20 setembro 2010

(arco) Íris

gavião azul
em limoeiro escuro:
flor lilás.
os meus versos brancos
vêm de castanhos olhos
para o sol voltados:
revoltadas flechas...

astro-rei
de violeta ultra
vindo em fachos roxos...
o meu inverno verde
doura os lábios rosas
do começo ao fim
no vermelho ocaso.

um gavião azul
no vermelho ocaso.

17 setembro 2010

“A política e o crime são a mesma coisa.” (FINAL)

O político fala:

Como não posso desabafar com ninguém, nem mesmo com minha família, que não sabe de nada, nem com meus correligionários, para quem eu pareceria ser um fraco, vou aliviar essa pressão que está me consumindo escrevendo algumas linhas. Dizem que escrever é uma ótima forma de descarregar tensões.

Nem sei por onde começar, o que sei é que devo dar um jeito naqueles miseráveis, filhos-da-puta, que não param mais de sugar o meu dinheiro, que é meu por direito, afinal, eu fui eleito, fui eu que o povo escolheu para cuidar de seus problemas, de seus anseios, e não eles, aqueles ladrões, desgraçados! Ah, como fui tão burro, logo eu, que sempre me julguei tão esperto, o mais esperto de todos, fui aquele dia cair na conversa daquela miserável. Mas como ela era bonita... e gostosa, meu Deus! Como eu iria resistir? Também sou humano, não sou um deus, não tinha como não cair naquela conversa doce e macia, naquele olhar ao mesmo tempo sedutor e desamparado, parecia ser tão puro... o qual percebi que há vários dias procurava os meus em nossas reuniões do partido.

Então ela veio, dizendo que estava apaixonada por mim, que queria ao menos ser minha amante, pois sabia que seria impossível ser minha esposa, afinal, amo minha esposa. Como, meu Deus! Como não me apaixonar também? Como não acreditar em suas palavras que pareciam ser tão sinceras, tão profundas, tão intensas... Não, eu não tive culpa, fui uma vítima. Apaixonei-me, e no afã cego da paixão, e para mostrar a ela como eu era um homem esperto, poderoso, muito rico, contei tudo, tudo! Eu contei tudo a ela! Que idiota! Como não desconfiei que poderia ser uma armadilha daqueles desgraçados, ladrões, porcos chantagistas! Agora eles sabem de tudo, têm provas, tudo gravado por aquela prostituta, aquela cadela vadia, que ainda roubou meus documentos. Eu devia ter lembrado daquela frase que li certa vez, não lembro onde: “O sexo é a pedra de tropeço.” Sim, é isso mesmo, tropecei nele, e caí. Maldito amor! O amor é mesmo uma piada. Mas agora não adianta ficar me lamentando, terei que fazer algo, mas o quê? Eles não param de me sugar, sabem o quanto sou rico e o quanto estou comprometido. À polícia não posso ir... Mas posso ir até eles e matá-los! Não, eu até poderia pagar alguém para matar alguns, mas jamais todos, e as provas continuariam com eles. Tenho que jogar como eles jogam, conseguir alguém que se infiltre naquela maldita organização e resgate as provas para mim... Sim, sim, acho que essa é a saída, farei isso! Ah, mas ela, aquela puta! Ela eu tenho que matar!

Meu Deus, como é difícil ser político neste país! Dei meu sangue por esse povo ingrato e agora sou vergonhosamente roubado, de um dinheiro que é meu, MEU! Sim, tudo bem que ele não faz parte de meu salário de deputado, mas o salário é muito baixo, ridículo, para todos os problemas e preocupações que tenho que passar. Nada mais justo do que pegar uma partezinha desse montão de verbas que aí esta, e de que todos pegam um pouco para si. Sim, sim, todos pegam, todos sabem disso, e qualquer um que for eleito e vir para cá, vai fazer o mesmo, vai pegar uma parte para si, por muito honesto que se ache. E eu acho isso perfeitamente justo, porque a verdade é que somos muito mal pagos, deveríamos receber muito mais, temos obrigação de ser ricos perante a sociedade, somos um espelho no qual o povo se reflete. Só o que fiz foi corrigir pelas minhas próprias mãos algo visivelmente errado. Mereço esse dinheiro que peguei do povo, porque trabalho pelo povo. Eu que tenho que decidir quanto devo ganhar, não os outros, o poder é meu, eu o mereci, fui escolhido.

Isso não é desonestidade, é uma questão de justiça, ainda que não esteja na lei. A lei também erra. Eu sou um homem honesto, honrado, digno da confiança que o povo depositou em mim. Cumpro minhas obrigações, apresentei e apresento inúmeros projetos para o bem de meu país, sou um pai de família respeitado. Só eu sei o que sofro na pele por ser político, todas as acusações falsas, as piadinhas que tenho que aguentar, todo o trabalho de ir até o povo, aos pobres, às favelas, e ter que estar sempre sorrindo e de bom-humor, apertando a mão, correndo o risco de pegar doenças, porque essa é a realidade. E essa gente é uma gente traiçoeira. Diz que vai votar em nós, mas depois não vota. Agora eu, eu tenho que falar sempre a verdade e ser sempre simpático! Ah, vão à merda! Então, se eu pego um dinheiro pra mais, é para fazer justiça a mim mesmo, para recompensar todos esses males por que tenho que passar como homem público. E quem não faria? Quem não pegaria uma justa recompensa para si?

Mas agora, agora surgiram esses vagabundos, que não querem trabalhar, e ficam roubando o dinheiro de quem trabalha, miseráveis! E ainda se utilizam de vagabundas sedutoras, fazendo com que eu, além de trair minha amada esposa, conte, como um patinho, meus segredos para aquela vaca, aproveitando-se do meu coração apaixonado e bondoso. Às vezes fico pensando que talvez eu devesse ouvir meu pai, quando dizia: “filho, seja um grande político, mas um político honesto, nunca vá roubar o dinheiro do povo.” Bem, o pai era um ingênuo, um romântico, eu sou um homem prático. O pai não entendia nada de política, não sabia que pegar algumas verbinhas não é roubar, mas ser justo consigo mesmo. Mas se eu tivesse ouvido o pai, agora não teria que dar a metade do meu dinheiro para aqueles ladrões. Talvez ser “honesto” fosse mais lucrativo...

16 setembro 2010

"A política e o crime são a mesma coisa." (Continuação)

Muitas vezes me perguntei, tomado por crises de escrúpulos, se não deveria entregar todos esses cafajestes à imprensa, ao julgamento da opinião pública. Pensei sobremaneira nessa possibilidade quando pude comprovar definitivamente que os políticos são muito mais desonestos do que inicialmente imaginava. Sim. Dissera no princípio deste relato que esperava lucrar com minha organização criminosa o suficiente para ter um bom nível de vida. No entanto, os lucros foram imensamente superiores aos imaginados. Hoje sou um homem rico. E vários outros membros importantes da organização também o são. É que o número de políticos sujeitos às nossas extorsões era bem superior ao que inicialmente esperávamos.

No início, eu ficava atônito ao verificar que aqueles homens públicos, de aparência tão respeitável, muitas vezes ilibados pais de família, cujos discursos seriam capazes de nos fazer chorar por irradiarem tanto amor pelo povo e pela sua terra, com tão comovente sinceridade, com tão elevada disposição, com tão inflamadas frases, que duvidar de tais homens, de seus incontestáveis argumentos, de suas emoções à flor da pele, de suas intenções angelicais, de seus sorrisos puros e ingênuos, de seus motivos fulgurantes de justiça consistiria em um tremendo sacrilégio. Eram os homens mais dignos e honrados da humanidade, sempre dispostos a dar o sangue pelo bem comum, enfim, seres sublimes!

Mas que belos atores, haha! Sim, não passam de ótimos atores. Quanto fingimento, quanta hipocrisia! Aquele mesmo político, amigo, que tu colocarias a mão no fogo por ele, é tão criminoso quanto eu. Não, é mais.

