29 março 2019

Aos Caçadores Filhosdaputa

caçador filhodaputa montedebosta
por que não pega tua arma e te atira na cara
com os dois canos da tua espingarda?

caça-dor filhodaputa montedemerda
por que não te dá um tiro por trás
e deixa a vida selvagem em paz?

caça-horror filhodaputa montedeesterco
por que não pega tua arma e bate punheta
e deixa a vida viva em nosso planeta?

caça-desgraça filhodaputa montedefezes
por que não pega tua arma e te arrebenta a cabeça
e deixa que a vida entre a vida aconteça?

caçador filhodaputa montedenada
só quem deve ser caçado é tu:
pega tua arma e arrebenta teu cu.

27 março 2019

O Nosso Abismo é logo ali

Estrela que te és longe do que somos
tu que não nos sabes é que és feliz
aquilo que te vemos nem és tu
tua luz que a nós chega já passou
a tua verdade é sempre distante
e por ser distante é que é verdade
por não nos saberes não te fracassas
triunfas por nunca nos iluminares
ser indiferente é tua vitória
e nos dar as costas é o teu poder

Estrela, o que é isso onde tu estás?
onde tu estás nisso onde não nos és?

o que é que existe nesse teu abismo?
sim, 
porque o NOSSO abismo... é logo ali...

24 março 2019

Soneto Mau e Manco

como eu queria fazer poemas leves
daqueles que me congelassem
e esta minha eterna chuva
a transformassem em neve

como eu queria fazer poemas breves

daqueles que se leem sozinho
que quando em pensasse em uva
eu já me tivesse o vinho

mas eu só faço poemas graves:

como eu queria ao pensar em vida
que estivesse em eterna greve

mas nestes tempos de horror e febre

de caos e erros de sul ao norte
só se encontram rimas para a morte

23 março 2019

Versos a um Gatinho Morto

o filhodaputa que te matou
(porque quem mata um gato é um filhodaputa:
se for por acidente é filhodaputa por um tempo
se for por intenção é filhodaputa para sempre)
o filhodaputa que te matou
deixou mais triste a minha rua
(cada felino que morre
deixa mais triste o mundo)
o filhodaputa que te matou
tirou da minha rua a tua graça a tua dança
o teu alto a tua grandeza
arrancou da minha rua a tua presença de paz
arrancou do meu olhar a inocência do teu
extirpou o encantamento
em que me elevava com tua leveza
em que eu sorria com tua ternura
em que eu sonhava com teu mistério

minha rua ficou mais triste e o mundo ficou mais chato

onde quer que tua alma agora esteja
estão estes versos nos teus bigodes
ou tocados por tuas patas
enquanto retornas triunfante
para a próxima civilização

21 março 2019

Bach-Nosso

Bach Nosso que estais nos Sons 
interpretadas sejam as Vossas notas
venham a nós os Vossos concertos
sejam erguidas as Vossas cantatas
assim nas casas como nos seres

a Paixão nossa de cada dia
nos mandai hoje
perdoai as nossas supérfluas
assim como nós perdoamos aos que não têm te ouvido
e não nos deixeis ouvir música em vão
mas ensinai-nos a amar

em nome de Bach
Beethoven
e de Johannes Brahms

Amém.

Hoje, 334 anos de Johann Sebastian Bach, o Pai da Música.

19 março 2019

Fazer Parte da Humanidade

fazer parte da humanidade:
ser obrigado por lei
a viver de acordo com a lei
lei que foi acordada por outros
sem que você participasse do acordo

fazer parte da humanidade:
ter que trabalhar mais do que viver
durante as melhores horas do dia
quando não se pode quando não se deve
naquilo que não se quer
para fazer algo que se queira
quando já não há mais tempo de se fazer

fazer parte da humanidade:
ter que aparentar o normal
quando o normal é a doença
parecer com os parecidos
chafurdar na merda para ser aceito
e depois são preocupações e estresses
desesperos  e crises de nervos
para poder viver em paz

