01 setembro 2010

Quando a Água faz Falta...

Dizer que só se valoriza algo quando se perde, seria um lugar-comum. Mas é o que vivenciamos hoje no Brasil. A seca brutal, catastrófica, que vem dizimando florestas, cerrados, lavouras, criações, que vem transformando rios e lagos em desertos, que vem entupindo os céus de todo o Brasil com uma fumaça venenosa (o Brasil, um país tropical, equatorial em grande parte, conhecido pela sua água abundante!) faz agora com que pensemos que a água, a imprescindível água, pode acabar mais rápido do que imaginamos, e quem sem ela a humanidade, obviamente, está acabada. As pessoas pensam nisso. Mas depois, a seca passa, e voltam todos a maltratar a água como sempre fizeram, como estamos acostumados a fazer, como fomos condicionados, ensinados a agir.

Bem, tendo em vista esse momento dramático em nosso país, creio ser oportuno republicar aqui dois poemas meus que tratam do mau uso da água. O primeiro postado foi escrito em 2005. O outro, no ínicio deste ano. Na imagem, um lago quase totalmente seco no estado do Amazonas. No Amazonas, um dos mais úmidos lugares do mundo...

Águas do Fim

águas em marcha
fúnebre
águas de março
seco
águas alvas
brancas
águas claras
de espuma: de ter gente
águas belas?
águas plásticas
chuvas ácidas
gotas trágicas

água da vida?
água da morte
dá medo
dá peste
e morre

a humanidade
e a água:
perdida
acabada.
e o que tu fazes?
fezes,
sem mágica...
e que água que resta?
a Lágrima.

Versos Poluídos

a água do teu lábio
agora já é saliva
a saliva de uma lepra
a saliva do teu lábio
agora já é uma lágrima
e essa lágrima tu sorves
a lágrima do teu lábio
agora já é um sangue
o sangue que te nutre
o sangue do teu lábio
agora já é veneno
o veneno que te vives
o veneno do teu lábio
é a água que tu bebes
e estes versos que vomito
são à água do planeta...

30 agosto 2010

Aceito...

aceito o meu destino
com todas as pedras jogadas da Torre
no meio do meu caminho...

mais que a pedra de Drummond
é a pedra que soa como um sino
há um “Louco Alphonsus, Louco Alphonsus!”
no trilo do meu destino...

aceito mas não me inclino
deixo que o vidro se quebre
em seu cristal hialino
mas não junto os cacos do seu som...

mais que a pedra de Drummond
há um mantra-sino
no meio do meu des(a)tino.

28 agosto 2010

Soneto ao Tempo

deixa que passe o que de mim se corre
verás então que cada vez mais rápido
cada vez mais o que se bebe ao trágico
é todo um sonho em correnteza em porre...

deixa que esguiche e que de mim se jorre
tudo que sinto ao cada vez mais ávido
verás então que é cada vez mais válido
este meu Fim que a outro Fim socorre...

verás ao não como ocultei meu lago
com som de pulso este meu sim pressago
inundará tudo o que em ti derrama...

o teu dormir eu sempre sou que trago:
quando se dorme o sangue queima em chama
quando se morre o rio de Deus se inflama...

27 agosto 2010

“Eu Estava Lá...” (poema-conto)

então, Ele fitou-me nos olhos e disse:

“eu estava lá
quando em símbolo
Adão e Eva foram expulsos do Paraíso
eu estava lá
simbolicamente
sendo a última gota
alastrada pelo final da cruz
do Cristo crucificado
eu gotejei com o sangue
da marcial espada romana
na forma do punhal
no rubro da força de César
eu estava lá
pairando sobre os cadáveres
de um terço da Europa
devastada pela Peste Negra
entre as sombras medievas
e sonhei nos delírios de Bosch
enquanto absurdos se derramavam
de sua visão apocalíptica
e estava na alma de Shakespeare
adejando ao final de suas tragédias
e deixei minha marca
na lâmina afiada da guilhotina francesa
e na neve russa
que aniquilou o exército de Napoleão
como também fiz ressoar meu canto
no último quarteto
que compôs Beethoven ensurdecido
estive em forma líquida
no delirium tremens de Poe
fui às duas grossas lágrimas
que derramou Brahms em seu leito de morte
e eu estava lá mais tarde
nas balas mortíferas da Máfia
e lancei-me em fúria
pelas metralhadoras dos alemães
durante o sangue da Segunda Guerra
espargido pelos buracos na carne dos soldados
eu voei segundos antes
das bombas atômicas sobre o Japão
eu estava lá
chegando ao coração das mães
que perderam seus filhos
no verde-fogo do Vietnã
e larguei ao vento os derradeiros gritos
dos animais mergulhados nos mares da extinção
e irradiei meus suspiros
pelo céu que encobria enfumaçado
o tombar das gigantes florestas
eu estava lá
e agora estou aqui
fitando fundo e firme e forte
os olhos encovados de toda humanidade...”

Ele então me disse todas essas coisas
e depois disse seu nome
e seu nome era Adeus...

25 agosto 2010

A Destruição é a Essência do Desenvolvimento

É claro que não deveria. Mas é. No Brasil é, e não só no Brasil, mas em quase todo o mundo. Eu não preciso dizer que de norte a sul o Brasil arde em chamas. Está todos os dias nos noticiários.

Seca nesta época do ano é normal. O que não é normal é a umidade relativa do ar estar abaixo de 15% na Amazônia! A Amazônia, uma região equatorial, que aprendemos na escola que é úmida todo o ano. Isso nunca tinha sido visto. O que não é normal é uma das maiores reservas de cerrado do Brasil, o Parque Nacional das Emas, ter sido devastada pelo fogo em 70%. 70%! Vai precisar de 200 anos para se recuperar. Só isso. E não foi só essa reserva a ser quase totalmente destruída. O que não é normal é ter caído chuva ácida até em Porto Alegre, devido aos gases das queimadas concentrados nas atmosferas.

E as queimadas apocalípticas não foram só aqui. Há poucos dias, EUA, Rússia, Espanha, Portugal também tiveram enormes áreas aniquiladas pelo fogo, incluindo vilas e pequenas cidades. E depois há alguns intelectuais brilhantes que afirmam que não há aquecimento global, em sua ânsia consciente ou inconsciente de dar respaldo para que o homem continue explorando e consumindo o planeta.

O número de focos de queimadas em território brasileiro aumentou em quase 100% com relação a 2009. Por que tantos focos? Além do clima excepcionalmente seco, há uma outra explicação, dada pelo coordenador do Monitoramento de Queimadas do Inpe, Alberto Setzer. Ele afirma o seguinte:

"O aumento expressivo dos focos de queimadas de um ano para o outro também se deve à dinâmica do setor agropecuário e ao período eleitoral. O momento econômico favorável à expansão dos rebanhos e das áreas agrícolas leva ao aumento do uso de fogo pelos produtores rurais, para abrir pastagem e limpar a terra para o cultivo. Com a estiagem e a vegetação seca, o risco de perder o controle da queimada é quase inevitável. Já o período eleitoral influenciaria na fiscalização."

Vejam bem, amigos, "o momento econômico favorável à expansão dos rebanhos e das áreas agrícolas leva ao aumento do uso de fogo pelos produtores rurais..." É assim, lamentavelmente, que ocorre o "desenvolvimento". E agora, a bancada ruralista quer facilitar ainda mais esse sublime desenvolvimento, degradando o próprio Código Florestal. Já não chega tudo o que já foi destruído. Há que se destruir mais. Só estarão satisfeitos quando não houver uma só árvore em pé.

Mas não adianta. Só se pensa em "desenvolvimento" a qualquer custo. Quase todos pensam assim.  Inclusive 90% dos políticos e dos candidatos a cargos públicos. E não me venham dizer que não é bem assim, que muitos se preocupam, e blá blá blá. Mentira. Só fingem que se preocupam. Porque é moda. No fundo não estão nem aí. E essas queimadas absurdas são a prova. Uma das provas. Porque há muitas outras. Diante dos fatos, não há argumentos.
Nada mais a declarar.

24 agosto 2010

Relação Oculta

quando ouço aquela sonata de Schubert
um cavalo vem bater na minha porta:
sinto que estou me insanecendo...

tenho que estranhar o peso
dos olhares dos sapos
enquanto escrevo poemas (que) não-sãos.
antes eu fosse aquele conto de Poe nunca-lido
ou um silêncio desolado de flauta na mata na tarde

tão tarde...

aquele detalhe de um quadro de Bosch
não me sai mais do meu pesadelo
e do meu sonho como sol cada vez mais ao norte
um vento que nunca foi visto
ou grande ave que plana em correntes
antes fosse...
carta com selos vermelhos
quem foi que me deste há final?

