A poesia de Baudelaire é como um soco no estomâgo. O maior gênio da poesia francesa, na minha opinião, juntamente com Victor Hugo, Charles Baudelaire (1821-1867) está mais atual do que nunca. Em um época onde a decadência psíquica da humanidade avança no mesmo ritmo das conquistas tecnológicas (e isso podemos comprovar desde lá na China até aqui em Santiago), a poesia baudelairiana, que desvenda o mais profundo do interior humano, serve-nos como um terrível espelho.
Baudelaire, fortemente influenciado por Allan Poe, foi não só o iniciador do Simbolismo na literatura universal, mas também o precursor de toda poesia moderna, juntamente com Walt Whitman. Realizou uma profunda e densa fusão em sua obra do sublime com o grotesco. Inaugurou um novo uso da linguagem. Foi um dos primeiros artistas a ser qualificado de "maldito", tanto pela sua obra, que dizia aquilo que os outros não queriam ouvir, como pela sua vida, marcada por grandes dificuldades, desde financeiras até de saúde, e pela total incompreensão do público da época, que via sua obra como exageradamente sombria e imoral. Baudelaire faleceu precocemente sem conhecer o sucesso que viria de forma arrebatadora nas décadas seguintes.
O poema "Ao Leitor" é o que abre sua obra-prima "As Flores do Mal", livro que foi censurado e acusado de ultrajar a moral pública. Sintam o soco baudelairiano:
Ao Leitor
A tolice, o pecado, o logro, a mesquinhez
Habitam nosso corpo e o espírito viciam,
E adoráveis remorsos sempre nos saciam,
Como o mendigo exibe a sua sordidez.
Fiéis ao pecado, a contrição nos amordaça;
Impomos alto preço à infâmia confessada,
E alegres retornamos à lodosa estrada,
Na ilusão de que o pranto as nódoas nos desfaça.
Na almofada do mal é Satã Trismegisto
Quem docemente nosso espírito consola,
E o metal puro da vontade estão se evoca
Por obra deste sábio que age sem ser visto.
É o diabo que nos move e até nos manuseia!
Em tudo que repugna, uma jóia encontramos;
Dia após dia, para o Inferno caminhamos,
Sem medo algum, dentro da treva que nauseia.
Assim como um voraz devasso beija e suga
O seio murcho que lhe oferta uma vadia,
Furtamos ao acaso uma carícia esguia
Para espremê-la qual laranja que se enruga.
Espesso, a fervilhar, qual um milhão de helmintos,
Em nosso crânio um povo de demônios cresce,
E, ao respirarmos, aos pulmões a morte desce,
Rio invisível, com lamentos indistintos.
Se o veneno, a paixão, o estupro, a punhalada
Não bordaram ainda com desenhos finos
A trama vã de nossos míseros destinos,
É que nossa alma arriscou pouco ou quase nada.
Em meio às hienas, às serpentes, aos chacais,
Aos símios, escorpiões, abutres e panteras,
Aos monstros ululantes e às viscosas feras,
No lodaçal de nossos vício ancestrais,
Um há mais feio, mais iníquo, mais imundo!
Sem grandes gestos ou sequer lançar um grito,
Da Terra, por prazer, faria um só detrito
E num bocejo imenso engoliria o mundo;
É o Tédio! - O olhar esquivo à mínima emoção,
Com patíbulos sonha, ao cachimbo agarrado.
Tu o conheces, leitor, ao monstro delicado
- Hipócrita leitor, meu igual, meu irmão.
Charles Baudelaire
Eu ganhei ano passado o livro "As Flores do Mal" e guardo a sete chaves! Baudelaire me fascina sempre.Sua obra é suja,é forte,é obscura,é extasiante!"As Litanias de Satã" é o poema que eu prefiro; já li umas cem vezes, e sempre me causa uma sensação nova...
ResponderExcluirMenino... que aula!
ResponderExcluirAdorei.
Beijo =)
Ótimo post! Texto bem escrito e boa escolha de poema.
ResponderExcluirBeijo.
Belo post...
ResponderExcluirBelo blog...
Parabéns muito bom seu espaço, voltarei aqui mais vezes...
