02 outubro 2019

Ronda

I – as formas de vida em risco
mas o que importa é o risco ascendente
dos gráficos dos lucros:
em breve um risco
de cabo a rabo
sobre o que é vida

II - o rodar do radar da Morte
a render futuros
e a rondar a humanidade

29 setembro 2019

A Humanidade está Acabada

não é que a humanidade irá acabar:
ela já o está.
tornou-se um algo
que deixou de ser
e não se avisou a si mesmo
o que há são indivíduos desfeitos
que não formam 
um todo de humanidade 
ou humanidade seja esse todo
de desfeitos e de acabados
de caóticos e desdestinados

não é que o homem irá acabar:
ele já o está.
tornou-se um algo
que deixou seu ser
tropel de mortos andantes
olhares vazados
desorizontes
sangue esvaziado
ausência de avantes

sonha o homem
que continua
que abre os caminhos
que pavimenta suas ruas
- mas -
só abre uns buracos abismos
onde enterra futuros
os sons e os sóis 
e as almas sem nada
nem nuas

26 setembro 2019

O Fracasso da Humanidade e o Meu

escrever é saber que não se presta
não que só escrevendo se saiba
(há quem escreva e não saiba de nada
que é porque na real não escreve)
mas escrever
é saber que o ser humano é lixo

escrever é saber que não se vale nada
que pessoa alguma vale merda nenhuma
a diferença é que quem escreve
percebe:
as outras se acham se enganam se iludem

sempre se agarram na miséria
de alguma máscara:
ou no trabalho e o trabalho passa a ser tudo
(que nem sabem o que fazem
quando estão de folga)
ou em alguma religião
que lhes rouba  dinheiro pensamento e liberdade
ou no dinheiro
que os torna um completo imbecil filhodaputa
ou vivem melecados e grudentos
de mensagens motivacionais
ou sorrisinhos babacas de otimismo paz amor
ou como aqueles fanfarrões cheios de papo na boca
e de merda na cabeça
com discursinhos vazios de direita merreca
e vivem convictos de que são SUCESSO!!!

já eu me olho no espelho
e penso na merda que é a humanidade
que eu faço parte dela
e sou responsável pelo que faz
esse amontoado de parasitas:
a humanidade é um fracasso
porque eu sou um fracasso.

a diferença é que eu escrevo sobre isso
e você não.

24 setembro 2019

Sobre o Discurso Mentiroso de Bolsonaro diante do Mundo

O discurso de Bolsonaro na ONU, apesar de ter sido escrito por outros (já que o tal presidente mal consegue articular palavras,  imaginem escrever)  foi a tônica de sua campanha (e que tem sido seu desgoverno): descaradamente mentiroso, crivado de asneiras sem base e recheado das típicas declarações estúpidas da mais babaca extrema direita de quem se tem notícia.

Foi o discurso de um pseudopatriota, cuja "soberania" da Amazônia de que fala consiste em entregá-la a madeireiros,  garimpeiros,  grileiros e à ganância sem freios de latifundiários do agronegócio, que só o que desejam é ver a floresta no chão.

Foi o discurso de um narcisista delirante e patético,  que tenta tapar o sol com a peneira do fracasso completo que está sendo seu desgoverno,  o discurso  de um louco completamente alienado e imbecil,  que tenta negar fatos,  a ciência,  a educação,  a verdade, no intuito inútil de esconder a sua perversidade e ignorância que beiram absurdos kafkianos.

Certamente, seu discurso totalmente fora da realidade e de fanfarrão de bolicho levou ao delírio a multidão (cada vez menor, diga-se de passagem) de seus cegos e fanáticos adoradores. 