Por isso, como disse, senti em vários momentos o desejo de entregá-los e vê-los na cadeia. Mas o que digo? Na cadeia? Político na cadeia em nosso país? Só se for um político honesto. Por isso que não há nenhum preso, haha! Então, se eu os entregasse, o que aconteceria? No máximo seus crimes seriam divulgados por alguns jornais, às vezes com bem pouco destaque, seriam processados (ou talvez nem isso) e não cumpririam um só dia na cadeia. E o povo, ora, o povo é formado por imbecis, e em alguns meses já teria esquecido todas as cafajestadas de seus amados políticos, seus dignos representantes, haha, que piada! Logo, logo, estariam votando nos mesmos canalhas que eu denunciara. Não é assim?

Então, considerei melhor não delatá-los, mas extorqui-los, extorqui-los cada vez mais, de forma mais impiedosa. E o dinheiro obtido com nosso crime, não é apenas para nos enriquecer. Também ajudamos um número incontável de pessoas pobres, de doentes e aposentados miseráveis, de jovens e crianças esquecidas, realizamos doações a entidades que atuam no campo social e ambiental. Afinal, o dinheiro é deles. E assim também obtemos o reconhecimento e a gratidão de um sem-número de indivíduos. E um dia poderemos vir a precisar de seus favores... É ostensível que para lavar o nosso dinheiro, abrimos várias empresas filantrópicas.

Claro que houve e há políticos que não se sujeitam de início às nossas chantagens e exigências. Dizem não temer nossas delações, que sempre dariam a volta por cima, enfim, essas baboseiras de político metido a macho. Mas a coragem sempre se desvanece com uma pistola automática enfiada na boca, com algumas unhas arrancadas, ou com uma sutil menção à beleza e tranquilidade da vida em família... Como seria triste perder a esposa, ou um filho, uma filha... Bem, creio que nossa organização sabe ser devidamente convincente.

Mas tais casos são raros. E agora, quase impossíveis. Digo “agora”, porque com a Lei da Ficha Limpa, nenhum político que queira continuar nos governos para poder exercer a sua sagrada rapinagem dos cofres públicos se arriscaria a ter um processo nas costas que impeça sua (re)eleição. De modo que mais do que nunca estamos com a faca e o queijo nas mãos...

Amanhã, o final.

15 setembro 2010

“A política e o crime são a mesma coisa.”

O criminoso fala:

Inicio este meu relato com essa frase de Mario Puzo porque estou certo de que ela é uma indubitável verdade. Quando fundei minha organização criminosa, esperava lucrar o suficiente para manter um razoável nível de vida, sem necessidade de ser empregado de ninguém, sem ter que me sujeitar a oito horas de um desgastante e frustrante trabalho diário que me recompensaria tão somente com alguns trocados medíocres. É mentira que o trabalho dignifica. O trabalho degrada o homem. Por tais motivos parti para o crime. Mas não queria, entretanto, ser um criminoso que agisse contra os inocentes, ou contra os pobres. Pelo contrário, queria lucrar às custas de gente ainda mais criminosa do que eu. Foi então que pensei nos políticos...

Sim, isso mesmo, comprovei, após amplas e exaustivas investigações secretas, aquilo que todos já sabem, mas não querem falar, mas que não têm provas: que os políticos não só constituem uma fonte inesgotável de dinheiro, como também de culpas, crimes e corrupções. Pronto, estava decidido, eu ganharia meu dinheiro sujo extorquindo o dinheiro sujo dos ladrões do povo.

Reuni amigos de confiança, explanei meus planos e intenções, e não foi difícil convencê-los de formarmos uma organização criminosa especializada em descobrir todos os podres dos políticos, os seus desvios de verbas, os caixas-dois, sonegação fiscal, participações em licitações de fachada, lavagens de dinheiro, peculato, apropriação indébita, propinas, nepotismo, evasão de divisas, tráfico de influência, formação de quadrilha, enfim... o rol, todos sabem, é imenso.

O nosso procedimento é relativamente simples. Uma vez descobertos todos esses “mau-cheirosos segredos”, entramos, com a maior das cautelas e com a máxima discrição, em contato com o político “desvelado” e oferecemos nosso preço para que algumas informações indesejáveis não caiam no conhecimento da imprensa, da justiça, da opinião pública. É claro que nossas propostas são quase que invariavelmente aceitas. Quem iria recusá-las? O que podem fazer? Ir à polícia? Ora, a polícia está conosco. Nos dois sentidos.

E mais claro ainda é que tomamos todas as devidas precauções para não sermos assassinados. Não somos ingênuos. Aprendemos a viver sob tensão, sob o constante perigo de morte. E, devo dizer, é algo que nos traz um infinito prazer. Vemos em tal perigo a emoção maior em estar vivo. Enfim, gostamos do que fazemos. A vida é um jogo, viver é saber jogar. E nós somos jogadores. E, até agora, nenhum de nós foi assassinado. Apenas dois foram baleados. Mas sabemos nos defender muito bem. Um de nossos membros ferido equivale a um político corrupto morto. Aprendemos que é assim que funciona.

Infiltrarmo-nos nas instituições, nos partidos, nos governos, para obtermos seus segredos pode até parecer difícil para o leigo, porém, afirmo que não é tanto assim. Subornar funcionários públicos, políticos menores mas conhecedores dos bastidores, acessar dados pretensamente sigilosos, todos esses procedimentos não são tão complicados quanto parecem à primeira vista. Obviamente, a grande maioria das pessoas pode ser comprada. É só uma questão de estabelecer o preço adequado. E, além do mais, é claro que temos entre nosso pessoal alguns dos melhores hackers, e entrar em sistemas sigilosos não é algo fora de série...

Principiamos nossa organização de forma bastante modesta. Éramos apenas em cinco pessoas. Amigos de absoluta confiança. Compramos uma pistola, foi a nossa primeira arma das muitas e várias que viríamos a possuir. E então, filhamo-nos a determinado partido político, um dos maiores do país. Quanto a escolher um partido, ficamos bastante em dúvida, pois em quase todos há muitos corruptos e desonestos. Mas creio que escolhemos muito bem. E as nossas vítimas caíram em nosso jogo. Em pouco tempo obtivemos informações altamente comprometedoras de políticos considerados importantes. Entrar em contato direto com eles e chantageá-los não foi difícil. Inicialmente, as somas de dinheiro exigidas para nosso silêncio foram relativamente pequenas. Esse dinheiro foi investido na compra de mais armas, em subornos, em automóveis, em computadores... Aos poucos, fomos aumentando o número efetivo de nossos homens, sempre através de exigentes provas. Não pode ser qualquer um a ter o direito de entrar em nossa organização. Devemos ter uma confiança total na pessoa. Ou a confiança máxima possível, pois a confiança total nos negócios talvez não exista. É claro que a quebra do código de silêncio é punida com a morte. Felizmente, isso ainda não ocorreu.

Amanhã, a continuação. (na imagem, o quadro "A Reprodução Proibida", de Magritte)

13 setembro 2010

Nada a (me) Declarar

para que ler os teus jornais de hoje
se no outro fatídico dia
as notícias já irão ser outras
e logo tudo estará passado?
e não ficará nada mais a meu lado...

tu, humanidade,
o que é que tens a me dizer?
tuas filosofias são cadáveres de boca-aberta
tuas esperanças são finais de piadas
e tuas políticas o princípio delas...
têm mais a me dizer as cadelas.

lá vão os teus intelectuais babando
sobre o nada-adiantar do nada de suas babas
as suas teorias que a tudo explicam
a não-ser o que se precisa saber...
aqui neste planeta exangue
(tu bem o sabes)
o que importa é o Sangue...

12 setembro 2010

Morta

à esta humanidade tudo é inútil:
a ela não se diz verdades
nem fundas filosofias...
ela é burra como uma porta.

aos humanos não se fala de flores
ou de altos aromas sublimes...
eles são podres como uma porca.

e não se canta os amores
nem em idiomas celestes...
a alma não lhes importa.

e mais inútil ainda
é ser agora um poeta:
a poesia no homem está morta.

11 setembro 2010

O Grande "Boca do Inferno" é Sempre Atual

A prova de que a humanidade não muda (ou talvez mude para pior), está na poesia rebelde, indomável, impiedosa, de Gregório de Matos, que há 3 séculos "botou a boca" em nossa sociedade corrompida. Era corrompida, continua corrompida. E quantas podridões teria agora o maldito Boca do Inferno para vomitar sobre a cara dessa sociedade brasileira? Em qualquer cidade que ele pisasse agora, inclusive na nossa querida Santiago, poderia estampar a fúria e a indignação de seus versos com absoluta propriedade. Então, pergunto-vos, como ter esperança no homem?

