22 novembro 2014

Mensagem aos que Não














ali onde olhos
canto de noite
e um  outro
canto de atrás
de um outro
olho de noite
de outro ausente
invisível de paz

sensação vã
do que não é
e se acima
cinza de névoa
em longe vapor
e derrama
café e (m)água
vista vaziada
sangues em chama
se vestem de nada

um mar sem algo
nem alga
oceano de ausência
onde me estranho
em que não haja
o que não alma
e nem se alta
algum desígnio
propenso ou denso
e nem saudade
e nem se importa
ou se enfurece
ou nem se acalma

um lugar ali
de fim
onde olhos
que não está
nem no cá
nem que vim

20 novembro 2014

Lama

entre
a Fama
e a Lama
há somente
um traço
ou um passo...

entre a “Dama”
e a Cama
há somente
uma virada
de lado
ou de vácuo

ou entre a Dama
e a Rama...


18 novembro 2014

O Fim do Cerrado e de suas Fontes de Água

Há poucos dias, publiquei no blog uma reportagem em que um cientista brasileiro afirma, a partir de vastas pesquisas,  que a Amazônia brasileira encontra-se com praticamente 40% de sua área total comprometida, ou por devastação completa ou por degradação parcial em diferentes níveis, e que o fato já está ocasionando mudanças graves no clima de todo o Brasil, principalmente falta de chuvas. Leia aqui

Agora, a questão é o Cerrado, o segundo maior bioma brasileiro em área territorial, cujo ritmo implacável de destruição desde os anos 50 já devastou mais de 60% de sua totalidade. Ou seja, a maior parte do Cerrado já não existe mais, e isto vem causando não só o desaparecimento de sua biodiversidade tão vital para o Brasil, mas também o desaparecimento de mananciais de água, sobre cuja importância é desnecessário comentar.

No entanto, para muitas (e muitas mesmo) tudo isso não passa de um acidente de percurso, um "mal necessário", ou um pequeno deslize dos homens, ou até mesmo "vale a pena" se for para o maravilhoso desenvolvimento da nação e da humanidade, que marcha em sua evolução altamente sublime.

Retiro do portal Sul 21, trechos da entrevista concedida por Altair Sales Barbosa, professor da PUC Goiás e um dos maiores conhecedores do bioma Cerrado. A entrevista pode ser lida na íntegra aqui


"É justamente pela força da ciência que ele dá a notícia que não queria: na prática o Cerrado já está extinto como bioma. E, como reza o dito popular, notícia ruim não vem sozinha, antes de recuperar o fôlego para absorver o impacto de habitar um ecossistema que já não existe, outra afirmação produz perplexidade: a devastação do Cer­rado vai produzir também o desaparecimento dos reservatórios de água, localizados no Cerrado, o que já vem ocorrendo — a crise de a­bastecimento em São Paulo foi só o início do problema. Os sinais dos tempos indicam já o começo do período sombrio: “Enquanto se es­tá na fartura, você é capaz de re­partir um copo d’água com o ir­mão; mas, no dia da penúria, ninguém repartirá”, sentencia o professor.

Tendo em vista o que vivemos hoje, é algo quase que tristemente profético. O Cerrado está mesmo em vias de extinção?


O Cerrado é um tipo de am­biente em que vários elementos vi­vem intimamente interligados uns aos outros. A vegetação depende do solo, que é oligotrófico [com nível muito baixo de nutrientes]; o solo depende de um tipo de clima especial, que é o tropical subúmido com duas estações, uma seca e outra chuvosa. Vários outros fatores, incluindo o fogo, influenciaram na formação do bioma – o fogo é um elemento extremamente importante porque é ele que quebra a dormência da maioria das plantas com sementes que existem no Cerrado.


Assim, é um ambiente que de­pen­de de vários elementos. Isso significa que já chegou em seu clímax evolutivo. Ou seja, uma vez degradado não vai mais se recuperar na plenitude de sua biodiversidade. Por isso é que falamos que o Cerrado é uma matriz ambiental que já se encontra em vias de extinção.