...planeta por trás dos espaços
e a ponta de um dedo em meu dedo
que não leu meu sinal...

22 agosto 2010

e ainda Além...

não se pode buscar a inspiração
porque quem a busca não a encontra
que não se encontra o que já foi encontrado.
e o encontrado é o poeta:
a inspiração é que o busca
e não o contrário
como quer o desejo...
poeta é aquele
que a luz da inspiração o ofusca
a todo instante
é o que suporta nos ombros
da poesia o peso
carregada adiante...

a poesia não me pertence
nem a ninguém:
ela está lá em todo infindo
e ainda Além...

por isso
para poetizar horizontes abrindo
ou a cortina sentença do Fim
é mister finalizar-me
e horizontar-me em mim...

21 agosto 2010

... da Arte

os cintilares venuscêntricos das flores
extirpados pelas foices das queimadas
foram magos fulgurar no intocável
da tua aura:

nem tudo foi despido...

as sinfonias enigmáticas das aves
amordaçadas pela censura das lavouras
foram altas concertar no indizível
da tua voz:

nem tudo foi ferido...

os infinitos astrocósmicos dos céus
enfumaçados pelos vapores do progresso
foram claros refletir pelo intangível
dos teus olhos:

nem tudo é esquecido...

os sentimentos arquetípicos dos seres
estrangulados pelo vazio dos nossos tempos
foram vivos sublimar pelo inefável
da tua alma:

nem tudo está perdido...

20 agosto 2010

Minha Desgraça, de Álvares de Azevedo

Álvares de Azevedo foi o mais precoce dos grandes poetas brasleiros. Toda sua obra, extremamente radical e diferenciada para os padrões brasileiros da época, foi criada durante sua adolescência. Como todos sabem, Álvares faleceu antes de completar 21 anos.

Todos relacionam esse nosso trágico poeta ao Ultrarromantismo, por motivos claros, obviamente. Porém, a prova da genialidade de Álvares está no fato, também bastante claro para mim, de que o poeta foi não só além do Ultrarromantismo, como do próprio Romantismo, atingindo as raias do Realismo e do Simbolismo. Para testemunhar o "realismo" de Álvares de Azevedo, deixo o desolado e irônico poema abaixo. Acompanha o poema, a gravura "O Sono da Razão", de Goya.

Minha Desgraça

Minha desgraça, não, não é ser poeta,
Nem na terra de amor não ter um eco,
E meu Anjo de Deus, o meu planeta,
Tratar-me como se trata um boneco…

Não é andar de cotovelos rotos,
Ter duro como pedra o travesseiro…
Eu sei… O mundo é um lodaçal perdido,
Cujo sol (quem mo dera!) é o dinheiro…

Minha desgraça, ó cândida donzela!
O que faz que o meu peito assim blasfema,
É ter para escrever todo um poema,
E não ter um vintém para uma vela!

Álvares de Azevedo

19 agosto 2010

América Tingida de Sangue

O INTER, o meu time, sagrou-se BICAMPEÃO DA AMÉRICA! Faço então uma pequena homenagem, publicando aqui um poema que está em meu livro "Poemas do Fim e do Princípio". O poema abaixo foi composto em 2006 e não foi escrito especificamente para o Inter. Mas serve para ele também, sem dúvida.

Deus Vermelho

Deus Marte!
capa vermelha
ígneas chamas
força sanguínea
punho de flama
espada vulcânica
febre de vinho
espinho de rosa
dente no sangue
corte profundo
peito inflamado
veia fervente
pulso cardíaco
glória de Roma
lenço encarnado
fêmea menstruada
garra da guerra
Eros e amor
fogo-fúria de Hercólubus
Deus Morte!

18 agosto 2010

Para que Dizer Algo?

deixai-me não dizer nada:
por que devo dizer alguma coisa
se o melhor que digo é o que não digo?
o que importa é o que se oculta no meu verso
é a palavra que não está lá
o que importa é a porta
que o verso abre ao não-dito
o que importa é o destino
dado por quem lê
ao que não foi escrito

o verso é enigma que se resolve em si
ele mesmo é que se escreve
nas cadências do impossível:
de independentes hieroglifos
o verso se torna mais brando
ou mais terrível...

por isso não digo nada:
deixo o verso dizer por mim
ou por si
o verso é um silêncio que canta sozinho
só ele percorre a estrada
e o que há
entre o olhar e o caminho...

para caminhar no que sinto

por um labirinto...
então escrevo além da minha consciência:
por que dizer algo
se o próprio Deus
é o mistério da ausência?

17 agosto 2010

O Meu Voto...

Algo que considero fundamental em um candidato político é sua real preocupação com as questões ambientais. De nada adianta o "desenvolvimento", se ele não levar em conta, antes de tudo, que sem ambiente não haverá nenhum tipo de desenvolvimento, nenhum melhoramento social, nenhuma forma de progresso. Há três pontos vitais que um político deve, ou deveria, procurar realizar durante seu mandato: preservação ambiental efetiva, distribuição de renda e educação. A partir disso, tudo o resto é natural consequência. Fora isso, é conversa fiada.

E outra coisa que deve estar sempre na mente de um político: ele não passa de um empregado do povo. E ao povo deve todas as satisfações.

Bem, a seguir, como será a efetivação do meu voto:

Presidente: Marina Silva
Governador: Tarso Genro
Senador: Paulo Paim
Deputado Federal: legenda do PV
Deputado Estadual: legenda do PV

15 agosto 2010

Leve...

leve contigo
mesmo o que não tenho
o que não pude
o que não vou
o além de mim te deixo
em delírios transcendentais
leve contigo o meu mais
e o meu sou

leve contigo o meu limite
o que não será no meu destino
tudo aquilo que nunca me trará um sim
leve contigo o meu acima
e o meu fim

leve contigo
o que não poderei falar-te
o que não chego e o que fracasso
leve contigo a minha arte

leve contigo
até o que minha alma não escreve
o que não pude deixar livre pelos ares
leve contigo os meus pesares
no teu voo leve...

13 agosto 2010

Amen

“a Alma está morta.
fomos nós que a matamos.”
por isso o mundo vai de vento em popa:
vento de tempestade
em popa que ao mar se parte...

agora
viver é naufragar
cair como pedra vaga no vazio da água
baldes de ossos atirados nos poços
gelos de sangues abismados nos tanques
lágrima-riso cimentada em granizo...

não chora, humanidade, não chora
quem está morto não chora...
há que ser dura como a terra seca
na hora em que fores embora:
assim seja
de nada vale
a miséria da minha tristeza...

que nada mais em nós vibre
há que ser frio
como a fervente saliva do lobo
e como o fogo
do olho do tigre...

12 agosto 2010

Murmúrios da Tarde, de Castro Alves

Castro Alves, obviamente, dispensa apresentações. Trata-se de um dos maiores poetas brasileiros, com certeza, um dos mais inspirados de toda literatura de língua portuguesa. A beleza lírica, a musicalidade e o ritmo empolgantes, a incrível naturalidade de fluência, a riqueza das imagens, a arrebatada grandiloquência fazem de Castro Alves um dos poetas mais adequados para a declamação. Sua obra é poesia pura, nascida do fundo da alma. Não tivesse morrido com apenas 24 anos, onde chegaria este gênio da poesia?

O poema abaixo é um dos meus favoritos de Castro Alves, impregnado de um profundo Romantismo. É, sem dúvida, um dos mais belos de nossa literatura. Na imagem que acompanha o poema, o quadro "A Floresta", de Camille Pissarro.

Murmúrios da Tarde

Ontem à tarde, quando o sol morria,
A natureza era um poema santo,
De cada moita a escuridão saia,
De cada gruta rebentava um canto,
Ontem à tarde, quando o sol morria.

Do céu azul na profundeza escura
Brilhava a estrela, como um fruto louro,
E qual a foice, que no chão fulgura,
Mostrava a lua o semicirc'lo d'ouro,
Do céu azul na profundeza escura.

Larga harmonia embalsamava os ares!
Cantava o ninho - suspirava o lago...
E a verde pluma dos sutis palmares
Tinha das ondas o murmúrio vago...
Larga harmonia embalsamava os ares.