Deixo abaixo o poema "Epílogos" do mestre Gregório. Tomei a liberdade de excluir algumas estrofes para que a leitura da obra ficasse mais dinâmica, pois o poema é extenso para os padrões atuais, ainda mais para um blog. Acompanha o poema um detalhe de "O Jardim das Delícias" - "Inferno", de Hieronymus Bosch.

Epílogos

Que falta nesta cidade?................Verdade
Que mais por sua desonra?...........Honra
Falta mais que se lhe ponha..........Vergonha.

O demo a viver se exponha,
Por mais que a fama a exalta,
numa cidade, onde falta
Verdade, Honra, Vergonha.

Quem a pôs neste sacrócio?..........Negócio
Quem causa tal perdição?.............Ambição
E o maior desta loucura?...............Usura.

Notável desventura
de um povo néscio, e sandeu,
que não sabe, que o perdeu
Negócio, Ambição, Usura.

Quem faz os círios mesquinhos?...Meirinhos
Quem faz as farinhas tardas?.........Guardas
Quem as tem nos aposentos?.........Sargentos.

Os círios lá vêm aos centos,
e a terra fica esfaimando,
porque os vão atravessando
Meirinhos, Guardas, Sargentos.

E que justiça a resguarda?.............Bastarda
É grátis distribuída?......................Vendida
Que tem, que a todos assusta?.......Injusta.

Valha-nos Deus, o que custa,
o que El-Rei nos dá de graça,
que anda a justiça na praça
Bastarda, Vendida, Injusta.

E nos frades há manqueiras?.........Freiras
Em que ocupam os serões?............Sermões
Não se ocupam em disputas?.........Putas.

Com palavras dissolutas
me concluís na verdade,
que as lidas todas de um Frade
são Freiras, Sermões, e Putas.

O açúcar já se acabou?..................Baixou
E o dinheiro se extinguiu?.............Subiu
Logo já convalesceu?.....................Morreu.

À Bahia aconteceu
o que a um doente acontece,
cai na cama, o mal lhe cresce,
Baixou, Subiu, e Morreu.

A Câmara não acode?...................Não pode
Pois não tem todo o poder?...........Não quer
É que o governo a convence?........Não vence.

Que haverá que tal pense,
que uma Câmara tão nobre
por ver-se mísera e pobre
Não pode, não quer, não vence.

Gregório de Matos

09 setembro 2010

Agora que a Humanidade Morre...

agora que a humanidade morre
(digam o que quiserem,
mas a humanidade morre...)
que a humanidade morre,
não há mais porque
buscar o que é mortal...

por isso busco nos teus olhos
os sóis que possam brilhar atrás deles
(que os sóis são quase imortais...)
e nas lágrimas que talvez derrames
irei buscar as mais potentes dores
(que as dores não se findam jamais...)
e em tua boca de que o verbo lanças
encontrarei talvez a música
(que as notas são artes mais divinais...)
e no que pulsa em teu peito e veias
buscarei tudo o que for ânsias
(que as ânsias é que mandam sinais...)
e no que dorme no que for teu sono
alcançarei teu pesadelo e sonho
(que os sonhos é que são eternais...)
e no que viver em teu corpo em chama
me queimarei no que for tua alma
(que só a alma significa algo mais...)

07 setembro 2010

Versos Escritos em Desalento, de Yeats

William Butler Yeats, indubitavelmente um dos maiores nomes da poesia no século XX, nasceu em 13 de junho de 1865 (vale lembrar que Fernando Pessoa, outro gênio da poesia deste mesmo século XX, também nasceu em um 13 de junho), em Dublin, capital da Irlanda. Foi poeta e autor teatral, e diferentemente de Pessoa, conquistou, em 1923, o prêmio Nobel de Literatura. É considerado o maior poeta moderno irlandês. Abaixo, um de seus místicos e melancólicos poemas, inspirados pela mitologia celta, que tanto o fascinava.

Versos Escritos em Desalento

Quando é que eu vi pela última vez
Os olhos verdes redondos e os corpos longos vacilantes
Dos leopardos vacilantes da lua?
Todas as bruxas selvagens, aquelas senhoras muito nobres,
Por todas as suas vassouras e as suas lágrimas,
Suas lágrimas de raiva, fugiram.
Os santos centauros das colinas desapareceram;
Não tenho nada para além do amargado sol;
Banida mãe lua heroica e desaparecida,
E agora que cheguei aos cinquenta anos
Tenho que aguentar o tímido sol.

W.B.Yeats

06 setembro 2010

(des) Graça

é engraçado
como a humanidade tornou-se risível
(nos dois sentidos)
neste mundo-circo sem graça
(nos três sentidos)

quanto mais a terra é aniquilada
mais há razões para piada
quanto mais o grave é preciso
mais há motivos de riso
sobre o pesar das aves massacradas
revoa a leviandade das gargalhadas

aos olhos da desgraça dos tempos
a dor tornou-se um sarcasmo
o amor, um deboche
a poesia, uma ironia...

é mais esbranquiçada a risada
quanto mais a situação é sombria...

este planeta aos estilhaços
tornou-se um palco de palhaços...

04 setembro 2010

Concordas?

de nada adiantam
os teus coros a quatro vozes
levados pelo vento
já tantas vezes...
ou os teus acordes
com cordas
no pescoço
ou as notas do teu piano
que o Tempo
nem mais nota...
o que surge errado não encontra acerto:
não adianta, Humanidade,
tu não tens concerto.

03 setembro 2010

Gota a Gota ( um horrível poema pós-moderno)

gota a gota
derramarei um poema pós-moderno
legítimo:
começo
espremendo o líquido verde
das minhas esperanças
gota a gota
sobre o sangue de um graxaim
que gota a gota
escorreu pelo asfalto fervente
até ser absorvido pela terra seca
que gota a gota
espargiu seu pó
sobre os meus olhos pingando lágrimas
gota a gota
não de tristeza ou de sensibilidade
porque isso há muito morrera
mas porque sobre mim caía
uma chuva ácida
gota a gota
e caía também sobre o cedro morto
de que há muito
extirparam sua seiva
gota a gota
e as cinzas de suas antigas folhas
agora fumaça pelo ar
caiam como fuligem sobre meus olhos
gota a gota
mas ainda pude olhar para os meus pés
atolados num rio
que transbordava fezes
gota a gota
e ao lado havia um cadáver
de um homem com as mãos abertas
caindo moedas
gota a gota...

02 setembro 2010

O Labirinto, de Jorge Luis Borges ( que merecia o Nobel...)

Borges é para mim o maior escritor da América Latina. Talvez não o maior poeta (embora esteja entre os maiores, certamente), mas na prosa é insuperável. Melhor, na minha opinião, que Gabriel García Márquez, e merecia mais que este um Nobel. Só que o Nobel, como a maior parte das premiações artístiscas, é uma piada. Sim, prêmios literários o que expressam? O gosto de alguns. Não venham me falar de imparcialidade, de conhecimento dos críticos, essas baboseiras todas. Arte é subjetividade. E ponto final. Ninguém tem a capacidade objetiva de determinar o que é melhor ou que é pior na arte, quando, é claro, trata-se de autores de níveis semelhantes. Poderia mencionar inúmeros exemplos aqui do que digo. Basta dizer, no entanto, que Fernando Pessoa perdeu um concurso com seu genial "Mensagem" para um padre literariamente medíocre que hoje ninguém sabe quem é.

Talvez seja até melhor que Borges não tenha ganhado o Nobel. Isso fala ainda mais alto  em favor de sua genialidade, tanto como prosador como poeta. E como poeta, deixo aqui um de seus enigmáticos poemas, incluído no livro "Elogio da Sombra" de 1969. (Na imagem que acompanha o poema, "O Sonho do Pastor", de Füssli)

O Labirinto

Nem Zeus  desataria essas redes
de pedra que me cercam. Olvidado
dos homens que antes fui, sigo o odiado
caminho de monótonas paredes
que é meu destino. Retas galerias
encurvando-se em círculos secretos
com o passar dos anos. Parapeitos
que se racharam na usura dos dias.
Já decifrei no pó esbranquiçado
rastros que temo. Tenho percebido
no ar das côncavas tardes um rugido
ou o eco de um rugido desolado.
Sei que na sombra há Outro, cuja sorte
é exaurir as solidões sem fim
que este Hades fiam e desfiam,
sugar meu sangue e devorar minha morte.
Nós dois nos procuramos. Quem me dera
fosse este o dia último da espera.