21 setembro 2019

Eles Buscando Felicidade

felicidade não se busca:
não pode ser buscado
um ponto que não está em um ponto
que se alcance:
isso se chama cansaço

quem alcança o ponto desejado 
logo vê o outro ponto mais adiante
e naquele ponto visto e não-chegado
mora a felicidade imaginada falsa delirante
(que há outro ponto mais a frente
pelo qual morre toda gente)

quem feliz se julga
é só um largo gole de vinho que traga
segura uma vela
que a primeira ventania apaga

a felicidade (olha que é só o vinho)
é como para o colecionador
o ato de encontrar
um selo raro:
só dura o momento do ato

só pode ser feliz
quem sabe que não pode sê-lo
de fato

20 setembro 2019

Bosch, Schumann e Dante viam Demônios

olhando Bosch 
ouvindo Schumann 
lendo Dante 
não sei se o que escorre 
é a tua lágrima 
ou o nosso vinho 
ou este meu sangue

16 setembro 2019

Beethoven Berrando Bêbado

Beethoven aos 54 anos estava surdo
e era bêbado.
foi quando concluiu sua 9ª Sinfonia
a maior obra musical de todos os tempos
(de acordo com muitos).
ninguém aguentava Beethoven nessa época
nos 6 anos que ele levou para terminar
a 9ª Sinfonia.
o sobrinho medíocre que vivia com Beethoven
dizia que ele berrava como um louco
o tempo todo.
o que Beethoven berrava viria ser 
uma das mais emocionantes melodias já ouvidas.

diziam que Beethoven era um surdo alcoólatra acabado
e ele tentou reger a estreia da sua 9ª Sinfonia.
(foi a duração dessa sinfonia
que deu base à duração de um cd
quase 200 anos depois).
mas Beethoven estava tão surdo
que outro maestro teve que reger para ele.

teve um filme de 1995
"Minha Amada Imortal"
em que uma pessoa que odiava Beethoven
disse que ela não poderia mais odiar alguém
que fez uma música como a 9ª Sinfonia
(o que só pode ser invenção do filme).

hoje amam mais Beethoven pelo que ele fez
do que pelo que ele era
mas ele só fez porque foi o que era
e o que ele é
é na verdade o que ele fez.

14 setembro 2019

Resta Brahms

se tudo já foi dito
e nada tem adiantado
restam o tudo ou nada e o trago

se a vida perdeu sentido
e o sonho é um abutre exangue
restam a vida ou sonho e o sangue

se tudo que foi arte
hoje é fim de caminho
restam a arte o fim e o vinho

se o mundo é uma taça vazia
e nem importa que tu ames
resta a taça e resta Brahms

12 setembro 2019

Sobre a Tua Vida Esmagada

onça atropelada
(pela estrada):
nenhuma lágrima
de ninguém
só teu sangue esparramado
a tua alma derramada
(pela estrada)
é mancha do que era:
para quem passa rápido
(que é preciso ir e vir
a correr e a sorrir)
tu foste de outra era
e agora és nada

tu sendo uma
és todos
que já não são
para que fosse
o progresso
(pela estrada ao nada)
quem se importa
na pressa?
tua existência
num mundo moderno
é inútil
é um excesso

sobre a tua vida esmagada
(pela estrada findada)
soprou um hálito
de so(risos)
a sonhar com beijos na noite
ou com sono de justos
ou em festas baladas
sobre a tua vida esmagada
(pela estrada esvaziada)

eu mesmo...
fiz o quê?
nada
só um poema
que também é nada
para quem o lê
(pela estrada...)