Por que o sr. é tão taxativo?


Uma comunidade vegetal é medida não por um determinado tipo de planta ou outro, mas, sim, por comunidades e populações de plantas. E já não se encontram mais populações de plantas nativas do Cerrado. Podemos encontrar uma ou outra espécie isolada, mas encontrar essas populações é algo praticamente impossível.


Outra questão: o solo do Cerrado foi degradado por meio da ocupação intensiva. Retiraram a gramínea nativa para a implantação de espécies exóticas, vindas da África e da Austrália. A introdução dessas gramíneas, para o pastoreio, modificou radicalmente a estrutura do solo. Isso significa que naquele solo, já modificado, a maioria das plantas não conseguirá brotar mais.

Como se não bastasse tudo isso, o Cerrado foi incluído na política de ex­pansão econômica brasileira co­mo fronteira de expansão. É uma á­rea fácil de trabalhar, em um planalto, sem grandes modificações geomorfológicas e com estações bem definidas. Junte-se a isso toda a tecnologia que hoje há para correção do solo. É possível tirar a acidez do solo utilizando o calcário; aumentar a fertilidade, usando adubos. Com isso, altera-se a qualidade do solo, mas se afetam os lençóis subterrâneos e, sem a vegetação nativa, a água não pode mais infiltrar na terra.

Onde há pastagens e cultivo, então, o Cerrado está inviabilizado para sempre, é isso?

Onde houve modificação do solo a vegetação do Cerrado não brota mais. O solo do Cerrado é oligotrófico, carente de nutrientes básicos. Quando o agricultor e o pecuarista enriquecem esse solo, melhorando sua qualidade, isso é bom para outros tipos de planta, mas não para as do Cerrado. Por causa disso, não há mais como recuperar o ambiente original, em termos de vegetação e de solo.


Mas o mais importante de tudo isso é que as águas que brotam do Cerrado são as mesmas águas que alimentam as grandes bacias do continente sul-americano. É daqui que saem as nascentes da maioria dessas bacias. Esses rios todos nascem de aquíferos. Um aquífero tem sua área de recarga e sua área de descarga. Ao local onde ele brota, formando uma nascente, chamamos de área de descarga. Como ele se recarrega? Nas partes planas, com a água das chuvas, que é absorvida pela vegetação nativa do Cerrado. Essa vegetação tem plantas que ficam com um terço de sua estrutura exposta, acima do solo, e dois terços no subsolo. Isso evidencia um sistema radicular [de raízes] extremamente complexo. Assim, quando a chuva cai, esse sistema radicular absorve a água e alimenta o lençol freático, que vai alimentar o lençol artesiano, que são os aquíferos.

Quando se retira a vegetação na­tiva dos chapadões, trocando-a por outro tipo, alterou-se o ambiente. Ocorre que essa vegetação introduzida – por exemplo, a soja ou o al­go­dão ou qualquer outro tipo de cul­tura para a produção de grãos – tem uma raiz extremamente superficial. Então, quando as chuvas caem, a água não infiltra como deveria. Com o passar dos tempos, o nível dos lençóis vai diminuindo, afetando o nível dos aquíferos, que fica menor a cada ano.

Qual é a consequência imediata desse quadro?

Em média, dez pequenos rios do Cerrado desaparecem a cada ano. Esses riozinhos são alimentadores de rios maiores, que, por causa disso, também têm sua vazão diminuída e não alimentam reservatórios e outros rios, de que são afluentes. Assim, o rio que forma a bacia também vê seu volume diminuindo, já que não é abastecido de forma suficiente. Com o passar do tempo, as águas vão desaparecendo da área do Cerrado. A água, então, é outro elemento importante do bioma que vai se extinguindo.