Jorge Luis Borges

Inauguração da Sede da Casa do Poeta de Santiago - Convite

01 setembro 2010

Quando a Água faz Falta...

Dizer que só se valoriza algo quando se perde, seria um lugar-comum. Mas é o que vivenciamos hoje no Brasil. A seca brutal, catastrófica, que vem dizimando florestas, cerrados, lavouras, criações, que vem transformando rios e lagos em desertos, que vem entupindo os céus de todo o Brasil com uma fumaça venenosa (o Brasil, um país tropical, equatorial em grande parte, conhecido pela sua água abundante!) faz agora com que pensemos que a água, a imprescindível água, pode acabar mais rápido do que imaginamos, e quem sem ela a humanidade, obviamente, está acabada. As pessoas pensam nisso. Mas depois, a seca passa, e voltam todos a maltratar a água como sempre fizeram, como estamos acostumados a fazer, como fomos condicionados, ensinados a agir.

Bem, tendo em vista esse momento dramático em nosso país, creio ser oportuno republicar aqui dois poemas meus que tratam do mau uso da água. O primeiro postado foi escrito em 2005. O outro, no ínicio deste ano. Na imagem, um lago quase totalmente seco no estado do Amazonas. No Amazonas, um dos mais úmidos lugares do mundo...

Águas do Fim

águas em marcha
fúnebre
águas de março
seco
águas alvas
brancas
águas claras
de espuma: de ter gente
águas belas?
águas plásticas
chuvas ácidas
gotas trágicas

água da vida?
água da morte
dá medo
dá peste
e morre

a humanidade
e a água:
perdida
acabada.
e o que tu fazes?
fezes,
sem mágica...
e que água que resta?
a Lágrima.

Versos Poluídos

a água do teu lábio
agora já é saliva
a saliva de uma lepra
a saliva do teu lábio
agora já é uma lágrima
e essa lágrima tu sorves
a lágrima do teu lábio
agora já é um sangue
o sangue que te nutre
o sangue do teu lábio
agora já é veneno
o veneno que te vives
o veneno do teu lábio
é a água que tu bebes
e estes versos que vomito
são à água do planeta...

30 agosto 2010

Aceito...

aceito o meu destino
com todas as pedras jogadas da Torre
no meio do meu caminho...

mais que a pedra de Drummond
é a pedra que soa como um sino
há um “Louco Alphonsus, Louco Alphonsus!”
no trilo do meu destino...

aceito mas não me inclino
deixo que o vidro se quebre
em seu cristal hialino
mas não junto os cacos do seu som...

mais que a pedra de Drummond
há um mantra-sino
no meio do meu des(a)tino.

28 agosto 2010

Soneto ao Tempo

deixa que passe o que de mim se corre
verás então que cada vez mais rápido
cada vez mais o que se bebe ao trágico
é todo um sonho em correnteza em porre...

deixa que esguiche e que de mim se jorre
tudo que sinto ao cada vez mais ávido
verás então que é cada vez mais válido
este meu Fim que a outro Fim socorre...

verás ao não como ocultei meu lago
com som de pulso este meu sim pressago
inundará tudo o que em ti derrama...

o teu dormir eu sempre sou que trago:
quando se dorme o sangue queima em chama
quando se morre o rio de Deus se inflama...

27 agosto 2010

“Eu Estava Lá...” (poema-conto)

então, Ele fitou-me nos olhos e disse:

“eu estava lá
quando em símbolo
Adão e Eva foram expulsos do Paraíso
eu estava lá
simbolicamente
sendo a última gota
alastrada pelo final da cruz
do Cristo crucificado
eu gotejei com o sangue
da marcial espada romana
na forma do punhal
no rubro da força de César
eu estava lá
pairando sobre os cadáveres
de um terço da Europa
devastada pela Peste Negra
entre as sombras medievas
e sonhei nos delírios de Bosch
enquanto absurdos se derramavam
de sua visão apocalíptica
e estava na alma de Shakespeare
adejando ao final de suas tragédias
e deixei minha marca
na lâmina afiada da guilhotina francesa
e na neve russa
que aniquilou o exército de Napoleão
como também fiz ressoar meu canto
no último quarteto
que compôs Beethoven ensurdecido
estive em forma líquida
no delirium tremens de Poe
fui às duas grossas lágrimas
que derramou Brahms em seu leito de morte
e eu estava lá mais tarde
nas balas mortíferas da Máfia
e lancei-me em fúria
pelas metralhadoras dos alemães
durante o sangue da Segunda Guerra
espargido pelos buracos na carne dos soldados
eu voei segundos antes
das bombas atômicas sobre o Japão
eu estava lá
chegando ao coração das mães
que perderam seus filhos
no verde-fogo do Vietnã
e larguei ao vento os derradeiros gritos
dos animais mergulhados nos mares da extinção
e irradiei meus suspiros
pelo céu que encobria enfumaçado
o tombar das gigantes florestas
eu estava lá
e agora estou aqui
fitando fundo e firme e forte
os olhos encovados de toda humanidade...”

Ele então me disse todas essas coisas
e depois disse seu nome
e seu nome era Adeus...

25 agosto 2010

A Destruição é a Essência do Desenvolvimento

É claro que não deveria. Mas é. No Brasil é, e não só no Brasil, mas em quase todo o mundo. Eu não preciso dizer que de norte a sul o Brasil arde em chamas. Está todos os dias nos noticiários.

Seca nesta época do ano é normal. O que não é normal é a umidade relativa do ar estar abaixo de 15% na Amazônia! A Amazônia, uma região equatorial, que aprendemos na escola que é úmida todo o ano. Isso nunca tinha sido visto. O que não é normal é uma das maiores reservas de cerrado do Brasil, o Parque Nacional das Emas, ter sido devastada pelo fogo em 70%. 70%! Vai precisar de 200 anos para se recuperar. Só isso. E não foi só essa reserva a ser quase totalmente destruída. O que não é normal é ter caído chuva ácida até em Porto Alegre, devido aos gases das queimadas concentrados nas atmosferas.

E as queimadas apocalípticas não foram só aqui. Há poucos dias, EUA, Rússia, Espanha, Portugal também tiveram enormes áreas aniquiladas pelo fogo, incluindo vilas e pequenas cidades. E depois há alguns intelectuais brilhantes que afirmam que não há aquecimento global, em sua ânsia consciente ou inconsciente de dar respaldo para que o homem continue explorando e consumindo o planeta.

O número de focos de queimadas em território brasileiro aumentou em quase 100% com relação a 2009. Por que tantos focos? Além do clima excepcionalmente seco, há uma outra explicação, dada pelo coordenador do Monitoramento de Queimadas do Inpe, Alberto Setzer. Ele afirma o seguinte:

"O aumento expressivo dos focos de queimadas de um ano para o outro também se deve à dinâmica do setor agropecuário e ao período eleitoral. O momento econômico favorável à expansão dos rebanhos e das áreas agrícolas leva ao aumento do uso de fogo pelos produtores rurais, para abrir pastagem e limpar a terra para o cultivo. Com a estiagem e a vegetação seca, o risco de perder o controle da queimada é quase inevitável. Já o período eleitoral influenciaria na fiscalização."

Vejam bem, amigos, "o momento econômico favorável à expansão dos rebanhos e das áreas agrícolas leva ao aumento do uso de fogo pelos produtores rurais..." É assim, lamentavelmente, que ocorre o "desenvolvimento". E agora, a bancada ruralista quer facilitar ainda mais esse sublime desenvolvimento, degradando o próprio Código Florestal. Já não chega tudo o que já foi destruído. Há que se destruir mais. Só estarão satisfeitos quando não houver uma só árvore em pé.

