28 outubro 2020

Poesia não é para ser entendida

poesia é sensação, não é entendimento.
só fica o que for sentido
só fica aquele gosto de algo
nem que não se saiba do que é
(Poesia não é para ser entendida)
 que se sente e não se explica 
aura de alma que é só sugerida 
uma impressão um indício um vago pelo ar
(qual coisa é que faz sentido pela vida?)
a poesia é mais ser do que pensar

eu sou mas não estou 
na poesia que escrevo 
a poesia é como o beijo:
estraga se tentar explicar
é tudo que fica do que pode haver 
é a palavra mais forte a mais funda a mais pura 
a mais próxima do amor
pode ser trágica terrível mas é sempre bela
está no olhar da Sophie nos olhos dela
para ler poesia não há outro motivo
a não ser o de amar
seja lá o que for

essas palavras que digo
nem sei se estão comigo
assim como não sei se estarei vivo 
no meu próximo dia
mas se um deus ou deusa 
viesse nos falar 
só falará poesia.


26 outubro 2020

Não temos olhos para dentro

o gavião voa pelo céu azul
e paira no ar entre a corrente de vento
com suas asas abertas aproveitando o instante
e nós olhamos e achamos isso grande e belo

porque é a vida em seu estado puro
e a vida em seu estado puro é imensa e simples
e vivida a cada instante porque a vida é o instante
e não há outra vida a não ser o instante que se vive
e isso é simples e é grande e é belo

mas nós humanos estamos aqui
não sabemos nem ser simples nem grandes nem belos
sufocados numa existência complicada e pequena
não vivemos os instantes porque pensamos em outros instantes
que ainda não vieram e talvez nunca venham
e bem lá dentro no nosso íntimo no nosso ser
que é onde vive a vida
nós não alcançamos
porque não olhamos mais para dentro
mas só para o próximo desejo lá fora
a (não) ser alcançado.

23 outubro 2020

Cacem minha Alma

Peguem meus versos e matem a pauladas
sujem em fluídos de todas as mortes,
deixem aos pedaços pingando dos cortes,
e enterrem aos montes, não servem pra nada.

Joguem no lixo da Terra acabada,
cacem minha alma em covardes esportes,
juntem com a noite da antiga má-sorte,
deixem que caiam meus olhos da escada.

Aplausos à arte são risos mentidos,
e todo artista que se acha mui útil
já vê seu vasto nas ruas cuspido.

Homens só louvam imbecis, o que é fútil,
o verme e a merda. Tudo ânsia perdido
num ato morto de um sonho que é inútil.

20 outubro 2020

Nas Ruas de Santa Maria

o ato de caminhar pelas ruas
para quem vive é diferente de quem caminha
só pelo necessidade de caminhar 
ou pelo bem estar físico.
geralmente as pessoas caminham mortas:
ou afundadas no quem tem que fazer pelas ruas
ou afundadas na sua dita saúde
para que possam viver mais
estando mortas.

para quem vive caminhar é algo que vem de dentro:
como sentir que naquele canto da calçada
de qualquer rua do centro de Santa Maria
muita coisa já aconteceu, já houve almas ali
sendo felizes ou desgraçadas
e que tanta coisa poderia ter acontecido
e é triste o não ter sido.

as folhas rolando pelas ruas com o vento
são como facas que fere o que se olha
e fere mais ainda o que se sente
e o céu de amores e ausências se infiltra 
por entre prédios sacadas janelas e negócios
como vapores de um pântano de distâncias.

caminhar para quem vive é um ato de solidão.
e o porquê já está explicado.





18 outubro 2020

"Um urubu pousou na minha sorte" Augusto dos Anjos

 a Morte sempre esteve do meu lado
desde quando eu vivia antes de agora
pedi mas ela nunca foi embora
nem se comoveu por eu ter chorado

me olhou com seus olhos acastanhados
os cabelos pelos ombros afora 
sangue e mais sangue e mais sangue indo embora
por entre beijos de horrores e fados

hoje os dias só nos falam de morte
de tudo que parte acaba se finda
e resto de almas caçado em esporte

meus dias de vida resistem ainda
mas "um urubu pousou na minha sorte"
e a Morte... a Morte é sempre mais linda.



