02 julho 2009

Pensamento Mágico X Pensamento Mecanicista


A Índia e o Hinduísmo (ou a superfície de um Hinduísmo degradado) estão na moda agora, graças à novela da Globo. Aproveito então, para deixar algo sobre o assunto.

O Hinduísmo tem, ou tinha, um pensamento mágico sobre o universo. Eu não irei afirmar se é correto ou se não é. Melhor que cada um chegue a sua própria conclusão. A verdade é que graças a esse pensamento mágico, os hindus, antigamente, consideravam todos os seres vivos como sagrados (não que agora isso tenha acabado totalmente, mas se modificou bastante, degenerou-se em grande parte, como tudo em nossa civilização).

Durante séculos, milênios, os hindus conviveram em harmonia com a fauna e a flora de seu país. Esse pensamento mágico, que a “ciência” ocidental consideraria equivocado, antiquado, retrógrado, “não-científico”, em realidade era muito mais avançado em relação ao pensamento mecanicista que infestou nossa civilização após o fim da Idade Média. Para os antigos hindus, todos os seres possuíam alma, e por isso deveriam ser respeitados. Deveríamos conviver com a natureza e respeitá-la, não dominá-la ou explorá-la egoicamente.

Porém, nos séculos XIX e XX, os ingleses invadiram a Índia, e o pensamento mecanicista do ocidente, para o qual tudo era visto como uma máquina perfeitamente explicada pelo homem, deslumbrou-se com toda a riqueza da natureza indiana. Deslumbrou-se não para contemplá-la ou conviver harmoniosamente com ela, mas para dominá-la, conquistá-la, retirar dela até sua última gota de vida e de riqueza. Pois, para o pensamento dito “científico” do ocidente naquela época, a alma não existiria nem no homem, muito menos em outros seres, considerados “inferiores”.

O resultado foi o massacre impiedoso da então abundante fauna e flora da Índia. Florestas foram dizimadas; elefantes foram escravizados para retirar da própria floresta as árvores derrubadas. Tigres, leões e leopardos foram exterminados para serem exibidos como troféus. Veados-almiscareiros eram mortos para virarem perfume. Macacos de diversas espécies eram abatidos pelo simples prazer de matar. Esse era o pensamento “correto” para os ocidentais: extirpar da natureza tudo o que nela houvesse de vida, submetê-la à vontade superior dos homens, vencê-la como se ela fosse nosso maior inimigo.

Foi assim só na Índia? Óbvio que não. Eu nem necessito mencionar o resto... Hoje, colhemos os negros e podres frutos do “correto”, do "verdadeiro" pensamento mecanicista. O planeta morre. Isso é tudo. Enquanto o “equivocado” e “retrógrado” pensamento mágico ainda é visto com desdém, ou ridicularizado. E assim caminha a humanidade...

30 junho 2009

Ninguém...

cheguei a todo lugar
onde chegar já não chega
fui além do além do não ido
com tudo que tinha de mim
com minha alma e arte
com minha sombra e rastro
e já não pude voltar
quando cheguei ao fim

em meu nada levei o todo comigo
estive à beira de tudo que é alto
pisei ao extremo daquilo que é abismo
e ninguém soube e ninguém viu
disse o que não é ouvido
apostei o tudo que não tinha
e meu número nunca saiu

voei meu sonho ao proibido
fervi meu sangue com veneno
senti além do que em mim não coube
escalei sem corda o topo do absurdo
alcei-me ao ponto de um limite que não há
e ninguém viu e ninguém soube...

600 milhões de casos de gripe comum todos os anos...

A mortalidade da gripe suína é bastante irregular de país para país. No Brasil, por exemplo, por enquanto é baixíssima, estando abaixo de 0,2%. No México, está acima de 1%, e na Argentina chega quase a 2%. Porém, na média mundial atual, segundo o OMS, está em 0,6%, dentro dos padrões da gripe comum.

No entanto, o que não se pode é divulgar a informação calamitosa de que a gripe comum tem mortalidade de 5%. Segundo a OMS, a gripe comum ataca cerca de 600 milhões de pessoas por ano em todo mundo. Se tivéssemos um índice de mortalidade de 5% na gripe comum, teríamos 30 milhões de mortes pela gripe todos os anos. Seria uma pandemia superior à da gripe espanhola, que matou entre 18 e 20 milhões de pessoas em um ano, a mais letal pandemia de gripe de que se tem notícia. Uma pandemia superior a essa, seria um verdadeiro desastre humanitário.

Creio que na ânsia de tentar convencer a população de que a gripe suína não é tão grave como se imaginava, os veículos de informação estão superestimando a gravidade da gripe comum. Querem desfazer um monstro e acabam criando outro.

29 junho 2009

Gripe Suína é mais Letal

Folheando o jornal Expresso Ilustrado, deparei-me com uma informação absurda. A de que o gripe comum possui um índice de mortalidade de 5%. Se assim fosse, teríamos milhões de pessoas mortas pela gripe comum todos os anos. A gripe espanhola que no passado matou cerca de 18 milhões de seres humanos ao redor do mundo apresentava uma mortalidade de 4,5%.

Na verdade, segundo o infectologista da Beneficência Portuguesa de São Paulo, Renato Grinbaum, o índice de mortalidade da gripe comum encontra-se na faixa de 0,5 a 1%, enquanto que o da gripe suína está numa faixa entre 0,5 a 1,5%, dependendo da região do planeta. Mas como ela ainda está em processo de expansão, não se pode estabelecer com precisão sua taxa de letalidade. Mesmo que a diferença seja mínima e não muito significante, a gripe suína é um pouca mais letal que a comum, e não o contrário, como afirmou o jornal santiaguense.

Sugiro que o jornal Expresso corrija a informação veiculada.

28 junho 2009

Rio do Inferno

em rio
de lágrimas
eu rio
das lágrimas...

a humana vida
é uma ironia fantástica
de uma pintura de Bosch
deboche
em graça sarcástica

mas...
e aquele humano
sorriso?
só riso.

26 junho 2009

Veneno

eu nada tenho a dizer
a não ser: chegou o Fim
nem um pouco importa a mim
se meu poema é veneno
e se meu poema é um corte
de morte na morte e pra morte

não há mais nada a fazer
o tempo dá um grito e morre
o sangue do amor escorre...
se meu poema é veneno
é de um fantasma catártico:
um trágico em trágico e trágico

nosso destino é morrer
tragando o vinho que espera
nos olhos da ânsia da fera...
sim, meu poema é veneno
licor de rosa indefesa:
tristeza à tristeza: Tristeza

Histórias Nefastas


O meu amigo e ótimo escritor de literatura fantástica, Paulo Soriano, lançou este ano seu primeiro livro de contos, intitulado "Histórias Nefastas", e nos presenteia com 24 histórias do mais puro horror gótico.

Influenciado principalmente pelos gênios do fantástico Allan Poe, Lovecraft e Hoffmann, Soriano mergulha fundo em um universo absolutamente sombrio e impiedoso, onde assomam todas as maldições, torturas físicas e espirituais, o ominoso e o demoníaco, o sobrenatural sem explicação, tudo povoado pelos mais absurdos seres.

O clima de perturbação permeia a obra do começo ao fim, e sua linguagem sofisticada e de leitura agradável, ainda que dentro de um vasto e pesado campo lexical, fascina-nos e prende nossa atenção. Os finais de seus contos quase sempre reservam uma terrível surpresa, e a inteligência com que são idealizados é digna dos melhores escritores do gênero.

Nem todos os contos estão no mesmo nível, pois há alguns poucos, bem poucos, que estão presos aos clichês do gênero, apesar de muito bem escritos. Porém há vários magistralmente construídos, de grande originalidade e significado. Destaco as seguintes magníficas histórias: "Quando Deus nos abandona", pelo sua conclusão absolutamente cruel, "O Elixir da Juventude", que realmente impressiona em seu final, "Um homicídio perfeito", que se destaca pela inteligência de sua construção, "O retorno", pela sua originalidade e audácia da temática, "A Casa das Sombras Nefastas", onde se destaca toda a força inventiva de Soriano, e, finalmente, "Círculo Vicioso", para mim, o melhor conto do livro, pequeno na extensão, mas imenso na significação e originalidade.

Com "Histórias Nefastas", Paulo Soriano se firma como um dos melhores escritores do fantástico gótico nacional.

24 junho 2009

A Criação Maldita

Com uma febre demoníaca, caminhei alucinado até o meu jardim que há pouco, há bem pouco, fora devastado por um furacão, arranquei as raras rosas que restaram, martelei-as até que sangrassem, sem nenhuma compaixão. E o sangue fino que escorreu de suas pétalas dilaceradas, eu o esmaguei entorpecidamente entre os meus dedos inflamados.

Gotejando meu sangue doente e virulento, com os olhos ferventes e derramados de líquidos sanguinosos, como o sol maléfico dos desertos tropicais, saí pelas ruas imundas insanamente decidido a buscar a morte indistinta. Chutei todas as pedras do caminho, e elas não feriram os meus pés quase descalços, com unhas de lobo. Gradativamente, meus dentes cresciam e gotejavam uma hedionda saliva férvida de ódio e impregnada da minha sede ardente de sangue. Ao cair sobre o chão corrompido, as gotas ácidas e febrentas da minha saliva queimavam as gramas ressecadas.

As lágrimas secaram em meus olhos, e meus cabelos desgrenhados revoltavam-se ao vento quente das tempestades iminentes... Relâmpagos e trovões sentenciavam os horizontes sem paz. Nas atmosferas carregadas, a luz dos raios era a única que existia, a única que irradiava alguma esperança ao meu coração roído por venenos. Era a esperança do Fim. Os venenos fatais que percorriam céleres as minhas veias explodidas alimentavam o meu horror. Eu arrastava meu pesado manto negro por todos os lugares degenerados do planeta em asfixia, deixando fundos sulcos de infortúnios em meus caminhos malditos.

Ribombares lôbregos de trovões densos de aflições ecoavam como estertores mortais de um réquiem agonizante pelos ares infestados de tristeza. O meu olhar transtornado mantinha-se firme nos horizontes ameaçadores, de mortiças cores arroxeadas e rubras, mantinha-se firme, forte e decidido o meu olhar, como o do condenado que caminha imperturbável ruma à forca, como em um desafio ao meu destino absurdo. Cresciam as unhas de meus dedos e se tornavam pontiagudas, pontiagudas como o desespero de minha alma com as asas tostadas.

Ouvia berros indizíveis nos meus ouvidos, como se o inferno fosse se abrindo a cada passo que minhas pernas possantes davam por entre a desolação do ambiente impuro. O fogo tempestuoso das minhas esperanças crestadas e carcomidas uma a uma, assomava triunfante pelo infinito da minha desgraça.

Alguns miseráveis seres humanos intentavam inutilmente dizer-me coisas inúteis aos meus ouvidos exauridos. Eu cuspia um catarro espesso, férvido e sangrento no rosto hipócrita de todos eles. Eu não mais necessitava de verdades mentidas, ainda mais por esses humanos acabados. Ninguém impediria o meu avanço infernal.

A fúria assassínia em meus olhos propagava-se a distâncias colossais, como se eu fosse um titã de sinistras mitologias. Batidas frenéticas de arautos diabólicos esmagavam tudo o que surgia à minha frente. O céu, impassivelmente negro e tumultuado por vendavais que a tudo curvavam menos a mim, pesava-me em insânia nas minhas costas que a tudo suportavam.