Mas não adianta. Só se pensa em "desenvolvimento" a qualquer custo. Quase todos pensam assim.  Inclusive 90% dos políticos e dos candidatos a cargos públicos. E não me venham dizer que não é bem assim, que muitos se preocupam, e blá blá blá. Mentira. Só fingem que se preocupam. Porque é moda. No fundo não estão nem aí. E essas queimadas absurdas são a prova. Uma das provas. Porque há muitas outras. Diante dos fatos, não há argumentos.
Nada mais a declarar.

24 agosto 2010

Relação Oculta

quando ouço aquela sonata de Schubert
um cavalo vem bater na minha porta:
sinto que estou me insanecendo...

tenho que estranhar o peso
dos olhares dos sapos
enquanto escrevo poemas (que) não-sãos.
antes eu fosse aquele conto de Poe nunca-lido
ou um silêncio desolado de flauta na mata na tarde

tão tarde...

aquele detalhe de um quadro de Bosch
não me sai mais do meu pesadelo
e do meu sonho como sol cada vez mais ao norte
um vento que nunca foi visto
ou grande ave que plana em correntes
antes fosse...
carta com selos vermelhos
quem foi que me deste há final?

...planeta por trás dos espaços
e a ponta de um dedo em meu dedo
que não leu meu sinal...

22 agosto 2010

e ainda Além...

não se pode buscar a inspiração
porque quem a busca não a encontra
que não se encontra o que já foi encontrado.
e o encontrado é o poeta:
a inspiração é que o busca
e não o contrário
como quer o desejo...
poeta é aquele
que a luz da inspiração o ofusca
a todo instante
é o que suporta nos ombros
da poesia o peso
carregada adiante...

a poesia não me pertence
nem a ninguém:
ela está lá em todo infindo
e ainda Além...

por isso
para poetizar horizontes abrindo
ou a cortina sentença do Fim
é mister finalizar-me
e horizontar-me em mim...

21 agosto 2010

... da Arte

os cintilares venuscêntricos das flores
extirpados pelas foices das queimadas
foram magos fulgurar no intocável
da tua aura:

nem tudo foi despido...

as sinfonias enigmáticas das aves
amordaçadas pela censura das lavouras
foram altas concertar no indizível
da tua voz:

nem tudo foi ferido...

os infinitos astrocósmicos dos céus
enfumaçados pelos vapores do progresso
foram claros refletir pelo intangível
dos teus olhos:

nem tudo é esquecido...

os sentimentos arquetípicos dos seres
estrangulados pelo vazio dos nossos tempos
foram vivos sublimar pelo inefável
da tua alma:

nem tudo está perdido...

20 agosto 2010

Minha Desgraça, de Álvares de Azevedo

Álvares de Azevedo foi o mais precoce dos grandes poetas brasleiros. Toda sua obra, extremamente radical e diferenciada para os padrões brasileiros da época, foi criada durante sua adolescência. Como todos sabem, Álvares faleceu antes de completar 21 anos.

Todos relacionam esse nosso trágico poeta ao Ultrarromantismo, por motivos claros, obviamente. Porém, a prova da genialidade de Álvares está no fato, também bastante claro para mim, de que o poeta foi não só além do Ultrarromantismo, como do próprio Romantismo, atingindo as raias do Realismo e do Simbolismo. Para testemunhar o "realismo" de Álvares de Azevedo, deixo o desolado e irônico poema abaixo. Acompanha o poema, a gravura "O Sono da Razão", de Goya.

Minha Desgraça

Minha desgraça, não, não é ser poeta,
Nem na terra de amor não ter um eco,
E meu Anjo de Deus, o meu planeta,
Tratar-me como se trata um boneco…

Não é andar de cotovelos rotos,
Ter duro como pedra o travesseiro…
Eu sei… O mundo é um lodaçal perdido,
Cujo sol (quem mo dera!) é o dinheiro…

Minha desgraça, ó cândida donzela!
O que faz que o meu peito assim blasfema,
É ter para escrever todo um poema,
E não ter um vintém para uma vela!

Álvares de Azevedo

19 agosto 2010

América Tingida de Sangue

O INTER, o meu time, sagrou-se BICAMPEÃO DA AMÉRICA! Faço então uma pequena homenagem, publicando aqui um poema que está em meu livro "Poemas do Fim e do Princípio". O poema abaixo foi composto em 2006 e não foi escrito especificamente para o Inter. Mas serve para ele também, sem dúvida.

Deus Vermelho

Deus Marte!
capa vermelha
ígneas chamas
força sanguínea
punho de flama
espada vulcânica
febre de vinho
espinho de rosa
dente no sangue
corte profundo
peito inflamado
veia fervente
pulso cardíaco
glória de Roma
lenço encarnado
fêmea menstruada
garra da guerra
Eros e amor
fogo-fúria de Hercólubus
Deus Morte!

18 agosto 2010

Para que Dizer Algo?

deixai-me não dizer nada:
por que devo dizer alguma coisa
se o melhor que digo é o que não digo?
o que importa é o que se oculta no meu verso
é a palavra que não está lá
o que importa é a porta
que o verso abre ao não-dito
o que importa é o destino
dado por quem lê
ao que não foi escrito

o verso é enigma que se resolve em si
ele mesmo é que se escreve
nas cadências do impossível:
de independentes hieroglifos
o verso se torna mais brando
ou mais terrível...

por isso não digo nada:
deixo o verso dizer por mim
ou por si
o verso é um silêncio que canta sozinho
só ele percorre a estrada
e o que há
entre o olhar e o caminho...

para caminhar no que sinto

por um labirinto...
então escrevo além da minha consciência:
por que dizer algo
se o próprio Deus
é o mistério da ausência?

17 agosto 2010

O Meu Voto...

Algo que considero fundamental em um candidato político é sua real preocupação com as questões ambientais. De nada adianta o "desenvolvimento", se ele não levar em conta, antes de tudo, que sem ambiente não haverá nenhum tipo de desenvolvimento, nenhum melhoramento social, nenhuma forma de progresso. Há três pontos vitais que um político deve, ou deveria, procurar realizar durante seu mandato: preservação ambiental efetiva, distribuição de renda e educação. A partir disso, tudo o resto é natural consequência. Fora isso, é conversa fiada.

E outra coisa que deve estar sempre na mente de um político: ele não passa de um empregado do povo. E ao povo deve todas as satisfações.

Bem, a seguir, como será a efetivação do meu voto:

Presidente: Marina Silva
Governador: Tarso Genro
Senador: Paulo Paim
Deputado Federal: legenda do PV
Deputado Estadual: legenda do PV

15 agosto 2010

Leve...

leve contigo
mesmo o que não tenho
o que não pude
o que não vou
o além de mim te deixo
em delírios transcendentais
leve contigo o meu mais
e o meu sou

leve contigo o meu limite
o que não será no meu destino
tudo aquilo que nunca me trará um sim
leve contigo o meu acima
e o meu fim

leve contigo
o que não poderei falar-te
o que não chego e o que fracasso
leve contigo a minha arte

leve contigo
até o que minha alma não escreve
o que não pude deixar livre pelos ares
leve contigo os meus pesares
no teu voo leve...

13 agosto 2010

Amen

“a Alma está morta.
fomos nós que a matamos.”
por isso o mundo vai de vento em popa:
vento de tempestade
em popa que ao mar se parte...

agora
viver é naufragar
cair como pedra vaga no vazio da água
baldes de ossos atirados nos poços
gelos de sangues abismados nos tanques
lágrima-riso cimentada em granizo...

não chora, humanidade, não chora
quem está morto não chora...
há que ser dura como a terra seca
na hora em que fores embora:
assim seja
de nada vale
a miséria da minha tristeza...

que nada mais em nós vibre
há que ser frio
como a fervente saliva do lobo
e como o fogo
do olho do tigre...

12 agosto 2010

Murmúrios da Tarde, de Castro Alves

Castro Alves, obviamente, dispensa apresentações. Trata-se de um dos maiores poetas brasileiros, com certeza, um dos mais inspirados de toda literatura de língua portuguesa. A beleza lírica, a musicalidade e o ritmo empolgantes, a incrível naturalidade de fluência, a riqueza das imagens, a arrebatada grandiloquência fazem de Castro Alves um dos poetas mais adequados para a declamação. Sua obra é poesia pura, nascida do fundo da alma. Não tivesse morrido com apenas 24 anos, onde chegaria este gênio da poesia?