Hoje, usa-se ainda a agricultura irrigada porque há uma pequena reserva nos aquíferos. Mas, daqui a cinco anos, não haverá mais essa pequena reserva. Estamos colhendo os frutos da ocupação desenfreada que o agronegócio impôs ao Cerrado a partir dos anos 1970: entraram nas áreas de recarga dos aquíferos e, quando vêm as chuvas, as águas não conseguem infiltrar como antes e, como consequência, o nível desses aquíferos vai caindo a cada ano. Vai chegar um tempo, não muito distante, em que não haverá mais água para alimentar os rios. Então, esses rios vão desaparecer.

Por isso, falamos que o Cerrado é um ambiente em extinção: não existem mais comunidades vegetais de formas intactas; não existem mais comunidades de animais – grande parte da fauna já foi extinta ou está em processo de extinção; os insetos e animais polinizadores já foram, na maioria, extintos também; por consequência, as plantas não dão mais frutos por não serem polinizadas, o que as leva à extinção também. Por fim, a água, fator primordial para o equilíbrio de todo esse ecossistema, está em menor quantidade a cada ano.

E aqui no nossa Pampa? Como anda a situação? Nos próximos dias, escreverei sobre o assunto.

16 novembro 2014

Não me Importo

“Pouco me importa.
Pouco me importa o quê? Não sei: pouco me importa”

Alberto Caeiro (Fernando Pessoa)

I
para quê se importar?
se ao fim e ao término
por mais revoltas voltas
retornos em torno
idas e vindas
vidas e vinhos
tudo chegará
a seu devido lugar?

II
seja o que for que aconteça
são apenas rodadas da roda
sendo um lado o bem
sendo o outro o mal
roda de gira livre-desimpedida
que se parasse
desvidaria a própria vida

III
por quê se importar?
que se há o momento de agora
e nele se vive no ser
se tem tudo o que se pode:
a eternidade do tempo
o esquecimento da hora

IV
já o resto
o que virá ou deixará devir
é um voo de ave
que não nasceu:
se nascer
voarei com ela
se não
me deitarei na terra

que no fim
não há nem perda nem lucro
e então não me importo
nem um pouco


14 novembro 2014

Manoel de Barros: "Prezo insetos mais que aviões."


O grande Manoel de Barros nos deu a lição de que as verdadeiras lições não estão nos intelectualismos, nas análises racionais, nos conhecimentos livrescos, mas na contemplação e experimentação direta e intuitiva da vida. Ontem morreu um poeta de verdade. Um artista no sentido essencial da palavra. Um grande homem. Estão dizendo que Manoel de Barros, ontem, virou passarinho. Eu diria que ele virou poesia.


Minha homenagem é publicando alguns trechos de alguns dos seus, na minha opinião, melhores poemas:

"Eu queria a palavra limpa de solene.
Limpa de soberba, limpa de melenas.
Eu queria ficar mais porcaria nas palavras.
Eu não queria colher nenhum pendão com elas.
Queria ser apenas relativo de águas.
Queria ser admirado pelos pássaros.
Eu queria sempre a palavra no áspero dela."

"Palavra dentro da qual estou a milhões
de anos é árvore.
Pedra também.
Eu tenho precedências para pedra.
Pássaro também.
Não posso ver nenhuma dessas palavras que
não leve um susto.
Andarilho também.
Não posso ver a palavra andarilho que
eu não tenha vontade de dormir debaixo
de uma árvore."


"Entendo bem o sotaque das águas

Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim um atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas."


"Sou leso em tratagens com máquina.

Tenho desapetite para inventar coisas prestáveis.
Em toda a minha vida só engenhei
3 máquinas
Como sejam:
Uma pequena manivela para pegar no sono.
Um fazedor de amanhecer
para usamentos de poetas
E um platinado de mandioca para o
fordeco de meu irmão.
Cheguei de ganhar um prêmio das indústrias
automobilísticas pelo Platinado de Mandioca.
Fui aclamado de idiota pela maioria
das autoridades na entrega do prêmio.
Pelo que fiquei um tanto soberbo."


"A poesia está guardada nas palavras — é tudo que eu sei.