Uma sensação anômala de ocaso devastou-me o peito já há muito devastado. Eu já havia percorrido quilômetros por entre o triunfo do horror e da morte, e meu tamanho tornou-se tão imenso que, em uma velocidade mórbida e canhestra, eu conseguia retirar de forma cada vez mais brutal meus pés do lodo purulento de vermes e porcos humanos. A destruição absoluta era meu rastro.

Uma essência azul de um resto de amor inútil ainda cintilava em meu interior funestamente massacrado sem a mínima misericórdia. Assassinado de angústias e decepções, com minhas garras de tigre esfomeado, eu extirpei essa essência oprimida e a ergui aos céus congestionados em um retumbante brado gutural de eterna inconformidade avassaladora. Eu odeio infinitamente quem me criou. Quem me criou foi a Humanidade. E eu terei dela a minha Vingança.

22 junho 2009

Suprema Indiferença

agora, que me importa
que caia tudo à minha volta
que desmorone o que me cerca
e que restem só as auras
pairando em fúnebres clarões?
como todo real louco
eu só sigo vultos almas
sombras fantasmas
e aparições...

se a nuvem cobre o sol
se ouviu-se um raio insano
se o canto queda mudo
se a casa já desaba
se apodrece logo o fruto
se bateram em mim a porta
se o pior inda há de vir
se o poço é mesmo fundo
que me importa?
deixai-me dormir
caguei pro mundo!

mas... a meu redor tudo corre
aos gritos de “me socorra me socorra!”
Céus! a humanidade morre!
ora... deixai que morra

21 junho 2009

As Litanias de Satã


Charles Baudelaire foi o precursor do Simbolismo na Literatura. Hoje, ele é considerado o pai da poesia moderna, pois uniu os voos sublimes do romantismo ao horror e ao grotesco da realidade. Juntamente com Allan Poe, a quem Baudelaire deve sua maior influência, foi o mais maldito dos poetas. Maldição essa, amargamente expressa no poema abaixo. (Acima, a escultura "Lúcifer" de Guillaume Geefs)

As Litanias de Satã

Charles Baudelaire

Ó tu, o Anjo mais belo e também o mais culto,
Deus que a sorte traiu e privou do seu culto,

Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!

Ó Príncipe do exílio a quem alguém fez mal,
E que, vencido, sempre te ergues mais brutal,

Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!

Tu que vês tudo, ó rei das coisas subterrâneas,
Charlatão familiar das humanas insânias,

Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!

Tu que, mesmo ao leproso, ao pária infame, ao réu
Ensinas pelo amor às delícias do Céu,

Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!

Tu que da morte, tua velha e forte amante,
Engendraste a Esperança, - a louca fascinante!

Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!

Tu que dás ao proscrito esse alto e calmo olhar
Que faz ao pé da forca o povo desvairar,

Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!

Tu que sabes onde é que em terras invejosas
O Deus ciumento esconde as pedras preciosas.

Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!

Tu cuja larga mão oculta os precipícios,
Ao sonâmbulo a errar na orla dos edifícios,

Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!

Tu que, magicamente, abrandas como mel
Os velhos ossos do ébrio moído num tropel,

Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!

Tu, que ao homem que é fraco e sofre deste o alvitre
De poder misturar ao enxofre o salitre,

Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!

Tu que pões tua marca, ó cúmplice sutil,
Sobre a fronte do Creso implacável e vil,

Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!

Tu que, abrindo a alma e o olhar das raparigas, a ambos
Dás o culto da chaga e o amor pelos molambos,

Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!

Do exilado bordão, lanterna do inventor,
Confessor do enforcado e do conspirador,

Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria !

Pai adotivo que és dos que, furioso, o Mestre
O deus Padre, expulsou do paraíso terrestre

Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria !

ORAÇÃO

Glória e louvor a ti, Satã, nas amplidões
Do céu, em que reinaste, e nas escuridões
Do inferno, em que, vencido, sonhas com prudência!
Deixa que eu, junto a ti sob a Árvore da Ciência,
Repouse, na hora em que, sobre a fronte, hás de ver
Seus ramos como um Templo novo se estender!

19 junho 2009

Elementar

se tu me chamas
em mar de chamas
eu mergulho em febre
afogueado
ao teu mar de fogo
em meus incêndios d'águas
como um fogoethe ao céu
refletido em lagos
me werthe sangue
ao afoguear-me insano
em teus profundos olhos

se
há fogo
me
afogo

17 junho 2009

Meus Pêsames

meus fúnebres sinfônicos:
melodiosa e melancólica
tua voz de orquestra em cordas
já me avisa em horizontes...

meus lúgubres letárgicos:
sonolenta e sorumbática
teu cansaço em noite e lua
já me afaga em rosa e sangue...

meus tétricos majésticos:
mal fadada e magnífica
tua luz de morte em punho
já me sonha em cruz e espada...

meus trágicos catárticos:
carinhosa e catastrófica
teu olhar de amor e fim
já me beija em nuvem-inferno...

meus pêsames tristíssimos!

14 junho 2009

Conto de Fadas Fatal

Era uma vez um barco, e um maldito sobre ele. Eu estava no barco no centro de um imenso rio, o rio Noite das Almas, em um barco sem remos, sem leme, sem nada, desgraçadamente perdido, desorientado. Foi então que 9 fadas violetas emergiram das águas, ergueram o barco e puseram-me em terra firme. Agradeci, e uma delas, a mais bela, a mais triste, disse:

- Olha! Ali, atrás daquele angico, vive o gnomo que toca violoncelo eternamente. Vai até ele. O elemental tem muito a te dizer. Vai logo, pois é quase tarde.

Imediatamente, fiz o que a fada ordenou e acerquei-me do estranho ser. Junto com ele estavam um silfo e uma ondina. O primeiro tocava violino, e a segunda, piano. Era um fantástico trio de Beethoven, o trio fantasma. Depois tocaram um de Schubert. Escutei e voltei a um gramado de corujas da infância, muito antigo. Mas em seguida, exerceu-se a atmosfera de crepúsculo inevitável no interior das músicas, e tive que questionar o gnomo antes que fosse tarde. O que tens a me dizer, pequeno amigo?

- Nada. Só que no Castelo de Gumercindo, a Donzela Bradante está gritando, gritando como nunca, obscuramente louca, desesperada. Outra vez está na janela da torre emitindo suas absurdas sentenças. Rápido, tu deves encaminhar-se para lá e salvá-la.

Dei um salto por sobre as moitas e como um raio passei a percorrer florestas infindas, enevoadas, sombrias de um verde-negro. Em cada canto desciam das gigantes árvores velhas bruxas decrépitas, bruxas doentes, e sensuais vampiresas que nos ensejam o desejo de ser mordido e sentir o cheiro do sangue e o gosto da vida se esvair pelas veias. Mas não o fiz. As bruxas cochichavam e debochavam expectorando:

- Atirem flechas, dêem tiros de canhões, metralhem, detonem bombas nucleares, não vai dar, é tarde demais, tarde demais. E dispararam numa carreira desabalada pelo meio do mato.

Eu tinha que ir logo, meu Deus, ir logo, violento, desbragado, infrene. Está tudo prestes a tudo. Não tinha tempo de pensar, por isso intuía. Foi então que ante minha fronte febril um nimbo principiou a derramar uma chuva ácida, e vi, por entre as gotículas prismadas em arco-íris, vi Siegfried, o herói do Anel dos Nibelungos, bebendo hidromel com o Deus Wotan, descansando ao lado a espada Nothung e a Lança do Poder. Mas como uma flecha de bestas medievais, dirigiram a mim seus olhos de fogo, empunharam as espadas, berraram:

- O Crepúsculo dos Deuses, as iminências cósmicas, esgotou-se o tempo, a simbologia do derradeiro. Usa tua energia sexual-volitiva e relampejando vai em frente.

E fui, como o vértice de um furacão, o vórtice de um trovão, tufão, de ciclones, de vendavais, de tormentas, de tempestades, temporais. Alucinado, eu “era todas as guerras”.

E o tempo passava implacável, cada minuto, cada segundo escorria e eu não conseguia mantê-los em minhas mãos que notei passar a metamorfosearem-se em mãos de lobo. Calamidades! Agora sou um lobo e corri, corri desesperado, cruzei matos, campos, banhados, açudes e sangas, e cheguei. Mas nunca se chega a tempo. Estou sempre atrasado. Abandonei o lobo e voltei a ser homem, um pouco mais alto e exausto. Cansado, fatigado, esgotado, mas eu prosseguia, tinha que prosseguir, tinha que me sacrificar, mortificar, ainda que todos fossem incompreensivos e injustos. O tempo não parava e tudo estava nas últimas forças definitivas, tudo acabava, morria, findava-se e eu em desabalada carreira atônita e assombrada. Troares de trovões catastróficos de outros planetas holocáusticos que corroíam as luzes ligeiras do sol. Em fuga desceram extraterrestres de Vênus, sacis e curupiras amazônicos, a agourar e abençoar meus caminhos... Então retumbaram as seguintes tragédias:

- Destrói o quanto antes. Sem piedade, arranca do teu interior aquele tumor maligno e acharás a porta do Castelo e a escada para a torre.

E eu parti como uma águia voraz, como um tigre, um jato de cometas explodindo núcleos de hélio, faíscas e incêndios nos cosmos varridos por ventos solares.

Trágico, cheguei até o Castelo onde se encontrava a Donzela Bradante. Situava-se no alto de uma coxilha no vasto pampa roxo-esverdeado. Lá estava ela vociferando. Ao redor da torre, uma imensa multidão se acumulava. Ao observar aquela gente, senti espanto: todos exibiam em seus rostos expressões de horror, medo, desespero... E punham as mãos nas faces e na cabeça e arrancavam os cabelos, rangiam os dentes, piscavam nervosos os olhos e irradiavam ódio e desdém e cerravam as sobrancelhas e vomitavam sentindo dores intestinais e suavam frio sangue gelado e gritavam com ânsias com nojo e tédio e cortavam-se com sofreguidão e oravam erguendo as mãos aos céus e curvavam-se e encolhiam-se e atiravam-se no chão batendo as mãos na terra e... Tentei saber o porquê de todo aquele horror e foi então que dirigi minha atenção aos gritos da Donzela na torre. Eram os seguintes berros que desesperavam a população:

- E quando chegar a morte? O que vocês vão fazer? E quando chegar a morte? De onde vocês vieram? Por que estão aqui? Por que vivem? E quando chegar a morte? Por que não querem falar na morte? E quando vier a tormenta? Por que não querem falar na tormenta? E as coisas que ninguém sabe? O que é aquilo que não se explica? E quando chegar a tormenta? E a morte? Por que não querem falar na morte?

E ao finalizar de falar, ou melhor, de berrar desesperada, a Donzela sentou-se, e toda a multidão permaneceu imóvel, estarrecida em absoluto silêncio aterrador. Então eu subi até a torre por uma escada de trovões, e eu já estava sangrando. Ao chegar à torre, a Donzela Bradante também expelia sangue pela boca. Golfejando juntos um sangue absurdamente vermelho, fomos até a beira da janela e nos atiramos sanguinosos sobre a multidão que agonizava. E fomos felizes para sempre...

12 junho 2009

Lei


de ação
e reação:
o Tempo: cobra
o preço e a pressa
dos nossos atos

dentre cravado
veneno inoculado
que o dente da cobra
pica
quando não é esperado
que a língua é bifurcada
e é o Fim
da picada...

a picada
o tempo...
Cobra

10 junho 2009

Ponto *

até certo ponto
me atiro da ponte
até certa ponte
eu passo do ponto
uma ponte no passo
a um passo da ponte
me atiro com um tiro
se passo do tiro
me volto ao meu ponto
passo ponto e ponte
mas e eu estou onde
que nunca me encontro
e nunca estou pronto?

na ponta da noite
me aponto no escuro
ponteando socorro
batendo no muro
no ponto do erro
na margem da ponte
eterno horizonte
eu bato no peito
eu penso se corro
e nunca me encontro
e nunca estou pronto?
eu passo do ponto
e pronto.