fazer parte da humanidade:
cansar-se uma vida inteira
para poder enfim descansar
deixar de fazer o que se quis
para dizer que tem a vida que se quer
até tornar-se responsável
pelo sua máscara de parecer feliz

fazer parte...
meu Deus, quanta miséria!
menos mal
que se faz Arte

17 março 2019

Beethoven batendo na Porta

seja a justiça não-feita
esteja a justiça torta
por mais que se saiba
ninguém se importa

quer passe por rio podre
quer passe por mata morta
por mais que se mate
ninguém se importa

se não pulsa alma nos olhos
nem corre sangue na aorta
por mais que se morra
ninguém se importa

ninguém se importa
até que se escute as quatro notas
do princípio da Sinfonia Quinta
de Beethoven
a bater na sua  porta

15 março 2019

Um Desastre

as pessoas querem ser agradadas acariciadas justificadas
querem autoajudas que lhe digam que suas merdas
não fedem tanto
e que podem seguir cagando ad infinitum 
até transbordar o planeta.

as pessoas querem ler coisas belas-bonitas
daquelas de se pendurar em paredes
como uma samambaia inofensiva
ou palavras-vassouras que varram seu próprio horror
para debaixo do tapete 
que encobre sua miséria.

as pessoas querem palavras light
que podem ser digeridas-lidas durante banquetes
que não pesem nem no estômago nem na consciência.

as pessoas querem palavras legais-boazinhas
de sorrisinho humilde como mordomo de palácio
que entregam cartinhas e flores
em bandejas de ouro.

enfim, as pessoas até gostam 
de escritores-poetas
desde que façam literatura de enfeite.
mas eu como sou um desastre
me bati contra a mesa
e derrubei todos os vasos.

13 março 2019

Infame

I- ser poeta é estar enchendo a cara 
no final da reta
ter chegado antes 
e contemplar já bêbado 
a chegada acabada e cágada 
aos trancos e aos rastejos 
do que resta dos humanos sãos 
com seus saudáveis e vãos desejos 

II- o verso é o outro caminho do paralelo ao fracasso 
onde sopra uma vida de vento e uma alma sem aço 

III- ser poeta é um ato infame e vil: 
é perceber indiferente e indignado 
olhando nos olhos de cada um e de mim 
o quanto há de humano 
e o quanto há de imbecil

11 março 2019

A Era da Superfície

I - época contraditória: 
pessoas tão sentimentais 
e insensíveis: 
se emocionam. mas só com merdas: 
choram pelo mocinho da novela 
cagam para o massacre do que é vida

II – a tarefa do artista 
é apenas ingrata e inútil:
atingir o sentimento humano (???)
é trabalhar cada vez mais com o nada 
seja de seu seja de outros

III - de modo que o artista 
que mais alcança o coração alheio 
é o que melhor esgota o seu

09 março 2019

Do Retorno dos Séculos

o fóton da tua luz 
não fala porque vela 
e flui por entre meu vale 
e é lá por onde 
o meu amor se esconde 

meu verbo versa 
porque se vaga em vento 
e se ruma aos teus rumores 
e é lá que sino 
o teu sinal destino 

meu sopro sobe 
porque te ouve além 
e se designa ao que te sinta 
e é lá que me escuro 
em teu dizer sussurro

atenta ao em torno 
dos teus ares 
que onde não estou 
em meus olhares 
meus versos te olham e te sentem
e febram em todos os lugares

07 março 2019

Sobre o Sangue

construí meu verso sobre o sangue
era tudo o que me restava
derramado duro pela terra aberta
coagulado seco pelo pó da enxada:
deserticamente meu sangue escorre

construí meu verso sobre o sangue
era uma força que me obrigava
de água morta derramada escura
sangue visco-negro pela areia:
poluidamente meu sangue escorre

construí meu verso sobre o sangue
era meu destino que amaldiçoava
de seiva-lágrima em derramada queda
verde sangue de imensidão tombada:
devastadamente meu sangue escorre

construí meu verso sobre o sangue
era um cosmos que me massacrava
do guará atropelado ao horizonte
sangue vivo-lago derramado das estradas:
extintamente meu sangue escorre

construí meu verso sobre o sangue
era só meu sangue o que continuava

05 março 2019

Dois Meses do (Des)Governo Bolsonaro

Dois meses de DESGOVERNO BOZOASNO:

