02 setembro 2009

Eu, Um Assassino (Parte Final)

Fui o primeiro a deixar a sala de reuniões. Com a companhia de dois de meus homens de maior confiança, fui até o banheiro, e meu primeiro ato foi lavar exaustivamente as mãos com água e sabão e logo após desinfetá-las com uma substância especial. Claro que não havia deixado o copo de água mineral na sala de reuniões. Trouxera-o em minha mão direita, tampado, e despejei seu conteúdo na privada, dando descarga em seguida. Após, coloquei o copo em uma grande sacola que estava com meus guarda-costas, tirei toda minha roupa de cima e também as depus na sacola. Nela, também foi colocada a pasta que estava comigo com tudo que havia dentro dela. Minutos depois, a sacola com todo seu conteúdo seria queimada por meus capangas. Antes de sair do banheiro, lavei minhas mãos mais uma vez, desinfetando-as novamente.

Sem dúvida, entre os quatro chefes, eu era o mais satisfeito. Acharam mesmo eles que eu iria pisotear em minha honra e esquecer suas afrontas e atrocidades contra minha gente? Que eu iria aceitar a paz com suas odiosas Famílias? Imbecis! Deixei-os pensar que poderiam estabelecer suas decisões, que eu as aceitaria. Porém, eu queria a MINHA paz, e a minha paz era vê-los mortos. E dentro de 24h, eles estariam mortos e eu estaria em paz. E a Família Veracini assumiria o controle total dos negócios.

É ostensível que não os envenenei. Há várias formas de se matar uma pessoa. No meu ofício, há que se conhecê-las todas e ter a consciência de saber utilizá-las da forma mais adequada e no momento mais correto. Jamais me equivoquei em um assassinato. E também jamais me arrependi de algum. Se achamos que podemos nos arrepender de algum ato nosso no futuro, é melhor nem cometê-lo. Todos os que matei, mereciam morrer. Eram assassinos como eu. E se ainda não eram, viriam a ser.

Eram pessoas que estavam em um negócio de risco e sabiam que a morte era uma companhia próxima e constante. Talvez eu também mereça morrer. Basta que alguém consiga me assassinar. É justamente esse o problema. Se alguém obtiver esse êxito, deixo meus aplausos antecipados. Às vezes, penso que ajo como se fosse um braço divino. Elimino pessoas que merecem ser eliminadas. Varro o mundo de uma torpe sujeira. De modo que quando chegar o meu momento de ser varrido, estarei preparado.

E também não me arrependo de trabalhar com negócios ilegais. Ganho dinheiro de forma desonesta? Talvez, mas o que é ser desonesto? O médico que cobra uma quantia absurda por uma reles consulta de 5 minutos para mal examinar um pobre coitado, e dizer que ele não tem nada, também não é desonesto? Um empresário que ganha lucros exorbitantes com seus produtos não é desonesto? O pastor de uma igreja que cobra para transmitir um conhecimento supostamente divino enganando a boa-fé dos cidadãos não é desonesto? O governo não é desonesto nos altíssimos e cruéis impostos que nos empurra goela abaixo? Sim, tudo isso é desonesto, porém é legal. É roubo permitido por lei. Quem disse que a lei é correta? Por isso não a sigo.

Com meus negócios, apenas disponibilizo às pessoas aquilo que elas desejam, porém é ilegal, a lei não permite. E elas me pagam pelo que disponibilizo e pelo risco que corro para tanto. Nada mais justo. Creio que até sou mais honesto que aquele médico que enriquece à custa da doença e da ignorância dos outros. Então, aquele que vier me acusar de desonestidade, que primeiro olhe para seu umbigo.

Sempre pensei que eu deveria criar e seguir as minhas próprias leis. Por que eu deveria seguir as leis estabelecidas por outros, que defendem os interesses de outros? Qual ser humano pode ou deve ter o direito de ditar regras, leis e condutas para outros humanos seguirem sem questionar?

Em todo caso, seja qual for a culpa que eu carregue nas costas, não serão os homens que me farão pagá-la. Jamais submeterei a eles a minha força de vontade. Deus talvez me fará pagar? É possível. Porém, nesse caso, também terei algo a receber. Mesmo com Deus, ainda assim, saberei negociar.

Mas creio que devo esclarecer como matei aqueles senhores, chefes das demais Famílias mafiosas. Obviamente eles ainda não morreram, mas já posso contá-los como mortos. Como deve parecer lógico, as trufas não estavam envenenadas, caso contrário eu jamais teria comido a trufa que foi indicada por Maschetto. Porém, somente agora revelo que retirei a trufa com minha mão ESQUERDA. E tive toda a atenção do mundo para em momento algum da reunião colocar qualquer dedo da mão direita em minha boca, nariz, olhos ou ouvidos. Lembrem-se que minha mão direita estava úmida com a água mineral do copo, e eu fiz questão de apertar as mãos dos demais chefes com bastante ênfase, para que suas mãos também ficassem umedecidas. Em seguida, sentamo-nos para o início das negociações. Imediatamente, ofereci as trufas aos três senhores. Cada um pegou uma trufa com a mão direita, a mão umedecida, e a comeu. Logicamente, eu já investigara se algum deles era canhoto. Felizmente, eram todos destros. As trufas não possuíam embalagens próprias, encontravam-se numa caixinha de plástico sem nenhum envoltório individual. De forma que os chefes encostaram seus dedos úmidos diretamente nas trufas. E as ingeriram. Pronto, consumado! Nesse instante, eles fizeram soar o martelo da sentença de suas próprias mortes.