10 setembro 2019

Você é Doente

a maneira dos que controlam a sociedade
poder controlar aquilo que não controlam
é determinar tudo que foge ao controle
como doença:

se você bebe além do social, você é doente
se você fuma, você é doente
se você não faz exames regulares com um médico
você é doente
se a você não interessa
ser alguém com um bom emprego 
que te dê um bom dinheiro
que te estampe como bem sucedido
você é doente
(mental)
se você pensa e se comporta fora do padronizado
e se interessa por coisas que ninguém se interessa
você é doente
(mental)
se você sente 
(se sente muito)
você é doente
se você não segue a regra geral
de estudar se formar trabalhar
constituir família
ser um pilar da sociedade
homem de bem
ter boa casa bom carro
acumular bens
achar que isso é tudo
e finalmente morrer
você é doente
(total)
se você não se sente 
vitorioso feliz alto astral sorridente
você é doente

eles querem que você seja um robô:
robôs não ficam doentes

07 setembro 2019

A Tempestade (De Novo)

o homem
(que já não tem reforma)
para hipocrisiar sua miséria
e na tentativa malinformada
de impedir que as forças se formem
formou toda forma de (de)formações:

desde patéticas técnicas inarmônicas
até mecânicas máquinas estúpidas
só para nos acomodar no nada
de nossas disformes fôrmas
inúteis nocivas vazias

e ainda se acha
(esse ser que se diz humano)
capaz de entender aquilo que se forma
com cálculos fórmulas
cossenos
a foder-nos

mas uma outra Força se levanta:
não há nada que possa contra
a formação da Tormenta

04 setembro 2019

Humanidade, Vai Dormir.

pra que seguir acordada
no final do teu dia
que não deu em nada?
caminhar para onde?
destruir mais o quê?
tu já caminha em círculos infernais
a matar a vida por onde passa
a voltar com um rastro de sangue 
sempre ao mesmo lugar

que sentido encontrou
em tudo que tu (não) fez?
florestas tombadas rios de imundícies 
animais extintos desertos venenos 
lagos de fezes horrores e medos
paraísos que se tornaram infernos 
abismos que se abriram cedo

seja o que for do que fores
humanidade
deixou em agonia teus filhos
arrancou os membros e furou os olhos
da tua mãe 
por um saquinho de moedas

e não há passo a ser dado
que em si já não tenha sido
nem há nada a ser dito
nem um feito a ser erguido
nem um algo acreditado:
só resta teu vasto cansaço
só resta tua casa em pedaços 
só resta tua alma vazia

Humanidade...vai dormir
que amanhã é outro dia

01 setembro 2019

Todos Nós Morremos

todos nós morremos
do tanto 
ou do nada
que fazemos

todos nós morremos
do muito que queremos
ou mais ainda
do muito que fugimos

todos nós morremos
da vida que levamos
ou da morte que vivemos

todos nós morremos
disso que a olhos vistos
disso que nem vemos

todos nós morremos
do que nos iludimos
do que muito sabemos

 e estamos todos mortos
(já abrimos abismos)
e nem percebemos

e estamos todos mortos
que é já o fim da Noite
e só após o sono
amanheceremos




30 agosto 2019

26 agosto 2019

Lições da Poeira

vê como tudo se perde
por entre os dedos
do que não vemos
vê como tudo se verte
por entre a vida
que nem é vista
e a água que corre
(só nos resta o porre)
nem percebemos
que já é areia...
lições da poeira

quando vê-se que é
o que nem é já se foi
estamos sempre
um passo atrás
daquilo que nos passa
só somos
(somos sós)
quando nem será mais
e deixamos que morram
antes que o corpo
as nossas almas
até então imortais
mas eram só de areia...
lições da poeira

e o que sobra
é o papel do que fomos
superfície maquiada e derradeira
o pó da face plastificada
e ficam ali as pessoas
num mundo já à beira
sendo um móvel de belo verniz
a se escorrer do nariz
perfilado da máscara
o que os cupins deixaram em lasca
aquelas pessoas ainda vivas
mas só do que não foram
restos vazios de casca
baldes cheios de poeira
e castelos de areia...