Era dos seres a harmonia imensa,
Vago concerto de saudade infinda!
"Sol - não me deixes", diz a vaga extensa,
"Aura - não fujas", diz a flor mais linda;
Era dos seres a harmonia imensa!

"Leva-me! leva-me em teu seio amigo"
Dizia às nuvens o choroso orvalho,
"Rola que foges", diz o ninho antigo,
'Leva-me ainda para um novo galho. ..
Leva-me! leva-me em teu seio amigo."

"Dá-me inda um beijo, antes que a noite venha!
Inda um calor, antes que chegue o frio..."
E mais o musgo se conchega à penha
E mais à penha se conchega o rio...
"Dá-me inda um beijo, antes que a noite venha!

E tu no entanto no jardim vagavas,
Rosa de amor, celestial Maria...
Ai! como esquiva sobre o chão pisavas,
Ai! como alegre a tua boca ria...
E tu no entanto no jardim vagavas.

Eras a estrela transformada em virgem!
Eras um anjo, que se fez menina!
Tinhas das aves a celeste origem.
Tinhas da lua a palidez divina,
Eras a estrela transformada em virgem!

Flor! Tu chegaste de outra flor mais perto,
Que bela rosa! que fragrância meiga!
Dir-se-ia um riso no jardim aberto,
Dir-se-ia um beijo, que nasceu na veiga...
Flor! Tu chegaste de outra flor mais perto!. . .

E eu, que escutava o conversar das flores,
Ouvi que a rosa murmurava ardente:
"Colhe-me, ó virgem, - não terei mais dores,
Guarda-me, ó bela, no teu seio quente. . ."
 E eu, que escutava o conversar das flores.

"Leva-me! leva-me, ó gentil Maria!"
Também então eu murmurei cismando...
Minh'alma é rosa, que a geada esfria...
Dá-lhe em teus seios um asilo brando...
"Leva-me! leva-me, ó gentil Maria!..."

Castro Alves 

10 agosto 2010

à Tua Companhia...

não vás
sem mim
sentença
e fim...
tu és tudo que me resta pela estrada...

eu não
me vejo
sem teu
desejo...
tu és lábio que me paira pelo nada...

traguei
de um lago
meu sonho-
estrago...
no que sinto é onde está tudo que tenho...

teu beijo
abraço
com meu
cansaço...
nos teus olhos é que lua o meu empenho...

sem ti
sou fumo
que me
consumo...
na tua alma é onde Brahms melodia...

meu canto
alaga
de sono
e vaga...
no teu nome é que me erro: Melancolia...

08 agosto 2010

Mais um Trecho de um Instante de Sono

vou ver-se durmo a versar só pelo não-dito
cair em névoas tudo que me deixa aos olhos
descendo oculto nunca desvelar-me sendo
a ver se pairas no que sou estas essências...

majestei-me às asas fêminas sem destino
perdi-me em cânticos sentenças que te foram
lá que encontro as febres que à noite me serenam
como luzes de um segredo desse sangue e astro
encontro-me ao sopro que não chegou-me antes
sonata do meu sono que sonhei-vertigem...

dormir é revolver-se um livro interno
dormir é resolver-se em esquecimento
imortal fatal momento
no eterno...

06 agosto 2010

Concerto nº2 para Piano e Orquestra de Brahms, o Melhor

Sim, eu sei, Mozart é o rei dos concertos para piano, ninguém conseguiu compor tantos concertos com tanta perfeição. O conjunto de seus concertos forma uma das criações mais sublimes da música. Particularmente, aprecio sobremaneira os de nº 24 e 20. Sim, e eu sei também que os concertos 3, 4 e 5 de Beethoven constituem um dos pontos mais altos da literatura de concertos para piano. Então, é muito difícil escolher o melhor, talvez impossível determiná-lo.

Mas eu sou um brahminiano. E para mim, o mellhor é o 2º de Brahms. O melhor de todos já compostos. Sem dúvida, está no mesmo nível dos melhores de Mozart e de Beethoven. Mas há algo nele que me fascina de forma absolutamente arrebatadora, inefável. Primeiramente, o concerto nº2 de Brahms é mais que um concerto, é algo como uma sinfonia com piano. A força sinfônica dessa peça é avassaladora. É também um dos mais longos concertos em duração, mais de 50min.

Nessa obra, Brahms vai de um extremo a outro com a maior naturalidade e sem jamais deixar de lado a perfeição formal. Passamos da mais estrondosa, violenta e terrível tragédia, até sublimes melodias de intensa paixão e ternura. Brahms é apaixonado sem jamais ser "meloso". É firme, sério, concentrado. Brahms é sempre forte. Pode ser profundamente triste, melancólico, até resignado. Mas é duro na queda, jamais se entrega. Tudo isso está neste concerto magistral, do começo ao fim.

Dificíl dizer qual o movimento que prefiro. Mas acho que é o 2º. Começa com o piano em uma melodia de fazer ferver o sangue, triste, trágica, desesperada talvez, mas imponente e orgulhosa ao mesmo tempo, afirmativa, de imensa força. Quando bem executados tais acordes, o piano soa como um poderoso martelo. E o final desse movimento então? Ah, o final, quando essa lancinante melodia inicial toma conta da orquestra, bem aí, Brahms solta um grito de dor e de fúria que fica repercutindo em nossa alma por muito tempo.

Bom, poderia falar mais, mas vou parar por aqui. Eu não costumo postar músicas aqui no blog, não faz parte do direcionamento que dei a ele. Mas vou recomendar um blog para downloads. O P.Q.P. Bach: http://pqpbach.opensadorselvagem.org/ . Lá, encontrarão essa magnífica obra de Brahms, e muitas outras.

05 agosto 2010

E Ela Falou Seu Nome...


O conto abaixo foi publicado originalmente  em meu zine Poemas do Término e Contos do Fim, em sua edição 26, de setembro/outubro de 2007.  Ao escrevê-lo, dediquei o conto à ópera Tristan Und Isolde, de Wagner, para mim, a maior de todas as óperas. Compartilho com os leitores do blog. Lembro que o zine está atualmente em sua 39ª edição e além da versão impressa também possui a versão digital. Para quem desejar receber o zine em formato digital, basta deixar aqui seu-email, ou enviá-lo para reiffer@gmail.com.  Ele será enviado gratuitamente.

E Ela Falou Seu Nome...
Alguns dirão que foi um sonho anormal. Outros, que é apenas uma ficção absurda de um escritor delirante. Eu não digo nada, eu limito-me a contar o que vivi. Limito-me a dizer que perambulava doentio e inflamado pela noite. Algo de terrível, de onírico, de lancinante, de fatal pairava sobre minha alma. Minha alma já não se suportava em meu ser insatisfeito e irremediável à eternidade. Vagavam alucinados os meus pensamentos inconformados pela escuridão noturna, iluminada por luares e sonhos medievais em doces pesadelos. E ainda mais longínquo voava tudo o que eu sentia, todas as tempestades apocalípticas que em mim se debatiam em sua invisível violência. Meu universo sentimental fitava olhos e asas de anjos sobre nuvens avermelhadas, febrentas e férvidas nos céus repletos de ultra-romantismos, nuvens carregadas de emoções que me trovejavam sobre o espírito inconsolável. Foi então que a encontrei.

Ela abriu a imensa porta de um casarão antigo de mistérios e convidou-me sedutoramente a entrar. Se exteriormente aquele casarão sombrio de inquietante imagem ancestral assomava de forma majestosa e aterrorizante, em seu interior havia alguma espécie indefinível de magia sublime que me envolveu perigosamente... Um denso aroma de incensos impregnados de delírios invadiu-me além das narinas, hipnotizando-me como um alucinógeno sobrenatural. Ao inalar aquela atmosfera carregada de auras e sonhos e febres e vidas e mortes, uma luz astral queimou meus pulmões apaixonados.

No ambiente febricitante, em penumbra celestial e estranhamente luminosa, meus olhos ardentes, lacrimejando, somente distinguiam coisas que não sei nomear. Tudo, tudo o que eu via não possuía nome em nosso mundo, em nossas existências normais, nós não conhecemos aquelas coisas indizíveis. É-me impossível, arranco-me os cabelos intentando escrever as coisas tão absurdas que ali viviam... Porém, afirmo que vi infinitas existências inefáveis que atordoavam meu coração em vertigens. Perturbavam como uma devastação minha mente desvairada, entorpeciam-me como venenos ofídicos e mágicos. Arrebatavam-me a céus e a infernos cada vez que eu a elas dirigia meus olhos que se desvaneciam em vapores.