Meu fado é o de não saber quase tudo.
Sobre o nada eu tenho profundidades.
Não tenho conexões com a realidade.
Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro.
Para mim poderoso é aquele que descobre as insignificâncias (do mundo e as nossas).
Por essa pequena sentença me elogiaram de imbecil.
Fiquei emocionado.
Sou fraco para elogios."

"O filósofo Kierkegaard me ensinou que cultura

é o caminho que o homem percorre para se conhecer.
Sócrates fez o seu caminho de cultura e ao fim
falou que só sabia que não sabia de nada.

Não tinha as certezas científicas. Mas que aprendera coisas

di-menor com a natureza. Aprendeu que as folhas
das árvores servem para nos ensinar a cair sem
alardes. Disse que fosse ele caracol vegetado
sobre pedras, ele iria gostar. Iria certamente
aprender o idioma que as rãs falam com as águas
e ia conversar com as rãs."


12 novembro 2014

De(x)ploração

ao erguer-se
a luz empurecida do sol
brilha a claridade etérica
de éter
das espumas dos rios
sangas
arroios
riachos
diachos

castelos
de espumas
em graças em graxas
erigidos no ares
desde os neandertais
e as formas alvas
das névoas
lépidas fétidas
de ovos
de povos
infinitos e intestinais

a serenidade impassível
intragável
das águas plácidas
pútridas
ácidas
básicas
aquelas águas plásticas
recobertas
pela camada espessa
de folhas flores
fetos e fezes

aquelas águas tranquilas
imperturbáveis
onde nem um peixe
causa alguma onda
ou movimenta a barriga
da cadela amarela
imóvel e redonda

aquelas águas-espumas
brancas brilhantes
fluorescentes
como resultado tardo
árduo
do haver...
de ter gentes

09 novembro 2014

A Problemática do Fim

a problemática do Fim
é que os finais
quando o são
não parecem ser finais:
vêm como se não viessem
surgem e desaparecem
(às vezes menos
às vezes mais)
de forma que não se nota
como os sintomas das doenças longas
e fatais

a problemática do Fim
é que os fatos
antes de serem fatos
não passam de vagos sinais
como se fossem  manchas na pele
ou gota de sangue em saliva
e nada de mais

e quando se tornam fatos
parecem ser como dores
que vêm e que passam
febres que não deixam marcas
e é como se não voltassem
jamais

mas a problemática do Fim
é que as febres e as dores
retornam cada vez mais
e do nada se tornam graves
e de suspiros se passa a horrores
e aos poucos a agonias
e mortes e tais...

(Na imagem, o quadro "Pôr-do-Sol" de Caspar David Friedrich.)

07 novembro 2014

Esquecimento, Revolução e Sorriso*

I
o esquecimento
é da humanidade
o maior mal:
a quem esquece
tudo parece que está bem
ou tudo parece igual

II
agora
qualquer revolução
não tem mais sentido:
é fácil fazer-se revolto
quando
(sabendo ou não)
já se está vendido

III
dizer-se que um sorriso
é sempre bem-vindo
seduz...
mas para quem vive na seca
a tempestade é que é a luz

*Poema reelaborado e republicado

04 novembro 2014

"Foram destruídas 42 bilhões de árvores em 40 anos na Amazônia... A mudança climática já chegou." Para pior.

Algumas pessoas, ainda hoje, quando conhecem meu blog, perguntam-me: mas por que o nome "O Fim"? Apesar dos motivos serem vários, dou alguma resposta simples e convido-os o lerem minhas postagens. Bem, hoje posto aqui um dos motivos que justificam o nome que escolhi para o blog. O texto a seguir retiro do blog de Leonardo Boff (aqui). Trata-se da entrevista com Antonio Donato Nobre, especialista do INPE na relação da Amazônia com o clima. O estudioso publicou o artigo "O futuro climático da Amazônia". Futuro que parece ser bastante sombrio. A entrevista é longa, mas para quem tem um mínimo de consciência e de preocupação com nosso futuro, vale a pena lê-la na íntegra. Confiram alguns trechos da entrevista publicada no blog de Leonardo Boff:

Quanto já desmatamos da Amazônia brasileira?