24 agosto 2019

Merdaria (ou Cagar Dia-sim Dia-não)

mostra-me uma gota d’água
ainda não tocada 
pela merdaria humana

merdaria vai desde
a merda do organismo
que é o preço que se paga
de se viver o dia a dia
até a merda do progresso
a que se chama
com pompa mijo e baba
de tecnologia
passando pelo que sai da boca
(e pelo que faz com as mãos)
de certa porcaria

mostra-me uma gota-mar
ainda não tocada
pela quinquilharia humana

mostra-me uma gota-ar
ainda não tocada
pela bafaria humana

mostra-me uma gota-vida
ainda não tocada
pela mortaria humana

mostra-me uma gota-lágrima
ainda não tocada
pela hipocrisia humana

mas fiquem tranquilos:
cagar dia sim dia não
é a solução

22 agosto 2019

A Catástrofe Ambiental de Bolsonaro: o passo a passo da Desgraça


1) Durante a campanha: 

* Bolsonaro promete que tanto as  terras indígenas como as reservas e parques nacionais serão reduzidos e abertos para exploração. Para ele, índios não devem ter terras, e o Brasil tem reservas ambientais demais.

* Pretende levar a mineração para áreas de proteção permanente da Amazônia.

* Declara guerra contra ambientalistas e cientistas, contrariando, sem nenhuma fundamentação, fatos e estatísticas, afirmando que o Aquecimento Global é um complô comunista.

* Realiza vídeo ao lado de caçadores, afirmando em alto e bom som que "A caça é um esporte saudável" e que irá "implementar a caça" se for eleito.

* Ruralistas, madeireiros, caçadores, garimpeiros, que acumulam crimes ambientais, declaram apoio a Bolsonaro,   na esperança de que tenham seus crimes perdoados e liberdade para destruir.

2) Depois de eleito:

* Bolsonaro começa o desmonte do IBAMA, reduzindo o poder de multa e pretendendo que fiscais do IBAMA sejam PROIBIDOS de portar armas.

* Pretende acabar com o Ministério do Meio Ambiente, mas devido às enormes pressões, volta atrás.

* Coloca no Ministério do Meio Ambiente um homem totalmente indiferente às questões ambientais e que havia sido CONDENADO POR FAVORECER MINERADORAS ILEGALMENTE. 

* Demite de todos os órgãos ambientais pessoas realmente preocupadas e conhecedoras do meio ambiente, colocando no lugar delas ruralistas ou militares.

* Multado por pesca ilegal, Bolsonaro se vinga e demite o fiscal do IBAMA que o multou.

* Afirma para a imprensa que com a nova lei do porte de armas pretende "facilitar a vida dos caçadores".

* Proíbe que o IBAMA faça apreensão de maquinário de madeireiros que estão devastando áreas de proteção permanente na Amazônia.

* Perdoa crimes e multas ambientais de ruralistas.

* Filhos de Bolsonaro criam projeto de lei que pretende acabar com a reserva legal das propriedades rurais.

* Coloca no departamento de florestas um ex-deputado que quer legalizar a caça no Brasil.

* Projeto de lei que permite a caça de animais silvestres é unido à nova lei que libera armas e vai para votação no Congresso.

* Mês após mês, são batidos recordes de desmatamento na Floresta Amazônica.

* Bolsonaro diz que preocupação ambiental é "coisa de vegano."

* Diretor do INPE divulga dados realistas e assustadores sobre o desmatamento recorde na Amazônia, e é demitido por Bolsonaro.

* Bolsonaro afirma que os dados são falsos, mas não mostra outros em seu lugar.

* Alemanha e Noruega cortam auxílio financeiro para preservação da Amazônia.

* Aproveitando a época de secas, ruralistas promovem o Dia do Fogo, em apoio a Bolsonaro, e iniciam focos de incêndios em várias regiões da Amazônia.

* Incêndios de proporções catastróficas se alastram por toda região sul da Amazônia, e nunca o Brasil se envolveu em tanta fumaça.

* A cidade de São Paulo escurece em plena luz do dia com as cinzas da Amazônia.

* Cientistas relacionam os incêndios ao Aquecimento Global e ao aumento do desmatamento na Amazônia.