*Este poema foi realizado em parceria com meu amigo Marcus Vinícius Manzoni. Ele o está musicando.

08 junho 2009

Sobre Minc e Sobre Crusius

Sobre Carlos Minc

O ministro do meio ambiente chamou os ruralistas de “vigaristas”. O erro do ministro foi ter generalizado. É claro que existem ruralistas decentes e honestos, com consciência ecológica, que trabalham para produzir e ao mesmo tempo preservar o ambiente, e esses merecem todo o meu respeito e admiração. Porém, infelizmente, grande parte dos produtores rurais não possui essa consciência. O que querem é lucrar cada vez mais, visam somente o lucro imediato, e não deixam de ser uns vigaristas. Não estão nem um pouco preocupados em preservar as matas, os rios, os animais selvagens que estão em suas terras. Aqui mesmo, no RS, em várias regiões, os agricultores devastaram todas as matas de suas terras, inclusive as matas ciliares, e agora, em épocas de seca, os cursos d’água se esgotam com assustadora rapidez, uma vez que já não possuem a mata para reter a umidade. Os resultados são grandes conhecidos nossos.

Por que será que sempre os ministros do meio ambiente são motivos de briga, discussões, e são mal vistos pela maioria dos ruralistas e até por outros ministros? Com a ex-ministra Marina da Silva ocorreu o mesmo. Ninguém gostava dela. Agora isso acontece com o Carlos Minc. Será porque no fundo ninguém quer preservar o ambiente e os recursos naturais? Será que todos odeiam tudo que for sinônimo de preservação? Será que é porque acreditam que deixar pelo menos uma parte de uma floresta em pé atravanca o progresso? Progresso é plantar cada vez mais, é construir estradas, rodovias, fazer hidrelétricas, é devastar para criar gado? É explorar à exaustão os recursos naturais? Isso é progresso? Progresso para a morte do planeta, e consequentemente da humanidade, com certeza é.

É impressionante como o ser humano, por mais que sofra na pele as consequências dos seus atos, não muda sua forma de pensar. Como diria um grande filósofo contemporâneo, “o homem não aprende as lições da vida nem a canhonaços”. Para o homem, progresso continua sendo a luta contra a natureza, como se ela fosse algo a ser vencido, dominado e explorado. Aquele antigo e nefasto pensamento de Descartes e de outros filósofos que julgavam que a natureza devia ser inteiramente subordinada, escravizada à vontade do homem. Progresso continua sendo aumento de lucro, aumento de produção, crescimento financeiro. Sempre se comemora o aumento da produção de determinado bem, seja na agropecuária ou na indústria. Porém, nunca se questiona qual o preço que foi pago por esse “crescimento”. Chegará o dia em que não se poderá mais pagar o preço...

Sobre Yeda Crusius

Sobre a governadora, muito pouco tenho a falar. Apenas comento que segundo pesquisa do DataFolha, mais de 57% dos gaúchos acreditam que há corrupção em seu governo, e que desses, 70% querem o seu impeachment. Eu me incluo entre eles. E acrescento que antes dessa nova onda de corrupção vir à tona, comentei aqui sobre a campanha do CPERS e outros sindicatos, onde a imagem da governadora era relacionada à corrupção. A maioria do povo gaúcho julgou exagerada tal campanha e se voltou contra o CPERS. No entanto, agora a maioria desse mesmo povo gaúcho crê que há corrupção em seu governo. Mais uma vez, os professores saíram na frente e foram incompreendidos. E, como sempre, odiados.

05 junho 2009

Quarteto para piano e cordas em Dó menor, Op.60, de Brahms


Em 1874, Brahms compôs o seu 3º e último quarteto para piano e cordas, o mais sombrio e trágico dos três. A violência da paixão e do amor desesperado vibra terrível do começo ao fim da obra. Os raros momentos de melancólica serenidade são bruscamente interrompidos por uma fúria infrene e dilacerante. As melodias são sinistras e lacônicas, os ritmos, febris e caóticos, e o diálogo entre os instrumentos é de uma alucinada inquietação e de um desespero inconformado.

Sobre essa obra, afirmou o próprio Brahms, ao escrever à editora Simrock: "Na capa deverá ser colocado o desenho de uma cabeça com uma pistola apontada para ela. Acredito que isso dará uma ideia dessa música. Tratarei de enviar-lhe uma foto minha."

Com o Quarteto para piano e cordas em Dó menor, Brahms intentou pôr um ponto final no seu amor por Clara Schumann, viúva do também gênio musical Robert Schumann. Brahms a amava desde os seus 20 anos de idade, quando Schumann ainda vivia e era um grande amigo de Brahms. Amava-a platônica e secretamente. Acredita-se que após a morte de Schumann, Clara, 14 anos mais velha que Brahms, também o amou. Porém, se existiu o amor entre ambos, jamais foi concretizado.

Aos 41 anos, Brahms intentou com seu quarteto expressar tudo o que sentia por Clara, e assim, esquecê-la. Conseguiu expressar o que sentia, mas não conseguiu esquecê-la. Morreu amando Clara, um ano depois dela, na solidão.

Transcrevo abaixo um trecho do livro "Vida de Brahms", de Willibald Nagel, onde o autor comenta sobre a referida obra:

"É uma das obras de mais difícil compreensão do mestre. Brahms já falara dela a Billroth, dizendo ser uma produção um tanto original, 'como que uma ilustração do último capítulo do homem do fraque azul e do colete amarelo', referindo-se ao suicídio de Werther. É isso o que nos dá a chave do segredo; Brahms, com inflexível força de vontade, lutou contra os impulsos do seu próprio eu, a fim de renunciar às suas pretensões acerca da esposa do seu melhor amigo, Schumann. Este Quarteto em Dó menor se nos apresenta como uma confissão de um ente que sofreu um terrível abalo moral. É uma obra dominada por uma paixão diabólica, pela queixa torturante, contra a qual é inútil resistir, refletindo uma harmonia e um ritmo inquietos e selvagens. Apenas no 3º movimento surge um fundo de romântica doçura e beleza, mas que é quebrado pelo último movimento, onde retorna o conflito e o martírio noturno."

Finalizo com uma questão: quanto é necessário sofrer o artista para criar sua obra?

03 junho 2009

Última

esta é a última vez
porque depois de tudo
se o tudo for o nada

a minha voz mal dita
se abismará nos cantos do impossível...

as minhas mãos contritas
se perderão no espaço esvaziado...

a minha febre em vida
se queimará nas cinzas do já morto...

o meu olhar m...aguado
se afogará no mares do não-visto...

meu coração cravado
se enfartará nas garras dos abutres...

essa minha arte em chamas
se apagará nos incêndios do inútil...

e esta minha alma em flamas
se voará às bandeiras do fatal...

01 junho 2009

Oculto

os teus olhos
que brilham
diante de mim

as luzes do sol
que vieram brilhar
nos teus olhos

o corpo solar
de onde vem a luz
que te veio brilhar

o fogo atômico
que forma o corpo
do sol que em ti brilha

o fósforo cósmico
que acendeu o fogo
que brilha no sol

a mão que acendeu
o cósmico fósforo
e que nunca brilha

30 maio 2009

Do Fausto de Goethe


Um trecho da 1ª parte do "Fausto" de Goethe, uma das maiores obras literárias de todos os tempos. Qualquer comentário meu sobre os versos abaixo é absolutamente desnecessário.


Fausto:


"A coisas muito altas anseia a nossa alma,
A matéria, porém, a prende sempre ao chão;
Se alcanças desse Mundo os bens e a loura palma
Da glória, tudo é engodo e constante ilusão.
E às belezas da vida, e aos puros sentimentos,
Envilecem da Terra os ferozes tormentos;
E quando a Fantasia abre asas e voa
No espaço, para o Eterno, em sonhos e esperanças,
Basta pequeno abrigo, enquanto além ecoa
Vendaval que desfaz venturas e bonanças.
O Infortúnio se esconde e se abisma no peito,
As dores acalenta então insatisfeito
E da vida perturba o sossego e o prazer;
Sempre com nova máscara a fazer sofrer,
Ora luxo, ora lar, mulher, criança aflora;
Qual fogo, água, atroz veneno, até punhal;

Treme perante tudo o que não tens, mortal!
E aquilo que perdeste, em lágrimas, deplora!
Não sou de Deus a imagem! Sinto-o profundo.
Pareço mais um verme, e no pó vivo imundo;
Que do pó se alimenta e nele sempre exulta,
Se o pé do itinerante poupa e não o sepulta."

27 maio 2009

Nada

nada
a
declarar

só um canto de treva
no canto negro do céu
só um canto
de tormenta em noite
paira
a um canto
de violino preto

aos cantos
de urubu escuro
pairando
aos cantos

sobre
marcha
mancha
de sangue
aos cantos
da morte

nada

de clarar

25 maio 2009

Eu Não Sou Brasileiro

Sim, não posso ser. Afinal, tudo que dizem que o brasileiro é, eu não sou. Dizem que o brasileiro é isso, é aquilo, que possui determinadas características, mas elas não condizem comigo. Então não posso ser brasileiro. Afinal, se já se criou um estereótipo do que é ser brasileiro, se é através desse estereótipo que as pessoas em geral, principalmente as de outros países, veem os brasileiros, e se eu não estou de acordo com tal estereótipo, então, não sou ou não devo ser brasileiro.

Vejamos:
1) Brasileiro é alegre e de alto astral. Eu não sou alegre e nem tenho alto astral.
2) Brasileiro é extrovertido. Eu não sou extrovertido.
3) Brasileiro adora verão e calor. Eu detesto verão e calor e amo o inverno e o frio.
4) Brasileiro adora praia. Eu até posso achar bonita uma praia se não houver pessoas lá. Detesto aquele monte de gente amontoada na areia, surfistas, cerveja, pessoas bronzeadas etc. Acho tudo isso um saco.
5) Brasileiro prefere bumbuns. Um bumbum pode ser bonito, mas eu prefiro os olhos.
6) Brasileiro adora cerveja. Eu não gosto de cerveja, prefiro um bom vinho.
7) Brasileiro gosta de andar com pouca roupa. Para mim, nada melhor que vestir um longo e pesado sobretudo.
8) Brasileiro gosta de samba, pagode, axé, forró, sertanejo. Eu detesto todos esses tipos de música, e nada têm a ver comigo nem com a região onde vivo.
9) Brasileiro ama carnaval. Eu detesto carnaval.
10) Brasileiro não perde uma festa. Uma festa às vezes é legal, mas na maioria das vezes acho melhor ficar em casa, ou fazer outra coisa, a ir numa festa.
11) Brasileiro tem o seu famoso jeitinho. Para mim, o jeitinho brasileiro é um eufemismo de canalhice.
12) Brasileiro gosta de coisas coloridas. Eu prefiro cores sóbrias e discretas.


Enfim, talvez existam outros pontos em que eu nada tenha a ver com o que se classifica como “brasileiro”. Mas há algo que tenho em comum. Brasileiro adora futebol. Bem, eu também gosto de futebol. Será que só por isso sou brasileiro?

23 maio 2009

Além

o que há além do Limite?
pela outra face da estrela
na noite virada de costas?
o que há no avesso do céu?
afora de todos o dias?
contrário a todas as vistas
diverso de todo o normal?
o que além do bem
e do mal?

o que tem do lado de lá?
do outro lado da sanga
do outro lado do cerro
no lado escuro do sono
no lado oculto da sorte?

o que há além da vida
e da Morte?

