06 fevereiro 2008

É Lógico que a Vida Não Possui Lógica

“...não sei ser humano, conviver
De dentro da alma triste com os homens meus irmãos na terra.
Não sei ser útil mesmo sentindo, ser prático, ser cotidiano, ser nítido,
Ter um lugar na vida...”
Fernando Pessoa

Não, não possui. Talvez possua algum Equilíbrio, um equilíbrio sombrio, oculto, incompreensível, inacessível e absoluta e canhestramente ilógico. Mas um equilíbrio. E sempre acima de nossa mão. Por que deveria ser compreensível? Já alguns dirão que esse equilíbrio não existe. Eu não digo nada. Não gosto de dizer as coisas. Gosta de cantá-las. E de gritá-las. Mas não de dizê-las, dizer é tão fraco.
A Lua estava anômala ontem. Foi necessário que eu saísse às ruas naquele estado de sono que não era o sono. Era um sono em um estado alterado de consciência. Saí caminhando pelo dia não-diurno, sim, porque eu sentia um sono profundo e vertiginoso, algo como um desejo não-terráqueo nem fictício, mas dominado por todas as cores de beijos. Não, não sou sonâmbulo. Naquela praça, vi 4 homens lendo jornais. Jamais conseguiria defini-los, mas os defino: horríveis, todos eles: olhos esbugalhados, descabelados, tossindo, boca escorrendo sangue como um churrasco mal-assado, não falavam uns com os outros, não se movimentavam. Não sei se andei ou flutuei até eles, aliás, eu não sei nada. E pedi um jornal emprestado e li todas as manchetes. Horríveis, todas elas.
Como era mágico e salutar meu sono... Com as manchetes dos jornais fiz um poema, sem modificar uma só palavra. O poema mais trágico da história da humanidade. Sonhei... Não sei com o que sonhei, mas vivi o mais fundo possível o que sonhei. Que mais se pode fazer? E como saí das florestas felinas sem ter uma só palavra a dizer a ninguém, isso é que é de se admirar! E como senti os vapores nunca-vistos de tudo que tu me disseste aquele dia sem que me olhasses uma só vez nos olhos... E como olhei nos teus olhos com cheiros de músicas sem que tu me dissesses um só verbo divino ou caído.
Amanhã vai chover... Assim, percebi que a humanidade não vale a pena... Vale a pena aquele rio que nunca correu, aquela flor que nunca nasceu, aquela árvore que nunca cresceu, aquela música que nunca tocaram, aquele céu que nunca brilhou, aquele beijo que nunca se deram... Por isso voam aves de verde pelas ânsias perfumadas daquele inverno que nunca apagou sua luz. Nem a minha. Porém, o mais absurdo de tudo, algo realmente ilógico e que nunca me foi permitido entender é que a sociedade no fundo odeia os professores. Deve ser por que eles são os únicos capazes de melhorar seus filhos. Se o homem quisesse ser melhorado, eu não estaria aqui dormindo, sonhando e escrevendo.
Quantas estrelas caíram aquele dia do céu... Uma delas abriu ao meio minha cabeça, literalmente, e uns uivos-desejo flutuavam tensos ao longe, e perto de mim. Era uma noite sombria, mas tu não estavas sobre os altares. Como se iluminou todo o luar, como uma treva santa chocou-se contra os versos que uma águia largou do bico sobre a morte... Três mãos alucinadas ergueram-se de dentro de meu peito, e vi uma chuva de olhos com chifres brancos perfurarem todo meu coração, o sangue não-meu que lacrimejava ao espaço doente formou uma nuvem que aceleradamente ascendeu ao sonho onde eu dormia. Não esqueçam que eu estava dormindo, por favor, não percam o fio da meada. Corri. Tu não estavas lá. Tudo não estava lá.
E no Brasil odeia-se ainda mais os professores, e estou certo que isso é uma das principais características de nossa cultura, talvez a principal, aquela que define definitivamente o que é ser brasileiro, odiar um professor, afinal, sem isso o Brasil não seria Brasil. Mas um canto e um grito titânicos ergueram-se majestosos daquele planeta de luz que não vejo. Como soou apaixonado um violino de Brahms aos meus ouvidos, e todas as coisas se angustiavam de forma tão ciclonicamente sublime que um furacão passou pela minha cidade e arrasou com tudo, inclusive comigo. Por isso durmo e elevo meu coração na ponta de uma espada flamígera e atiro-o ao relâmpago que me beija... O fim é como o começo: “Sim, está tudo certo./Está tudo perfeitamente certo./O pior é que está tudo errado.” É do Álvaro de Campos, que nunca existiu e valeu a pena. E eu me acordei.