* Os incêndios continuam se alastrando durante semanas sem que Bolsonaro tome uma única medida sequer, a não ser a de culpar ONGs.

E aí? Foi por acaso?

19 agosto 2019

Tempos de Caos

I - escrever em tempos de Fim 
não te recompensa em nada: 
se você escrever uma ideia 
e ela estiver errada 
você será odiado 
pela ousadia e insensatez 
de dizer merda 

se você escrever uma ideia 
e ela estiver certa 
você será odiado 
pela ousadia e insensatez 
de dizer verdades 

II - em tempos de caos 
surgem dois tipos de pessoas: 
os que dizem que do caos 
surgem os embriões 
e os que dizem que do caos 
surge mais caos 

eu digo que há dois tipos de caos: 
o caos que surge pelos conflitos de grandes ideias 
e o caos que surge pela ausência de grandes ideias 
do último não sai nada 
ou sai mais caos
que leva ao nada 

o nosso tempo de caos 
é daqueles que é só caos 
e deu.

17 agosto 2019

O Meu Lado*

eu sempre estarei do lado dos que não têm lado
dos oprimidos dos esquecidos dos explorados
dos combalidos dos excluídos dos exilados
eu nunca serei pelos lucros das empresas
eu nunca serei pelas lavouras dos latifúndios
eu nunca serei pelos produtos das indústrias
eu nunca serei pelo ouro das mineradoras
eu nunca serei pelos tanques dos exércitos

eu estou do lado de quem paga a conta
e não de quem cobra o juro
eu estou do lado de quem cuida pra que a planta cresça
e não de quem a enche de veneno
eu estou do lado do animal que é caçado
e não de quem dá o tiro
eu estou do lado dos que sofrem pela vida
e não dos que vivem para a morte

eu sempre estarei do lado 
dos que não têm vez:
é o único lado
que representa um poeta

*poema publicado originalmente em 20 de outubro de 2018.

12 agosto 2019

Vitrines Lotadas

o mundo de hoje é muito apertado:
não cabe a vida interior
entre as lotadas vitrines das aparências

por isso não mais falo do que sinto:
a qual alguém pode interessar
o que um outro sente
se o alguém nem sente por si mesmo
e nem quer saber do outro?
(talvez, se estiver morto)

só há sentido no sentimento expresso
quando o outro o reflete e o encontra
expresso no seu ser

mas ninguém
nem se encontra no seu ser
nem reflete por si mesmo
nem se expressa o que não sente
e por Fim
nem sentido há algum

10 agosto 2019

A vida esmaga a Vida

pé por pé
no dia a dia
e passo a passo
de pouco em pouco
a vida esmaga a Vida
que não é vivida
só (con)sumida

de sol a sol
de hora em hora
o que é de alma 
se joga fora
e de grão em grão
de ovo em ovo
o homem choca
o homem chora
a encher o papo
a encher o bolso
a encher o saco
a encher o vácuo
do seu olho por olho
do seu óleo por óleo
como álcool
que o tempo traga

o homem
de queda em queda
dente por dente
pós-decadente
aos lusco-fuscos
não mais que cuscos
e quando se vê
é fogo-fátuo
menos que fósforo
que avança ao dedo
deixando só...
da cinza à cinza
do pó ao pó

08 agosto 2019

Não ter Tempo pra Nada

há tanta coisa no tempo de vida
que não sobra mais tempo pra vida:
viver se tornou uma ordem a ser acatada
dada por alguém ou algo que não se sabe
sob a fachada de uma escolha
em que não se escolhe

nossa vida tornou-se verbos no imperativo:
- faça o certo/seja correto/tenha bens
- trabalhe/estude/se forme
- compre/consume/ostente
- vá à academia/faça curso de inglês
- caminhe no asfalto
- não beba/não fume
- vá para a praia nas férias
- tenha um celular avançado
- seja o que se espera de você
- não decepcione
- tenha planos/metas/ambições
- ostente sempre um sorriso
- leia autoajuda/seja otimista
- alcance o sucesso
- seja feliz
- mostre que você tem sucesso
- mostre que você é feliz

