão de que esta não era por eles considerada hostil...

O dia, um tanto quente, mas cujo calor era pouco percebido no frescor daquela sombria e fechada floresta, resplendia com um sol titânico que imperava no céu de manto plenamente azul. Ventava uma brisa salutar por entre a vegetação, e com ela miríades de perfumes e aromas que se poderia afirmar terem vindo do paraíso, ou de outras regiões celestiais... Creio que não devia passar das 9 horas da manhã, quando vi o primeiro mamífero na floresta, justamente no momento em que me deliciava com os perfumes e incensos naturais. O animal era algo como um pequeno cachorro, semelhante à raposa européia. Olhou-me fixamente, para em seguida prosseguir em seu caminho com absoluta tranquilidade. Enquanto isso, a complexa sinfonia dos pássaros prosseguia. Infinidades de borboletas multicores e outros insetos inconcebíveis esvoaçavam pelos ares, ao mesmo tempo em que eu verificava que já me encontrava com a roupa molhada devido ao contato que tivera com o orvalho cintilante que gotejava de todas as folhas e com as etéreas névoas de umidade que se alastravam por entre as árvores. Simultaneamente, eu podia avistar um sem-número de aves nunca vistas ou descritas, em um espetáculo estonteante e comovente.

Sentia-me imerso em outro mundo, em um selvagem universo de magia, absolutamente olvidado por toda civilização humana. À medida que avançava mais e mais por entre a densa e sonora floresta, o número de animais que avistava foi aumentando consideravelmente, e o espetáculo de uma inaudita e estarrecedora natureza dominou-me de forma perene, tanto que eu quase não me recordava do fato de que me encontrava isolado em um ambiente, além de mágico, potencialmente perigoso, cujos perigos eu desconhecia quase que totalmente.

No entanto, isso não me preocupava, pois sou dotado de um espírito sonhador e apaixonado, jamais prático e calculista. De modo que não senti medo ao avistar enroscada em um alto galho uma imensa serpente esverdeada que calmamente me vigiava. Então, passei a despender mais atenção às copas das árvores e agora contemplava pássaros absolutamente inacreditáveis, de uma plumagem quase sobrenatural, com variações e combinações de cores que pareciam ter surgido da mais louca imaginação. E tudo se transformou em uma eufórica gritaria agradabilíssima emitida por aquelas aves de enormes bicos multicores, tão deslumbrantes que jamais pensei pudessem existir.

Avistava ainda pequenos felinos, diversos tipos de répteis, roedores, alguns gigantescos, e inimagináveis macacos, alguns muito pequenos, um tanto estranhos e diferentes de tudo o que já conhecera, extremamente curiosos, ágeis e irrequietos, com espessa pelagem brilhante e de várias cores, algumas chegando a um encantador dourado, de aspecto um tanto delicado e simpático. Também me impressionou a visão daquele imenso animal caminhando por entre a mata, assemelhando-se levemente a um cavalo baixo e gordo.

Após mais algum tempo de difícil, porém deleitosa caminhada pela floresta, principiei a ouvir o som de correntezas. Guiado pelo som, atingi as margens de um colossal e belíssimo rio. Então pela primeira vez senti verdadeiro medo, pois ao olhar ao alto de uma imponente árvore de flores vermelhas e amarelas divisei, em um de seus galhos, um enorme felino muito semelhante a um leopardo, talvez um pouco maior. O animal me observava de forma fixa, e eu, extático e assustado, mantive-me imóvel, mirando os olhos da fera detidamente. A partir desse instante não sei dizer o que ocorreu comigo, se foi realidade ou alucinação. Só o que sei é que permaneci ali com os olhos cravados no felino, e ele com os seus nos meus, enquanto o cenário se modificava de forma absurda, em uma velocidade vertiginosa. Somente o que permanecia inalterado era minha localização, a do felino e a da árvore em que ele se encontrava semideitado...


Amanhã, a parte final.

07 julho 2009

do Impossível

sou o que não sou
por isso irei chegar
onde jamais chegarei
e onde chegar
se chega não se podendo
e ainda que não poderei
irei ir sentindo
e sendo
que só o impossível
é que vale a pena
que não sendo pessoa
minha alma é imensa
acordando pequena
que ali onde não estive
é onde sempre cheguei
e se um dia vivi
é porque fracassei
e tudo que ninguém dirá
alcançarei em silêncio
para entregar a ti
e quando estiver certo
que em tudo falhei
eu criarei:
consegui.

03 julho 2009

Transbordamento

as águas de tudo que sinto
transbordam das sangas
rios
oceanos
como num tsunami holocáustico

as lavas de todas minhas ânsias
se jorram dos picos
cumes
montanhas
como num vulcão catastrófico

as luzes de todos meus sonhos
se espalham por campos
terras
planetas
como uma final bomba atômica

por que então minha arte
se deve conter
dentro das regras?

02 julho 2009

Pensamento Mágico X Pensamento Mecanicista


A Índia e o Hinduísmo (ou a superfície de um Hinduísmo degradado) estão na moda agora, graças à novela da Globo. Aproveito então, para deixar algo sobre o assunto.