O poema abaixo é um dos meus favoritos de Castro Alves, impregnado de um profundo Romantismo. É, sem dúvida, um dos mais belos de nossa literatura. Na imagem que acompanha o poema, o quadro "A Floresta", de Camille Pissarro.

Murmúrios da Tarde

Ontem à tarde, quando o sol morria,
A natureza era um poema santo,
De cada moita a escuridão saia,
De cada gruta rebentava um canto,
Ontem à tarde, quando o sol morria.

Do céu azul na profundeza escura
Brilhava a estrela, como um fruto louro,
E qual a foice, que no chão fulgura,
Mostrava a lua o semicirc'lo d'ouro,
Do céu azul na profundeza escura.

Larga harmonia embalsamava os ares!
Cantava o ninho - suspirava o lago...
E a verde pluma dos sutis palmares
Tinha das ondas o murmúrio vago...
Larga harmonia embalsamava os ares.

Era dos seres a harmonia imensa,
Vago concerto de saudade infinda!
"Sol - não me deixes", diz a vaga extensa,
"Aura - não fujas", diz a flor mais linda;
Era dos seres a harmonia imensa!

"Leva-me! leva-me em teu seio amigo"
Dizia às nuvens o choroso orvalho,
"Rola que foges", diz o ninho antigo,
'Leva-me ainda para um novo galho. ..
Leva-me! leva-me em teu seio amigo."

"Dá-me inda um beijo, antes que a noite venha!
Inda um calor, antes que chegue o frio..."
E mais o musgo se conchega à penha
E mais à penha se conchega o rio...
"Dá-me inda um beijo, antes que a noite venha!

E tu no entanto no jardim vagavas,
Rosa de amor, celestial Maria...
Ai! como esquiva sobre o chão pisavas,
Ai! como alegre a tua boca ria...
E tu no entanto no jardim vagavas.

Eras a estrela transformada em virgem!
Eras um anjo, que se fez menina!
Tinhas das aves a celeste origem.
Tinhas da lua a palidez divina,
Eras a estrela transformada em virgem!

Flor! Tu chegaste de outra flor mais perto,
Que bela rosa! que fragrância meiga!
Dir-se-ia um riso no jardim aberto,
Dir-se-ia um beijo, que nasceu na veiga...
Flor! Tu chegaste de outra flor mais perto!. . .

E eu, que escutava o conversar das flores,
Ouvi que a rosa murmurava ardente:
"Colhe-me, ó virgem, - não terei mais dores,
Guarda-me, ó bela, no teu seio quente. . ."
 E eu, que escutava o conversar das flores.

"Leva-me! leva-me, ó gentil Maria!"
Também então eu murmurei cismando...
Minh'alma é rosa, que a geada esfria...
Dá-lhe em teus seios um asilo brando...
"Leva-me! leva-me, ó gentil Maria!..."

Castro Alves 

10 agosto 2010

à Tua Companhia...

não vás
sem mim
sentença
e fim...
tu és tudo que me resta pela estrada...

eu não
me vejo
sem teu
desejo...
tu és lábio que me paira pelo nada...

traguei
de um lago
meu sonho-
estrago...
no que sinto é onde está tudo que tenho...

teu beijo
abraço
com meu
cansaço...
nos teus olhos é que lua o meu empenho...

sem ti
sou fumo
que me
consumo...
na tua alma é onde Brahms melodia...

meu canto
alaga
de sono
e vaga...
no teu nome é que me erro: Melancolia...

08 agosto 2010

Mais um Trecho de um Instante de Sono

vou ver-se durmo a versar só pelo não-dito
cair em névoas tudo que me deixa aos olhos
descendo oculto nunca desvelar-me sendo
a ver se pairas no que sou estas essências...

majestei-me às asas fêminas sem destino
perdi-me em cânticos sentenças que te foram
lá que encontro as febres que à noite me serenam
como luzes de um segredo desse sangue e astro
encontro-me ao sopro que não chegou-me antes
sonata do meu sono que sonhei-vertigem...

dormir é revolver-se um livro interno
dormir é resolver-se em esquecimento
imortal fatal momento
no eterno...

06 agosto 2010

Concerto nº2 para Piano e Orquestra de Brahms, o Melhor

Sim, eu sei, Mozart é o rei dos concertos para piano, ninguém conseguiu compor tantos concertos com tanta perfeição. O conjunto de seus concertos forma uma das criações mais sublimes da música. Particularmente, aprecio sobremaneira os de nº 24 e 20. Sim, e eu sei também que os concertos 3, 4 e 5 de Beethoven constituem um dos pontos mais altos da literatura de concertos para piano. Então, é muito difícil escolher o melhor, talvez impossível determiná-lo.

Mas eu sou um brahminiano. E para mim, o mellhor é o 2º de Brahms. O melhor de todos já compostos. Sem dúvida, está no mesmo nível dos melhores de Mozart e de Beethoven. Mas há algo nele que me fascina de forma absolutamente arrebatadora, inefável. Primeiramente, o concerto nº2 de Brahms é mais que um concerto, é algo como uma sinfonia com piano. A força sinfônica dessa peça é avassaladora. É também um dos mais longos concertos em duração, mais de 50min.

Nessa obra, Brahms vai de um extremo a outro com a maior naturalidade e sem jamais deixar de lado a perfeição formal. Passamos da mais estrondosa, violenta e terrível tragédia, até sublimes melodias de intensa paixão e ternura. Brahms é apaixonado sem jamais ser "meloso". É firme, sério, concentrado. Brahms é sempre forte. Pode ser profundamente triste, melancólico, até resignado. Mas é duro na queda, jamais se entrega. Tudo isso está neste concerto magistral, do começo ao fim.

Dificíl dizer qual o movimento que prefiro. Mas acho que é o 2º. Começa com o piano em uma melodia de fazer ferver o sangue, triste, trágica, desesperada talvez, mas imponente e orgulhosa ao mesmo tempo, afirmativa, de imensa força. Quando bem executados tais acordes, o piano soa como um poderoso martelo. E o final desse movimento então? Ah, o final, quando essa lancinante melodia inicial toma conta da orquestra, bem aí, Brahms solta um grito de dor e de fúria que fica repercutindo em nossa alma por muito tempo.

Bom, poderia falar mais, mas vou parar por aqui. Eu não costumo postar músicas aqui no blog, não faz parte do direcionamento que dei a ele. Mas vou recomendar um blog para downloads. O P.Q.P. Bach: http://pqpbach.opensadorselvagem.org/ . Lá, encontrarão essa magnífica obra de Brahms, e muitas outras.

05 agosto 2010

E Ela Falou Seu Nome...


O conto abaixo foi publicado originalmente  em meu zine Poemas do Término e Contos do Fim, em sua edição 26, de setembro/outubro de 2007.  Ao escrevê-lo, dediquei o conto à ópera Tristan Und Isolde, de Wagner, para mim, a maior de todas as óperas. Compartilho com os leitores do blog. Lembro que o zine está atualmente em sua 39ª edição e além da versão impressa também possui a versão digital. Para quem desejar receber o zine em formato digital, basta deixar aqui seu-email, ou enviá-lo para reiffer@gmail.com.  Ele será enviado gratuitamente.

E Ela Falou Seu Nome...
Alguns dirão que foi um sonho anormal. Outros, que é apenas uma ficção absurda de um escritor delirante. Eu não digo nada, eu limito-me a contar o que vivi. Limito-me a dizer que perambulava doentio e inflamado pela noite. Algo de terrível, de onírico, de lancinante, de fatal pairava sobre minha alma. Minha alma já não se suportava em meu ser insatisfeito e irremediável à eternidade. Vagavam alucinados os meus pensamentos inconformados pela escuridão noturna, iluminada por luares e sonhos medievais em doces pesadelos. E ainda mais longínquo voava tudo o que eu sentia, todas as tempestades apocalípticas que em mim se debatiam em sua invisível violência. Meu universo sentimental fitava olhos e asas de anjos sobre nuvens avermelhadas, febrentas e férvidas nos céus repletos de ultra-romantismos, nuvens carregadas de emoções que me trovejavam sobre o espírito inconsolável. Foi então que a encontrei.

