30 abril 2023

Do Eterno Retorno

este é o último canto
do conto eterno que conto
em que me encontro e retorno
e sempre em torno ao meu rosto
o teu encanto me conta
o que pra sempre me resta
o que deixei de meu rastro
este é o último conto
em que pra sempre me canto
e pelo céu que me arrasto
revolto volto no entanto
com sangue e verso em meu pranto
em vulto vida revolta
contam comigo os meus olhos
que viam além da minha conta
olhando acima da lama
além de tudo que ama
restou-me só a minha alma.

16 abril 2023

Da minha obsessão por Sangue

a história da humanidade
é a história do sangue
do quanto foi aquecido
pelas paixões que nos arrastam
do quanto foi derramado
pelos horrores que nos devastam
este sangue em minhas mãos 
é minha história não contada
a mesma história desta terra destruída
desta humanidade aniquilada.
o mesmo sangue da guerra
o sangue dos teus olhos quando chora
o sangue do teu corpo quando escorre
o sangue deste amor coagulado
o sangue deste ódio recolhido
o sangue mal resolvido
o sangue nunca provado
o sangue do sol ao se ir a luz
tudo o que se vive
é só um sangue gotejando 
do teu beijo sobre uma cruz.
não te engana:
esta civilização só valoriza o sangue
o sangue do bicho matado
a seiva da planta cortada.
a minha obsessão por sangue
não é só pelo vinho que me salva
ou que me mata
ou pela dor do bicho atropelado
por seu sangue 
derramado pela estrada.
minha obsessão por sangue
não descansa
é como se Cristo fosse crucificado 
todos os dias
e eu visse seu sangue em toda parte 
o sangue é um resumo 
da minha arte.








15 abril 2023

Decepção

um corvo sino batia
eram fúnebres da tarde
(o lobo os cordeirinhos comia)
e amei pela tempestade.
martelo sangrava as rosas
eram nuncas madrugadas
(cheirei sangue no ventre das pombas)
te voei em serenatas.
furava sonhos com nadas
Deus debochava os meus medos
(as onças devoravam as fadas)
Satã cantava os teus dedos.
o sol sorria desgraças
de noite em noite eu caía
(eu abri pra ti as minhas asas)
no inútil da poesia.






05 abril 2023

Ode À Onça-Pintada


Tu estás no pódio olímpico
dos maiores felinos do mundo
e és a única com nome fêmino:
é isto que aumenta teu poder
tua elegância teu charme.
rainha absoluta
das florestas da américa
(essa outra terrível mulher).
sublime irmã dos indígenas
temida imperadora das águas
não há boca como a tua
não há mordida com mais força.
quem é que resiste 
à saliva dos teus dentes?
ao toque das tuas unhas?
quem é que não se queima
com as chamas flamejantes 
do sol da tua pelagem?
quem é que resiste
ao fogo concentrado e hipnótico
do teu beethoveniano olhar?
o trovão do teu rugido
retumba pelos temporais.
quando ergueste teu reino
nem havia humanidade.
e a humanidade deixará de haver
mas tu continuarás
pelo mistério
da 
tua sedutora eternidade.




02 abril 2023

Versos Diretos n° 57, 58 e 59

n°57: poesia 
é música em estado sólido.
música
é poesia em estado líquido.

n°58: se tu olhares fixo 
no olhar de um felino selvagem
de duas, uma:
ou ele vai ser indiferente 
e cagar pra ti
ou vai te atacar
sem que possas reagir.
assim deve ser a arte:
sem meio termos.

n°59: a arte 
é como o amor:
ambos nos preenchem
de prazer e dor.
é por isso que Vênus
simboliza os dois.


01 abril 2023

Soneto de Dúvidas

o que será de mim depois do sono?
que astro em chama me olhará no outro dia?
qual sol ouvirá minha voz vazia?
que verso virá do que já me outono?

como se chega ao prometido, como?
com que lábio se estanca uma sangria?
que estrada é que se pega a quem não ia?
destas ruas nuncas, qual a que eu tomo?

que céu de não voltará entre o pesar?
para onde é que sepultaram os abraços?
quem morrerá pra que se possa amar?

quem beberá o sangue que está aos pedaços?
por que este verso não pôde te olhar?
o álcool a música as noites espaços.