Eu chorava... E num instante de suprema insanidade espiritual, refulgiu pelo mistério um tempestuoso clarão iriado de luz solar. E pude contemplar o que até então me fora impossível: a face e os olhos da mulher sobre-humana que me havia feito o insalubre convite a entrar. E foi então que a amei. Daquela face onde conviviam anjos e demônios, e daqueles olhos fundos como o Desconhecido, que, sem cessar, mudavam de cor, raios nucleares em forma de flechas dardejavam enfebrecidos a essência de minha mônada.

E cantos e gritos alucinados, canhestramente dementes, porém belos, belos demais para se suportar, que me comoviam, esgotavam minhas lágrimas enlouquecidas, cantos e gritos partiram daqueles seres nunca-vistos, pela tensa escuridão iluminada. Uma sinfonia vulcânica, ciclônica, em forma de relâmpago. E enquanto meu peito explodia ao som dos estranhos seres e aos olhares em fogo da bela celeste-infernal, compreendi. Compreendi que estaria ligado maldita e abençoadamente àquela mulher para toda a eternidade finita ou infinita de minha existência insensata. Desejava saber quem era aquele ser feminino que me arrastou à loucura com seus filtros e feitiços mágicos, que tinha a cura para aumentar minha doença. Arrastando meu manto de roxas saudades e torturas, mergulhei minha alma nos enigmas arcânicos de tudo o que se oculta no cosmos... Abalos sísmicos anímicos faziam tremer meu ser, e aos vapores sangüíneos de rosas e sangues, pesadelos e sonhos desabavam pesarosos sobre minha fronte ensandecida.

Com meus braços inflamados de esquisitas e angustiadas energias não-corpóreas, abracei em êxtase divino o coração daquela mulher e beijei, na marcha fúnebre da morte e do fim, seus lábios em lava. Pelas janelas de meu sublime transtorno, da furiosa paixão sem limites, eu via a celestial tempestade eterna se aproximando em relâmpagos apocalípticos. Ao nosso redor, erguiam-se, em deliciosa loucura ameaçadora, fantasmas e magas em fulgurantes espectros de astros vermelhos. E num murmúrio, na plenitude fantástica da demência, perguntei aos ouvidos da mulher que me arrebatou e devastou-me como um furacão aos extremos universais... Eu perguntei o seu nome. E ela falou-me. Senti-me salvo. E o seu nome era Arte.

(Na imagem, o quadro "Ophelia", de Alexandre Cabanel.)

03 agosto 2010

Final, de Eduardo Guimaraens


Eduardo Guimaraens. Alguém sabe quem foi ele? Que foi um poeta gaúcho nascido em Porto Alegre em 1892? Que escreveu sete livros e que foi considerado na época nosso maior poeta simbolista? E mais, que chegou a ser considerado uns dos maiores do país, comparado a Cruz e Sousa? Triste saber que um poeta de sua magnitude esteja relegado ao esquecimento até mesmo pelos gaúchos. Mas, quais seriam os motivos? A meu ver, faz parte da discriminação sofrida pelo Simbolismo em nossas terras; a verdade é que ainda hoje os brasileiros não lograram compreender os simbolistas, algo muito diferente do que ocorre na Europa, por exemplo.

Sem dúvida, Eduardo Guimaraens também foi vítima desse “preconceito” para com o Simbolismo. Felizmente, grandes críticos, como Massaud Moisés, souberam considerá-lo como “autêntico poeta”, e que “alguns de seus poemas serão suficientes para situá-lo sem favor ao lado de Cruz e Sousa e Alphonsus de Guimaraens”. Da mesma forma, julgou Andrade Muricy que “a sua arte afastou-se do cunho clássico português e da ingenuidade da temática e da expressão... foi dos mais civilizados dentre todos eles e um dos mais meditativos e delicados”.

Não obstante, a poesia de Eduardo Guimaraens nos apresenta um âmbito temático de inúmeros desdobramentos. Sua obra nos revela uma profunda sensibilidade e imaginação, uma sutileza e musicalidade da linguagem, um refinamento de emoções repleto de luzes e sombras. Seus poemas são intensamente humanos e espirituais, situando-se entre a veia lúgubre de Alphonsus de Guimaraens e a ascensão vertiginosa de Cruz e Sousa. Eduardo é mais sereno que ambos, menos sombrio que o primeiro, mais terno que o segundo. Abaixo, um de seus sonetos, presente em seu livro "A Divina Quimera". Na imagem que acompanha a postagem, "Noite Estrelada Sobre o Rhone", de Van Gogh.

Final

Como alguém que colhesse um doloroso lírio
florido à sombra azul de algum jardim claustral,
do meu sonho de amor, a um súbito delírio,
dei-te a aspirar, ó Noite, a grande flor nupcial.

Mal magnífico, insânia extática, martírio,
tudo o que a alma sofreu de sobrenatural,
tu, só tu, Noite insone, à luz de um velho círio,
hás de entender, talvez por um mistério ideal!

Noite, que és a Beatriz que inspira e que conduz,
a ti suba o perfume, alucinante e forte,
da flor que, às minhas mãos, esplêndida, reluz!

É tua a febre ardente em que me torturei!
Tu me cinges de sombra e a sombra é quase a morte!
Noite divina e triste, a ti tudo o que amei!

Eduardo Guimaraens

02 agosto 2010

o Melhor é o que Não se Espera

o que se planeja
não é o que é a vida:
a vida é o que não está nos planos.
mais vale
aquilo que não se espera,
porque o que se espera
vem sempre abaixo do esperado

o mais belo o mais alto o mais fundo
é aquilo que não nos pode ser dado

por isso meus olhos febram
de arder pelo que não posso
por aquilo que não depende
do inútil do meu esforço

mas de outro esforço além do pensado
como sendo surpresa na estrada
como inesperada
paisagem no campo
como o sublime
surgido do nada

o que está ao alcance da mão
não vale a pena ser alcançado:
como é nobre aquilo que sonha
distante...
do infinito ao lado!

tu, como estrela que me fita ao longe
disseste-me tanto sem falar-me nada
como música jamais soada
como o impossível nos meus ouvidos
cantos que mais relembro
quanto mais me forem esquecidos...

o que é então
que deve ser como deveria?
talvez o melhor seja o que não se espera
o que não se vê
o que não seria...
talvez o melhor da lua
seja a sua face sombria...

31 julho 2010

aos Finais

vós amais
ao jamais...

então quais?
só normais
tão iguais...
nada mais.

ideais?
irreais
já demais
e fatais.

imortais
me esperais?
imorais
me cansais
me acabais
me deixais
sem sinais

vendavais
terminais...

e o que mais?
Nunca Mais.

29 julho 2010

Oração Sombria

ó Tu
que conheces tanto o Céu como o Inferno
que escutaste o martelo dos anjos
e os trágicos divinos desígnios...
ora por mim

Tu
que surgiste das tensões coronárias
dos anômalos pulsos cardíacos
e das febres fatais pelas têmporas...
sente por mim

Tu
que te assomas em asas-crepúsculos
que dos corvos ao pio espalhas ocasos
e retiras da noite o teu verbo em delírio...
voa por mim

Tu
que forte te nutres da tristeza e da angústia
que te ergues mais alto do sepulcro dos sonhos
e arrancas tua glória dos amores funestos...
sonha por mim

Tu
que te iluminas com as auras do sangue
que das lágrimas constróis catedrais
que extrais do infortúnio o teu canto
canta por mim

Tu
que te ocultas nas florestas em névoas
que te emerges dos profundos dos lagos
que te fúrias nas tormentas sem paz...
vence por mim

ora por tudo que eu queria amar-te
ó Tu
minha Arte.

28 julho 2010

Quem Conhece a Verdade é Esta Ave Coberta de Óleo


"Se todas as pessoas que vivem na China e na Índia consumissem numa mesma proporção, seguindo o modelo norte-americano, o planeta poderia explodir." Quem disse foi o vice-presidente da Associação dos Geógrafos Brasileiros e professor da UFRGS, Nelson Rego, conforme notícia veiculada no jornal Correio do Povo de 26 de julho de 2010.