faça isso tudo do seu tempo de vida
e depois lamente
não ter tempo pra nada

06 agosto 2019

Ladeira Abaixo

lá nos começos do século XIX 
fugia-se do mundo externo: 
a isso chamaram de fuga da realidade. 
aqui nos começos do século XXI 
foge-se do mundo interno: 
o eu foge do si mesmo o si mesmo 
esconde o ser. 
a isso chamaremos 
de fuga do que somos? 

faz-se tudo para não se encarar 
escolhe-se um outro ou um algo 
para se pôr a culpa 
e elimina-se um possível espelho: 
os espelhos são temidos 
porque é onde vemos 
que não valemos nada 

ninguém quer saber do si mesmo 
enche-se de tudo 
para não se ter de sentir nada 
do nada que se sente 
e que em realidade ainda é tudo 

sem seu mundo interior 
o homem deixa de ser 
e nessa fuga do que ele não conhece 
perdeu-de do que ele nunca foi 
ladeira abaixo 
des-sendo

03 agosto 2019

Agora que estou morto

Certo dia, disseram-me que seria bem melhor se eu me matasse.  Obviamente, não acreditei. Mas aos poucos, bem aos poucos, muito gradualmente, através de insidiosos detalhes, de sugestões sordidamente subliminares, de fatos e acontecimentos quase que imperceptíveis, a ideia nefasta do suicídio foi tomando forma no meu universo psíquico...

Na verdade, era algo extremamente difícil, quase impossível, escapar à atuação daquelas sugestões suicidas. Muitas vezes, chegavam a ser mais do que sugestões, tornavam-se mesmo imposições, não imposições violentas ou forçadas, mas imposições daquela categoria que, sem deixar de ser elegante, não nos deixam alternativas. Era como pisar nosso pé com educação, com um doce sorriso no rosto. Diziam-me eles, e me provavam, que todos já haviam se suicidado. E que não se arrependiam. Que assim estariam de acordo com todos aqueles que pensavam no que seria melhor para as nossas existências. Insistiam que eu deveria ser sensato e analisar com racionalidade a questão. Assim exigia a categoria de mundo em que vivíamos.

Durante muito tempo hesitei. Havia algo dentro de mim que me transmitia a sensação de que eles mentiam, ou que, ao menos, omitiam uma parcela fundamental da verdade. Ou ainda que talvez eles estivessem realmente convencidos do que me preconizavam, mas que deveriam ter sido enganados, iludidos por outros, assim como agora intentavam fazer comigo. Seja como for, seus argumentos eram irresistivelmente convincentes, duvidar de suas palavras chegava a ser um sacrilégio.

Com o tempo, descobri que eram sinceros e que estavam
imbuídos das mais nobres boas intenções. O que não significa que estivessem com a razão. Acreditavam no que diziam, pensavam de fato aquelas coisas, que pareciam soar em suas palavras com tanta sensatez e bom senso. Porém, creio que tais pensamentos não eram autenticamente seus, talvez fossem incutidos em suas mentes por outros, ou por algum poder obscuro, que eu desconhecia, algo como uma lavagem cerebral. Agora, a lavagem seria em mim.

Para eles, o suicídio era o padrão a ser seguido. Por não tê-lo ainda cometido, causava-me espanto o isolamento em que aos poucos fui constatando que me encontrava. Quase todos os outros já haviam se matado ou estavam a caminho de fazê-lo. Alguns, para tomarem coragem, antes de cometer seu suicídio, tentavam convencer as demais pessoas a realizar o mesmo. Desejavam veementemente o suicídio em massa. Já outros, após o ato suicida, vinham para provar que agora viviam absolutamente tranquilos, sem nenhum tipo de preocupação, existindo como se não existissem, o que constituía, para eles, o auge de uma vida perfeita, aceita e compreendida por todos. Enfim, acreditavam-se felizes. E muitos vinham, por piedade, para ajudar os que ainda não tinham se matado, dispostos a ensinar e encorajar o maior número possível de suicídios.