Só de corte raso, nos últimos 40 anos, foram três Estados de São Paulo, duas Alemanhas ou dois Japões. São 184 milhões de campos de futebol, quase um campo por brasileiro. A velocidade do desmatamento na Amazônia, em 40 anos, é de um trator com uma lâmina de três metros se deslocando a 726 km/hora – uma espécie de trator do fim do mundo. A área que foi destruída corresponde a uma estrada de 2 km de largura, da Terra até a Lua. E não estou falando de degradação florestal.

Essa é a “guilhotina de árvores” que o senhor menciona?

Foram destruídas 42 bilhões de árvores em 40 anos, cerca de 3 milhões de árvores por dia, 2.000 árvores por minuto. É o clima que sente cada árvore que é retirada da Amazônia. O desmatamento sem limite encontrou no clima um juiz que conta árvores, não esquece e não perdoa.

O sr. pode explicar?
Os cientistas que estudam a Amazônia estão preocupados com a percepção de que a floresta é potente e realmente condiciona o clima. É uma usina de serviços ambientais. Ela está sendo desmatada e o clima vai mudar.
A mudança climática…
A mudança climática já chegou. Não é mais previsão de modelo, é observação de noticiário. Os céticos do clima conseguiram uma vitória acachapante, fizeram com que governos não acreditassem mais no aquecimento global. As emissões aumentaram muito e o sistema climático planetário está entrando em falência como previsto, só que mais rápido.
Qual é a situação?
A situação é de realidade, não mais de previsões. No arco do desmatamento, por exemplo, o clima já mudou. Lá está aumentando a duração da estação seca e diminuindo a duração e volume de chuva. Agricultores do Mato Grosso tiveram que adiar o plantio da soja porque a chuva não chegou. Ano após ano, na região leste e sul da Amazônia, isso está ocorrendo. A seca de 2005 foi a mais forte em cem anos. Cinco anos depois teve a de 2010, mais forte que a de 2005. O efeito externo sobre a Amazônia já é realidade. O sistema está ficando em desarranjo.
Qual o impacto do desmatamento então?
O desmatamento leva ao clima inóspito, arrebenta com o sistema de condicionamento climático da floresta. É o mesmo que ter uma bomba que manda água para um prédio, mas eu a destruo, aí não tem mais água na minha torneira. É o que estamos fazendo. Ao desmatar, destruímos os mecanismos que produzem esses benefícios e ficamos expostos à violência geofísica. O clima inóspito é uma realidade, não é mais previsão. Tinha que ter parado com o desmatamento há dez anos. E parar agora não resolve mais.
Como não resolve mais?
Parar de desmatar é fundamental, mas não resolve mais. Temos que conter os danos ao máximo. Parar de desmatar é para ontem. A única reação adequada neste momento é fazer um esforço de guerra. A evidência científica diz que a única chance de recuperarmos o estrago que fizemos é zerar o desmatamento. Mas isso será insuficiente, temos que replantar florestas, refazer ecossistemas. É a nossa grande oportunidade.
E se não fizermos isso?
Veja pela janela o céu que tem em São Paulo – é de deserto. A destruição da Mata Atlântica nos deu a ilusão de que estava tudo bem, e o mesmo com a destruição da Amazônia. Mas isso é até o dia em que se rompe a capacidade de compensação, e é esse nível que estamos atingindo hoje em relação aos serviços ambientais. É muito sério, muito grave. Estamos indo direto para o matadouro.
O que o sr. está dizendo?
Agora temos que nos confrontar com o desmatamento acumulado. Não adianta mais dizer “vamos reduzir a taxa de desmatamento anual.” Temos que fazer frente ao passivo, é ele que determina o clima.
Tem quem diga que parte desses campos de futebol viraram campos de soja.
O clima não dá a mínima para a soja, para o clima importa a árvore. Soja tem raiz de pouca profundidade, não tem dossel, tem raiz curta, não é capaz de bombear água. Os sistemas agrícolas são extremamente dependentes da floresta. Se não chegar chuva ali, a plantação morre.
O que significa tudo isso? Que vai chover cada vez menos?
Significa que todos aqueles serviços ambientais estão sendo dilapidados. É a mesma coisa que arrebentar turbinas na usina de Itaipu – aí não tem mais eletricidade. É de clima que estamos falando, da umidade que vem da Amazônia. É essa a dimensão dos serviços que estamos perdendo. Estamos perdendo um serviço que era gratuito que trazia conforto, que fornecia água doce e estabilidade climática. Um estudo feito na Geórgia por uma associação do agronegócio com ONGs ambientalistas mediu os serviços de florestas privadas para áreas urbanas. Encontraram um valor de US$ 37 bilhões. É disso que estamos falando, de uma usina de serviços.
O esforço de guerra é para acabar com o desmatamento?
Tinha que ter acabado ontem, tem que acabar hoje e temos que começar a replantar florestas. Esse é o esforço de guerra. Temos nas florestas nosso maior aliado. São uma tecnologia natural que está ao nosso alcance. Não proponho tirar as plantações de soja ou a criação de gado para plantar floresta, mas fazer o uso inteligente da paisagem, recompor as Áreas de Proteção Permanente (APPs) e replantar florestas em grande escala. Não só na Amazônia. Aqui em São Paulo, se tivesse floresta, o que eu chamo de paquiderme atmosférico…
Como é?
É a massa de ar quente que “sentou” no Sudeste e não deixa entrar nem a frente fria pelo Sul nem os rios voadores da Amazônia.
O que o governo do Estado deveria fazer?
Programas massivos de replantio de reflorestas. Já. São Paulo tem que erradicar totalmente a tolerância com relação a desmatamento. Segunda coisa: ter um esforço de guerra no replantio de florestas. Não é replantar eucalipto. Monocultura de eucalipto não tem este papel em relação a ciclo hidrológico, tem que replantar floresta e acabar com o fogo. Poderia começar reconstruindo ecossistemas em áreas degradadas para não competir com a agricultura.