21 maio 2009

De Sangue

Choro. E duas gotas de sangue sangram de meus olhos avermelhados. Olho a minha frente. E em um lago com a cor e com o cheiro de sangue coagulado, um bando doentio de corvos e urubus fita fixo os meus olhos desesperados. Eu não sei definir se seus olhares são sentenciosos ou sarcásticos. Creio que os dois. O cheiro quente de sangue se espalha pelo ar denso e lúgubre. O grasnar agourento dos corvos me ensurdece.

Ergo-me da grama sangrenta onde eu sentara sobre o meu próprio sangue derramado. Olho ao alto. Nuvens vermelhas lentamente assomam e tornam-se de um rubro intenso e mórbido, com algumas tendências para o negro. Um raio de fogo avermelhado parece partir o céu congestionado em dois. Um trovão úmido de sangue retumba nas minhas veias inflamadas.

Em breve despencará uma tempestade sanguínea. E o meu banho de sangue será completo e definitivo. Encharcado com o sangue de todas as tormentas, eu ando pelas estradas inundadas com o sangue de tudo que morreu na minha vida.

O bafo sanguinolento dos urubus queima-me os cabelos. Uma linda e nua mulher menstruada cai morta a cinco passos de mim. Seu sangue escorre por suas pernas brancas e magras. Nada a minha frente. Nada ao meu redor. Somente horizontes e mais horizontes de funestos montes devastados e avermelhados. De um vermelho anomalamente triste e melancólico. Uma tristeza fúnebre de febres fulvas férvidas de sangue, canta-me tensas melodias de saudade.

Meu pulso vibra a uma velocidade assombrosa, minhas veias tornam-se proeminentes sob a pele. Sinto o bater absurdo e derramado de meu coração sem freios. Meu sangue arde por todo meu organismo e pela alma. A chuva sanguínea não cessa. Os corvos e urubus revoam em hordas canhestras do lago profundo de sangue e acompanham lentamente meus passos desolados por entre os rios sanguinolentos.

Dezenas de aves mortas e sangradas com seus peitos abertos em hemorragias e com seus corações à mostra caem pelo meu caminho. Ao longe, o grito de um gato no cio assola meus ouvidos. Creio que uma imagem do coração sangrento de Cristo surgiu como uma miragem a minha frente. Não sei dizer com certeza, foi tudo muito rápido.

Um sol de apocalíptico escarlate se ergue acima das nuvens da tempestade de sangue que se estanca subitamente. Um sol estranhamente vermelho de rosto dilacerado. Será mesmo um sol? Não sei. Mas sei que seu brilho vermelho de sangue encanta e consola meus olhos congestionados. Sorrio, com gotas de sangue na boca, uma sanguinolenta esperança.

18 maio 2009

Soneto ao Infinito

Todas as ânsias do meu sonho infeito,
toda a grandeza que me impele à frente,
toda minha alma, minha psique, a mente
a que luz irão no horror derradeiro?

O ser que pulsa pelo mundo inteiro,
a alta lágrima que se alastra quente,
serão perdidos para todo o sempre,
aniquilados do universo ao meio?

Não... pois há uma viva e eternal sentença
que paira livre além de todo mito,
que canta plena de verdade imensa...

Mesmo esquecida no oculto maldito,
A Grande Lei governa forte, intensa
No audaz segredo do além e infinito.

15 maio 2009

Poema ao Frio

Vento glacial e franco
do meu fracasso
fremente fúria invernal
sopra em minha frustrada febre
gela minha frente e sangue
neva em minha frase frágil
em minhas ânsias sem freios
pelas névoas infrenes
que fruem da lua forte
despedaçadas em frutos negros
das frondes fantasmagóricas
em noite fria de beijo em gelo
geada frenética sobre meu peito
em minha fronte trágica
em desgraça frígida
em lufada cáustica:
é em tua friagem que me ergo
em tua frieza que me alargo...

Frio! meu antimundo abrigo
agora que tudo que amo morre
traze teu frêmito a morrer comigo.

13 maio 2009

E Aponto a Arma para a Minha Cabeça (Cap.Final)

Enfim, eu havia vivido e praticado todas, ou quase todas, as maldades possíveis, sempre me alimentando das sombras negras que eu absorvia dos olhos de todas as pessoas com as quais eu entrava em contato. A humanidade é uma fonte infinita de tudo o que é maligno. Porém, eu ainda não me tornara um assassino. Sim, era isso o que faltava para a integridade de meu mal.

Tomei então a resolução de cometer o mais cruel dos assassinatos. Não desejava apenas matar alguém, mas matar da forma mais fria e torturante possível. E, claro, de maneira que meu crime jamais fosse descoberto. Tornando-me um cruel homicida, eu teria então resumido em mim, finalmente, todo o horror humano, como se eu fosse um microcosmo da humanidade.

De modo que passei a imaginar qual seria o mais cruel dos crimes. Pensei que deveria escolher uma moça indefesa e inocente, ou a mais inocente possível, já que uma pessoa totalmente inocente não existe. Antes de matá-la, eu iria torturá-la física e psicologicamente. Eu imaginava as perversidades que poderia cometer. Poderia queimar partes de seu corpo, aos poucos, sentir o cheiro da pele queimada. Poderia perfurar seus olhos e beber o líquido intraocular, arrancar fios de cabelo e fazê-la os engolir. Poderia abrir seu abdômen e retirar seus intestinos, obrigando-a a olhar para eles, enquanto eu os cortava e os queimava. Poderia arrancar seus dedos, beber seu sangue, enfiar insetos em seus ouvidos, estuprá-la, arrancar seus mamilos, enfim, as possibilidades de tortura eram infinitas. Eu estava, portanto, decidido.

No início da noite, saí às ruas portando uma pistola, e não foi difícil encontrar minha vítima. Era uma linda moça de cerca de 20 anos, com belos olhos castanhos. Calcei-a com a arma e ordenei para que me acompanhasse em silêncio, que assim nada aconteceria com ela.

Caminhamos, da forma mais natural possível, até minha casa. Entramos, e ordenei à moça que sentasse em uma cadeira. Ela protestou e, muito nervosa, perguntou o que eu queria com ela. Então disse friamente que se ela abrisse a boca para falar qualquer palavra sem a minha permissão, eu meteria uma bala na sua cabeça e teria prazer em comer seus miolos. Ela se calou, apavorada. Em seguida, atei seus pés e suas mãos firmemente e sentei-me diante dela para contemplar sua beleza aterrorizada.

Perguntei seu nome. Chamava-se Luísa. Decidi, então, antes de iniciar a sessão de tortura, olhar nos seus olhos para absorver o mal que havia nela e fortalecer-me ainda mais. Porém, nesse instante, algo totalmente inesperado aconteceu. Nenhuma sombra negra saía de seus olhos. Pelo contrário, o que vi em seus olhos foi o brilho de uma luz profunda, creio que a mesma que as pessoas diziam perceber nos meus olhos durante minha infância e no princípio de minha adolescência.

Por instantes, permaneci absorto, extático, extasiado contemplando aquela luz sublime que emanava dos olhos de Luísa. E a moça, percebendo meu estado de alucinação, com receio, mas revelando coragem, declarou com firmeza: “Se vai me matar, por favor, faça logo”. Eu não disse nada. Levantei da cadeira, libertei Luísa das amarras e a conduzi até a porta. Ao abri-la, murmurei, profundamente abalado: “Sublime Luísa, eu te agradeço infinitamente e do fundo da minha alma miserável, te peço um inútil perdão”.

Ela me olhava fixamente, não entendendo absolutamente nada, porém percebi que já não estava com medo. Então, com seus lindos olhos fixos nos meus, falou com voz suave: “Que estranho, tem uma luz brilhando nos teus olhos...” Ao que respondi: “Sim, e essa luz é tua, não minha. Agora vá”. E ela partiu rapidamente.

Fechei a porta e sentei-me na cadeira. Desesperado, não consegui chorar. Somente um pensamento perturbava minha mente: era o de que a luz dos olhos de Luísa, tendo-se fixado uma só vez em mim, havia anulado toda a sombra de treva que acumulei no meu interior durante todos esses anos. Eu havia voltado a ser o que um dia fui. Depois de ter sido o pior dos monstros e vivido uma vida de maldade, horror e crime, eu poderia voltar a ser o que era em minha infância?

Não, não poderia. Se quando comecei a absorver o mal dos humanos, eu tivesse encontrado uma pessoa, uma só que fosse, como Luísa, que possuísse essa luz nos olhos que ela me transmitiu, eu não teria me tornado o demônio que até bem pouco tempo fui. Eu não teria. Mas eu não encontrei ninguém assim. Eu só vi sombra e trevas nos olhos das pessoas.

Agora é tarde demais. Decidi então escrever este relato, para testemunhar a minha desgraça. Que pelo menos ele sirva para algo de bom, já que eu não servi. O meu objetivo foi resumir em mim todo o mal da humanidade. Só faltou eu ter sido um assassino. Não fui. Porém, ainda falta mais uma coisa: a humanidade se autodestrói. Eu ainda não me autodestruí. Farei agora. Largo a caneta. E aponto a arma para a minha cabeça...

12 maio 2009

E Aponto a Arma para a Minha Cabeça (Cap.II)

Carregando em meu interior a maldade de milhares de pessoas, pensei em qual seria o comportamento inicial de alguém com um caráter perfeitamente diabólico. E, friamente, determinei que eu deveria transmitir a todos uma aparência e uma sensação primordial de que eu era o melhor dos humanos, como até então todas as pessoas próximas a mim, com razão, consideravam-me. Não foi difícil, portanto, ser o mais hipócrita dos hipócritas.

Eu pregava a todos o amor, a paz, o altruísmo, a honestidade, enquanto o horror e o ódio fervilhavam em minha psique. Utilizando-me de minha inteligência calculista e de minha total falta de escrúpulos, fui galgando degraus na vida social, passando impiedosamente por cima de meus adversários, humilhando-os e prejudicando-os de todas as formas ao meu alcance. No entanto, sem jamais que alguém soubesse que eu era o responsável pelos atos abomináveis.

Assim, entrei para a vida pública, mentindo descaradamente, não perdendo oportunidades de ser desonesto, acumulando bens materiais pelos meios mais escusos. Tornei-me um perfeito corrupto: um ladrão irrepreensível. Roubava o máximo que podia sem despertar a mínima suspeita.

Quando reuni um montante de dinheiro que julgava suficiente, abandonei minha carreira para dedicar-me plenamente à maldade e à depravação. Então pude finalmente retirar minha máscara hedionda de hipocrisia e ser descaradamente mau. Esmaguei todos os sonhos e ideais de nobreza e dignidade que um dia nutri em meu ser, desisti definitivamente de encontrar o verdadeiro amor em uma mulher e lancei-me a mais extrema e absurda promiscuidade. Participei das piores orgias, chafurdei em todas as lamas, pisei sem pena nos corações de todas as mulheres que diziam me amar. Explorei-as sexualmente, para logo depois as desprezar como um monstro, ridicularizando-as e debochando de seus sentimentos. Eu nunca acreditei que alguma delas realmente me amasse, e o que nutria por todas era um profundo e amargo ódio.

Viciei-me em todos os vícios, experimentei todas as drogas e influenciei para que o maior número de pessoas fizesse o mesmo que eu. Desestimulei todos os ideais, todos os pensamentos nobres, todos os sentimentos elevados. Desprezei todas as manifestações verdadeiras da arte para cultuar o que havia de mais imundo.