Viviam aqueles suicidados com a firme aceitação geral. 
Eram tomados como exemplos, para todos, de pessoas decididas, conscientes de seu lugar no mundo, sensatas, trabalhadoras, vitoriosas, que obtiveram o pleno sucesso na vida. Os outros, os que não se mataram, os poucos, os raros, que ainda insistiam em não se suicidar, eram duramente condenados, acusados de mil e uma tolices, erros, equívocos, fracassos, absurdos e, até mesmo, de infâmias e crimes. De modo que a pressão psicológica para que também se matassem era gigantesca.

Eu, hesitando em me suicidar, era visto com muito maus olhos, naturalmente. Chamavam-me de louco. Não entendiam, os suicidados, o que eu buscava na vida. Era ostensível, para eles, que eu só obteria derrotas e fracassos, desgostos e desilusões, aflições e angústias, miséria financeira, todo tipo de insegurança e de incompreensão, que sentiria na pele a crueldade do mundo, talvez me tornasse um pária, um marginalizado, e provavelmente acabaria meus dias na mais completa solidão, sem família, sem amigos, sem trabalho, talvez até mesmo em um hospício ou na prisão.

Até que não vendo saída, cercado por todos os lados, pressionado por aqueles que supostamente vinham me ajudar e convencido por seus irrepreensíveis e avassaladores argumentos, decidi-me pelo meu suicídio.

E o cometi. Agora sou um suicidado. Sinto uma moderada tranquilidade que, no entanto, não é sinônimo de paz. Casei-me com outra suicidada, não creio que realmente a ame. E isso também não importa. Ela também não deve me amar de uma forma verdadeira. Aliás, quem ama de verdade? Temos uma linda filha, que, com o tempo, também aprenderá a se suicidar. Assim desejamos, assim devemos desejar. Vivemos de forma relativamente segura, com uma regular independência financeira. Não temos grandes preocupações. Praticamente, não há alterações nos dias de nossa rotina, creio que atingimos, de forma mediana, todos os nossos medianos objetivos. Sim, objetivos moderados. Grandes objetivos, ideais, vastos sonhos são sempre inatingíveis. E trazem dores insuportáveis. Aprendi que devemos sempre evitá-los.

Tenho um bom emprego, trabalho 40h por semana, não é muito, há alguns suicidados que trabalham bem mais. Não é o emprego de meus sonhos, admito, um pouco estressante, é verdade, meio sem graça, mas paga bem. Nos fins de semana, saímos para nos divertir, tomamos umas cervejas, jantamos fora, às vezes viajamos, é uma vida agradável. E é isso. Não há muito que acrescentar. Não me interesso pelas coisas que acontecem no mundo exterior, a não ser aquele interesse indiferente de quem assiste a um telejornal. Lamento as tragédias, sorrio com as boas notícias, mas também o que poderia fazer por elas? 

Sou, agora, uma pessoa sossegada, não quero nada mais que venha me inquietar, perturbar o meu morno sossego. Agora sou como todos. Agora estou morto.

01 agosto 2019

Dedicatória à Noite

entre o haver da noite
o que há por trás dos entes
do ventre da mata
que a manhã
desentranha e mata?

é isso talvez que me alta:
ver que o que há
(sendo ou não comigo)
vai em frente
numa cósmica noite
mais longa mais funda mais vasta

há o sempre haver da noite
e os seres que no atrás da mata
não existem entre os que não entreveem

trago no meu ser
como quem traga
grandes goles de álcool-éter
essa desestranhada estrada
que assim como eu:
é culpada!
em sempre haver a Noite...