20 janeiro 2008

Desejo de Sombra

desejo
de tudo que é noite e chora
de lago que é triste e canta
de canto oculto
na solidão da mata
de pesadelo-inferno
de negra serenata
de pio de coruja e medo
de sombra nuvem e inverno
do mais absurdo segredo
de lua em tormenta quente
de sol que se põe na guerra
de conto de Poe estranho
e doente
desejo
do perverso humano sangue
espalhado pela terra
de fêmea morta e langue
de marcha fúnebre
do roxo crepuscular
de loucura no céu
e horror no mar
desejo de sombra
de urubus que pousam na sorte
enfim
desejo de Fim
e de Morte

08 janeiro 2008

Agouro no Céu

dez astros de trevas
dez artes-desgraça
dez feitas-catástrofes

esta arte se mata

dez graças de nada
deserto de tudo
desastro dos séculos
desfeitos em décadas
desartes de morte
dez astros Desastres!

22 dezembro 2007

Poema Distante

no horizonte longínquo
do infinito
da minha desgraça
um claro sol que me acena
se põe ao longe distante
e a noite completa me existe
onde caio como flecha maldita
e cada vez mais longe distante
tuas asas infindas se perdem de mim
teus olhos divinos encantam luares
teus adejos de anjo elevam no cosmos
teu sopro de vida renasce as estrelas
sempre tão longe de mim...

morcegos ciclonam em minha mente
os corvos serenatam em meu sono
nos meus sonhos...
enforcou-se a paz!
e cai da minha boca a gota de sangue...
se uma asa tocou-me nos lábios
foi a de Satanás...

distantes eu ouço teus cantos
longínquos eu sinto teus olhos
sublimes infindos eternos
sempre tão longe daqui...

mas... algo me voa na alma
sempre tão perto de mim...
lá do infinito de tudo que morre
bateram-me sempre tão perto
as asas da Morte e do Fim...

10 dezembro 2007

Absurdas Reflexões-Pesadelo Sobre um Ano Sentencioso

Sentei-me naquela pedra. Pântanos anômalos me cercavam. E só. Ao longe, uma nuvem sem água se formava. Carregava-se com as armas mais radioativas já criadas pelo saber humano. Há outro saber além do humano? Cada vez mais densa e escura, mas de uma escuridão bendita. Eu me consumia. Absolutamente normal o fato de levantarem-se demônios poeanos ao meu redor, afinal eu estava em meio ao mais vaporoso e mefítico pântano já sugerido pelos simbolistas que Poe prenunciou. Todos eles me dardejavam os olhos. Os demônios, não os simbolistas, ou vice-versa. Eu refletia em todas as coisas passadas. Por isso me consumia. Eu era o responsável por todas elas. Passadas atrás de mim. Era a nuvem à frente que se aproximava...

Nunca fui o que pensei que fosse. Dizia o demônio do mundo nos meus ouvidos cegados. “Cercavam-me planícies sem beleza”(Fagundes Varela). Mas o que mais me chamava a atenção tuberculosa que me expelia catarros com sangue era a nuvem radioativa à frente, belíssimos vapores multicoloridos, incensos intelectuais, jasmins de hidrogênio e plutônio degenerados. Como ela era lenta e imensa para padrões pós-pós-modernistas. Eu sonhava em meio a minha culpa. E uma boca vermelha e sensual, vermelha de cânceres, proferia emocionada a verdade. Ela me beijou na língua e eu me consumia. Chove. Derrete meu pé na branquidez da chuva.