Tornei-me um consumista irrefreável, consumia tudo o que me era possível, desperdiçando o máximo que podia os recursos naturais. Com um prazer infinito, eu jogava lixo nos rios, queimava produtos de fumaça tóxica com o intuito único de poluir o ar. Eu agredia árvores e plantas e torturava animais sem a mínima clemência. Caçava sempre que podia apenas para ter o prazer de ver o animal morrendo. Enfim, eu queria simbolizar o mal da humanidade em todos os sentidos, em todas suas possibilidades, desejava levar a cabo a plenitude da malignidade que existia no ser humano.

Eu sentia-me na obrigação de ser perverso. Eu invejava, cobiçava, odiava, não porque isso aflorasse em mim naturalmente, mas porque eu assim desejava. Porque esse era o desejo das sombras dentro de mim, e o desejo delas era o meu. Eu buscava realizar-me a fundo dentro da vastidão do mal. Era como uma missão que eu devesse cumprir. E estou certo que eu a estava cumprindo. Com méritos. E isso me enchia da mais ominosa vaidade, do mais perverso orgulho.

E que deleite eu sentia em humilhar todos os que se aproximassem de mim. Eu os ridicularizava pela feiura de seu aspecto físico, ou pela sua falta de inteligência, ou por ser gordo, por ser negro, por ser pobre, por ser deficiente físico, enfim, eu sempre encontrava um motivo para humilhar os outros, para utilizar-me de meu devastador deboche.

Eu tinha uma especial predileção por ridicularizar todas aquelas pessoas que ainda possuíam, ou pensavam possuir, algo de profundo, de ideal, de nobre em seus corações. Jogava-lhes na cara o quão eram imbecis em crer em algo elevado, o quanto tudo isso era inútil e anacrônico, e que estavam desperdiçando suas vidas em quererem ser “grande homens”. Meus olhos brilhavam ao ver aqueles jovens enfurecidos ou desolados por eu ter pisado nefastamente em todos os seus sonhos, seja de grandeza, de dignidade ou de amor.

Quando percebia que meus recursos financeiros estavam se reduzindo, para não ter que trabalhar ou ganhar dinheiro de alguma maneira honesta, eu formulava uma maneira de enganar os incautos e roubar-lhes o máximo que pudesse. Alguns dos procedimentos de que fiz uso foi emprestar certas quantias a juros exorbitantes e associar-me ao tráfico de drogas. Porém, o mais eficaz para obter imensas somas de dinheiro foi utilizar-me de minha antiga convivência na vida pública com os mais distintos políticos. Eu os chantageava. Sim, porque eu sabia de muitas coisas e poderia denunciá-los, caso não fosse devidamente recompensado. Isso se tornou para mim uma fonte inesgotável.

Uma satisfação indescritível eu sentia correr pelas minhas veias quando eu via nos noticiários todas as abominações, todos os horrores, todos os absurdos que assolavam a humanidade nos quatro cantos do planeta. Assassinatos, genocídios, corrupção, violência e exploração de todas as espécies, vícios, devastações impiedosas, poluições nunca vistas, massacres de animais, os crimes mais monstruosos, as degradações mais repulsivas, a injustiça, a fome, as doenças, a miséria, as catástrofes ambientais, a desigualdade, o reinado do egoísmo, o império da aparência, todas as atrocidades que diariamente bombardeiam nossos olhos eram para mim um colírio que me enchia de alegria. Eu me regozijava em saber que em um mundo cada vez pior, eu era o pior dos humanos.

(Amanhã, o capítulo final)

11 maio 2009

E Aponto a Arma para a Minha Cabeça (Cap.I)

(Este conto será publicado em 3 capítulos, diariamente)


Não digo meu nome. Ele não é importante. Sou apenas mais um ser humano. Digo que quando eu estava com meus 13 anos de idade, não havia outro adolescente tão puro e inocente quanto eu. A bondade e a nobreza de meu coração impressionavam a todos, e as pessoas mais próximas a mim frequentemente diziam que tinham a impressão de ver nos meus olhos brilhar uma luz profunda em cada momento em que eu realizava, sem nenhum interesse, sem esperar nenhuma recompensa, uma boa ação.

Eu estava sempre disposto a amar e a auxiliar qualquer pessoa que necessitasse de minha ajuda para o que quer fosse. Amava a humanidade e a natureza da mesma forma, e todos os meus atos, da mais plena boa vontade, visavam o bem para todos os seres do planeta. Meus pensamentos eram os mais elevados. Meus sentimentos, os mais sublimes. E da mesma forma que o amor vivia em mim, eu cria que ele também pudesse existir nos demais homens, ainda que eu soubesse das perversidades de que a humanidade era capaz.

Prossegui desenvolvendo esse amor em minha alma até por volta dos 17 anos. Foi então que minha doença teve seu início. Os médicos e psiquiatras jamais souberam explicar o que acontecia comigo. Era alguma espécie de psicopatologia. Obviamente, jamais fui curado, pelo contrário, a moléstia progrediu mais e mais, de forma implacável.

Consistia tal enfermidade na capacidade demoníaca que adquiri de poder ver, como se fosse algo físico, material, a maldade que havia nas pessoas. É ostensível que tal capacidade anômala e perturbadora atormentava-me sem trégua em todos os instantes em que eu me encontrasse na presença de qualquer ser humano. Eu via uma sombra, uma névoa intensamente escura, quase negra, que se desenvolvia nos ares e assumia formas monstruosas, diabólicas, diante de meus olhos apavorados.

Enquanto eu, de maneira insana, e considerado um insano por todos ao meu redor, observava aterrado o desenrolar nebuloso daquelas sombras pelo ar, no interior dessas mesmas sombras assomavam-se pares de olhos vermelhos que se fixavam nos meus. Então, rápidas como um raio, as sombras, a partir de seus olhos sanguinolentos, penetravam, através de meu olhar, no interior de minha psique.

E a partir desse instante, tais condensações de maldade, como eu achei adequado denominar, infligiam em meus sentimentos e pensamentos coisas horríveis que mal consigo nomear. O que posso dizer é que as sombras oriundas dos olhos de todas as pessoas com quem eu entrava em contato, não importando quem fosse tal pessoa, nem o momento, nem o lugar onde eu estivesse, invariavelmente penetravam em meu interior, trazendo consigo toda a maldade que havia nos outros indivíduos e transmitindo-a a mim. Tais eram os sintomas básicos de minha enfermidade, de minha loucura. Porém, minha desgraça ia mais longe.

Imediatamente após aquelas sombras entrarem em meu ser, surgia em minha mente o conhecimento de todo o horror oculto que existia em determinado indivíduo. Eu passava a conhecer os seus mais íntimos segredos, as suas perversidades mais inconfessáveis, seus crimes cometidos sem o conhecimento de ninguém, sua hipocrisia, seus desejos monstruosos, seus ódios, cobiças e invejas, seu desespero e infelicidade jamais expressados ou admitidos. Enfim, tudo aquilo que se fosse alardeado ao mundo, causaria o mais grotesco espanto.

E com o conhecimento da integridade do horror que habitava o âmago da alma de meus semelhantes, passei a sentir um desprezo, uma repulsa, um ódio a todos os seres humanos. Aquele meu antigo pensamento de que os humanos eram, no fundo, bons e confiáveis, morreu completamente. E as sombras negras que invadiam meu interior pareciam ditar a minha psique que eu deveria me tornar como eles, fazer morrer todo o amor que havia em mim e deixar nascer e procriar-se o mal em todas as suas formas, com todas as suas consequências.

A princípio, tentei resistir. Eu procurava afastar-me das pessoas ao máximo para não ser invadido por suas sombras. Porém, era-me impossível viver assim, nesse isolamento completo. E como era inevitável contatar-me com outros humanos, também era inevitável, devido a minha doença, que as sombras me invadissem. E quando elas penetravam em minha psique, sempre me ordenavam para que eu fosse mau. E a minha resistência lentamente sucumbiu. E aos poucos, tornei-me um homem realmente mau, perverso, cruel e calculista. E eu desejei ir além da maldade comum a todo e qualquer ser humano. Eu queria ser o pior de todos, eu queria resumir em mim tudo o que havia de pior na humanidade.

E se antes eu sentia repugnância de me aproximar das pessoas para não ser invadido por suas sombras asquerosas, agora eu buscava isso. Procurava me aproximar de todos os seres humanos, dos mais perversos deles, para absorver toda sua maldade e tornar-me pior do que eles. Meu anseio era ser o símbolo maior da degradação e da iniquidade da civilização atual. E considerei-me capaz de atingir meu objetivo.
(amanhã, o capítulo II)

09 maio 2009

...de Asas

a tu que és Alta
Alta de alma e de tudo que te eleva

Alta como incensos do que há de vir
e as flores se perfumam ao teu sorrir

Alta como os sonhos de sóis no mar
e as águas se evaporam ao teu cantar

Alta como um vento em fúria a correr
e os raios se iluminam ao teu sofrer

Alta como piano em verso a voar
e as artes se emocionam ao teu sonhar

Alta como água em nuvem a se expandir
e as chuvas lacrimejam ao teu sentir

Alta como chama e noite ao luar
e as estrelas despencam ao teu olhar

Alta como a luz ao longe a se ir
e o universo infinita o teu abrir...

...de Asas

08 maio 2009

Rima

finalmente
pensando na humanidade
encontrei
finalmente
a rima mais adequada
a perfeita
a ideal...

qual?

esperança
cansa

07 maio 2009

7 de Maio: Johannes Brahms


Em 7 de maio de 1833 nascia em Hamburgo, Alemanha, um dos maiores gênios musicais da história: Johannes Brahms. Ouço Brahms desde os 15 anos de idade e aos poucos fui conhecendo sua obra. Hoje, que já conheço profundamente toda ela, posso dizer que conheço a alma da obra de Brahms. E tudo o que ele expressou em sua música é tudo aquilo que sinto. Na sua música, está o meu sentimento, a minha alma.


Com o tempo, Brahms tornou se um grande amigo meu, alguém em quem posso confiar em todo e qualquer momento. Se não posso ouvir sua música em determinado instante, sempre trago suas melodias em minha mente, em meu coração.


Brahms une força e melancolia, uma sublime tristeza resignada, porém, jamais curvada. A força de um ser que viveu a tragédia, que conheceu as decepções da vida, mas que jamais se curvou diante delas. Brahms é furioso e sereno. Grandioso e íntimo. Voa pelas mais terríveis alturas, sem nunca tirar os pés do chão. Seu poder é invencível. Sua tristeza é inigualável. Leva-nos dos campos ao céus. Dos lagos aos infernos. Das matas aos infinitos. Da solidão ao amor... Não é à toa que é considerado o maior herdeiro de Beethoven.


Obrigado, Brahms, por ter existido. Que fique aqui toda a minha admiração, respeito e veneração a tua obra e a tua pessoa.


06 maio 2009

Poemas do Término e Contos do Fim 34

Foi lançada hoje a edição 34 do zine literário "Poemas do Término e Contos do Fim", contendo o conto "A Criatura que Não Deveria Existir" e mais 6 poemas alucinados. Em breve, o zine estará em todos os pontos costumeiros de distribuição em Santiago, e também em outras cidades do RS e do Brasil. O "Poemas do Término e Contos do Fim" é de distribuição gratuita, sendo cobradas apenas as despesas de envio, caso seja necessário enviá-lo pelo correio.