* Filhos e ministros de Bolsonaro atolados em corrupção; 
* Desmatamento na Amazônia aumentou 54%; 
* Violência contra mulheres atingiu níveis recordes;
* Projetos A FAVOR da caça desarquivados; 
* Investimentos em Educação zerados e declarada guerra contra professores;
* Possibilidade real de expansão dos horrores da mineração para terras indígenas e reservas ambientais;
* Aposentadoria passando para 65 anos para homens e 62 para mulheres;
* Agrotóxicos altamente cancerígenos sendo liberados diariamente;
* Continuação piorada da guerra do governo Temer contra direitos trabalhistas; 
* Perdão de dívidas de ruralistas e de grandes empresas;
* NENHUMA ação efetiva a favor do povo;
* Combate e desmantelamento de programas sociais;
* Bobagens, confusões, gafes e desrespeitos sendo proferidos diariamente; 
* Puxassaquismo declarado ao governo Trump; 
* Desastres em relações internacionais frequentes prejudicando exportações;
* Total despreparo do presidente e de sua equipe para governar o país;

Faltou alguma coisa? Foi pra isso que você votou?

Na imagem, desmatamento para garimpo ilegal em terras indígenas no Pará.

03 março 2019

Filhos da mesma Terra

quando dizemos que somos todos irmãos
dizemos o quê?
que dividimos uma mesma essência
um ponto em comum em nossa substância?
eu sou o outro e vice-versa?

sou irmão do tigre
porque somos filhos da mesma Terra
e onde corre sangue que é rubro
ou porque o seu sangue
é uma parte do meu em elo espiritual? 
se ele morre
escorre
algo do meu vital...

se os homens se dilaceram na guerra
ou se degeneram em miséria
que sonho do meu ser é que se vai?
que olho do meu peito chora e se contrai
se a floresta se esvaece em fumaça?
quando o planeta sofre
que vida ou que porre
se derrama da minha taça?

o sangue derramado ao longe
sou eu derramado aqui?
o que é isso que goteja das minhas mãos
quando uma cabeça é esmagada?
é lágrima é sangue ou indiferença do nada?
quando o sol se obscurece no céu
anoitece uma luz no que sou eu?

e isso que digo é para algum fim
ou sou só eu que sinto assim?

02 março 2019

Schumann Morreu Louco

Schumann compôs seu sublime Concerto para Violoncelo e Orquestra
pouco antes de enlouquecer
e se internar ele mesmo num manicômio
porque sua loucura não lhe tirava a consciência.
a melodia que inicia seu Concerto para Violoncelo
é de uma sublimidade absurda e dilacerante
e logo depois Schumann tentou se matar
nas águas geladas do rio Reno.

Schumann compôs o seu tenso e nervoso Concerto para Violoncelo
na época em que dizia ouvir anjos e demônios
lhe ditarem músicas aos gritos em seus ouvidos
e dentro de sua cabeça.
o Concerto para Violoncelo de Schumann 
está entre as músicas mais belas já feitas
e foi uma das últimas coisas que Schumann compôs
pouco tempo depois decidiu se isolar do mundo por ser louco
e para não enlouquecer também sua mulher
e seus filhos:
foi uma forma de sacrifício.

o denso e inquietante Concerto para Violoncelo de Schumann
tem 169 anos
e é um dos concertos mais tocados ao redor do mundo
mas Schumann nunca pôde ouvir esse concerto
porque morreu antes 
aos 46 anos num manicômio.
os médicos diziam que ele sofria de "melancolia psicótica"
(os médicos não entendem porra nenhuma de arte
nem da vida).