Sentei-me naquela pedra. Cercavam-me demônios sem beleza. O Tempo. Como é belo o olho de Satã. “Tem piedade, Satã, desta longa miséria”(Charles Baudelaire). Dos horizontes pantanosos o horror evaporava para unir-se em núpcias científicas com a nuvem que se agigantava ante meus olhos ensurdecidos. E como desciam sobre meu ser sanguinolento todos aqueles pesares sem-sentido que já não sentem mais nada. Meu coração flutuava corvíneo penetrado por barbeiros da doença de chagas que matou o Cristo. Eu detesto refletir. Nunca leva a lugar nenhum. Por isso que reflito, quero me consumir, ademais, só o Nada me interessa. “Quero me consumir!” O lema mais alto e sublime de toda uma civilização. Humanos, vamos conjugar o verbo consumir, mas reflexivamente: eu me consumo; tu te consomes; ele se consome; nós nos consumimos; vós vos consumis; eles se consomem. Muito bem, crianças! agora arranquem suas gargantas inúteis e joguem também no meio da nuvem. Ali está a Verdade. Sem gargantas! Suas vozes não servem pra nada. Quem vai ouvir? Ou melhor: só servem.

Cada vez mais perto. Eu não tenho medo. Que venha a Nuvem(letra maiúscula de agora em diante, vamos respeitá-la), ela é uma parte de mim. Até já posso ver alguns olhos e bocas na formação nebulosa sobre o pântano. De uma boca cospe-se sêmen sem espermatozóides; de um olho derrama-se um pus de rato infeccionado. “Acostuma-te com a lama que te espera”(Augusto dos Anjos). Por que ter nojo dessas coisas que em breve serão toda a nossa vida. Afinal, estamos cercados de ratos, não é mesmo? Eles que transmitem a peste bubônica. Ou seria bo? O ato mais idiota da vida é refletir. Melhor é não pensar em nada, deixar que a boca sangrenta de aids caia sobre nossos olhos mal-abertos. Tudo por um beijo. E a nuvem é perfeitamente justa.

Lá vem ela pelos ares românticos. Numa esfera de anjos eu vi passar o Amor. Tentei tocá-la, mas uma espada de tigres cortou todos os meus dedos. Lá estão eles sendo bebidos por urubus. Todos meus treze dedos das mãos. Sentei-me no pântano. O demônio sorriu. Eu também. Sou assim mesmo, sem dedos, eu fico sorrindo, como toda a humanidade. A humanidade sorri sem olhos. Mas só sorrio para demônios. Oh, a Nuvem já está sobre mim, nada mais posso ver além da Nuvem de horrores. Está tudo ali. Uma velha sem boca, escarrando, arrancou meus cabelos. Já sem pés, derretidos pela chuva, tive que disputar minhas pernas com os lobos. Eu venci.

E chega o navio sobre o pântano. Está todo mundo nele. Vou-me também. Canto III do Inferno da Divina Comédia de Dante. Essa tuberculose ainda vai me matar. É, sou doente do peito. Sinto perfumes de primavera. Paolo e Francesca de Rímini(Canto V). Eu sabia que isso me mataria. A Nuvem faz parte de mim, eu ajudei a criá-la. Pus alguns remendos de erros. Vem o navio, escuto suas trombetas desesperadas. Agora principiou a chuva da Nuvem de monstros. Eles se alimentam de veias. Tudo é Nuvem. Um relâmpago derrubou o meu dente. E ainda reflito. Passadas ameaçadoras atrás de mim. São minhas. Transformei-me num dragão. Ali está o navio. Não vejo homens, só fantasmas. “O Navio-Fantasma”, de Wagner. Sou um dragão, Siegfried cortará minha cabeça. Tudo por culpa da Nuvem. Mea culpa. Neste ano apontou a Nuvem. Ela é nossa. Viram? “Então os meus versos têm sentido e o universo não há-de ter sentido?”(Fernando Pessoa).

22 novembro 2007

Minha Absurda Lira

minha lírica de adeus e crepúsculo
vê sóis naufragando nas torres
das torres partem olhos e pios
de corujas com asas de sangue
que gotejam nas luas de fel
como beijos que sonham e morreram
altas mortes de tudo que foi
tu não vieste nas asas das íris
tu não viste minha alma de fim
gritos da noite caídos de luz
ciclones de anjos rezando desgraças
a roxo navio que afunda no céu
céu de tormenta que canta em tua boca
tudo que vai que se perde se finda
dança um azar no lábio no mundo
fogo em promessas de três Prometeus...

quando tua face olhará no meu sono
e na minha lira de ocaso e adeus?