05 maio 2009

Cansei-me

cansei-me de não cansar
e en fim cansei-me
e nem sei-me
tudo alcan-sei
errado:
acabei
não ficando aqui
nem do outro lado
por tudo passei
com passos de sonhos
e em tudo há passado
vi olhos nas luzes
vi luzes nos olhos
eu vi sem limites
e o meu cansaço
é ilimitado

nos pulsos ao sangue
os impulsos da vida
me pulsaram de mais
cansou-me nas veias
o correr do sentir-te
e o parar dos iguais

e ao meu sentir incansável
vais te cansares do mundo
e dormindo de tudo
amar-te...

e a Arte.

03 maio 2009

Lei do Sete

O número 7 era sagrado para Pitágoras, sábio e matemático grego.

Por quê?

Por que há 7 notas musicais?

Por que o espectro solar possui 7 cores, ou as 7 cores do arco-íris?

Por que há 7 glândulas endócrinas principais?

Por que há 7 dias na semana?

Por que cada fase da lua possui 7 dias?

Por que são 7 as maravilhas do mundo antigo?

Por que há 7 cordas na lira de Apolo?

Por são 7 os níveis da eletrosfera do átomo?

Por que são 7 os grandes sábios da Grécia?

Por que há 7 tubos na flauta de pan?

Por que há 7 dimensões?

Por que 7 igrejas são citadas no Apocalipse?

Por que há 7 chacras?

Por que há 7 sacramentos no Cristianismo?

Por que há 7 degraus na hierarquia dos impérios?

Por que há 7 pecados capitais?

Por que se diz que os gatos têm 7 vidas?

Por quê?

02 maio 2009

História Lacônica e Absurda

A tormenta que trago na alma carregou-me para aquela floresta sombria. Isolado da humanidade sinto-me em paz. Com extremada atenção observava todos os seres que surgiam ao meu redor. Sons familiares e estranhos elevavam-me ao sublime. Absolutamente sereno, avançava, até o instante em que um ruído anormal arrancou-me de meu estado de profunda tranqüilidade.

O som perturbador consistia em um borbulhar de água. Mas um borbulhar anormal. Com uma água que fervia ele se aparentava. Extremamente intenso e inusitado, levando-se em conta o interior de um bosque. O ruído provinha de algum ponto à frente.

Avancei.

Na mata fechada o som crescia e alarmava cada vez mais. Avistei a alguns metros uma gigantesca clareira. Cintilava. Tal clareira era um imenso lago no interior da floresta. Lago titânico! Borbulhava e fervia de forma canhestra. Toquei a água. A temperatura era absolutamente normal. Perplexo, contemplei a imensidão aquática.

Alarmei-me.

Suas águas principiaram a atingir meus pés. O avanço era rápido. Penetrei na mata, assustado. E contemplei um terrível espetáculo! Uma explosão no interior do lago. A totalidade das águas jorrou aos céus.

As águas espalharam-se por quilômetros. Imediatamente após, vi uma monstruosa coluna de luz. Surgiu das profundezas do lago, ao espaço infinito dirigia-se. Ofuscava-me intoleravelmente. Ao longe, nos azulados céus, ela desaparecia. Para onde iria a colossal coluna de luz?

Mirar sua luminosidade por mais de alguns exíguos segundos era-me impossível. E o silêncio era absoluto. Porém, ele quebrou-se. Subitamente, uma infinidade mirífica de sons invadiu meus ouvidos. Todos simultâneos. Infinito número de cantos de pássaros. Estranhos e familiares. Rugidos de animais ferozes. Relinchar de cavalos. Palavras de Dante. Harmonias angelicais. Etéreos corais de Bach. Sons de águas correndo, das ondas dos mares. O farfalhar das árvores das matas. O sopro soturno do vento. Grilos e sapos em concerto. Homens, mulheres e crianças, falando, rindo, chorando, cantando. Sempre ininteligível. Sublimes instrumentos musicais. Violinos, órgãos, flautas, pianos. Cantos poéticos. Madonas de Rafael. Líricos versos. Epopéias imensas. Visões pictóricas. Trechos de composições clássicas, todas grandiosas. A 9ª Sinfonia de Beethoven, um exemplo. Outros sons indefiníveis. O brilho da luz alucinava.

Emocionei-me.

Ao limite humano. A um passo da loucura. Algo fervilhou em minha alma. Sonhei e morri, para renascer. Olhei para os céus. Que mistérios imponderáveis seriam o destino da coluna de luz? A luz? Era a Alma do Mundo. Para onde iria agora? Alma que abandonava seu corpo. Alma que abandonava seu planeta...

A Terra morria.
É necessário que eu diga mais?

30 abril 2009

Sangue e Sentido

qual o sensato
sentido que há
em enlouquecer-me
sem sentido
sangrando versos
sentidos
a insensíveis olhos sem sangue?

caí-me sem sentidos
após a tormenta
que me sa(n)grou
e que sem esse sangue
que me é sa(n)grado
que me é sentido
a vida
não tem sentido
nenhum

e o meu sentido supremo
é ser um filho precoce
do sangue que há-de-vir
e sa(n)gra(n)do o meu pe(n)sar
meu trabalho é sentir

28 abril 2009

Missão

perdoa-me se fracassei:
se cada verso que escrevi
não foi o que escrevi realmente
e se onde te levei
não foi o máximo que podia levar-te
mesmo saindo de mim
não saí do que não sou
mesmo tocando o alto
não cheguei onde eu estou

perdoa-me se não te fiz chorar
se não foi música
o que te cantei
se não foi vida
tudo que sonhei
perdoa se não estou aqui
perdoa
se não morri

perdoa se sou poeta mau
e não abri teu peito
e não apertei teu coração
e não incendiei tua alma
se não fiz sofreres
o sofrimento que não tens
ou que pensas que não tens

perdoa se não levei teus olhos
ao lado de lá do outro lado
do horizonte
ao longe do depois do espaço
ao depois do longe daqui
perdoa
se meu verso está abaixo
do que senti

perdoa
se não te joguei ao céu
se não te afoguei no mar
perdoa
se ainda foi pouca
a minha suprema dor
e se com minhas palavras-chave
não encontraste o amor

26 abril 2009

Dele: Fernando Pessoa

Eu poderia deixar aqui o que entendo e o que sinto sobre este magnífico poema de Fernando Pessoa. Porém, creio que isso não deve ser feito. A poesia, qualquer que seja, sempre que possível, deve ser deixada livre para a interpretação e sensação do leitor. Qualquer comentário vai direcionar a leitura para determinada interpretação, no caso, a minha, e isso deve ser evitado. A arte, quando verdadeira, permite os mais variados entendimentos e sensações, e não se pode julgar tal interpretação como correta ou errada, isso é um crime contra a arte. Nem mesmo o autor de determinada obra está ciente de todas as possibilidades interpretativas do que criou. A obra artística, em sua essência, não pertence ao artista. O próprio Fernando Pessoa estava bastante consciente disso.

EROS E PSIQUE

Fernando Pessoa

Conta a lenda que dormia
Uma Princesa encantada
A quem só despertaria
Um Infante, que viria
De além do muro da estrada.

Ele tinha que, tentado,
Vencer o mal e o bem,
Antes que, já libertado,
Deixasse o caminho errado
Por o que à Princesa vem.

A Princesa Adormecida,
Se espera, dormindo espera,
Sonha em morte a sua vida,
E orna-lhe a fronte esquecida,
Verde, uma grinalda de hera.

Longe o Infante, esforçado,
Sem saber que intuito tem,
Rompe o caminho fadado,
Ele dela é ignorado,
Ela para ele é ninguém.

Mas cada um cumpre o Destino
Ela dormindo encantada,
Ele buscando-a sem tino
Pelo processo divino
Que faz existir a estrada.

E, se bem que seja obscuro
Tudo pela estrada fora,
E falso, ele vem seguro,
E vencendo estrada e muro,
Chega onde em sono ela mora,

E, inda tonto do que houvera,
À cabeça, em maresia,
Ergue a mão, e encontra hera,
E vê que ele mesmo era
A Princesa que dormia.

25 abril 2009

Catástrofe

na minha cidade
não há catástrofes:

não têm tornados
não vêm ciclones
nem furacões
não têm vulcões
nem terremotos
nem tsunamis
nem bomba atômica
enfim...

é que estão todas elas

Todas!

devastando meu peito
dentro de mim

23 abril 2009

Ode ao Gato


Sou um verdadeiro amante dos gatos. E de todos os felinos em geral. São seres fascinantes e misteriosos. Sendo assim, sinto-me na obrigação de publicar aqui a magnífica "Ode ao Gato" de autoria de Artur da Távola. O texto já deve ser conhecido de alguns, mas não de todos. Como disse o próprio autor, que ele consiga o milagre de iluminar os corações dos que não gostam e maltratam esses nobres felinos. O que tenho a dizer sobre este texto é que ele é perfeito, e que eu gostaria de o ter escrito.


ODE AO GATO


Artur da Távola


Bichos polêmicos sem o querer, porque sábios, mas inquietantes, talvez por isso.
Nada é mais incômodo que o silencioso bastar-se dos gatos.
O só pedir a quem amam. O só amar a quem os merece.


O homem quer o bicho espojado, submisso, cheio de súplica, temor, reverência, obediência. O gato não satisfaz as necessidades doentias do amor. Só as saudáveis. Lembrei, então, de dizer, dos gatos, o que a observação de alguns anos me deu. Quem sabe, talvez, ocorra o milagre de iluminar um coração a eles fechado? Quem sabe, entendendo-os melhor, estabelece-se um grau de compreensão, uma possibilidade de luz e vida onde há ódio e temor? Quem sabe São Francisco de Assis não está por trás do Mago Merlin, soprando-me o artigo?


Já viu gato amestrado, de chapeuzinho ridículo, obedecendo às ordens de um pilantra que vive às custas dele? Não! Até o bondoso elefante veste saiote e dança a valsa no circo. O leal cachorro no fundo compreende as agruras do dono e faz a gentileza de ganhar a vida por ele. O leão e o tigre se amesquinham na jaula. Gato não. Ele só aceita uma relação de independência e afeto. E como não cede ao homem, mesmo quando dele dependente, é chamado de arrogante, egoísta, safado, espertalhão ou falso. "Falso", porque não aceita a nossa falsidade com ele e só admite afeto com troca e respeito pela individualidade.


O gato não gosta de alguém porque precisa gostar para se sentir melhor. Ele gosta pelo amor que lhe é próprio, que é dele e ele o dá se quiser.O gato devolve ao homem a exata medida da relação que dele parte.Sábio, é espelho. O gato é zen. O gato é Tao. Ele conhece o segredo da não-ação que não é inação. Nada pede a quem não o quer. Exigente com quem ama, mas só depois de muito certificar-se. Não pede amor, mas se lhe dá, então ele exige. Sim, o gato não pede amor. Nem depende dele. Mas, quando o sente, é capaz de amar muito. Discretamente, porém sem derramar-se. O gato é um italiano educado na Inglaterra. Sente como um italiano mas se comporta como um lorde inglês.


Quem não se relaciona bem com o próprio inconsciente não transa o gato. Ele aparece, então, como ameaça, porque representa essa relação precária do homem com o (próprio) mistério. O gato não se relaciona com a aparência do homem. Ele vê além, por dentro e pelo avesso. Relaciona-se com a essência. Se o gesto de carinho é medroso ou substitui inaceitáveis (mas existentes) impulsos secretos de agressão, o gato sabe.


E se defende do afago. A relação dele é com o que está oculto, guardado e nem nós queremos, sabemos ou podemos ver.Por isso, quando surge nele um ato de entrega, de subida no colo ou manifestação de afeto,é algo muito verdadeiro, que não pode ser desdenhado.É um gesto de confiança que honra quem o recebe, pois significa um julgamento. O homem não sabe ver o gato, mas o gato sabe ver o homem. Se há desarmonia real ou latente, o gato sente. Se há solidão, ele sabe e atenua como pode (ele que enfrenta a própria solidão de maneira muito mais valente que nós).