Ela abriu a imensa porta de um casarão antigo de mistérios e convidou-me sedutoramente a entrar. Se exteriormente aquele casarão sombrio de inquietante imagem ancestral assomava de forma majestosa e aterrorizante, em seu interior havia alguma espécie indefinível de magia sublime que me envolveu perigosamente... Um denso aroma de incensos impregnados de delírios invadiu-me além das narinas, hipnotizando-me como um alucinógeno sobrenatural. Ao inalar aquela atmosfera carregada de auras e sonhos e febres e vidas e mortes, uma luz astral queimou meus pulmões apaixonados.

No ambiente febricitante, em penumbra celestial e estranhamente luminosa, meus olhos ardentes, lacrimejando, somente distinguiam coisas que não sei nomear. Tudo, tudo o que eu via não possuía nome em nosso mundo, em nossas existências normais, nós não conhecemos aquelas coisas indizíveis. É-me impossível, arranco-me os cabelos intentando escrever as coisas tão absurdas que ali viviam... Porém, afirmo que vi infinitas existências inefáveis que atordoavam meu coração em vertigens. Perturbavam como uma devastação minha mente desvairada, entorpeciam-me como venenos ofídicos e mágicos. Arrebatavam-me a céus e a infernos cada vez que eu a elas dirigia meus olhos que se desvaneciam em vapores.

Eu chorava... E num instante de suprema insanidade espiritual, refulgiu pelo mistério um tempestuoso clarão iriado de luz solar. E pude contemplar o que até então me fora impossível: a face e os olhos da mulher sobre-humana que me havia feito o insalubre convite a entrar. E foi então que a amei. Daquela face onde conviviam anjos e demônios, e daqueles olhos fundos como o Desconhecido, que, sem cessar, mudavam de cor, raios nucleares em forma de flechas dardejavam enfebrecidos a essência de minha mônada.

E cantos e gritos alucinados, canhestramente dementes, porém belos, belos demais para se suportar, que me comoviam, esgotavam minhas lágrimas enlouquecidas, cantos e gritos partiram daqueles seres nunca-vistos, pela tensa escuridão iluminada. Uma sinfonia vulcânica, ciclônica, em forma de relâmpago. E enquanto meu peito explodia ao som dos estranhos seres e aos olhares em fogo da bela celeste-infernal, compreendi. Compreendi que estaria ligado maldita e abençoadamente àquela mulher para toda a eternidade finita ou infinita de minha existência insensata. Desejava saber quem era aquele ser feminino que me arrastou à loucura com seus filtros e feitiços mágicos, que tinha a cura para aumentar minha doença. Arrastando meu manto de roxas saudades e torturas, mergulhei minha alma nos enigmas arcânicos de tudo o que se oculta no cosmos... Abalos sísmicos anímicos faziam tremer meu ser, e aos vapores sangüíneos de rosas e sangues, pesadelos e sonhos desabavam pesarosos sobre minha fronte ensandecida.

Com meus braços inflamados de esquisitas e angustiadas energias não-corpóreas, abracei em êxtase divino o coração daquela mulher e beijei, na marcha fúnebre da morte e do fim, seus lábios em lava. Pelas janelas de meu sublime transtorno, da furiosa paixão sem limites, eu via a celestial tempestade eterna se aproximando em relâmpagos apocalípticos. Ao nosso redor, erguiam-se, em deliciosa loucura ameaçadora, fantasmas e magas em fulgurantes espectros de astros vermelhos. E num murmúrio, na plenitude fantástica da demência, perguntei aos ouvidos da mulher que me arrebatou e devastou-me como um furacão aos extremos universais... Eu perguntei o seu nome. E ela falou-me. Senti-me salvo. E o seu nome era Arte.

(Na imagem, o quadro "Ophelia", de Alexandre Cabanel.)

03 agosto 2010

Final, de Eduardo Guimaraens


Eduardo Guimaraens. Alguém sabe quem foi ele? Que foi um poeta gaúcho nascido em Porto Alegre em 1892? Que escreveu sete livros e que foi considerado na época nosso maior poeta simbolista? E mais, que chegou a ser considerado uns dos maiores do país, comparado a Cruz e Sousa? Triste saber que um poeta de sua magnitude esteja relegado ao esquecimento até mesmo pelos gaúchos. Mas, quais seriam os motivos? A meu ver, faz parte da discriminação sofrida pelo Simbolismo em nossas terras; a verdade é que ainda hoje os brasileiros não lograram compreender os simbolistas, algo muito diferente do que ocorre na Europa, por exemplo.

Sem dúvida, Eduardo Guimaraens também foi vítima desse “preconceito” para com o Simbolismo. Felizmente, grandes críticos, como Massaud Moisés, souberam considerá-lo como “autêntico poeta”, e que “alguns de seus poemas serão suficientes para situá-lo sem favor ao lado de Cruz e Sousa e Alphonsus de Guimaraens”. Da mesma forma, julgou Andrade Muricy que “a sua arte afastou-se do cunho clássico português e da ingenuidade da temática e da expressão... foi dos mais civilizados dentre todos eles e um dos mais meditativos e delicados”.

Não obstante, a poesia de Eduardo Guimaraens nos apresenta um âmbito temático de inúmeros desdobramentos. Sua obra nos revela uma profunda sensibilidade e imaginação, uma sutileza e musicalidade da linguagem, um refinamento de emoções repleto de luzes e sombras. Seus poemas são intensamente humanos e espirituais, situando-se entre a veia lúgubre de Alphonsus de Guimaraens e a ascensão vertiginosa de Cruz e Sousa. Eduardo é mais sereno que ambos, menos sombrio que o primeiro, mais terno que o segundo. Abaixo, um de seus sonetos, presente em seu livro "A Divina Quimera". Na imagem que acompanha a postagem, "Noite Estrelada Sobre o Rhone", de Van Gogh.

Final

Como alguém que colhesse um doloroso lírio
florido à sombra azul de algum jardim claustral,
do meu sonho de amor, a um súbito delírio,
dei-te a aspirar, ó Noite, a grande flor nupcial.

Mal magnífico, insânia extática, martírio,
tudo o que a alma sofreu de sobrenatural,
tu, só tu, Noite insone, à luz de um velho círio,
hás de entender, talvez por um mistério ideal!

Noite, que és a Beatriz que inspira e que conduz,
a ti suba o perfume, alucinante e forte,
da flor que, às minhas mãos, esplêndida, reluz!

É tua a febre ardente em que me torturei!
Tu me cinges de sombra e a sombra é quase a morte!
Noite divina e triste, a ti tudo o que amei!

Eduardo Guimaraens

02 agosto 2010

o Melhor é o que Não se Espera

o que se planeja
não é o que é a vida:
a vida é o que não está nos planos.
mais vale
aquilo que não se espera,
porque o que se espera
vem sempre abaixo do esperado

o mais belo o mais alto o mais fundo
é aquilo que não nos pode ser dado

por isso meus olhos febram
de arder pelo que não posso
por aquilo que não depende
do inútil do meu esforço

mas de outro esforço além do pensado
como sendo surpresa na estrada
como inesperada
paisagem no campo
como o sublime
surgido do nada

o que está ao alcance da mão
não vale a pena ser alcançado:
como é nobre aquilo que sonha
distante...
do infinito ao lado!

tu, como estrela que me fita ao longe
disseste-me tanto sem falar-me nada
como música jamais soada
como o impossível nos meus ouvidos
cantos que mais relembro
quanto mais me forem esquecidos...

o que é então
que deve ser como deveria?
talvez o melhor seja o que não se espera
o que não se vê
o que não seria...
talvez o melhor da lua
seja a sua face sombria...

31 julho 2010

aos Finais

vós amais
ao jamais...

então quais?
só normais
tão iguais...
nada mais.

ideais?
irreais
já demais
e fatais.

imortais
me esperais?
imorais
me cansais
me acabais
me deixais
sem sinais

vendavais
terminais...

e o que mais?
Nunca Mais.