Nada de novo aqui no blog. Já cansei de afirmar, com outras palavras, a mesma coisa. Mas as pessoas não querem nem saber. E consumistas todos nós somos. Alguns mais, outros menos, mas somos. E fomos condicionados a assim viver. E pior, somos cada vez mais consumistas. A China, por exemplo, vem crescendo a um ritmo assustador, aproximando-se dos absurdos e degradantes padrões norte-americanos. E todos sabem que os chineses não se preocupam com o meio-ambiente.

E o  Brasil? Também está crescendo. Com real preocupação ecológica? Claro que não. O imbecil novo Código Florestal Brasileiro está aí para provar. De modo, meus amigos, que eu pergunto com indiferença: onde está a esperança para a nossa civilização? Alguém, por favor, diga-me. Todos só pensam em "progresso".  E iremos progredir. Para os negros braços da morte. Não necessito de nenhuma complexa  análise intelectual para dizê-lo, não necessito escrever livros com ensaios formando centenas de páginas, muito menos de preconizar complicadas e brilhantes filosofias, sociologias, antropologias, enfim, todo esse palavrório inútil de intelectualismos que não leva e nunca  levou a lugar algum. Quem conhece a verdade é aquela ave coberta de óleo da imagem.

Não há solução.

O planeta não vai explodir. A humanidade sim.

27 julho 2010

Manter Silêncio...

vós sois
como os felinos:
não atendem aos chamados...

voz só
sem ecos ressoados.
por isso
esqueço
e emudeço:

silencio-me
    e   cio-te

26 julho 2010

Fim, de Murilo Mendes

Murilo Mendes, nascido em Juiz de Fora, MG, em 1901 e falecido em 1975 é um dos maiores nomes da 2ª Geração Modernista, representando com grandeza o surrealismo em nossas terras, sem no entanto, prender-se somente a ele. É um dos meus poetas modernistas prediletos, seja pela sua imensa variedade de temas abordados, seja pela originalidade e profundidade de quase tudo que surgiu de sua pena, tanto em conteúdo como em forma. Abaixo, um poema de Murilo Mendes. (Na imagem que acompanha o poema, "O Juízo Final" de Michelangelo)

Fim

Eu existo para assistir ao fim do mundo.
Não há outro espetáculo que me invoque.
Será uma festa prodigiosa, a única festa.
Ó meus amigos e comunicantes,
tudo o que acontece desde o princípio é a sua preparação.

Eu preciso assistir ao fim do mundo
para saber o que Deus quer comigo e com todos
e para saciar minha sede de teatro.
Preciso assistir ao julgamento universal,
ouvir os coros imensos,
as lamentações e as queixas de todos,
desde Adão até o último homem.

Eu existo para assistir ao fim do mundo,
eu existo para a visão beatífica.

Murilo Mendes

25 julho 2010

Poema de Amor?

Mas o que seria um poema de amor?
Esse amor que é o teu não é o mesmo meu...
Longe de tudo paira essa palavra vária
Horizontes sem fim é sua morada-enigma
Onde nunca rastejam tais amores
Ridículos...

Não me venham com apaixonites sentimentalóides
Apegos de fraqueza e egoísmo
Ondas inconstantes de desejos carentes...

Escrevam outros poetas poemas de amor
Sábios que forem melhores que eu
Cansei de dizer o não-dito-impossível
Regando de sangue o negro do lodo
Em que pisam as patas dos porcos...
Vou reservar ao silêncio este átomo
Em que um dia julguei-me sublime...

Lá, só no Nada-Vazio, é que nada
O Amor.

23 julho 2010

Um Enigma (Trágico)

quando a estrela não brilha
o sonho reflete ao contrário:

segredo jamais segregado
tornou-se o fim da glória de César
o que era de César
a César nunca foi dado

um adeus ao vermelho de sangue
da capa derramada no peito

se colocares ao espelho o que digo
verás que o que é dito não é o que é escrito
e não há outro jeito

é que a estrela caiu dentro em um lago
quando a colhi para ir mais ao alto

e quando a estrela é sem luz
o sonho reflete invertido...

o legionário caiu do cavalo
e o digo em palavras do fim ao começo
do sonho só o s é bonito...

que não adianta
um corvo é sempre um corvo
e sempre a maldição se assoma:
Nunca Mais um poema de roma.

21 julho 2010

Não-Sentido

mas qual sentido que há
no sentido do que sinto?
se tudo é um sonho seco
afogado em vinho tinto
sentimento sem saída
taça cheia do que minto
soco inútil por estercos
vãos derrames indistintos
gota em vaso carcomido
sangue em quadro que não pinto
verso-vento sem destino
vulto-anseio não me vindo
vasto plano sem motivo
deus-deboche sempre rindo
sol perdido em noite-sino...

mesmo assim eu vou sentindo...

19 julho 2010

Como se Eu não Soubesse... *

como se houvesse tempo
estão lá com sede de progresso
como se evoluíssem
ceifando paraísos
para semear infernos
como se fossem eternos
como se fossem espertos
em transformar os campos
em desertos
como se não bastasse...

contando como se fosse
para matar a fome
como se dessa forma
distribuíssem renda
como se fosse em nome
do que fosse justo
como seu eu acreditasse
e como se a Terra
aguentasse

como se não fosse
para colher ganâncias
como se fossem heróis
e não tivessem ânsias
de se enriquecer à custa
do que tenha vida...
como se não houvesse morte

como se tivessem pena
do que canta e voa
do que sente e corre
como se tudo o que tenha vida
fosse só nada quando se morre
como se não viesse a volta
como se não tivesse preço
e como se não viesse o Tempo
bater em nosso endereço...

fazem tudo
como se o tudo fosse só assim
e como se não houvesse o Fim.

* Poema em homenagem ao novo Código Florestal Brasileiro

17 julho 2010

do Perfume

o perfume dos novos tempos:
sem fadas e sem palmas
horrores onde minhas narinas deponho
longínquas de inocências de criança...

só o miasma dos cadáveres das almas
flatulências fermentadas do teu sonho
e o fedor da carniça da esperança...

14 julho 2010

da Obrigatoriedade

estás na estrada
e terás que fazer a Curva...
mas não sabes quando virá a Curva
nem de onde a estrada veio
nem para onde a estrada irá
mas estás na estrada
e terás que fazer a Curva...

e a estrada em que estás não conheces
ou conheces mas não lembras da estrada
muito menos lembras da Curva
mas depois da Curva
o que virá?

virão planícies ou tempestades
lagoas ou acidentes
florestas ou precipícios...?
ou será que a estrada
acaba
depois da Curva?

sim, porque estás na estrada
e terás que fazer a Curva...
mas cuidado ao fazê-la
ao temê-la
ao dizê-la
ao pensá-la
ao sorri-la
a Curva é sempre perigosa
e não sabes que Curva é aquela...

mas quando fizeres a Curva
(e terás que fazer a Curva)
te curvarás.

13 julho 2010

O Sombrio Emiliano Perneta

Talvez o leitor ache um pouco engraçado o sobrenome deste quase esquecido poeta simbolista paranaense, nascido em 1866 e falecido em 1921. No entanto, certamente, não achará engraçada sua trágica, sombria e estranha obra.

É lamentável o pouco valor dado ao Simbolismo em nossas terras. O Simbolismo, que é considerado o movimento precursor da poesia moderna. Fosse na Europa, Emiliano seria cultuado como um gênio. Mas aqui, quase ninguém lembra dele. Bem, eu lembro.

Emiliano Perneta legou-nos oito obras, entre poesias, prosa poética e libretos de óperas. Destaque para o sensacional livro de poemas "Ilusão", publicado em 1911, um dos momentos mais altos de nosso Simbolismo.´

O crítico Andrade Muricy, um dos maiores conhecedores do Simbolismo brasileiro, escreveu o seguinte sobre o poeta curitibano: "A poesia de Emiliano Perneta é a mais desconcertante e variada que o Simbolismo produziu entre nós. Não aceitou o verso livre, mas, por instinto, por inquietação, repeliu os cânones parnasianos. (...) Gracioso, emotivo, espetacular, excêntrico, paradoxal, Emiliano Perneta foi a personalidade mais curiosa do Simbolismo, no  Brasil."

Logo após a publicação de "Ilusão", Emiliano foi chamado de "príncipe dos poetas paranaenses". E é desse livro que retiro o soneto abaixo, que falará mais de Emiliano do que tudo que já disse dele.

Solidão

Oh! para que sair do fundo deste sonho,
Que o destino me deu, e que a Vida me fez,
Se eu quando, a meu pesar, casualmente, ponho
Fora os pés, a tremer, volvo, ansiado, outra vez.