Se há pessoas agressivas em torno ou carregadas de maus fluidos, ele se afasta. Nada diz, não reclama. Afasta-se. Quem não o sabe "ler" pensa que "ele não está ali". Presente ou ausente, ele ensina e manifesta algo.Perto ou longe, olhando ou fingindo não ver, ele está comunicando códigos que nem sempre (ou quase nunca) sabemos traduzir. O gato vê mais e vê dentro e além de nós. Relaciona-se com fluidos, auras, fantasmas amigos e opressores. O gato é médium, bruxo, alquimista e parapsicólogo. É uma chance de meditação permanente a nosso lado, a ensinar paciência, atenção, silêncio e mistério.


O gato é um monge portátil à disposição de quem o saiba perceber. Monge, sim, refinado, silencioso, meditativo e sábio monge, a nos devolver as perguntas medrosas esperando que encontremos o caminho na sua busca, em vez de o querer preparado, já conhecido e trilhado. O gato sempre responde com uma nova questão, remetendo-nos à pesquisa permanente do real,à busca incessante, à certeza de que cada segundo contém a possibilidade de criatividade e de novas inter-relações, infinitas, entre as coisas.


O gato é uma lição diária de afeto verdadeiro e fiel. Suas manifestações são íntimas e profundas. Exigem recolhimento, entrega, atenção. Desatentos não agradam os gatos. Bulhosos os irritam. Tudo o que precise de promoção ou explicação, quer afirmação.Vive do verdadeiro e não se ilude com aparências. Ninguém em toda natureza aprendeu a bastar-se (até na higiene) a si mesmo como o gato! Lição de sono e de musculação, o gato nos ensina todas as posições de respiração ioga. Ensina a dormir com entrega total e diluição recuperante no Cosmos. Ensina a espreguiçar-se com a massagem mais completa em todos em todos os músculos, preparando-os para a ação imediata. Se os preparadores físicos aprendessem o aquecimento do gato, os jogadoresreservas não levariam tanto tempo (quase 15 minutos) se aquecendo para entrar em campo.


O gato sai do sono para o máximo de ação, tensão e elasticidade num segundo. Conhece o desempenho preciso e milimétrico de cada parte do seu corpo, a qual ama e preserva como a um templo.Lição de saúde sexual e sensualidade.


Lição de envolvimento amoroso com dedicação integral de vários dias. Lição de organização familiar e de definição de espaço próprio e território pessoal. Lição de anatomia, equilíbrio, desempenho muscular. Lição de salto. Lição de silêncio. Lição de descanso. Lição de introversão. Lição de contato com o mistério, com o escuro, com a sombra. Lição de religiosidade sem ícones. Lição de alimentação e requinte. Lição de bom gosto e senso de oportunidade. Lição de vida, enfim, a mais completa, diária, silenciosa, educada, sem cobranças, sem veemências, sem exigências. O gato é uma chance de interiorização e sabedoria posta pelo mistério à disposição do homem."

21 abril 2009

Eu...

queria deixar
meu eu que é
para ser
o ser que sou
sinto-me ser do sonho
nascente dos ocasos
um largo lago de fins
que me sobra sobre
tristeza e vale
sangrei-me de febres
e em tudo que não fui
estive...
dormi-me de mares
lembrando o ar
da tua alma
queria...
sentir tua essência em sede
em crise
mas estou-me em nada
em nada do que é pensável
e se assim digo de mim
minto

dos iminentes venho
e o todo que sinto
é o tudo que tenho

18 abril 2009

Só Uma...

eu poderia dizer
que para mim tu és Noite
escuro-estrela de espaços longe
que me cai nos olhos entre lua infinda
mas uma só coisa que eu diga
já basta...

eu poderia dizer
que para mim tu és Sonho
arcanjo-insânia entre visões do além
mergulho em asas pela luz-mistério
mas uma só coisa que eu diga
já basta...

eu poderia dizer
que para mim tu és Alma
magia-febre entre fantasma em fogo
de vida e morte pelo fim humano
mas uma só coisa que eu diga
já basta:
sim, eu te amo.

17 abril 2009

Um Monstro

eu sou um monstro?
sou um monstro
porque sou eu?
desculpa
mas não sou tu
eu não estou ali
eu saí dos trilhos
que me disseste
para segui-los
e fiz os meus
então sou monstro
porque meus olhos
não são os teus?
porque não foi em ti
que eu fui buscar
o que senti?
porque eu fui eu
em tudo aquilo
que eu pensei?
me desculpa
mas te decepcionei
quebrei tua norma
e fiz a minha
da minha forma
voando alto
como o urubu:
posso ser monstro
mas não sou tu

15 abril 2009

O que é a Inspiração?


A inspiração não se explica. Não há conceito que a defina. Não há teoria que a limite. Por mais que alguém tente dizê-la, jamais a dirá. Dirá a “ciência” que a inspiração pode ser explicada por reações químicas no cérebro, assim como ela tenta explicar o que seria a paixão, por exemplo.

Ainda que tais reações possam ocorrer tanto em um caso como no outro, como se pode afirmar com certeza que são tais substâncias e suas interações as causas profundas da paixão ou da inspiração em um ser humano? Suas manifestações físicas impedem suas manifestações espirituais? Ou são reflexos das últimas?

Por que uma coisa impediria a outra? Um técnico de futebol, por exemplo, explicaria que seu time jogou mal ou bem somente porque seus jogadores interagiram bem ou mal? Não há outras causas menos aparentes? Tudo é assim tão simples?

Vejo tais reações químicas cerebrais como o reflexo de uma causa mais profunda, não mecânica, não material. Ainda que se explique toda a vida através de reações químicas, por que há vida em um gato e não há em um automóvel, se ambos funcionam através de reações químicas e princípios mecânicos?

Se a inspiração se resumisse a reações químicas cerebrais, se não houvesse para ela uma causa maior e mais profunda, bastaria se descobrir uma técnica ou uma droga para promover no cérebro tais reações que se faria de qualquer idiota um novo Beethoven, por exemplo. Logo a “ciência” dirá que pode fazer com que qualquer pessoa se apaixone ou se inspire. Da mesma forma que disse no século XIX que não haveria mais doenças para afetar o ser humano no século XX, que todas seriam curadas e erradicadas. Para esta “ciência” que aí está, tudo é controlável e manipulável... É uma pena que a destruição do planeta fugiu ao controle de sua arrogância... E de sua ignorância.

Ninguém nunca me dirá o que é a inspiração. Alguém que não a tenha poderá passar a vida inteira pensando em criar uma grande obra de arte e não a fará. Alguém que tenha naturalmente em si a inspiração criará a essência da obra de um instante para outro, no momento que tiver o “insight” da mesma, ainda que precise de mais tempo para levá-la às suas consequências finais. E nem mesmo o autor da obra saberá explicar de uma forma satisfatória como surgiu em si a inspiração.

Ainda que muitas vezes a inspiração seja apenas 1% de uma obra, e que o restante seja o trabalho sobre ela, sem esse 1% de inspiração, a obra não existirá, assim como uma criança não nasce sem os minúsculos óvulos e espermatozóides.

De onde surgiu a 9ª Sinfonia de Beethoven, por exemplo? De simples reações químicas? Fico com o que pensava o próprio Beethoven: “do céu estrelado acima de nós...”
(Na imagem, "Alegoria do Gênio de Beethoven", de Sigmund Hampel)

13 abril 2009

O Homem

o homem
quando não vive
teoriza

quando não experimenta
acredita

quando é limitado
põe limites

quando é impotente
cria regras

quando não compreende
tem certeza

quando não sente
fala

quando não sabe
discute

11 abril 2009

Para os Profundamente Decepcionados


Eu sou alguém profundamente decepcionado. Há muito perdi minha esperança na sociedade, na humanidade, pelo simples fato de que a conheço extremamente bem... E o e-mail transcrito abaixo em sua quase totalidade, retirado da coluna do jornalista Juremir Machado da Silva de 10/04/2009, é uma forma de ilustrar a minha radical e definitiva decepção. Parabenizo a professora Simone Varoni pelo melhor desabafo de um profissional que já li. E parabenizo o jornalista Juremir por tê-lo publicado e por sua constante defesa do magistério.

E-mail: “Olá, meu nome é Simone Varoni, tenho 32 anos e leciono desde os 18 anos... Eu gosto do que faço, sinto-me alegre em estar na escola e amo meus alunos como amigos. Mas o que eu penso em relação ao futuro desta profissão é bastante assustador e preocupante. Não pretendo me aposentar nesta profissão... O QUE ENTRISTECE É QUE A SOCIEDADE SABE QUE GANHAMOS MAL E NADA É FEITO. Enquanto falta material nas escolas, espaço físico, tempo para o professor planejar, realizar projetos, tempo para fazer uma educação livre de verdade, assistimos diariamente à roubalheira, a política de que todos têm direito a uma fatia da corrupção, da troca de favores, do jeitinho brasileiro E ISSO ME DECEPCIONA MAIS E MAIS A CADA DIA.”

“Enquanto isso, nas escolas, mendigamos para trabalhar: fazemos festinhas, rifas, risotos, sopas de mocotó, brechó, saímos no comércio esmolando doações para arrecadar fundos para as escolas, pagamos material para os alunos porque muitas famílias sequer sustentam o lápis, a folha de ofício, o xérox, o caderno... Pensando bem, acho que somos verdadeiras idiotas. Somos pais, mães, médicas, psicólogas, amigas e ainda lutamos para ser profissionais da educação. Arcamos com um peso que está nos estressando, adoecendo, enlouquecendo... ainda corremos o risco de ser agredidas fisicamente, porque verbalmente e moralmente já somos vítimas de muito tempo. EU ME DEMITI DO ESTADO DO RS: professora com formação plena e pós-graduação: salário: R$ 533,00.”

“Não recebi por cinco dias de greve, onde o Estado descontou quatorze dias parados. DEVEM-ME OS DIAS DE GREVE QUE NA REALIDADE NUNCA EXISTIU PORQUE GREVE RECUPERADA NÃO É GREVE, É ENGANAÇÃO. Devem-me os dias em que não estive em “greve”. Leio no jornal que um ilustre deputado gaúcho defendia que não devíamos receber os dias parados... E ele, dias após recebia prêmio em solenidade de festa gaúcha. DEMITI-ME POR DECEPEÇÃO PURA. AQUELA DECEPÇÃO QUE DINHEIRO NENHUM PAGA, CONSOLA OU APAGA. Fico pensando se irão restar professores que ministrem aulas aos meus filhos... acredito que não mais restarão escolas”.

É isso. Os grifos são meus. Eu também me decepcionei profundamente com o magistério público. Eu me demiti do magistério municipal também por pura decepção. A diferença é que me demiti em seis meses de trabalho. Para mim foi o suficiente para ver que o magistério público no Brasil está perdido. Está. E ponto final. E o que mais me decepciona é saber que a sociedade, as pessoas em geral, jamais ficam do lado dos professores. Culpam os professores por tudo e ainda defendem a nossa querida governadora Yeda. Melhor seria que ninguém mais lecionasse em escolas públicas, que todos pedissem demissão. Quem sabe então os professores fossem valorizados. Mas como isso não vai acontecer, só direi o seguinte: Brasil: tu nunca vais sair do teu atraso. És um país vergonhoso. E eu tenho vergonha de ser brasileiro.