Schumann foi um dos maiores nomes do romantismo musical
e quanto mais perto da loucura ele chegava
mais obras sublimes ele fazia
mas ele não podia dormir à noite
porque os anjos e demônios não deixavam
e ele tentou suicídio no rio Reno em 27 de fevereiro de 1854
quatro anos depois de finalizar
seu enlouquecido Concerto para Violoncelo e Orquestra 
Opus 129.

27 fevereiro 2019

Minha Não-Mensagem

aqui não há nada a ser dito:
não me procure razões
naquilo que nem me soube
não queira que eu dê ou que eu tome lições
naquilo que nem me sonha 
ainda que se diga coisa alguma
nunca será humano
permanecerá sendo o que nunca foi
pela miséria de coisa nenhuma

que este verso não seja nada
uma realidade noturna fora além nem existente
distante de tudo o que é
(como se alguma coisa fosse...)
nem dito para nem feito por
(seja lá o que for)
por que aqui alguma verdade
alguma filosofia alguma fé 
no que nem é?
(seja lá o que amor)

não procure aqui uma mensagem
não queira saber se estou certo
não tente fazer ver os meus erros
há tanto outro tanto
eu mesmo sou outra imagem
do que nunca nem me vi
então que isso não passe
de um canto sem letra
ou de pintura sem cor
um cansaço que se lança
pelo lago alado do ar
pelo lado amargo da dança
(ou seja lá o que dor)

deixa este verso bem longe
de tudo que se aproxima 
isso é só um aumento da dosagem
um longe rubro no horizonte 
não passa de passagem
ao lá do que me esconde
e o que me resta da alma que tive
deixo aqui sendo noite em profundo
abismada e reerguida
num prenúncio minúsculo
de que depois de tudo morto
nisso que se chama mundo
em milênios voltará a Vida

25 fevereiro 2019

De Mal a Pior

sempre é pior do que dizem
sempre há mais do que é dito:
a humanidade tem por princípio e precipício
não saber ou não deixar que se saiba

governo empresas trabalho
e todo diabo mais que o parta
são apenas controle:
controlar é decidir o que se pode saber

o que é o povo além de ignorância agradada?
para que o povo não saiba o que não pode
se passa a mão na sua cabeça
e dá-se um leitinho quente
para que ele durma e sonhe
porque só o sonho é sua vida real

até que um dia surge um gênio:
gênio é saber que há mais
onde não se suspeita de nada
e extrair desse nada
o que há de mais

ser gênio
não é ser grande na humanidade:
é NÃO ser a humanidade

mas estamos tão mal
que ou nem gênios surgem mais
ou nem mais ouvimos gênios

22 fevereiro 2019

O Mistério é uma Música

a música é um mistério
(mas só quando sendo música)
e como tal não se escuta
podê-lo ou sabê-lo

sem princípio ou precipício

está a sete notas acima na escala
ou sete palmos abaixo na terra
ou qualquer além que seja mais 
verbo não-verbalizado
sem (des)entendimentos
equivocados:
é o que se é
para cada ser que o seja

à música

não há necessidade de selo
ela não se carta
não se mensagem:
quem ouve é que deve sê-la
e só a si cabe o vale
quer seja um algo ou um vago

ainda que a música

diga dizeres
não se pode dizer
que foi sendo como dito.
o que vale é o que som
infinital e arquetípico
absoluto
desanalítico

desde o canto do galo

o corte do violino
ao ritmo do galope do cavalo
é um elevado alto
escrito de não-dizer
que é mister misteriá-lo
e vivê-lo

20 fevereiro 2019

Quem que é Importante?

as pessoas se importam
com que elas importem
como se houvesse importância
em ser-se importante
e como se alguém que o é
em verdade o fosse

ser importante
implica em quem dá 
a importância:
quem é importante
é importante para quem?

vermes, por exemplo
dão importância a vermes
não a águias
aliás as águias
os vermes nem as veem
e nem sabem que existem