O meu lugar não é no meio de vocês,
Homens rudes e maus, de semblante risonho,
Não é no meio de tamanha insipidez,
Dum egoísmo atroz, dum orgulho medonho!

O meu lugar é aqui, no seio desta ruína,
Destes escombros, que reluzem como lanças,
E destes torreões, que a febre inda ilumina!

Sim, é insulado, aqui, no cimo, bem o sei!
Entre os abutres e entre as Desesperanças,
E dentro deste horror sombrio, como um Rei!

12 julho 2010

Poemas do Término e Contos do Fim 39

A edição 39 do zine literário Poemas do Término e Contos do Fim já foi lançada e encontra-se disponível. Inclui o conto "As Duas Mulheres" e mais 4 poemas estranhos.

O zine 38 está também disponível digitalmente, gratuito, como a versão impressa. Para recebê-lo, basta que o leitor me passe seu e-mail, que então ele será enviado.

Em Santiago, os pontos de distribuição da versão impressa são os seguintes: locadoras Fox, Classic e Stop, biblioteca pública, biblioteca da Uri, Ponto Cópias e Livraria Santiago. Pode ser enviado para qualquer cidade do Brasil ou exterior, mediante o pagamento das despesas de correio.

Agradeço a colaboração dos seguintes amigos na distribuição do zine em outras cidades: Liziane Serafini (Santa Cruz do Sul/RS), Luana Serafini (Santa Maria/RS), Alberto Ritter (Porto Alegre/RS), Gracieli Persich (Santo Ângelo/RS), Louise Wagner (São Leopoldo/RS), Marcus Vinícius Manzoni (Frederico Westphalen/RS), Lilene Leverdi (São Gonçalo/RJ), Héder Duarte (São Gonçalo/RJ), Agnes Mirra (Goiana/PE) e Paulo Soriano (Salvador/BA). Agradeço também ao amigo Guilhermes Damian pelo excelente trabalho de design do zine.

10 julho 2010

Não Voto em Filho da Puta

prezado
senhor candidato:
com todo respeito
vou pegar o meu voto
e enfiar no teu rabo
de rato

não me venhas
com apertadinhas de mão
podres imundas infectas
de bactérias de corrupção

no teu rançoso sorrisinho
de boca amarela e fingida
vou escarrar meu catarro
mais amarelo ainda

não me venhas
perturbar o sono
com tuas alegrezinhas
musiquinhas ridículas
que eu sei muito bem
quais são as alegrias
das campanhas políticas...

então queres
passeatas
carreatas
mamatas?

conchavos
conluios
canalhas?

tratados
tramoias
trapaças?

sobre a vergonha do teu santinho
vou apagar o veneno
do meu cigarro vadio...
senhor candidato
vai à puta que pariu!

09 julho 2010

Mahler, Apocalipse Sonoro

Em 7 de julho de 1860, na cidade de Kalischt, na Boêmia, nascia Gustav Mahler, um dos maiores sinfonistas de todos os tempos. 150 anos de Mahler, portanto.

Depois de Beethoven, dá para contar nos dedos de uma mão os compositores que podem ser considerados grandes sinfonistas. Particularmente, considero como grandes sinfonistas pós-beethovenianos Brahms (pena que compôs apenas 4 sinfonias), Bruckner, Mahler e Shostakovich. Também poderíamos, no meu julgamento, subjetivo, como todo julgamento artístico, incluir no rol das grandes sinfonias a 8 e a 9 de Schubert, as 3 últimas de Tchaikovsky e a Sinfonia em Ré de Franck. Depois, mais abaixo, viriam a "Sinfonia Fantástica" de Berlioz, as sinfonias programáticas "Dante" e "Fausto" de Liszt, a "Do Novo Mundo" de Dvorák, algumas do Sibelius, talvez a "Renana" de Schumann... Será que esqueci de alguma?

Mas Mahler, Mahler é imenso, suas 9 sinfonias, mais a 10ª, que ficou incompleta, seriam perfeitas como trilha sonora para o Apocalipse, com tudo o que ele tem direito, em toda sua força trágica e catastrófica, em todo seu poder de transcendentalização, em todos seus agouros funestos, ou em todo brilho da fúria divina. E entre as 9 sinfonias, creio que as 5, 6 e 7 seriam as mais apocalipticamente adequadas, pois são as mais trágicas.

Com Mahler, viajamos por entre tempestades, furacões, guerras, tiros de canhões, explosões nucleares, queda de astros, catástrofes de todos os tipos, sustos e angústias, derramentos solares, hecatombes, batalhas entre anjos e demônios, ascensões espirituais, alucinações delírios, enfim...

Mahler, com todo o sofrimento por que passou em sua trágica existência, prenunciou o que seria o catastrófico século XX. E  o XXI também. É como ele próprio disse, ao enfrentar grandes dificuldades para a aceitação de sua obra: "Meu tempo há de chegar!" E chegou.

Nada mais justo do que a forma como morreu Mahler, em 1911: durante uma trovoada. Assim como Beethoven.

07 julho 2010

"Agora Vou Lá. Tenho que Degolá-la." - FINAL

Não sentia a mínima piedade em vê-las beber as águas podres de um rio imundo, ou vendo que disputavam com cachorros pestilentos os restos putrefatos de comida dos montes de lixos. Nem mesmo as crianças que eram violentamente espancadas por outras crianças, ou as mulheres sendo estupradas nos cantos das praças despertavam em mim algum tipo de clemência. Que apodrecessem todos no inferno, para mim não faria a menor diferença.

Dessa forma degenerada vivi por mais alguns meses. Ia para casa, alimentava-me, realizava uma precária higiene pessoal e retornava para as ruas escaldantes, com o único propósito de debochar, de escarnecer com crueldade, de desprezar infinitamente todos os malditos que via diante de mim. E claro, quando se aproximava do meio-dia, sem me ausentar uma única vez, lá eu estava, naquele campo sombrio, contemplando hipnotizado, completamente dominado pelos nuances ominosamente avermelhados que percebia, ou acreditava perceber. E parecia ser tal tênue luz vermelha, que se derramava pelas atmosferas, que transmitia à minha psique alguma categoria de ânimo monstruoso, perverso, demoníaco.

Havia algo inexplicável naquelas opacas luminosidades rubras que me atraía fatalmente, e mais que isso, fazia fervilhar em meu interior toda a maldade que nele havia, todo o horror humano, a plenitude do lado negro que em mim se ocultava. Assim como a lava do planeta fervilhava, suas águas fervilhavam, evaporando-se, a atmosfera fervilhava em um calor insuportável, eu também fervilhava interiormente de perversidade. Seja lá o que for que ocasiona tudo isso, estou certo de que é algo catastroficamente maligno.

Afirmo-o com absoluta certeza, porque, desde ontem, tenho percebido uma alteração, para pior, em meu comportamento. Percebido e comprovado. Estou há mais de 72h sem dormir. Não sinto sono. Desde os dias em que era dominado pela indiferença, nunca mais tive os pesadelos a que me referi anteriormente, aliás, não tive nenhuma espécie de sonho, pelo menos não que eu lembre. E as minhas horas de sono foram se reduzindo gradativamente, a ponto de eu chegar a dormir apenas 10min a cada 24h.

Agora, cessei definitivamente de dormir. Mas jamais deixo de ir ao campo contemplar em estado de êxtase maligno, em uma maldita hipnose, aquela agourenta luz avermelhada. Hoje, após sair do local, fui tomado de um acesso de loucura. Sei que estou completamente louco, transformei-me em um monstro. Peguei uma enorme pedra que encontrei na rua e esmaguei sem dó o crânio de uma criança e de sua mãe, só porque escutei que a mãe falava para a menina em “manter a esperança” enquanto se alimentavam com as tripas de um gato.

Após ter cometido o ato, voltei para casa e tornei-me consciente do que fiz. Compreendi que fora um horror sem limite e sem perdão. Mas compreendi também que seria inútil me arrepender. No entanto, senti uma necessidade terrível de desabafar, de contar sobre minha doença, minha loucura, minha maldição, o meu desastre, o desastre de um filho de um planeta mergulhado em todos os desastres, enfim, seja lá o que isso for, como que para deixar em um maço inútil de papéis o que ainda resta de bom em mim. Se é que resta algo.

Mas agora, devo sair. Lá fora, na frente da minha casa, uma mulher raquítica está vomitando. Sinto um ódio diabólico ferver, fervilhar dentro de mim, e subindo como sobem os ferventes vapores oceânicos, esse ódio toma conta de todo meu ser.

