Matara-a
com extremo cuidado e imperturbável silêncio. Em nenhum momento demonstrou a
mínima alteração emocional. Não fora motivado por ódio, ciúmes, inveja ou por
interesses financeiros. Não ganharia dinheiro ou bem algum com sua morte. Não
estava em jogo o recebimento de seguros. Não era um assassino de aluguel.
Nem
sequer houvera uma briga entre eles. Aliás, não trocaram uma única palavra.
Para falar a verdade, mal se conheciam. De vista, apenas. Não matara pelo
prazer de matar. Não apresentava nenhum problema psicológico que se classificasse
como determinada patologia. Nem mesmo houvera maldade ou más intenções no ato
de assassiná-la. Pelo contrário, as intenções eram as melhores.
A
moça possuía alguma beleza. Não era nenhuma deusa ou atriz de cinema, mas
trazia sua beleza particular. Após matá-la, ele arrancou seus olhos com
profunda habilidade e com um cuidado irrepreensível. A moça ostentava, até então, um belo par de
grandes olhos castanho-claros, quase amarelados. Depois que os extirpou, lavou-os
meticulosamente com água boricada. Em seguida, abriu-os com um bisturi
apropriado.
Deixou
escorrer o humor aquoso dos olhos da moça em um minúsculo recipiente de
alumínio. Não permitiu que se perdesse uma única gota do líquido ocular.
Guardou o recipiente no freezer. Com uma
extrema habilidade, uma habilidade refinada dos melhores cirurgiões (embora não
o fosse), isolou as duas íris e as duas pupilas. Colocou-as separadamente em
dois estojos de lentes de contato, um estojo para as íris e outro para as
pupilas. Conservou-as em formol.
Foi
a única maneira que encontrou para
contemplar a essência do olhar da
moça. Alguns o classificam como um louco, portador de alguma enfermidade mental
ainda desconhecida da ciência, um caso a ser estudado. Outros estão certos de
que ele é um possuído, de que deve existir algum demônio que se apossou de seu
corpo. Há os que afirmam simplesmente
que ele é um assassino absurdamente frio, e ponto final.
Quanto
a mim, diria que ele é alguém que compreendeu a fundo a pós-modernidade. E a
pôs em prática.
(Na imagem, detalhe do quadro "O Jardim das Delícias", de Hieronymus Bosch)
De onde vc tirou tanta imaginação.
ResponderExcluirOdorei o texto.
Beijos!!
Genial, quando chegamos ao final do conto percebemos que é genial. Abraço
ResponderExcluirO texto prendeu a atenção do início ao fim, muito bem escrito, como sempre.
ResponderExcluirCapturar a 'essência' do olhar foi genial.
Abraços
Um conto fantástico, genial! E muito bem escrito! Gostei!
ResponderExcluirAbraço
Sónia