Convido vc a conhcer meu trabalho (poesia, música, teatro)
Ficaria feliz demais!
http://mailsonfurtado.com
sempre uma inspiração.
ResponderExcluirREIFFER!
ResponderExcluirMaravilha de postagem! Isto não é um soco, são vários, a cada estrofe. Fico imaginando se um de nós escrevesse assim:
"Se o veneno, a paixão, o estupro, a punhalada
Não bordaram ainda com desenhos finos
A trama vã de nossos míseros destinos,
É que nossa alma arriscou pouco ou quase nada."
Seríamos perseguidos, com certeza.
Bela escolha!
Beijos
Mirze
Meu caro, realmente não sou um profundo conhecedor da obra Baudelaire; para falar a verdade não à conheço. Gosto muito do trabalho do E.Allan Poe, cujas narrativas nos submergem em mundos malditos onde as inúmeras camadas da psique humana se misturam.
ResponderExcluirGosto muito dessa temática tida como maldita, pois acredito que todo ser humano é um animal com um lado bom e um ruim. Socialmente nos convêm escondermos nosso lado mal e só mostramos o bom; por isso, podemos entender o real motivo de poetas tão geniais como Baudelaire só serem reconhecidos e valorizados muitos anos depois de sua morte.
Abraços!
Adriano MB.
"É o diabo que nos move e até nos manuseia! "
ResponderExcluiressa parte ficou gravada em minha mente com uma força aterradora.
adoro Baudelaire.
Réminiscence d'une fable existentialiste
ResponderExcluirSe leio o absurdo da voz que me devora
Se saio aos rodopios praguejando meus pares
Jogo-me no cancro ferrugem em feridas em brasa
Se olho o tempo voltando do nada
Despedaçando meu destino confinado
Calado nervoso me disperso
E na escuridão do abismo me choco
Impassível às avessas abestalhado cansado insípido
E no nada me refaço já que a ruína já foi um palácio
Nenhuma gravidade nos fatos
Cotidiano suspenso no espaço
Mas tudo fica sólido onde passo
Com pés pesados atados às ervas malditas
Soslaio mirando o funil das larvas trementes
Maltrapilho indigente deslizado presente
Aos zincos perambulo na noite infame
Mandrágoras sussurram meu nome
Turbinado clarão de espasmo movediço
Marejado sofrer eterno cambalear na beirada do caos
Cripta da saudade degela as epidermes necrosadas da alma
Decrepitudes bestiais inflamam as galeras no arraial
Silêncio agora lá no ermo do espaço
Desdobrado decadente esticado no varal das miríades
Esse trunfo salutar e também atado em chaga enferma
Prostrado arcado e desfolhado a míngua nas paineiras
Vertiginoso destino arremessa-me á tambores tachibanas
Aos gritos abissais emergido as crateras do acaso
Ass: Λάδι Βιώσας
Réminiscence d'une fable existentialiste
ResponderExcluirSe leio o absurdo da voz que me devora
Se saio aos rodopios praguejando meus pares
Jogo-me no cancro ferrugem em feridas em brasa
Se olho o tempo voltando do nada
Despedaçando meu destino confinado
Calado nervoso me disperso
E na escuridão do abismo me choco
Impassível às avessas abestalhado cansado insípido
E no nada me refaço já que a ruína já foi um palácio
Nenhuma gravidade nos fatos
Cotidiano suspenso no espaço
Mas tudo fica sólido onde passo
Com pés pesados atados às ervas malditas
Soslaio mirando o funil das larvas trementes
Maltrapilho indigente deslizado presente
Aos zincos perambulo na noite infame
Mandrágoras sussurram meu nome
Turbinado clarão de espasmo movediço
Marejado sofrer eterno cambalear na beirada do caos
Cripta da saudade degela as epidermes necrosadas da alma
Decrepitudes bestiais inflamam as galeras no arraial
Silêncio agora lá no ermo do espaço
Desdobrado decadente esticado no varal das miríades
Esse trunfo salutar e também atado em chaga enferma
Prostrado arcado e desfolhado a míngua nas paineiras
Vertiginoso destino arremessa-me á tambores tachibanas
Aos gritos abissais emergido as crateras do acaso
Ass: Λάδι Βιώσας