21 fevereiro 2016

"Onde me encontro nada me convida"


Fernando Pessoa foi uma fonte inesgotável de poesia. Era, na poesia, algo como Mozart na música: a arte fluía desses gênios desde muito cedo (desde a infância) e de forma assombrosamente abundante, numa inspiração quase sem interrupções. Viveu quase que exclusivamente para a poesia como Mozart viveu quase exclusivamente para a música. Ainda hoje, são encontrados obras inéditas de Fernando Pessoa,  o maior poeta da língua portuguesa e um dos maiores de todos os tempos. Abaixo um dos seus perfeitos e enigmáticos sonetos:

Quem me roubou...


Quem me roubou quem nunca fui e a vida?
Quem, de dentro de mim, é que a roubou?
Quem ao ser que conheço por quem sou
Me trouxe, em estratagemas de descida?

Onde me encontro nada me convida.
Onde me eu trouxe nada me chamou.
Desperto: este lugar em que me estou,
Se é abismo ou cume, onde estão vinda ou ida?

Quem, guiando por mim meus passos dados,
Entre sombras e muros que me deu
A súbita fusão dos mudos fados?

Quem sou, que assim me caminhei sem eu,
Quem são, que assim me deram aos bocados
À reunião em que acordo e não sou meu?


Fernando Pessoa (que na imagem acima está preparando a alma para criar mais arte.)

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