11 maio 2009

E Aponto a Arma para a Minha Cabeça (Cap.I)

(Este conto será publicado em 3 capítulos, diariamente)


Não digo meu nome. Ele não é importante. Sou apenas mais um ser humano. Digo que quando eu estava com meus 13 anos de idade, não havia outro adolescente tão puro e inocente quanto eu. A bondade e a nobreza de meu coração impressionavam a todos, e as pessoas mais próximas a mim frequentemente diziam que tinham a impressão de ver nos meus olhos brilhar uma luz profunda em cada momento em que eu realizava, sem nenhum interesse, sem esperar nenhuma recompensa, uma boa ação.

Eu estava sempre disposto a amar e a auxiliar qualquer pessoa que necessitasse de minha ajuda para o que quer fosse. Amava a humanidade e a natureza da mesma forma, e todos os meus atos, da mais plena boa vontade, visavam o bem para todos os seres do planeta. Meus pensamentos eram os mais elevados. Meus sentimentos, os mais sublimes. E da mesma forma que o amor vivia em mim, eu cria que ele também pudesse existir nos demais homens, ainda que eu soubesse das perversidades de que a humanidade era capaz.

Prossegui desenvolvendo esse amor em minha alma até por volta dos 17 anos. Foi então que minha doença teve seu início. Os médicos e psiquiatras jamais souberam explicar o que acontecia comigo. Era alguma espécie de psicopatologia. Obviamente, jamais fui curado, pelo contrário, a moléstia progrediu mais e mais, de forma implacável.

Consistia tal enfermidade na capacidade demoníaca que adquiri de poder ver, como se fosse algo físico, material, a maldade que havia nas pessoas. É ostensível que tal capacidade anômala e perturbadora atormentava-me sem trégua em todos os instantes em que eu me encontrasse na presença de qualquer ser humano. Eu via uma sombra, uma névoa intensamente escura, quase negra, que se desenvolvia nos ares e assumia formas monstruosas, diabólicas, diante de meus olhos apavorados.

Enquanto eu, de maneira insana, e considerado um insano por todos ao meu redor, observava aterrado o desenrolar nebuloso daquelas sombras pelo ar, no interior dessas mesmas sombras assomavam-se pares de olhos vermelhos que se fixavam nos meus. Então, rápidas como um raio, as sombras, a partir de seus olhos sanguinolentos, penetravam, através de meu olhar, no interior de minha psique.

E a partir desse instante, tais condensações de maldade, como eu achei adequado denominar, infligiam em meus sentimentos e pensamentos coisas horríveis que mal consigo nomear. O que posso dizer é que as sombras oriundas dos olhos de todas as pessoas com quem eu entrava em contato, não importando quem fosse tal pessoa, nem o momento, nem o lugar onde eu estivesse, invariavelmente penetravam em meu interior, trazendo consigo toda a maldade que havia nos outros indivíduos e transmitindo-a a mim. Tais eram os sintomas básicos de minha enfermidade, de minha loucura. Porém, minha desgraça ia mais longe.

Imediatamente após aquelas sombras entrarem em meu ser, surgia em minha mente o conhecimento de todo o horror oculto que existia em determinado indivíduo. Eu passava a conhecer os seus mais íntimos segredos, as suas perversidades mais inconfessáveis, seus crimes cometidos sem o conhecimento de ninguém, sua hipocrisia, seus desejos monstruosos, seus ódios, cobiças e invejas, seu desespero e infelicidade jamais expressados ou admitidos. Enfim, tudo aquilo que se fosse alardeado ao mundo, causaria o mais grotesco espanto.

E com o conhecimento da integridade do horror que habitava o âmago da alma de meus semelhantes, passei a sentir um desprezo, uma repulsa, um ódio a todos os seres humanos. Aquele meu antigo pensamento de que os humanos eram, no fundo, bons e confiáveis, morreu completamente. E as sombras negras que invadiam meu interior pareciam ditar a minha psique que eu deveria me tornar como eles, fazer morrer todo o amor que havia em mim e deixar nascer e procriar-se o mal em todas as suas formas, com todas as suas consequências.

A princípio, tentei resistir. Eu procurava afastar-me das pessoas ao máximo para não ser invadido por suas sombras. Porém, era-me impossível viver assim, nesse isolamento completo. E como era inevitável contatar-me com outros humanos, também era inevitável, devido a minha doença, que as sombras me invadissem. E quando elas penetravam em minha psique, sempre me ordenavam para que eu fosse mau. E a minha resistência lentamente sucumbiu. E aos poucos, tornei-me um homem realmente mau, perverso, cruel e calculista. E eu desejei ir além da maldade comum a todo e qualquer ser humano. Eu queria ser o pior de todos, eu queria resumir em mim tudo o que havia de pior na humanidade.

E se antes eu sentia repugnância de me aproximar das pessoas para não ser invadido por suas sombras asquerosas, agora eu buscava isso. Procurava me aproximar de todos os seres humanos, dos mais perversos deles, para absorver toda sua maldade e tornar-me pior do que eles. Meu anseio era ser o símbolo maior da degradação e da iniquidade da civilização atual. E considerei-me capaz de atingir meu objetivo.
(amanhã, o capítulo II)

2 comentários:

  1. Muito bom, Amigo! Em primeira pessoa sempre, o que me deixa totalmente dentro do conto... Assusta e fascina ao mesmo tempo! Muito interessante o que está acontecendo com o personagem.Vou continuar, tá muito bom!!!

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