09 abril 2009

Motivo

meu sonho
seria cantar o não-cantável
não-vistas visões-mistério
de Dante Alighieri

seria vibrar o arquetípico
vitória sublime e trágica
de Ludwig Van Beethoven

seria voar além da altura
asas de titão e águia
de Wolfgang Von Goethe

seria fitar a luz-sentença
astrais anjos-demônios
de Leonardo da Vinci

seria viver em Deus e sombra
espirituais noites e sóis
de Sebastian Bach

seria ver o ser da alma
labirintos de verdade e dor
de Fernando Pessoa

seria sentir o peito em chamas
ânsias de amor e força
de Johannes Brahms

queria cantar tudo
que realmente importa a mim
e por isso
não sendo Eles
eu canto o Fim.

07 abril 2009

As Almas do Fantástico na História do RS - História 5ª: O Final Súbito


Durante a Revolução Farroupilha, no ano de 1839, as tropas federalistas assassinaram três indígenas que cruzavam por um local de vastas coxilhas, numa região próxima ao rio Ibicuí. Os índios assassinados eram músicos, dos melhores da época entre os povos indígenas do sul. Haviam aprendido a tocar seus instrumentos, violino, flauta e violão, nas missões jesuíticas instaladas em solo gaúcho. Os corpos dos índios, que foram covardemente baleados por dois cavaleiros que treinavam suas pontarias, permaneceram sobre a coxilha em que tombaram. Ali apodreceram e serviram de repasto aos urubus. No momento em que foram mortos, não portavam seus instrumentos musicais, apenas alguns punhais que foram levados pelos militares.

Em 1886, por volta das 5h da tarde, o tropeiro José Luiz da Costa conduzia o seu gado exatamente pela região onde morreram os três índios músicos. Ao aproximar-se da coxilha onde jazeram seus restos mortais, o tropeiro principiou a ouvir uma estranha música, cuja origem ele não soube identificar. Chegando a uma vila da região, José Luiz relatou o que ouviu ao padre Antônio Ferreira, o qual anotou sua descrição em um diário que chegou aos nossos dias. Abaixo, estão alguns trechos do relato do tropeiro José Luiz da Costa, conforme redigido pelo padre Ferreira:

“O senhor José Luiz da Costa, jovem tropeiro desta localidade, contou-me hoje que ouviu uma música muito estranha ao cruzar uma região de coxilhas próximas ao rio Ibicuí. Disse o senhor José que escutou um som como um concerto de três instrumentos, que ele identificou com certa dificuldade como sendo um violão, um violino e uma flauta. Tal música, segundo o tropeiro, parecia provir do nada, como que do ar, pois ele procurou exaustivamente pela origem do som, pelo local onde poderiam estar os supostos músicos, porém nada encontrou.”

“Disse-me ainda que a música era belíssima, ‘muito bonita e acalmava gente’, segunda suas próprias palavras, e de uma intensa alegria, algo que ele nunca havia ouvido antes. Mesmo achando muito estranho ouvir uma música que não podia saber de onde vinha e sentindo um certo receio, o senhor José Luiz afirmou, quando por mim questionado, que sentiu-se muito bem ao escutar o som dos instrumentos, algo como uma sensação de tranquilidade e alegria de viver. Completou dizendo que não sentiu nada de tristeza ou de qualquer outro tipo de sentimento grave. O tropeiro não acreditava que a música pudesse ser alguma forma de manifestação sobrenatural, até que mencionei sobre os três índios músicos mortos em 1839. Concluiu afirmando que a música não durou mais que 5 minutos e parou de repente.”

O relato do tropeiro José Luiz da Costa é o primeiro conhecido e documentado sobre a audição de estranhas músicas naquela região do pampa gaúcho. Após esse, vários outros habitantes da localidade relataram experiências bastante similares à vivenciada por José Luiz. No entanto, a grande maioria não foi documentada. Algumas ainda hoje são transmitidas oralmente pelas pessoas mais idosas. O que se percebe em praticamente todas as histórias é que a música sempre parecia provir do ar sobre as coxilhas, que era muito bem executada, e que o som parecia ser o dos mesmos instrumentos que eram tocados pelos índios mortos.

Porém, há um ponto discordante nas várias narrativas. Refere-se ao sentimento, às sensações que a música deixava em seus estarrecidos ouvintes. Nas narrativas mais antigas, algumas do final do século XIX e outras do começo do XX, o sentimento despertado pela música é bastante similar aos descritos pelo tropeiro José Luiz: uma profunda alegria, uma luminosa tranquilidade. Porém, os relatos mais recentes, situados por volta dos anos 1940 até os 1980, descrevem uma música bem menos alegre e serena, porém transmitindo certa melancolia, uma bela e vaga tristeza, que causava alguma inquietação nos corações de quem a escutava. No entanto, em nenhuma das narrativas, seus ouvintes declararam ter se sentido mal ou desconfortáveis, pelo contrário. O que também é perceptível nesses relatos mais recentes é que, conforme mais atuais eles são, maior é a descrição dos sentimentos melancólicos irradiados pela música. O último ponto em comum entre todos os relatos é que os instrumentos invisíveis sempre cessavam de soar de forma súbita, deixando nos ouvintes uma duradoura e intensa sensação, a qual sempre era comentada com alguma espécie de receio ou inquietação não explicável.

Entre os raros relatos escritos sobre o caso, há um de 1968 deixado por Maurício Crestani Borges, onde ficam claras as diferenças de sentimentos despertados pela música, quando comparado com o relato de 1886. A descrição realizada por Maurício Borges é bastante precisa e bem elaborada, uma vez que o mesmo era escrivão da polícia civil na cidade de Porto Alegre. Maurício realizava uma pescaria no rio Ibicuí, quando foi surpreendido pelas misteriosas melodias. A seguir, os trechos mais importantes do relato do escrivão:

“Aquela música surgiu de repente, como que do nada, e deixou-me um tanto perplexo. Já havia escutado comentários sobre supostas músicas fantasmais que de tempos em tempos eram ouvidas naquela região do vale do Ibicuí. No entanto, nunca dera real atenção aos boatos. E não é que acabei sendo umas das testemunhas! Por volta das 18h, quando dava uma caminhada pelo campo, ouvi o som de um violão. Olhei atentamente ao meu redor, não vi nada, apenas um céu azul bordado de nuvens, infindas coxilhas que se perdiam no horizonte e, pelo outro lado, uma bela mata verdejante.”

“Segundos após o som do violão, surgiram melodias de flauta (creio que era uma flauta, talvez um clarinete) e violino, todas belíssimas, maravilhosamente executadas. Nesse instante, lembrei-me com certo medo, das narrativas sobre a música fantasmagórica. Procurei pela mata até cansar, subi e desci coxilhas, mas realmente não havia ninguém nas imediações.”

“As melodias permaneceram constantes e intensas por cerca de 5 minutos, ao que cessaram subitamente e de forma muito estranha. A música transmitiu-me uma sensação de dilacerante tristeza, ainda que fosse muito bela. Tocavam o coração de uma maneira esquisita e pungente, e eu teria ido às lágrimas, não estivesse um tanto assustado e confuso. Posso dizer que me sentia bem ouvindo aquelas melodias, porém uma sensação de profunda dor e inquietação espiritual tomou conta de mim após o final inesperado e abrupto que ainda não consigo esquecer e muito menos expressar...”

Esse é o relato do escrivão Maurício Borges. E agora, para finalizar, deixarei o meu relato. Sim, eu estive no local, com a precisa intenção de ouvir os músicos invisíveis. Acampei em agosto de 2008 na região de onde se originaram as narrativas. Vaguei pelas coxilhas supostamente assombradas durante as manhãs, tardes e as noites de quase toda uma semana, até que no princípio da noite do 6º dia de meu acampamento, uma desolada melodia de flauta iniciou a entristecer meus ouvidos.

Em seguida, surgiram as notas lúgubres de um violão desesperado, que foram imediatamente repetidas em cânone, de forma trágica, pela beleza mórbida de um violino. Sentei-me sobre o campo e mergulhei extasiado naquela música de sofrimento indizível. Uma sensação de sangue sendo derramado e um clima absolutamente sombrio de ocaso iminente tornaram-se quase que palpáveis pelos ares densos da noite que iniciava.

Os músicos invisíveis foram intensificando a força de execução, e a música, em um furiosíssimo crescendo, assumiu uma velocidade frenética e sublimemente desesperada. Aquele som enfebrecido encerrou-se de uma forma anômala, canhestramente súbita, deixando uma sensação arrepiante, catastrófica, apocalíptica. Eu estava sentado sobre as coxilhas do pampa. Insano. Chorei.

06 abril 2009

Dor-me

dor mir...
esquecer-me da dor
nos mares mornos da morte
recordar-me de mim
nos dentes-deleite que mordem
que martelam de sonos
nos confins de astros de marte
de amarte
nas asas de um corvo-condor
minha alma de amar amarguras
em mar de noites procura
as chaves dos olhos de lua
que dormem em teu rosto que sonha...
...dor em a dor-me ser
que tu dormes
na minha tristeza de cosmos
e os que pensam
dirão que sou-me insensato
e os que agem
dirão que fujo do mundo
mas eu só
sonho
no que me deixas
Sonho
em que me beijas

03 abril 2009

Ir...

e se esvai
veloz
sai
das minhas veias
como vinho
que se vai
velho
pelas mãos
vaso
vazio
derrubado
várias vezes
várias vozes
que me vieram
e se foram
vãs
do meu lado
vinho
mal sangrado
que tu vinhas
às minhas veias
e não vieste
e eu me venho
não te vi
viva
e me vou
vendo
vazo
derramado

02 abril 2009

Schiller e Beethoven: a Força do Romantismo


Em 1782, aconteceu, na Alemanha, a primeira apresentação da genial obra teatral "Os Ladrões", do poeta e dramaturgo alemão Friedrich Von Schiller, um dos pioneiros do Romantismo na literatura. Era então o início do movimento romântico, no auge do "Sturm und Drang" (Tempestade e Ímpeto), e a obra de Schiller surgiu com força titânica ao servir de bandeira contra as injustiças sociais, contra o massacre da liberdade e erguendo o homem com todos os seus sonhos e ideais


O herói da obra, Karl Moor, torna-se líder de um bando de ladrões para lutar contra as injustiças que havia sofrido na sociedade. O fato de Karl não conseguir converter em realidade seus altos anseios e ideais não diminui a força do retrato de Schiller, a imagem emblemática de um único homem lutando para mudar o mundo. O ímpeto, a fúria e o desespero dessa obra revolucionária ficaram profundamente gravados na mente e no coração de seus expectadores.


Este trecho da resenha da primeira apresentação de "Os Ladrões", citada por Lewis Lockwood, deixa bem claro toda a força e impacto da obra:


"O teatro parecia um hospício - olhos esbugalhados, punhos fechados, gritos roucos no auditório. Pessoas se jogavam nos braços de desconhecidos, soluçando, mulheres a ponto de desmaiar se apressavam para a saída. Houve uma comoção universal, como num caos do qual irrompesse uma nova criação."


Anos mais tarde, em 1808, Beethoven, o gênio precursor do Romantismo na música, estreava a sua Quinta Sinfonia, a do Destino, impregnada do mais intenso e devastador espírito romântico. Esse hino à liberdade cheio de fúria e grandeza, trágico e vitorioso, causou em seu público o mesmo choque avassalador que a apresentação de "Os Ladrões", algo como um despertar da consciência.


A força do Romantismo irrompia como uma tempestade naqueles tempos. Na alma de alguns poucos homens, ela ainda continua...

(na imagem acima, Friedrich Schiller)