03 novembro 2014

Marionetes*


Sol... te economiza
não te sejas...
para que fazer que acordem
os que não ouvem acordes?

mulambentas
múmias humanas
marionetes mancas
mecânicas
aquelas
no que resta
do que são elas
entre poeiras
esteiras
e cadelas

em seus vazios
plenos de pena
os sorrisos do sucesso
de suas vidas falhadas
enfeites
entre as duas orelhas
intervalos vãos das cabeças
descabidas
e retardadas

Sol, para que iluminas?
que luz entrará
pelos porões de ratos
( inúteis fúteis trabalhos)
dos corações humanos?
o coração...
esta carne gordurosa
entre vazados pulmões

Sol, não acorda essa gente
esquece esses olhares
(restos hospitalares)
de almas que se lepraram
e quebraram todos os dentes

Sol, para que clarear
o poço da nossa decepção
deixa-nos e vai além...
para que nascer para todos
se o todos
é pouco mais que ninguém?

*Poema reelaborado e republicado.

01 novembro 2014

O Politicusco

descobri
uma nova subespécie de humano
ou sub-humano:
o politicusco
nome científico: homo caniens puxassachus
também carinhosamente chamado
de politicusquinho

trata-se de uma variação
involutiva
do ser humano
que na adaptação à sobrevivência
preferiu a subserviência:
nunca enfrentam cara a cara
e aceitam ser os pau-mandados
da matilha

os politicuscos
adotaram determinados comportamentos
do canis familiaris
ou seja
do cachorro
cusco
jaguara
cadela
que consistem
em baixar a cabeça
aos que lhe mostram moedinhas
andar com o rabo entre as pernas
balançar o rabinho
por exemplo
diante de deputados estaduais
e deitar de perninhas pra cima
diante de deputados federais
e quando seus donos chamam
correm atrás
como poodles de madame

os politicuscos
só mordem
os cuscos já pesteados
rengos capengas
mas quando o cusco é dos grandes
o politicusco se deixa com prazer
ser cocheado