Aquela imunda, vadia, filha da puta, sujando minha calçada com o fedor do seu vômito. Este machado deve servir. Agora vou lá. Tenho que degolá-la. E fazer guisado de sua carne aidética.

A Voz do Polvo é a Voz de Deus

Em um aquário na cidade de Oberhausen, no oeste da Alemanha, vive o profeta da Copa da África, o polvo Paul. Ele acertou todos os resultados de seu país. Disse o polvo que a Alemanha ganharia da Austrália, perderia para a Sérvia, venceria Gana e depois a Inglaterra nas oitavas de final, que também venceria a Argentina nas quartas, mas que seria derrotada pela Espanha nas semifinais. Dito e feito. Eu acreditava na Alemanha. Assim como acreditava na Argentina antes. Mas não se pode derrotar o polvo nos palpites.

Como que o polvo disse isso? Muito simples: são colocados no fundo do seu aquário dois recipientes com mexilhões. Cada um leva uma bandeira: uma da Alemanha e a outra do adversário. O recipiente que ele atacar primeiro é o da seleção vencedora. Dessa vez o polvo Paul atacou a da Espanha.

Agora vou pedir para colocarem pro Paul um prato com a bandeira do INTER e outra com a do São Paulo. Para ver quem vai para a final da Libertadores da América.

E a copa que era dos sul-americanos terá final europeia. Nada melhor (ou pior) do que as surpresas do caminho...

Ah, e eu não me esqueci do final do conto. Em breve ele será postado.

06 julho 2010

“Agora Vou Lá. Tenho que Degolá-la.” 2ª Parte

Será que somente eu percebia tal alteração? Ou estaria com alguma doença nervosa, psíquica, que faz com que perceba os céus dessa forma? Sim, doente eu acredito que estou realmente. Tenho certeza, aliás. Não sei qual doença poderia estar me afetando, mas que há muito tempo não me sinto nem um pouco bem, muito pelo contrário, é algo absolutamente inegável. É possível que se trate de uma nova enfermidade, afinal, nos últimos anos, surgiram tantas moléstias desconhecidas, pestes incontroláveis, várias delas brutalmente fatais, que eu posso ter sido mais uma vítima, mais um desgraçado como os milhões de humanos cujas vidas foram ceifadas pelas mutações de vírus e bactérias patogênicas. Diversas delas, foram criadas, voluntária ou involuntariamente, pelo próprio homem, em seu afã de ser um deus. Um deus?! haha, olhem para o que se transformou a humanidade...

Mas ignoro o que realmente ocorre comigo. Tentarei, entretanto, de modo sucinto, descrever os estranhos e deprimentes acontecimentos que há 11 meses vêm degradando minha miserável existência.

Conforme afirmei anteriormente, há alguns meses, percebi, ou julguei perceber, uma sutil alteração na coloração do céu, que estaria sendo “invadido” por uma espécie de funesto “avermelhamento”. Seriam alucinações? Seria o sintoma de alguma terrível enfermidade? Não sei, sei que essa quase imperceptível tonalidade rubra, seja ela real ou fictícia, atrai-me de um modo insanamente irresistível.

Todos os dias, invariavelmente, sinto-me como que “obrigado” a sair durante o momento do ápice do sol, ou seja, ao meio-dia, não importando as condições climáticas, não obstante meu prazer nos dias de sol seja bem maior. Caminho em direção a um campo aberto e desabitado, sento-me sobre a grama, dirijo meus olhos para o céu, e fico contemplando por quase uma hora aquilo que julgo ser uma insidiosa e lentíssima invasão do céu azul por uma tonalidade anomalamente vermelha. Nos primeiros dias, sentia-me bem após o término de minha contemplação, embora melancólico. Porém, com o passar do tempo, essa melancolia foi se transformando em uma negra depressão de espírito, em um desalento, em um desânimo tão profundo, que havia dias que eu não conseguia nem mesmo erguer a cabeça ao retornar para casa e perambulava sorumbático pelas ruas, como um zumbi. Olhava para as outras pessoas, todas infelizes, desesperadas e imersas em problemas sem solução, ou então que expressavam um perverso sorriso diabólico, e minha depressão se intensificava ainda mais.

Ao chegar em casa, atirava-me quase sem forças na cama, sem comer, sem tomar banho. Enfim, sem fazer absolutamente nada, dormia até o amanhecer do outro dia, sendo torturado durante todo o período de sono por pesadelos povoados pelos seres mais absurdos, monstros de aparência indescritível e de uma perversidade inimaginável. Os cenários de meus pesadelos eram os piores possíveis, e, para que se tenha uma idéia dos mesmos, basta que tenha em mente o ambiente do Inferno de Dante.

Ao me acordar, quase sempre por volta das 9h, a tristeza e a desolação pareciam ter regredido, e eu levanta-me, comia alguma coisa, realizava uma breve higiene pessoal e pensava em ir trabalhar. Mas minhas forças não eram suficientes. Então, sentava-me, aguardando ansioso e angustiado o momento de sair para a absurda contemplação dos céus que se avermelhavam, conforme meu enfermiço julgamento. E lá eu permanecia, por períodos de tempo cada vez maiores, sentindo-me consolado pelo que via, ou acreditava ver. E então, deixava o local, muitas vezes debaixo de uma chuva ácida, arrastando um manto de tristezas que pesava como o chumbo. Chegava em casa e jogava-me em meu sono atormentado.

Essa era minha vida, somente isso, durante vários meses. No entanto, aos poucos, minha depressão foi se amenizando, e em seu lugar surgira uma absoluta indiferença por tudo e por todos. Em nenhum momento eu deixava, sempre por volta do meio dia, de ir contemplar as colorações avermelhadas do céu, sempre no mesmo local. Não que fosse somente naquele lugar que eu percebia a insidiosa invasão vermelha nas atmosferas, isso ocorria em todo o céu, invariavelmente, de acordo com meu julgamento perturbado. Porém, e realmente não sei o motivo, eu deveria observar o insólito fenômeno unicamente de lá.

Todavia, como dizia, deixei progressivamente de sair do local dominado pela profunda tristeza, e passei a sentir uma gélida indiferença que me fazia vagar o dia inteiro pela desolação de minha cidade, em seu calor absurdo, degradante, alimentando um desejo doentio e perverso de desprezar e rir de todos os infelizes que cruzavam o meu amaldiçoado caminho. Eu observava com uma frieza e uma ironia malignas aqueles homens e mulheres, todos desgraçados, todos miseravelmente perdidos. Era infinito o meu desprezo por aqueles doentes, vítimas das inúmeras epidemias que surgiram, fatais ou não; por aqueles mendigos estúpidos, aqueles refugiados dos desastres ambientais, que vieram com seu odiento desespero para minha cidade.

Amanhã, o final.

05 julho 2010

“Agora Vou Lá. Tenho que Degolá-la.”

Aqueles fenômenos foram chamados de “El Niño” e “La Niña”. O aquecimento das águas do oceano Pacífico. Mas ninguém sabia com certeza o porquê, a causa exata de seu surgimento. Ou se alguém sabia, omitia a verdade. Ou se alguém dissera a verdade, ninguém acreditara. Somente o que se comprovou com o trágico passar dos anos é que tais fenômenos não eram normais, como afirmavam alguns cientistas, ou ignorantes, ou mal intencionados.

O fato é que o aquecimento das águas era real e se intensificava gradualmente com o passar dos anos, e não somente no oceano Pacífico, mas foi atingindo também os demais oceanos. Claro que tal anômalo fenômeno tinha relação com o aquecimento global ocasionado pelo acúmulo de gases poluidores na atmosfera terrestre. Muito embora, no princípio, houvesse um considerável número de cientistas que duvidassem da veracidade do aquecimento global, com o passar dos anos, tal elevação confirmou-se de forma irrebatível.

Porém, o aquecimento das águas dos oceanos não ocorreu somente devido à elevação da temperatura atmosférica. As grandes potências admitiram mais tarde. Haviam realizado durante décadas experiências e testes atômicos no fundo do mar. Pequenas e sucessivas explosões nucleares supostamente controladas. Aos poucos, o leito dos oceanos foi se abrindo, rachando assustadoramente, com o consequente contato das lavas do magma terrestre com as águas marinhas. Obviamente, com o tempo, a temperatura das águas foi se elevando, situação agravada pelo aquecimento atmosférico.

