Naquela noite fria e longa, tu chegaste. Uma tempestade se formava lá fora. E para aquecer-me com tua lembrança, eu ouvia as paixões terríveis de Brahms. Há muito que eu te esperava. A tempestade apagara a luz, só uma vela iluminava tua face. Como era belo o segredo da tua visita! Vi e senti a luz dos teus olhos cintilando ao entrares no meu quarto. Não sei que espécie de magia estranha envolvia os teus olhares, tão escuros que brilhavam como lagos, tão intensos que falavam-me mistérios. De onde foi que tu vieste?
Tu vestias o negro puro das noites profundas, e junto contigo invadiu o meu quarto o perfume escarlate das rosas invisíveis que enfeitam teu corpo. Senti-me nos paraísos edênicos aos aspirar o teu aroma nos ares repletos da tua presença. A tempestade relampejava lá fora. E à luz de raios eras ainda mais bela. Lentamente, foste te aproximando de mim em tua doce elegância de fêmea. Tu parecias que flutuavas... E eu te fitava como num sonho...
Sentaste ao meu lado na cama, e eu repousei meu olhar no teu rosto. Aqueceu minha alma o calor que teu corpo irradiava, tão junto do meu. Quando teus dedos tocaram em febre minha mão, senti que o sangue correu mais rápido nas veias, aos pulsos de vida de meu coração inflamado. Sorrimos, e desse sorriso nasceu nosso beijo. A tempestade enlouquecia lá fora. E que loucura era teus lábios tocarem os meus. Como o sonho toca os lábios da noite. Os vapores quentes de tua respiração eram um delírio que me entorpecia. Quanto desejo cantava em nossas línguas! Como bebi sedento os vinhos que destilava a tua boca. Embriaguei-me de teus licores doces e férvidos como um alucinógeno. Consumi-me nos teus lábios, na tua língua, nos teus dentes.
E que música sublime ouvi de ti quando beijei o perfume de teu pescoço: foram os teus suspiros, que me estremeceram. Mergulhei em teus suspiros, eram sons de violinos. Teus violinos murmuravam em meus ouvidos. E eu sussurrei no teu espírito. Teus dedos deslizavam por meu rosto. Deixamos nossos átomos um para o outro.
Em um abraço denso e forte como a morte, deitamo-nos na cama. Lá fora, abraçava o mundo a tempestade. Eu te disse coisas que não digo. E tu falaste coisas que não falo. Mas tua voz me elevava como as aves, percorria a minha pele como um rio de água morna e cristalina. E meus dedos percorriam a tua pele como se fossem brisas quentes de verão.
Enquanto nossos cabelos se misturavam, nossas bocas transmitiam o segredo dos nossos corpos. E a tempestade desabava. Lá fora o mundo se findava e o nosso beijo era infinito. Lá fora o mundo de consumia, e nós nos consumíamos num beijo. Como amei tua alma naquele curto instante eterno! Como amei teu corpo naquele eterno instante curto! Eu absorvia os desejos de amor da tua alma e do teu corpo. E os sentia em tempestade! E a tua alma me aquecia... E o teu corpo me incendiava! Tanto, tanto, mas tanto... que... eu me acordei.
Acordei, e tu não estavas no meu quarto. E a tempestade consumia-me lá fora... Consumia-me aqui dentro. Mas astralmente tu ainda pairavas do meu lado. Sentia tuas auras quando respirava aquele ar...
Um Beijo... e uma Frase. Que frase? Esta, de Fernando Pessoa: “E, por fim, tenho sono, porque, não sei por que, acho que o sentido é dormir.” E eu voltei a dormir...