Viviam aqueles suicidados com a firme aceitação geral. Eram tomados como exemplos, para todos, de pessoas decididas, conscientes de seu lugar no mundo, sensatas, trabalhadoras, vitoriosas, que obtiveram o pleno sucesso na vida. Os outros, os que não se mataram, os poucos, os raros, que ainda insistiam em não se suicidar, eram duramente condenados, acusados de mil e uma tolices, erros, equívocos, fracassos, absurdos e, até mesmo, de infâmias e crimes. De modo que a pressão psicológica para que também se matassem era gigantesca.
Eu, hesitando em me suicidar, era visto com muito maus olhos, naturalmente. Chamavam-me de louco. Não entendiam, os suicidados, o que eu buscava na vida, se é que eu buscava alguma coisa. Era ostensível, para eles, que eu só obteria derrotas e fracassos, desgostos e desilusões, aflições e angústias, miséria financeira, todo tipo de insegurança e de incompreensão, que sentiria na pele a crueldade do mundo, talvez me tornasse um pária, um marginalizado, e provavelmente acabaria meus dias na mais completa solidão, sem família, sem amigos, sem trabalho, talvez até mesmo em um hospício ou na prisão.
Até que não vendo saída, cercado por todos os lados, pressionado por aqueles que supostamente vinham me ajudar e convencido por seus irrepreensíveis e avassaladores argumentos, decidi-me pelo meu suicídio.
E o cometi. Agora sou um suicidado. Sinto uma moderada tranquilidade que, no entanto, não é sinônimo de paz. Casei-me com outra suicidada, não creio que realmente a ame. E isso também não importa. Ela também não deve me amar de uma forma verdadeira. Aliás, quem ama de verdade? Temos uma linda filha, que, com o tempo, também aprenderá a se suicidar. Assim desejamos, assim devemos desejar. Vivemos de forma relativamente segura, com uma regular independência financeira. Não temos grandes preocupações. Praticamente, não há alterações nos dias de nossa rotina, creio que atingimos, de forma mediana, todos os nossos medianos objetivos. Sim, objetivos moderados. Grandes objetivos, ideais, vastos sonhos são sempre inatingíveis. E trazem dores insuportáveis. Aprendi que devemos sempre evitá-los.
Tenho um bom emprego, trabalho 40h por semana, não é muito, há alguns suicidados que trabalham bem mais. Não é o emprego de meus sonhos, admito, um pouco estressante, é verdade, meio sem graça, mas paga bem. Nos fins de semana, saímos para nos divertir, tomamos umas cervejas, jantamos fora, às vezes viajamos, é uma vida agradável. E é isso. Não há muito que acrescentar. Não me interesso pelas coisas que acontecem no mundo exterior, a não ser aquele interesse indiferente de quem assiste a um telejornal. Lamento as tragédias, sorrio com as boas notícias, mas também o que poderia fazer por elas? Sou, agora, uma pessoa sossegada, não quero nada mais que venha me inquietar, perturbar o meu morno sossego. Agora sou como todos. Agora estou morto.
(Na imagem, o quadro "Velho na Tristeza", de Van Gogh)
Olhando ao redor, é o que parece mesmo, que estão todos mortos.
ResponderExcluirJá me matei faz muito tempo
me matei quando o tempo era escasso e o que havia entre
o tempo e o espaço
era o de sempre
nunca mesmo o sempre passo
Morrer faz bem à vista e ao baço
melhora o ritmo do pulso
e clareia a alma
Morrer de vez em quando
é a única coisa que me acalma.
(Paulo Leminski)
Eu ainda não me suicidei de vez. Ando morrendo de vez em quando, como Leminski...rs
OBS: Mudei o layout novamente...rs, mas não deixe de me visitar.
Um beijo moço!
Nossa esse texto é excelente... Eu descobri que to me suicidando e nao quero!!!
ResponderExcluirAinda to brigando contra... nossa que tapa na cara!!! Amei mesmo, parabens!
de arrepiar teu texto Reiffer..
ResponderExcluire é assim para quase todos, a massa e a "vida" suicida..
beijos e bom findi.
Parabéns pelo texto.
ResponderExcluirO mínimo que se pode dizer é: criativo, instigante e profundo. Uma aragem em nossos cérebros, um punhal em nossos corações!
Me identifico...
ResponderExcluirEXCELENTE, Reiffer!
ResponderExcluirVocê realmente escreve muito bem. Quantas mortes temos em vida. O suicídio em alguns casos deveria ser permitido.
Mas não é.
Beijos, poeta!
Mirze
Uma reflexão e tanto, um tapa de luva, texto genial!
ResponderExcluirÉ...Quem quase vive, já morreu.
ResponderExcluirGrande idéia. Uma leitura que não cansa, desenvolvida com maestria.
ResponderExcluirEntão estes são o que somos...
Abraço.
Grande idéia. Uma leitura que não cansa, desenvolvida com maestria.
ResponderExcluirEntão estes são o que somos...
Abraço.
Escolheu para ilustrar um pintor que não se suicidou.
ResponderExcluirNão é fácil manter a chama, poeta.
beijo
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirTeu conto é uma bela metáfora para todos os vivos-não-vivos.Parabéns, Amigo!
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