18 fevereiro 2019

É só de Pão que vive o Homem

se tu não tiver pão
tu nunca irá parar pra pensar
porque o pão é o que importa primeiro.
então eles te tiram o pão
pra que tu só pense em pão
e não se importe com mais nada.
depois eles te dão o pão de volta
pra que tu sinta que pão é só o que importa
e te aquiete no teu canto.

mas quando teu corpo já tenha pão
tua alma precisará de vida
e vida é muito mais difícil:
e eles não querem que tu viva
só que tu sobreviva:
sobreviver é ter um emprego um patrão
para quem tu dá a tua vida
o teu corpo e a tua alma
em troca de pão
e de malemal um teto
mas na verdade tu é a teta
com que eles se mantêm ricos e gordos

eles te dirão que teu emprego é tudo
que nem há arte nem há alma 
nem há alto nem há música
e que te importa a vida que há no mundo???
que só o dinheiro (que tu não tem)
é o teu senhor
que só o dinheiro (que tu nunca terá)
é o teu amor

e então tu vive de pão
em um quadrado com teto
em uma peça de blusa:
quando morrer já estará morto
e nem terá olhado ao alto
e nem terá de teu o chão

17 fevereiro 2019

17 de Fevereiro: Dia Mundial dos Gatos


Republico o poema a seguir, publicado originalmente em 27 de março de 2017.

Gatos são Terríveis

I - cachorros são fáceis
gatos são difíceis

mesmo que não ame um cachorro
toda pessoa sabe
por que um cachorro merece ser amado

mas só sabe por que um gato merece ser amado
quem ama um gato

II – não posso reconhecer como um ser superior
o homem que considera os animais como seres inferiores
por eles não serem homens

III – saia para a noite
e contemple um lugar 
sem um gato
depois
contemple o mesmo lugar 
com um gato:
tudo se tornará mais profundo

14 fevereiro 2019

Hipogrifo

viverá a minha voz ou meu verso 
no zumbido de alguma mosca
no zunido de algum mosquito
a azucrinar ouvidos  
não-existentes 
naquele quase silêncio 
dos malditos 
que é ainda mais que um grito
um além no quando 
que nem poderá ser dito 

ficará o meu nada 
no ruflar das asas 
de alguma barata 
no rangir escroto 
de algum gafanhoto 
no irritante estribilho 
do triunfo do grilo 

e será o meu verso no que me resto 
vitorioso como os artrópodes 
naqueles dias de vazio 
naqueles densos de mistério 
em que o planeta estará repleto 
de insetos 
e sobre o mundo 
de moribundos
no caos circunscrito
cairá o sopro das asas
do retorno
de um hipogrifo

12 fevereiro 2019

Praia Nublada no Inverno

não gosto de praia.
ou do que dizem ser praia:
tem gente nela.
nada contra quem gosta
e aceito a opinião oposta
mas tanto sol e sorrisos 
me desgastam.
prefiro o escondido da sanga
entre o perdido do mato
aqueles capões brabos
bugios roucos
peraus de cobras
e mosquitos da febre amarela

e estou falando sério:
meu gosto é de antigo
me neblino no mistério:
sou daqueles que não.
me sinto bem entre gritos de sapo
e berros de gavião.

não gosto de praia?
não é bem assim:
não gosto da ideia por trás dela.
se ainda fosse aquelas praias de tormentas
daqueles mares das pinturas de Turner:
há menos verdade no que se diz vida
do que naquela tela.

10 fevereiro 2019

Eu é que não presto

só uma pena de pato
no prato:
aquilo que sobrou do fiasco
e o emprego? no prego
e no poder? as pragas
tudo o que há de pútrido
pregando
nas pregas do povo

e pobre do próximo
se o próximo for pobre
pior se o próximo for preto
só lhe sobra o que for podre
se antes não for preso
mas "ame o próximo
como a si mesmo"

mas e a pátria?
que pátria?
a pátria é o patrão
o filho da puta
que tem pressa
de saciar suas (em)presas
com o sangue do planeta

mas isso é ser honesto.
eu é que não presto.

