21 novembro 2012

Cruz e Sousa e a Consciência Negra

20 de novembro é o Dia da Consciência Negra. Infelizmente, meu dia de ontem foi bastante corrido e não tive tempo de postar nada no blog. Faço-o hoje. Mas sem realizar homenagenzinhas sem graça, atulhadas de lugares comuns e de hipocrisias. 

Aproveito para falar de Cruz e Sousa (que nasceu em 24 de novembro de 1861), o grande poeta negro, filho de escravos, o Cisne Negro, como ficou conhecido, um dos maiores poetas brasileiros e um dos maiores simbolistas mundiais. Se o catarinense Cruz e Sousa não foi um grande revolucionário da linguagem poética, como o foram Baudelaire e Rimbaud, talvez os dois maiores nomes do Simbolismo universal, o nosso simbolista foi sem dúvida mais sublime que o primeiro e mais humano que o segundo. Acrescentaria ainda que foi mais sincero que Verlaine, mais profundo que Mallarmé e mais autêntico que Valéry. Dito isso, não é necessário que eu diga mais nada sobre. 

Talvez apenas seria interessante acrescentar que Cruz e Sousa não faz parte da Academia Brasileira de Letras. Não o faz porque era negro? Ou porque era simbolista? O Simbolismo foi um movimento muito combatido pela crítica brasileira da época, que preferia os artificialismos do Parnasianismo. Os franceses e alemães, países atrasados, é que apreciavam o Simbolismo. Seja como for, ainda bem que o Sousa não fez parte dessa Merda  toda (em maiúscula mesmo, em um recurso simbolista) que se tornou a nossa academia de letras.

Deixo trechos do poema "Piedosa", comovente obra que Cruz e Sousa escreveu para sua mulher, também negra, Gavita Gonçalves, que lhe deu quatro filhos, todos mortos pela tuberculose, e que, por isso, enlouqueceu. Poucas obras em nossa literatura são tão tocantes como o poema abaixo. Comprovem:

Piedosa (Trechos)


Porque não é por sentimento vago,
Nem por simples e vã literatura,
Nem por caprichos de um estilo mago
Que sinto tanto a tua essência pura.

Não é por transitória veleidade
E para que o mundo reconheça,
Que sinto a tua cândida Piedade,
As auréolas de Luz dessa cabeça.


Mas sinto porque te amo e te acompanho
Pelas montanhas de onde sóis saudosos
Clarões e sombras de um mistério estranho
Espalham, como adeuses carinhosos.

Sinto que te acompanho, que te sigo
Tranqüilo, calmo desses vãos rumores
E que tu vais embalada comigo,
Na mesma rede de carinho e dores.

Sinto os segredos do teu corpo amado,
Toda a graça floral, a graça breve,
Todo o composto lânguido, alquebrado
Do teu perfil de áureo crescente leve.

Sinto-te as linhas imortais do flanco,
E as ondas vaporosas dos teus passos
E todo o sonho castamente branco
Da volúpia celeste desses braços.

Sinto a muda expressão da tua boca
Feita num doce e doloroso corte
De beijo dado na veemência louca
Dos céus do gozo entre o estertor da morte.

Sinto-te as nobres mãos afagadoras,
Riquezas raras de um valor secreto
E mãos cujas carícias redentoras
São as carícias do supremo Afeto.

Sinto os teus olhos fluidos, de onde emerge
Uma graça, uma paz, tamanho encanto,
Tão brando e triste, que a minha alma asperge
Em suavíssimos bálsamos de pranto.

Uns olhos tão etéreos, tão profundos,
De tanta e tão sutil delicadeza
Que parecem viver lá n’outros mundos,
Longe da contingente Natureza.

Olhos que sempre no tremendo choque
Dos sofrimentos íntimos, latentes,
Tem esse toque amigo, o velho toque
Original das lágrimas ardentes.

Ah! sé eu vejo e sinto esse desvelo
Que transfigura e faz o teu martírio,
O sentimento amargurado e belo
Que e já, talvez, quase mortal delírio...

Sinto que a mesma chama nos abraça,
Que um perfume eternal, casto, esquisito,
Circula e vive com divina graça
Dentro do nosso trêmulo Infinito.

E tudo quanto me sensibiliza,
Fere, magoa, dilacera, punge,
Tudo no teu olhar se cristaliza,
No teu olhar, no teu olhar que unge.

Cruz e Sousa




4 comentários:

  1. Se Cruz e Sousa tivesse integrado a ABL seria homenageado aplaudido em uma celebração muito glamourosa na sede da ABL...
    Mas como não à integrou, nem é lembrado...
    Assim acontece com muito poetas brasileiros...

    Abraço Al

    Felipe

    ResponderExcluir
  2. Boa lembrança.
    Antes ficamos conhecendo a maioria dos poetas nas escolas.
    Hoje quase não se fala neles, só os lembrado pela imprensa são os mais lidos.
    Beijos!!

    ResponderExcluir
  3. Que bom que hoje existem canais onde as pessoas "esquecidas" são lembradas e homenageadas. Parabéns.

    ResponderExcluir