15 outubro 2020

Agora, estão Todos Mortos

Goethe disse que nunca conheceu um artista
tão enérgico e concentrado como Beethoven.
depois completou afirmando que
o mundo lhe deveria ser detestável e que  
"infelizmente, tem uma personalidade incontrolável".
Beethoven, que era fã de Goethe, bêbado mais tarde
não gostou dos elogios 
e mandou Goethe se foder declarando que ele, Goethe
gostava demais do ambiente dos ricos para um poeta.

sobre Van Gogh conta-se
que ele passava por episódios de profunda 
tristeza e isolamento (depressão, né)
tinha personalidade complicada (sério?)
e adorava discussões.
frequentemente causava apreensão em sua família
(que ele mandava à merda)
e só tinha amores impossíveis ou infelizes.

já Michelangelo, conhecido como "O Divino"
era desconfiado e antissociável.
tinha má digestão e dores de cabeças frequentes
o que o deixava ainda mais melancólico.
diziam os italianos que era terrível e passional 
e estava sempre puto da cara.

quanto ao borracho Edgar Allan Poe
o inventor do terror moderno
das histórias policiais e de crime
criador do poema mais perfeito da história
bom, esse era o pior.
não passava de um pinguço apaixonado 
com QI acima de 180.
como não tinha Quem lhe Indicasse
muito menos sorte ( que o diga O Corvo)
o gênio da literatura morreu na sarjeta
literalmente.





13 outubro 2020

Sorriso-máscara

aquele sorriso dos seres humanos 
salivando os dentes alvos e calvos
com lábios largos e vastos
já tocando nas costas

aquele sorriso distribuído nas ruas
e servido com bosta
de graça sem graça nenhuma
noticiado em jornais 
e em ditos progressos de governos 

sempre dando nas vistas
e nos nervos 
em telas de TV celulares capas de revistas

aquele sorriso da dita alegria da vida

de que não se duvida e a todos afaga
do ideal alcançado
da esperança elevada

aquele sorriso-máscara 

do que não adianta 
mais nada.

10 outubro 2020

Bunda Suja

ninguém assume seu próprio peido 
ninguém se olha no seu espelho 
muito menos no próprio poço 
todos só querem saber de "eu posso"
mas ninguém enxerga o "eu morro"

só queremos coisas leves 
sem preço retorno ou culpa
otimismos sorrisos sucessos 
existências fashion
e descoladas
onde pensar tornou-se um saco
e sentir tornou-se piada

queremos vidas de nada
em que se possa ter de tudo
e não se paga por nenhum ato
com os lábios até as orelhas
sem voltas sem consequências 

enfim aquela coisa
em que todo mundo caga
e ninguém lava a bunda

e a humanidade afunda

05 outubro 2020

Uma Ave Cantou na Madrugada

 uma ave cantou ontem na madrugada
eram quase 5h
de canto estranho antigo desconhecido
como se fosse um presságio um aviso um hino
(aquela ave realmente cantou de madrugada)
eu não soube que ave que era
eu que conheço tantas aves e tantos cantos
tantos sons tantas músicas tantos espantos
parecia não ser deste século milênio ou idade
soou pré-histórico não-existente algo de extinto
de coisas que morrem que partem desaparecem
parecia que vinha de florestas tombadas e paraísos perdidos
havia algo de fim havia algo de morte
um eco de tudo que foi e já não é
de tudo que é e não será
de tudo que será quando nada for
era como um grito um sangue um pranto
cheirava a sonhos ou de outros planetas
um último ou um novo sopro de vida
a morte e a donzela de Schubert
lacrimosa do Réquiem de Mozart
e foi no fim da madrugada
mas era só o começo do que anoitece
talvez fosse um bater de sino
talvez do fim do mundo
talvez do meu destino


03 outubro 2020

Breve Consideração sobre o Fim desta Humanidade

há sabedoria na natureza.
em todas as grandes extinções em massa
(e hoje já vivemos outra)
o objetivo final sempre foi
extinguir a espécie dominante 
para que outras novas espécies 
pudessem reinar.