08 fevereiro 2019

Com Lucro e Sem Vida*

enquanto houver lucro 
não haverá vida
nem de quem paga
nem de quem perde
nem de quem lucra

enquanto houver lucro
só haverá o suco
do que é vivo sugado
enquanto houver lucro
não haverá o justo:
só seres e homens
a serem esmagados

enquanto houver lucro
não haverá paz
só haverá pás a cavar covas
só haverá a sede
insaciável
de quem quer mais
só haverá a sede
insaciada
de quem
não pode
e não tem nada

enquanto houver lucro
o homem será invólucro
de um monstro
o homem será a máscara
de um mundo sem nada
movido à máquina
ao trágico
e à morte

e é assim:
enquanto houver lucro
haverá o fim

(Poema reelaborado, escrito e publicado originalmente em 2015)

06 fevereiro 2019

Contabilizem as Lágrimas no Paraopeba

o Rio Paraopeba está morto. 
Como diria Cruz e Sousa: "Morto. Muito morto. Morto."
mas a Vale privatizada por FHC lucrou. 
quem é que lucra? quem é que paga?
E muito. Muito lucro. Muito. Contabilizem seu lucro.
a mineração lucrou. contabilizem seu lucro.
a mineração quer se expandir e elegeu um "presidente". 
contabilizem de quanto foi essa ajuda.
depois contabilizem o número de mortos.
contabilizem o número dos que vão morrer.
contabilizem o número de famílias aniquiladas.
contabilizem os milhares de peixes mortos.
contabilizem as milhares de aves mortas.
de mamíferos. de répteis. de anfíbios.
mortos. contabilizem.
contabilizem os quilômetros e quilômetros de Morte
que ainda virão rio abaixo.
contabilizem os outros rios que serão atingidos.
e riachos e córregos e sangas. contabilizem.
e mais poluição e mais mortes e mais dores e mais horrores.
vão contabilizando. contabilizem.
é só o que eles sabem fazer: contabilizar.
é só o que os milionários que estão no governo sabem fazer:
contabilizar.
contabilizar para tirar dos pobres e dar para os ricos.
para tirar da vida e dar para o lucro.
então não nos resta mais nada.
só contabilizar.
contabilizem.

05 fevereiro 2019

do Nosso Tempo

I - a lei quer que você faça
uma posição de "Sentido!"
quando merda nenhuma mais
faz sentido

II – a vida de hoje perdeu tanto o sentido
que isso nem foi sentido

III – ainda há um sentido para esta civilização:
o caminho no sentido do abismo

IV – já eu, ressentido, tento encontrar meu sentido:
todos os meus sentidos
(sentidos pelas artes)
sentem que o fim se aproxima:
sinto muito.

03 fevereiro 2019

Simbolista

quero apagar mas apagar de um modo
que quando acorde já não seja eu todo:

todas aquelas coisas sossegadas
que do que esperam só recebem nadas

que sabem que ter é beber espuma
como quem olha para o céu e fuma

sentadas pelas beiras das estradas
essas coisas de tudo tão cansadas

a ver quem passa se matar nas curvas
e quem chega não encontrar nenhuma

a se aguardar num sol já quase posto
que não se acabem os invernos de agosto

que as noites vindas já não tenham fim
que sempre fosse sempre fosse assim

e que se achasse em sangue o amor já morto
ao soprar de asas de um voar de corvo

todas aquelas coisas sossegadas
que já viram Deus e só são fantasmas

que desceram para tomar um vinho
e quando viram vinha o Fim sozinho

02 fevereiro 2019

Carniça

“confia nos homens 
e em sua justiça...” 

dizia-me um mísero 
pagando seu dízimo 
em meio à imundícia

dizia-me um “justo” 
pingando seu cuspo 
em meio à cobiça

dizia-me um “santo” 
babando seu canto 
em meio à malícia

“espera dos homens 
só sua carniça...”

dizia-me um Corvo 
na carne de um morto 
fazendo justiça