O Hinduísmo tem, ou tinha, um pensamento mágico sobre o universo. Eu não irei afirmar se é correto ou se não é. Melhor que cada um chegue a sua própria conclusão. A verdade é que graças a esse pensamento mágico, os hindus, antigamente, consideravam todos os seres vivos como sagrados (não que agora isso tenha acabado totalmente, mas se modificou bastante, degenerou-se em grande parte, como tudo em nossa civilização).

Durante séculos, milênios, os hindus conviveram em harmonia com a fauna e a flora de seu país. Esse pensamento mágico, que a “ciência” ocidental consideraria equivocado, antiquado, retrógrado, “não-científico”, em realidade era muito mais avançado em relação ao pensamento mecanicista que infestou nossa civilização após o fim da Idade Média. Para os antigos hindus, todos os seres possuíam alma, e por isso deveriam ser respeitados. Deveríamos conviver com a natureza e respeitá-la, não dominá-la ou explorá-la egoicamente.

Porém, nos séculos XIX e XX, os ingleses invadiram a Índia, e o pensamento mecanicista do ocidente, para o qual tudo era visto como uma máquina perfeitamente explicada pelo homem, deslumbrou-se com toda a riqueza da natureza indiana. Deslumbrou-se não para contemplá-la ou conviver harmoniosamente com ela, mas para dominá-la, conquistá-la, retirar dela até sua última gota de vida e de riqueza. Pois, para o pensamento dito “científico” do ocidente naquela época, a alma não existiria nem no homem, muito menos em outros seres, considerados “inferiores”.

O resultado foi o massacre impiedoso da então abundante fauna e flora da Índia. Florestas foram dizimadas; elefantes foram escravizados para retirar da própria floresta as árvores derrubadas. Tigres, leões e leopardos foram exterminados para serem exibidos como troféus. Veados-almiscareiros eram mortos para virarem perfume. Macacos de diversas espécies eram abatidos pelo simples prazer de matar. Esse era o pensamento “correto” para os ocidentais: extirpar da natureza tudo o que nela houvesse de vida, submetê-la à vontade superior dos homens, vencê-la como se ela fosse nosso maior inimigo.

Foi assim só na Índia? Óbvio que não. Eu nem necessito mencionar o resto... Hoje, colhemos os negros e podres frutos do “correto”, do "verdadeiro" pensamento mecanicista. O planeta morre. Isso é tudo. Enquanto o “equivocado” e “retrógrado” pensamento mágico ainda é visto com desdém, ou ridicularizado. E assim caminha a humanidade...

30 junho 2009

Ninguém...

cheguei a todo lugar
onde chegar já não chega
fui além do além do não ido
com tudo que tinha de mim
com minha alma e arte
com minha sombra e rastro
e já não pude voltar
quando cheguei ao fim

em meu nada levei o todo comigo
estive à beira de tudo que é alto
pisei ao extremo daquilo que é abismo
e ninguém soube e ninguém viu
disse o que não é ouvido
apostei o tudo que não tinha
e meu número nunca saiu

voei meu sonho ao proibido
fervi meu sangue com veneno
senti além do que em mim não coube
escalei sem corda o topo do absurdo
alcei-me ao ponto de um limite que não há
e ninguém viu e ninguém soube...

600 milhões de casos de gripe comum todos os anos...

A mortalidade da gripe suína é bastante irregular de país para país. No Brasil, por exemplo, por enquanto é baixíssima, estando abaixo de 0,2%. No México, está acima de 1%, e na Argentina chega quase a 2%. Porém, na média mundial atual, segundo o OMS, está em 0,6%, dentro dos padrões da gripe comum.

No entanto, o que não se pode é divulgar a informação calamitosa de que a gripe comum tem mortalidade de 5%. Segundo a OMS, a gripe comum ataca cerca de 600 milhões de pessoas por ano em todo mundo. Se tivéssemos um índice de mortalidade de 5% na gripe comum, teríamos 30 milhões de mortes pela gripe todos os anos. Seria uma pandemia superior à da gripe espanhola, que matou entre 18 e 20 milhões de pessoas em um ano, a mais letal pandemia de gripe de que se tem notícia. Uma pandemia superior a essa, seria um verdadeiro desastre humanitário.

Creio que na ânsia de tentar convencer a população de que a gripe suína não é tão grave como se imaginava, os veículos de informação estão superestimando a gravidade da gripe comum. Querem desfazer um monstro e acabam criando outro.

29 junho 2009

Gripe Suína é mais Letal

Folheando o jornal Expresso Ilustrado, deparei-me com uma informação absurda. A de que o gripe comum possui um índice de mortalidade de 5%. Se assim fosse, teríamos milhões de pessoas mortas pela gripe comum todos os anos. A gripe espanhola que no passado matou cerca de 18 milhões de seres humanos ao redor do mundo apresentava uma mortalidade de 4,5%.

Na verdade, segundo o infectologista da Beneficência Portuguesa de São Paulo, Renato Grinbaum, o índice de mortalidade da gripe comum encontra-se na faixa de 0,5 a 1%, enquanto que o da gripe suína está numa faixa entre 0,5 a 1,5%, dependendo da região do planeta. Mas como ela ainda está em processo de expansão, não se pode estabelecer com precisão sua taxa de letalidade. Mesmo que a diferença seja mínima e não muito significante, a gripe suína é um pouca mais letal que a comum, e não o contrário, como afirmou o jornal santiaguense.

Sugiro que o jornal Expresso corrija a informação veiculada.