Eu sou aquele que os passados anos
Cantei na minha lira maldizente
Torpezas do Brasil, vícios e enganos.
De que pode servir calar quem cala?
Nunca se há de falar o que se sente
Sempre se há de sentir o que se fala.
Isto
faz a discreta fantasia:
Discorre
em um e outro desconcerto
Condena
o roubo, increpa a hipocrisia.
O
néscio, o ignorante, o inexperto
Que
não elege o bom, nem mau reprova
Por
tudo passa deslumbrado e incerto.
E
quando vê talvez na doce trova
Louvado
o bem e o mal vituperado
A
tudo faz focinho, e nada aprova.
Diz
logo prudentaço e repousado:
-Fulano
é um satírico, é um louco,
De
língua má, de coração danado.
Se souberas falar, também falaras
Também satirizaras, se souberas
E se foras poeta, poetizaras.
A ignorância dos homens destas eras
Sisudos faz ser uns, outros prudentes,
Que a mudez canoniza bestas feras.
Há bons, por não poder ser insolentes,
Outros há comedidos de medrosos,
Não mordem outros não? -por não ter dentes.
Quantos há que os telhados têm vidrosos,
E deixam de atirar sua pedrada,
De sua mesma telha receosos?
Todos
somos ruins, todos perversos,
Só
nos distingue o vício e a virtude,
De
que uns são comensais, outros adversos.
Quem
maior a tiver do que eu ter pude,
Esse
só me censure, esse me note,
Calem-se
os mais, chitom, e haja saúde.
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