12 novembro 2007

A Molécula da Última Lágrima

A menina Aloncier sentara-se em meio a um magnífico e intensamente verde descampado, de um verde estranho e irradiante de estranhas sensações, nas planícies de Samoth, uma das mais belas de seu planeta. Alta, com uma tonalidade de pele moreno-avermelhada, possuía longos cabelos ondulados, também de tons rubros, e olhos de íris tenuemente lilases. Se alguém pudesse contemplar sua face naquele momento, perceberia que a menina, em seu rosto belo mas insólito para nossos padrões, exibia uma fisionomia de alguém que está imerso em profundas meditações...

O ambiente em que Aloncier se encontrava, que transmitia inquietantes impressões de infinitude e de cósmica liberdade, era de uma serenidade absoluta; nenhum tipo de construção artificial ali se apresentava, e contemplava-se os horizontes de um vivo azul-purpúreo, sob um céu tão veementemente azul que parecia quase palpável, tamanha era a sensação de vida que dele emanava. Em tal céu, não se avistava nenhuma espécie de nuvem e, além da luz solar, estranhas e intensamente brilhantes luzes fulguravam por todos os cantos, tanto na atmosfera como próximas ao solo, embaixo de algumas árvores gigantes que por ali havia esparsamente.

E todas as coisas existentes aparentavam não formar sombras, pelo menos não como nós as conhecemos. Nos céus, avistava-se uma esquisita diversidade de seres, aves imensas de gritos ultra-sônicos, seres alados muito semelhantes àqueles descritos em vetustas mitologias esquecidas. Outros seres, com um venerável aspecto humanóide, que nós, pela aparência, até mesmo poderíamos classificar como anjos, planavam com suas imensas asas inauditas, ao lado de algumas coisas etéreo-transparentes, formações espirituais indefiníveis, que flutuavam de maneira enigmática pelos ares, dirigindo olhares elétricos para algum ponto não perceptível acima deles.

Toda essa profusão de coisas insólitas e misteriosas causava a sensação de uma harmonia e de um equilíbrio naturais comoventes. E a menina Aloncier ali permanecia em plena tranqüilidade, entre aquelas estranhezas absolutamente normais em seu planeta, ouvindo a música das esferas e o intrigante canto dos pássaros que lá viviam. Era inacreditável a melodia do gorjeio daquelas aves de múltiplas cores cintilantes, verdadeiramente puras e emocionais, lembrando de um modo assombroso músicas de Bach e Mozart. Igualmente assombrosa era a invulgaridade de alguns animais que por ali passavam, aparentemente mamíferos, e que... dialogavam... com Aloncier, em uma linguagem inteiramente desconhecida para qualquer um de nós.

Aliás, é notório que se diga que a menina de olhos lilases não somente dialogava com aqueles insondáveis mamíferos, como também com outros animais e seres visíveis e invisíveis, até mesmo com as plantas que a cercavam, com algumas árvores distantes e com arbustos mais próximos, em uma misteriosa linguagem que deixava a impressão de ser ultra-universal, falada por todos os seres das mais diversas e inauditas espécies. Tais diálogos aparentavam tornar-se possíveis graças às meditações efetuadas por Aloncier.

A menina encontrava-se em um estado de exultante expectativa, pois no dia seguinte completaria 14 anos e, finalmente, seria a ela revelado, por seus pais, o segredo da origem de seu povo. Este, que era formado, em todo o planeta, por alguns milhares de habitantes (essa era toda a população planetária), vivia em perfeita integração e harmonia com a natureza, poder-se-ia dizer até mesmo que faziam mais que isso, que o povo era a própria natureza, assim como o são as plantas e os animais. Aloncier, no entanto, desejava conhecer a origem de sua espécie, de onde e como teriam vindo, o que havia ocorrido em seu planeta antes de seu nascimento, antes do surgimento da sua luminosa humanidade. Como seria seu planeta há milhões de anos atrás? Que seres teriam anteriormente existido? Isso tudo seria revelado integralmente no dia seguinte, e Aloncier aguardava em júbilo o decisivo instante....

