(Este conto foi publicado originalmente em meu livro Contos do Crepúsculo e do Absurdo, lançado em dezembro de 2006.)
Tenso e angustiado, não conseguia dormir. Desisti, portanto, de tentar adormecer e resolvi realizar uma observação do que se passava em meu mundo interior, sem dúvida, intensamente caótico. Aos poucos, fui penetrando mais e mais nas sombras de minha psique, naquele umbral tenebroso e insolitamente desconhecido... Sim, desconhecido, pois nosso mundo psicológico, nossa psique ou nossa alma, como queiram os leitores, é zona de absoluto mistério... Digo que o homem, tão orgulhoso de seu “conhecimento” que, mesmo em termos exteriores, não é mais do que uma gota no oceano, nada sabe sobre si próprio... Nada sabe sobre o que realmente pensa, sobre o que realmente sente. Isso eu afirmo totalmente destituído de qualquer receio, pois naquela noite profunda, eu principiei meu terrível autoconhecimento e, consequentemente, conheci todo o diabólico funcionamento geral da psicologia humana...
Tudo era estranho e nebulosamente sobrenatural naquele universo dantesco em que mergulhava... eu submergia no mim-mesmo, no meu eu de horror e caos. Agora posso declarar, sem medo, que o ser humano já não me pode enganar com sua dúbia “sinceridade”, de minha boca poderão ouvir a recorrente frase: “eu os conheço muito bem e não confio no homem meu semelhante”; ou poderia, ainda me utilizar dos versos de Baudelaire: “ó falso, hipócrita leitor, meu igual, meu irmão”. Eu submergia em minha psique e em poucos segundos percebi o tagarelar e a gritaria insana de uma infinidade de entes, algo como seres perversos, em eterna, estéril e fatigante disputa por uma supremacia momentânea de minhas emoções e pensamentos. Nitidamente, eu “ouvia” berros, relinchos, grunhidos, frases absurdas e desconexas, que provinham ora de um lado, ora de outro, apresentando-se sob diversas e assustadoras vozes, ou estridentes, ou cavernosas, ou satanicamente infantis, ou de velhos decrépitos, ou de monstros mitológicos, ou de bruxas sádicas, ou de pseudoanjos, ou de supostas fadas celestiais...
E todas aquelas vozes eram eu e, ao mesmo tempo, não eram, algumas eu conhecia, outras me eram absolutamente ignotas, personificando miseravelmente o universo de meus desejos, de minhas lembranças, de minhas saudades, de meus remorsos, minhas cobiças, minhas maldades, minhas vaidades, meus erros, minhas supostas grandiosidades e ações superiores... E então iniciei a perceber os rostos hediondos de todas as repulsivas hostes satânicas que interiormente dominavam e constituem o ego de todo e qualquer ser humano que sobrevive na degenerescência crepuscular deste planeta em morte...
O medonho desfile de rostos demoníacos parecia não ter fim, e todas as sensações, sentimentos e ideias próprias de cada personificação interior iam me assediando, na mente e no coração, conquanto paradoxalmente eu me questionava: quem sou eu? Como posso considerar-me um ser individual, de uma só unidade psicológica, se um batalhão de entidades contraditórias são as formadoras de minha vida interior? Como posso supor e afirmar perante toda a falsa e corrompida sociedade, todos iguais a mim, ou talvez ainda piores, que sou um individuo único e de constante e confiável comportamento, sem em um momento aprecio com ternura e noutro odeio com todas as forças a mesma pessoa? Se em um instante sinto-me alegre e confiante, em luminoso bem-estar, e noutro caio em negros abismos, considerando-me o mais infeliz e desgraçados dos homens?
Tudo era estranho e nebulosamente sobrenatural naquele universo dantesco em que mergulhava... eu submergia no mim-mesmo, no meu eu de horror e caos. Agora posso declarar, sem medo, que o ser humano já não me pode enganar com sua dúbia “sinceridade”, de minha boca poderão ouvir a recorrente frase: “eu os conheço muito bem e não confio no homem meu semelhante”; ou poderia, ainda me utilizar dos versos de Baudelaire: “ó falso, hipócrita leitor, meu igual, meu irmão”. Eu submergia em minha psique e em poucos segundos percebi o tagarelar e a gritaria insana de uma infinidade de entes, algo como seres perversos, em eterna, estéril e fatigante disputa por uma supremacia momentânea de minhas emoções e pensamentos. Nitidamente, eu “ouvia” berros, relinchos, grunhidos, frases absurdas e desconexas, que provinham ora de um lado, ora de outro, apresentando-se sob diversas e assustadoras vozes, ou estridentes, ou cavernosas, ou satanicamente infantis, ou de velhos decrépitos, ou de monstros mitológicos, ou de bruxas sádicas, ou de pseudoanjos, ou de supostas fadas celestiais...