29 julho 2010

Oração Sombria

ó Tu
que conheces tanto o Céu como o Inferno
que escutaste o martelo dos anjos
e os trágicos divinos desígnios...
ora por mim

Tu
que surgiste das tensões coronárias
dos anômalos pulsos cardíacos
e das febres fatais pelas têmporas...
sente por mim

Tu
que te assomas em asas-crepúsculos
que dos corvos ao pio espalhas ocasos
e retiras da noite o teu verbo em delírio...
voa por mim

Tu
que forte te nutres da tristeza e da angústia
que te ergues mais alto do sepulcro dos sonhos
e arrancas tua glória dos amores funestos...
sonha por mim

Tu
que te iluminas com as auras do sangue
que das lágrimas constróis catedrais
que extrais do infortúnio o teu canto
canta por mim

Tu
que te ocultas nas florestas em névoas
que te emerges dos profundos dos lagos
que te fúrias nas tormentas sem paz...
vence por mim

ora por tudo que eu queria amar-te
ó Tu
minha Arte.

28 julho 2010

Quem Conhece a Verdade é Esta Ave Coberta de Óleo


"Se todas as pessoas que vivem na China e na Índia consumissem numa mesma proporção, seguindo o modelo norte-americano, o planeta poderia explodir." Quem disse foi o vice-presidente da Associação dos Geógrafos Brasileiros e professor da UFRGS, Nelson Rego, conforme notícia veiculada no jornal Correio do Povo de 26 de julho de 2010.

Nada de novo aqui no blog. Já cansei de afirmar, com outras palavras, a mesma coisa. Mas as pessoas não querem nem saber. E consumistas todos nós somos. Alguns mais, outros menos, mas somos. E fomos condicionados a assim viver. E pior, somos cada vez mais consumistas. A China, por exemplo, vem crescendo a um ritmo assustador, aproximando-se dos absurdos e degradantes padrões norte-americanos. E todos sabem que os chineses não se preocupam com o meio-ambiente.

E o  Brasil? Também está crescendo. Com real preocupação ecológica? Claro que não. O imbecil novo Código Florestal Brasileiro está aí para provar. De modo, meus amigos, que eu pergunto com indiferença: onde está a esperança para a nossa civilização? Alguém, por favor, diga-me. Todos só pensam em "progresso".  E iremos progredir. Para os negros braços da morte. Não necessito de nenhuma complexa  análise intelectual para dizê-lo, não necessito escrever livros com ensaios formando centenas de páginas, muito menos de preconizar complicadas e brilhantes filosofias, sociologias, antropologias, enfim, todo esse palavrório inútil de intelectualismos que não leva e nunca  levou a lugar algum. Quem conhece a verdade é aquela ave coberta de óleo da imagem.

Não há solução.

O planeta não vai explodir. A humanidade sim.

27 julho 2010

Manter Silêncio...

vós sois
como os felinos:
não atendem aos chamados...

voz só
sem ecos ressoados.
por isso
esqueço
e emudeço:

silencio-me
    e   cio-te

26 julho 2010

Fim, de Murilo Mendes

Murilo Mendes, nascido em Juiz de Fora, MG, em 1901 e falecido em 1975 é um dos maiores nomes da 2ª Geração Modernista, representando com grandeza o surrealismo em nossas terras, sem no entanto, prender-se somente a ele. É um dos meus poetas modernistas prediletos, seja pela sua imensa variedade de temas abordados, seja pela originalidade e profundidade de quase tudo que surgiu de sua pena, tanto em conteúdo como em forma. Abaixo, um poema de Murilo Mendes. (Na imagem que acompanha o poema, "O Juízo Final" de Michelangelo)

Fim

Eu existo para assistir ao fim do mundo.
Não há outro espetáculo que me invoque.
Será uma festa prodigiosa, a única festa.
Ó meus amigos e comunicantes,
tudo o que acontece desde o princípio é a sua preparação.

Eu preciso assistir ao fim do mundo
para saber o que Deus quer comigo e com todos
e para saciar minha sede de teatro.
Preciso assistir ao julgamento universal,
ouvir os coros imensos,
as lamentações e as queixas de todos,
desde Adão até o último homem.

Eu existo para assistir ao fim do mundo,
eu existo para a visão beatífica.

Murilo Mendes

25 julho 2010

Poema de Amor?

Mas o que seria um poema de amor?
Esse amor que é o teu não é o mesmo meu...
Longe de tudo paira essa palavra vária
Horizontes sem fim é sua morada-enigma
Onde nunca rastejam tais amores
Ridículos...

Não me venham com apaixonites sentimentalóides
Apegos de fraqueza e egoísmo
Ondas inconstantes de desejos carentes...

Escrevam outros poetas poemas de amor
Sábios que forem melhores que eu
Cansei de dizer o não-dito-impossível
Regando de sangue o negro do lodo
Em que pisam as patas dos porcos...
Vou reservar ao silêncio este átomo
Em que um dia julguei-me sublime...

Lá, só no Nada-Vazio, é que nada
O Amor.

23 julho 2010

Um Enigma (Trágico)

quando a estrela não brilha
o sonho reflete ao contrário:

segredo jamais segregado
tornou-se o fim da glória de César
o que era de César
a César nunca foi dado

um adeus ao vermelho de sangue
da capa derramada no peito

se colocares ao espelho o que digo
verás que o que é dito não é o que é escrito
e não há outro jeito

é que a estrela caiu dentro em um lago
quando a colhi para ir mais ao alto

e quando a estrela é sem luz
o sonho reflete invertido...

o legionário caiu do cavalo
e o digo em palavras do fim ao começo
do sonho só o s é bonito...

que não adianta
um corvo é sempre um corvo
e sempre a maldição se assoma:
Nunca Mais um poema de roma.

21 julho 2010

Não-Sentido

mas qual sentido que há
no sentido do que sinto?
se tudo é um sonho seco
afogado em vinho tinto
sentimento sem saída
taça cheia do que minto
soco inútil por estercos
vãos derrames indistintos
gota em vaso carcomido
sangue em quadro que não pinto
verso-vento sem destino
vulto-anseio não me vindo
vasto plano sem motivo
deus-deboche sempre rindo
sol perdido em noite-sino...

mesmo assim eu vou sentindo...

19 julho 2010

Como se Eu não Soubesse... *

como se houvesse tempo
estão lá com sede de progresso
como se evoluíssem
ceifando paraísos
para semear infernos
como se fossem eternos
como se fossem espertos
em transformar os campos
em desertos
como se não bastasse...

contando como se fosse
para matar a fome
como se dessa forma
distribuíssem renda
como se fosse em nome
do que fosse justo
como seu eu acreditasse
e como se a Terra
aguentasse

como se não fosse
para colher ganâncias
como se fossem heróis
e não tivessem ânsias
de se enriquecer à custa
do que tenha vida...
como se não houvesse morte

como se tivessem pena
do que canta e voa
do que sente e corre
como se tudo o que tenha vida
fosse só nada quando se morre
como se não viesse a volta
como se não tivesse preço
e como se não viesse o Tempo
bater em nosso endereço...

fazem tudo
como se o tudo fosse só assim
e como se não houvesse o Fim.

* Poema em homenagem ao novo Código Florestal Brasileiro

17 julho 2010

do Perfume

o perfume dos novos tempos:
sem fadas e sem palmas
horrores onde minhas narinas deponho
longínquas de inocências de criança...

só o miasma dos cadáveres das almas
flatulências fermentadas do teu sonho
e o fedor da carniça da esperança...

14 julho 2010

da Obrigatoriedade

estás na estrada
e terás que fazer a Curva...
mas não sabes quando virá a Curva
nem de onde a estrada veio
nem para onde a estrada irá
mas estás na estrada
e terás que fazer a Curva...

e a estrada em que estás não conheces
ou conheces mas não lembras da estrada
muito menos lembras da Curva
mas depois da Curva
o que virá?

virão planícies ou tempestades
lagoas ou acidentes
florestas ou precipícios...?
ou será que a estrada
acaba
depois da Curva?

sim, porque estás na estrada
e terás que fazer a Curva...
mas cuidado ao fazê-la
ao temê-la
ao dizê-la
ao pensá-la
ao sorri-la
a Curva é sempre perigosa
e não sabes que Curva é aquela...

mas quando fizeres a Curva
(e terás que fazer a Curva)
te curvarás.