E refletindo em todas essas coisas e contemplando em êxtase o fulgurante horizonte, Aloncier chorou, e suas lágrimas caíram na grama, e da grama passaram ao solo... E uma de suas lágrimas, a última que havia chorado, lágrimas que eram formadas por uma substância bem mais penetrante que as que conhecemos, foi muito longe terra adentro. Até que uma das moléculas dessa lágrima, penetrando incrivelmente no chão absorvente daquele planeta, entrou em contato com uma outra molécula que ali jazia há muitos milênios. A molécula da lagrima de Aloncier tocara uma outra molécula, que fora, em um tempo muito remoto, de uma estátua, qual seja, a estátua do “Laçador” da cidade de Porto Alegre.

04 novembro 2007

Ao Alto

dá-me tua alma
e tua bela mão etérea
vamos às alturas aéreas
pairar sobre as auras claras
do teu sono em sombra e sonho
sair à noite como aves
aves alvas sobre os mares
com tuas fadas em alta lua
a valsar por sobre as árvores
como silfos aos luares
mais ao alto com o vento
vento astral de branca estrela
a banhar tua face pálida
em teus lábios voam arcanjos
celestiais na luz dos raios
vamos!
aos largos astros do universo
com as asas
com as asas destes versos

24 outubro 2007

Soneto de Um Maldito

Ninguém vê a lava que me mata o sangue,
ninguém vê as asas que me encobre um corvo,
nem no lábio o beijo de um anjo torvo,
nem a cruz de erros de meu corpo langue...

Minha fada morre em um lago exangue,
minha estrela urra por um céu que é torto,
nos pulsos sinto um sonho grande e morto,
como querer que meu sangrar se estanque?

Sinto a tristeza de tudo que vejo,
trago em meus ombros um grave prejuízo,
das trevas do céu me caem os desejos...

Meus olhos te deixam escuros avisos,
horrores sussurram em todos meus beijos,
e chora um inferno em cada sorriso.

04 outubro 2007

A Noite Sobre as Casas

Eu retornava tranqüilo para minha casa sob aquela esplêndida noite de inverno, contemplando em elevada inspiração o esplendor constelado da abóboda celeste possuída pelas trevas santas do infinito. Como era bela, sugestiva e inquietante a visão microcósmica da infinitude do universo proporcionada pela soturna serenidade da madrugada. Que espetáculo aos espíritos sensíveis e mergulhados no mistério inefável do cosmos, com a insatisfação típica daqueles seres fartos da vida vulgar do cotidiano.

Tal era meu estado emocional, quando cheguei à frente de minha casa e avistei, sentado sobre a calçada da rua, Gustav, o meu gato de estimação. Percebi que o negro felino fitava com seus imensos olhos amarelo-esverdeados, com negras pupilas dilatadas, o espaço vazio acima dele. Aproximei-me, agachei-me ao lado do animal e tentei identificar o que é que ele olhava tão fixamente. Confesso que por mais que insistisse, não consegui perceber absolutamente nada. Não obstante, Gustav permanecia olhando acima, como que para o céu, aparentemente direcionando sua visão para algum ponto sobre a residência de um de meus vizinhos. Em seguida, passou a girar seu pescoço rapidamente de um lado para outro, dando a entender que acompanhava algum movimento oculto e frenético. Seria algum inseto, algum morcego, alguma ave noturna que meus olhos humanos não conseguiam discernir por entre a escuridão?

Fixei intensamente minha visão, tentando obter o máximo de concordância com a direção do olhar do gato, mas prosseguia sem perceber nenhum tipo de movimentação na densa atmosfera da noite. Talvez o leitor considere muito esquisita essa minha insistência em desejar saber o que o gato olhava, porém, se soubesse e entendesse o meu estranho caráter, bem como meu estado de espírito naquele instante, a minha doentia fascinação por tudo o que é misterioso e desconhecido, mudaria rapidamente de opinião.