Como disse, há várias formas de se matar uma pessoa. O problema é saber a forma mais adequada para cada ocasião. Existem, por exemplo, vírus mortais, absolutamente devastadores. A ciência descobriu vários. E aperfeiçoou alguns. Para guerras. O homem é mesmo perverso. É para coisas como essa que a ciência evoluiu.

Semanas atrás, incumbi meus homens de descobrirem qual dessas armas de guerra desenvolvidas pelas forças armadas americanas seria a mais mortífera, qual vírus mataria de forma mais rápida e mais cruel e possuiria um meio de contágio adequado para o caso em questão. Em poucos dias obtive a informação. Um vírus que destruía o organismo em aproximadamente 24h. Não foi difícil “comprar” um cientista que me fornecesse algumas cepas do vírus. Os cientistas de hoje amam mais o dinheiro do que a ciência. Eu até mesmo pensei que ele fosse sair mais caro. Claro que estou certo de que ele jamais quebrará o código de silêncio. Afinal, foi muito bem informado da fama e dos procedimentos da Família Veracini. Nossas propostas sempre são irrecusáveis. E jamais fazemos ameaças. O homem inteligente sabe se fazer entender sem nunca ameaçar. Quem ameaça já admitiu metade de sua culpa. E, obviamente, o cientista entendeu, afinal não é um homem estúpido, que será ótimo para ele viver sob nossa proteção e, em troca, fornecer algumas informações confidenciais quando necessário. Claro que também lucrando financeiramente. Ele pesou na balança, ponderou sobre os dois lados e percebeu que isso era bem melhor que acabar seus dias com uma bala metida na sua testa. Foi a conclusão a que ele chegou.

Bem, não será preciso dizer que na água mineral havia uma concentração de vírus fatais. Um vírus que não se espalha pelo ar, só contamina pelo sangue ou em contato direto com as mucosas humanas. Como as da boca. E mata em 24h. Fora do corpo humano, em temperatura ambiente, os vírus permanecem vivos por cerca de 12h.

De modo que agora, acabo de ler nos jornais: “Três dos maiores gângsteres da Filadélfia morrem de doença desconhecida. David Bracci, Antonio Machetto e James Bruniere faleceram poucas horas depois de serem levados ao hospital já em estado grave. Cerca de 9h depois de sua internação, seus corpos encontravam-se aniquilados em horríveis hemorragias. Ignora-se como contraíram a fatal enfermidade.” Sim, isso mesmo, hemorragias! Morreram derramando seu sangue miserável, esvaídos em sangue. Há que ter sangue! Sangue só se lava com sangue! Esse é o procedimento da Família Veracini.

Assina: Edgar Veracini

9 comentários:

  1. Grande Reiffer! Se esta é sua primeira experiência nesse gênero, continue então. Muito bom mesmo.

    Abraços horripilantes!

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  2. Tou gostando, mano.
    abraço.
    paz e bom humor.
    Walmir
    http://walmir.carvalho.zip.net

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  3. Ahhaa, era a água, o tempo todo desconfiei das pobres trufas... gostei do conto, principalmente da narrativa em primeira pessoa, um personagem algo insano, porém totalmente frio. Parabéns!!!!

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  4. Fiquei pensativa sobre a água, acreditei ser ela o antídoto, mas foi exatamente o contrário..!
    Realmente gostei do desenrolar da história e principalmente do conteúdo predominante dessas falhas humandas que todos cometemos,não há mocinhos nem bandidos, apenas seres humandos...

    "Varro o mundo de uma torpe sujeira. De modo que quando chegar o meu momento de ser varrido, estarei preparado" -esse é apenas um trecho de tantos que me marcou.!

    Parabéns !! õ/

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  5. "Sempre pensei que eu deveria criar e seguir as minhas próprias leis. Por que eu deveria seguir as leis estabelecidas por outros, que defendem os interesses de outros? Qual ser humano pode ou deve ter o direito de ditar regras, leis e condutas para outros humanos seguirem sem questionar?"

    Esse parágrafo é absolutamente verdadeiro. Um grande questionamento. Esse teu personagem mafioso é excepcional, de uma psicologia muito bem demonstrada. Impressiona no conto não só a inventividade da trama, mas a profundidade de análise. Para uma estreia no gênero, está perfeito, fora de série.

    André Vieira

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  6. Como se bastasse o incrível conto, ainda puseste uma crítica social merecida e muito bem posta!

    Eu havia falado das trufas! haha

    Aquele abraço!

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  7. Olá meu amigo!
    Gostei muito deste teu novo conto.
    Quando mencionou que era a primeira vez em um novo gênero fiquei curiosa.
    No principio da leitura achei o texto diferente e, óbvio, salta aos olhos que não se trata de uma temática sobrenatural, fantástica, apocalíptica, misteriosa...E surpreende também esse teu novo personagem Veracini, um tipo pratico, sagaz e eficiente, que não tem a nobreza de valores da grande maioria dos seus protagonistas pois, ao contrário, é um assassino.
    Pensei, céus é um novo Reiffer? O que ele trará para nós?!
    Felizmente trouxe a luz mais uma criação esplêndida, dotada de uma sensibilidade poética e indagadora como só tu sabe proporcionar.
    O teu estilo permanece imaculado. Tanto que seria capaz de reconhecer o autor em poucos parágrafos de leitura. E se não reconhecesse, ainda assim poderia dizer:'O autor desse texto conhece o Reiffer'.

    Que Deus o abençoe infinitamente.
    Amén.

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