O efeito sobre o planeta das altas temperaturas das águas oceânicas foi absolutamente catastrófico. Os primeiros sinais foram relativamente leves e deram-se principalmente sobre o clima do planeta. O número de tempestades, tornados, ciclones, furacões, secas e enchentes foi crescendo gradativamente. E não só tais fenômenos tornaram-se mais numerosos e frequentes, mas também mais intensos, mais impiedosos, mais devastadores.

Paralelamente, perceberam-se alterações na vida marinha, tanto na animal como na vegetal. Após anos de análises, foi comprovada não só a redução das populações oceânicas, como também a extinção de incontáveis espécies. Em pouco tempo, cerca de um terço de toda vida marinha fora varrida dos oceanos, a começar pelos corais, que principiaram a perder suas variedades e colorações, até, finalmente, perder a vida.

(...)

Agora, estamos no ano de 2047. Os seres oceânicos encontram-se praticamente extintos em sua totalidade de espécies. As tempestades e furacões e secas e inundações tornaram a vida impossível em imensas regiões do globo e dizimaram enorme parcela da humanidade. Isso sem falar no aumento drástico dos terremotos e tsunamis. Até mesmo regiões consideradas antigamente como situadas fora das áreas de risco são agora afetadas por tais catástrofes. A humanidade durante muito tempo intentou lutar desesperadamente contra as tragédias ambientais que se desencadeavam de forma cada vez mais avassaladora, porém tudo resultou em retumbantes fracasso. Já era tarde demais. No momento em que ainda resultava possível evitar que a fúria do planeta recaísse sobre a civilização, não o fizeram. De modo que o nosso destino já estava selado.

Há alguns anos, quando a incidência de terremotos principiou a se tornar alarmante, os cientistas intentaram encontrar explicações para o fato. Não obtiveram êxito. Ou, se encontraram determinada resposta, deveria ser algo definitivamente inevitável, porque nada foi divulgado, ao menos não oficialmente. Surgiram rumores, jamais confirmados, de que algum astro provavelmente desconhecido estaria interferindo no campo gravitacional da Terra, em seu magnetismo, e desse modo causando inauditas alterações geológicas no planeta. Até hoje, não se sabe o que está ocorrendo com a Terra, além, é claro, do massacrante desequilíbrio causado pela poluição infrene e pela exploração desmesurada dos recursos naturais. Mas algo além disso, algo extremamente grave está acontecendo...

Há cerca de cinco anos, foi notada uma leve alteração na cor dos céus. Não era mais aquele azul celeste reconfortante, mas sua tonalidade havia sido sutilmente modificada, tornara-se opaca, desbotada, amarelecida talvez, porém, era algo quase imperceptível. E eu posso jurar que, há alguns meses, além da opacidade, os céus passaram a apresentar, com a quase imperceptibilidade ainda maior, uma sugestiva e inquietante tonalidade avermelhada...

Amanhã, a continuação.

(Na imagem, o quadro "Dante e Virgílio no Inferno", de Bouguereau)

03 julho 2010

Ó Noite, Imperatriz do Mundo!

aos poucos
como a queda dos impérios
cai a Noite universal
sobre o destino da humanidade
com tudo o que nela se oculta...

Noite...
tu sabes que tu governas
que o teu medo domina
nos quatro cantos da terra
enquanto os homens riem pelas festas,
na imponderabilidade das trevas
tu preparas as tuas surpresas...

tu preparas as tuas surpresas
nos olhos rubros do demônios
que espreitam atrás dos galhos
na densidade do silêncio tenso
quebrado pelo susto do grito do gato
pela ameaça do rosnado canino
pela espera do assalto
na curva invisível da esquina...
tu, Noite, preparas as tuas surpresas
para o destino da humanidade...

é no teu seio que as bruxas conciliabulam
que os morcegos vampiram pelas vítimas
que as corujas agouram pelos sinos
que os amores proibidos se fatalizam
que os vinhos metaforizam sobre o sangue
que os malditos poetas marcham fúnebre
e que certos astros da terra se aproximam...
é na Noite que as coisas acontecem...

Noite, tu preparas as tuas surpresas
para o destino da humanidade...
homem!
caminha alerta pela Noite
que tu não podes pelo escuro
ver da Noite o segredo profundo...

ó Noite, Imperatriz do Mundo!

Alemanha, Tetra!

Disse, em 27 de junho, que do jogo entre Alemanha e Argentina sairia o campeão da Copa 2010. Dei preferência à Argentina. Que decepcionou mais que o Brasil. Deu Alemanha, com justiça,  com sobras, com show, ditando o ritmo da dança. Valsa, não tango. Brasil e Argentina, Los Hermanos, morreram abraçados. A copa dos sul-americanos, até as quartas de finais, fica só com o heroico Uruguai (já que o Paraguai deve ser desclassificado logo mais pela Espanha),que dificilmente passará pela Holanda. 

Alemanha, tetra!

02 julho 2010

Curso de Poesia - Casa do Poeta de Santiago

Neste mês, pela Casa do Poeta de Santiago, ministrarei um curso de poesia.
O evento ocorrerá nos dias 20 a 22 de julho de 2010, durante as férias acadêmicas. O horário do curso será das 19h00min às 23h00min (Terça, quarta e quinta). Investimento é de apenas R$ 20,00, e será fornecido um certificado de 15h. Acompanhe o cronograma abaixo:

CRONOGRAMA DO CURSO:

1º Dia (20 de julho - Terça):
- O que é poesia (diferenciação entre poesia e prosa)
- Poesia Clássica e Poesia Moderna
- Tipos de poesias clássicas
- Leitura e Interpretação de poemas

2º Dia (21 de julho - Quarta):
- Versificação
- Verso tradicional
- Elisão, crase, sinalefa
- Hiato, ditongo, diérese, sinérese
- número de sílabas métricas
- acentuação do verso
- rima
- classificação das rimas
- enjambement
- versos brancos
- versos livres

3º Dia (22 de julho - Quinta):
- Figuras de Linguagem
- Oficina de Criação de Poemas
- Encerramento

Reservas e inscrições poderão ser feitas pelos e-mails:
palavraseondas@hotmail.com
gpasini@ig.com.br
reiffer@gmail.com
ou pelo telefone 8406-7896

Baudelaire e a Glória ao Vinho

Charles Baudelaire, o grande poeta maldito, em seu livro "Paraísos Artificiais", onde trata dos estados psicológicos anormais causados pelo uso de drogas, mais especificamente o ópio e o haxixe, brinda-nos com um magnífico elogio do vinho. Sendo o vinho a minha bebida favorita, companheira de muitos momentos, não posso deixar de concordor com o gênio do Simbolismo e precursor da poesia moderna. Vejamos o que Baudelaire tem a nos dizer sobre o vinho. A seguir, alguns trechos:

"Profundos prazeres do vinho, quem não os conhece? Quem quer que tenha tido um remorso a aplacar, uma lembrança a evocar, uma dor a esquecer, um castelo na Espanha a construir, todos enfim já o evocaram, deus misterioso escondido nas fibras da videira. Como são grandes os espetáculos do vinho iluminados pelo sol interior! Como é verdadeira e abrasadora essa segunda juventude que o homem dele retira! Mas como são, também, perigosas as suas volúpías fulminantes e os seus encantamentos enervantes.

Muitas pessoas dirão que sou indulgente. "Você inocenta a embriaguez!" Isso dirão os imbecis ou hipócritas; imbecis, isto é, homens que não conhecem nem a natureza nem a humanidade, artistas que recusam os meios da arte, operários que blasfemam contra a mecânica - hipócritas, isto é, comilões reprimidos, impostores da sobriedade, que bebem sozinho e tem algum vício oculto. Um homem que só bebe água tem um segredo a esconder de seus semelhantes."

Com a palavra, o vinho:

"Cairei no fundo do seu peito como uma ambrosia vegetal. Serei  o grão que fertiliza o solo dolorosamente escavado. Nossa íntima reunião criará a poesia. Para nós dois faremos um Deus e flutuaremos ao infinito, como os pássaros, as borboletas, os filhos da Virgem, os perfumes e todas as coisas aladas."

"Ouve agitar-se em mim e ressoar os poderosos refrãos dos tempos passados, os cantos de amor e de glória? Iluminarei os olhos de sua mulher. Abrandarei o seu olhar e porei no fundo de suas pupilas o brilho da juventude. "

(Na imagem que acompanha o texto, o quadro "Bacco", de Caravaggio)