14 maio 2012

Conto cujo Final é de Fernando Pessoa*

quem só percebe a parte
percebe a parte como sendo o todo
e não parte do todo
e então parte dessa parte
como se ela fosse o todo do todo

quem percebe somente a parte
percebe a sua parte
e não a parte do outro
e para o outro
a sua parte que é o todo
mas para um
a parte do outro não pode ser parte
pois a sua parte é que é o todo
logo, a outra parte está fora do todo
e então é um erro
a verdade só estaria em sua parte
que é o todo para ele
e não pode haver outro todo
logo, não pode haver verdade em outra parte
e vice-versa

aquele que percebe o todo como todo
de longe
contempla as ligações das partes
e conhece que uma parte é uma parte
e que cada parte tem uma parte do todo
mas como a parte não é todo
não pode apresentar-se como sendo
logo, sempre faltará algo em toda parte
que será completa
quando se alertar do todo que a inclui

mas é inútil falar do todo
para quem só percebe a parte
porque se para ele a parte é que é todo
não pode haver um todo que inclua outra parte
porque para ele outra parte
não é outra parte
é um nada sem nada de verdade

e assim quem só percebe a parte
combate a outra parte
não se alertando que a outra parte
também faz parte do todo
e que traz uma parcela
(e só uma parcela)
da verdade

logo, quem percebe o todo como todo
vê a verdade sendo uma parte em cada parte
e o ponto e a linha
(de um ponto ao outro
e de linha em linha)
que ligam uma parte a outra
e o todo formado entre uma e outra
onde
“Deus é um grande Intervalo, 
Mas entre quê e quê?..."

* Os dois últimos versos (entre aspas) são de Fernando Pessoa




4 comentários:

  1. Gostei da brincadeira da parte e do todo.

    Beijos, querido!

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  2. O inteligente jogo de palavras e a profundidade do que quiseste nos dizer tornou a compreensão um pouco difícil, mas lendo com atenção, vejo que é um texto sensacional! Principalmente se levando em conta a conclusão. Um abraço

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  3. Pq quando parece ser o todo, pode ainda ser só uma parte...

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  4. Claro que compreendi somente
    uma parte
    mas valeu como um todo
    e amei os belos versos
    reflexivos
    o pensamento lógico
    em versos de puro coração.

    Luiz Alfredo - poeta

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