E todas aquelas vozes eram eu e, ao mesmo tempo, não eram, algumas eu conhecia, outras me eram absolutamente ignotas, personificando miseravelmente o universo de meus desejos, de minhas lembranças, de minhas saudades, de meus remorsos, minhas cobiças, minhas maldades, minhas vaidades, meus erros, minhas supostas grandiosidades e ações superiores... E então iniciei a perceber os rostos hediondos de todas as repulsivas hostes satânicas que interiormente dominavam e constituem o ego de todo e qualquer ser humano que sobrevive na degenerescência crepuscular deste planeta em morte...
O medonho desfile de rostos demoníacos parecia não ter fim, e todas as sensações, sentimentos e ideias próprias de cada personificação interior iam me assediando, na mente e no coração, conquanto paradoxalmente eu me questionava: quem sou eu? Como posso considerar-me um ser individual, de uma só unidade psicológica, se um batalhão de entidades contraditórias são as formadoras de minha vida interior? Como posso supor e afirmar perante toda a falsa e corrompida sociedade, todos iguais a mim, ou talvez ainda piores, que sou um individuo único e de constante e confiável comportamento, sem em um momento aprecio com ternura e noutro odeio com todas as forças a mesma pessoa? Se em um instante sinto-me alegre e confiante, em luminoso bem-estar, e noutro caio em negros abismos, considerando-me o mais infeliz e desgraçados dos homens?
Como posso julgar-me alguém uno, se meus pensamentos e sentimentos nunca permanecem os mesmos por muito tempo? Se sou aquele que faço o que não quero e o que quero, não faço, impelido por forças irrevogáveis? E mais ainda: se nem ao menos consigo manter minha atenção em um único ponto por consecutivos minutos, pois inconscientemente sou invadido, contra a minha vontade, de forma implacável e inexorável, sem que eu tenha o mínimo controle sobre mim mesmo, por uma infinidade indomável de lembranças irrelacionáveis, de idéias desconexas e absurdas, de perturbadoras emoções integralmente discordantes dos propósitos a que intento sofrivelmente dirigir minha débil atenção. Algo que leitor algum poderá negar, e os desafio a tanto. Esse é o homem, essa é “a eterna contradição humana”, nas palavras de Machado de Assis.
Passados alguns instantes dessa abominável constatação, estando eu ainda semi-conscientemente submergido em meu inferno particular, algo de absolutamente terrível e inusitado começou a ocorrer comigo. Tive a brutal sensação de que aquelas entidades satânicas de minha psique, comuns a toda humanidade inconsciente, intentavam agora, não satisfeitas em possuir o controle de minhas emoções e ideias, assumir também meu aspecto físico, ou seja, a minha fisionomia. Levantei-me em pânico e dirigi-me a um espelho... Aterrado, tive a traumática visão de alguém que não era eu... um bicho, uma coisa de aspecto odioso e repelente, que insanamente assumira minhas feições! Tentando tranquilizar-me, busquei observar com maior atenção aquilo que agora constituía monstruosamente o que então fora meu rosto, quando, para minha maior estupefação, o rosto modificou-se por completo, em uma assombrosa transformação...
Passados alguns instantes dessa abominável constatação, estando eu ainda semi-conscientemente submergido em meu inferno particular, algo de absolutamente terrível e inusitado começou a ocorrer comigo. Tive a brutal sensação de que aquelas entidades satânicas de minha psique, comuns a toda humanidade inconsciente, intentavam agora, não satisfeitas em possuir o controle de minhas emoções e ideias, assumir também meu aspecto físico, ou seja, a minha fisionomia. Levantei-me em pânico e dirigi-me a um espelho... Aterrado, tive a traumática visão de alguém que não era eu... um bicho, uma coisa de aspecto odioso e repelente, que insanamente assumira minhas feições! Tentando tranquilizar-me, busquei observar com maior atenção aquilo que agora constituía monstruosamente o que então fora meu rosto, quando, para minha maior estupefação, o rosto modificou-se por completo, em uma assombrosa transformação...
Amanhã, o final.
(Na imagem, o quadro "Perseus e Andrômeda" de Pierre Mignard)
O que foi isso? Eu adorei, estou buscando palavraas para descrever o que senti lendo esse post mas não estou encontrando!
ResponderExcluirO que ocorreu foi uma análise inconsciente, onde sem restrições nossos demônios internos( também chamados de desejos)vem a tona.
Soube tb descrever psiquê, como sendo alma para uns e mente para outros!
Muito bom...
abraços
Es un lujo leerlo. Sus textos son de una calidad asombrosa.
ResponderExcluirY este texto... qué valiente... bucear en el océano de su propia mente...yo no me animaría a hacerlo en la mía!
Su texto es brillante! Gracias por darnos la posibilidad de leerlo.Mis respetos y admiración como siempre.
É uma viagem aos labirintos da alma, com as mais lindas palavras.
ResponderExcluirVocê é bom disso garoto, impressionante como você escreve bem.
Beijos
Denise
Reiffer, gostaria de adquirir teu livro de contos, como é possível? A viagem pelos labirintos da alma, que a humanidade tanto teme e repele, é também sua redenção. Encarar,conhecer e integrar o lado sombrio que não é somente nosso, mas de toda a humanidade, é um ato de amor pela nossa espécie e por nós mesmos. Estou encantada com que li, tocou-me profundamente.
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