Estava, portanto, decidido a perceber, a ver a mesma coisa que Gustav. Este, de repente, levantou-se e disparou para o fundo do pátio de minha casa. Fui atrás do bichano. Lá, ele novamente sentou-se e manteve sua fixação em algum ponto sobre o telhado dos vizinhos do lado esquerdo. Sentei-me ao seu lado e também direcionei meu olhar ao aparente vazio em questão. No princípio, nada divisei, porém, conforme os minutos passavam, fui entrando lentamente em uma espécie de letargia, mantendo, no entanto, minha consciência direcionada ao espaço noturno sobre a casa dos vizinhos. Minha concentração intensificava-se mais e mais, a um nível aterrador eu diria, a um nível de suprema perturbação psíquica... Iniciei a ser invadido por uma sensação de aflita expectativa, por um inexplicável medo do desconhecido, todavia, era uma sensação deleitosa ao mesmo tempo, ou seja, sentir medo causava um imenso prazer em minhas emoções anormais.

Enquanto permanecia naquele estranho estado, acompanhado por meu amigo gato, em uma terrível concentração, percebi que as trevas noturnas sobre a casa dos vizinhos começavam a apresentar certas luminosidades como raios que tenuemente desciam e subiam aos céus. Aos poucos, aumentou o diâmetro daqueles raios, formando então algo como colunas de uma luz esbranquiçada e cintilante que se intensificava cada vez mais. Acredito que estava visualizando um intercâmbio de determinado tipo de energia espiritual entre a casa, ou entre os moradores dela, e certa região ou dimensão ignota do cosmos. Em seguida, ao lado das fosforescentes colunas de luz, vislumbrei o canhestro surgimento de vórtices igualmente luminosos, redemoinhos energéticos que cresciam em vários pontos da escuridão da noite sobre aquela residência, até atingir a circunferência aproximada de uma bola de futebol. Logo, naqueles vórtices, identifiquei uma espécie de claridade diversa, de pequenas descargas elétricas que os atravessavam incessantemente, como algum campo energético.

Para meu maior assombro, verifiquei que as colunas luminosas e os vórtices elétricos também principiaram a surgir na noite sobre outras casas das imediações, inclusive na minha. Em menos de uma hora, creio, em uma noção puramente psicológica, eu contemplava extático uma constelação, não de estrelas, mas de enigmáticos redemoinhos de uma eletricidade perturbadora e de um sem-número de colunas etéreas que subiam e desciam em uma estarrecedora e incompreensível comunicação cósmica.

Entretanto, poderia ainda dizer que sentia real prazer em contemplar aquela mirífica visão, o que iniciou a deixar de ocorrer, quando vi alguma coisa, ou algumas coisas, saírem de dentro das casas, pelo telhado. Eram almas, creio eu, as almas dos meus vizinhos adormecidos. Vi seus espectros, idênticos aos físicos, flutuarem na noite, ligados, acredito, pelo famoso Cordão de Prata, que se alongava em infinita elasticidade etérea, pois vi uma fantástica linha branca e brilhante conectada aos espíritos de meus vizinhos.

Logo, após saírem das residências, algumas almas desapareceram nas colunas de luz, e outras penetraram em alguns daqueles vórtices assombrosos, igualmente desaparecendo. Outras almas ainda, a maioria delas aliás, desciam no escuro da noite. Olhando com mais atenção, identifiquei abaixo, próximo ao solo, uma outra categoria de redemoinhos elétricos, com descargas de uma eletricidade de um rubro-amarelo mórbido, lugubremente doentia. Nesses sinistros vórtices penetrou a maioria dos espíritos que eu havia avistado. Aflito pela maligna sensação que aqueles vórtices de luz sangüínea tinham-me suscitado, refletia no destino que aquelas almas poderiam ter tomado.

Meu singular assombro tornava-se mais denso a cada minuto que transcorria, e creio ter chegado ao ápice quando vi aquele ser negro sair de dentro de um dos vórtices bem acima da casa de meus vizinhos do lado esquerdo. Não era, no entanto, um dos vórtices sanguinolentos, mas um dos luminosos de correntes elétricas fosforescentes. O ser que dele surgiu assemelhava-se a um anjo, a um anjo sombrio porém, possuindo imensas asas negras e ameaçadoras. Seu rosto, de traços belos e graves, esbranquiçado e com grandes olhos negros, tinha algo de feminino e de melancólico, transmitindo uma profunda e triste serenidade, uma impassibilidade inalterável que assustava e suscitava um profundo respeito. Havia algo de implacável, de inexorável naqueles fundos e gélidos olhos... O ser pairou pela noite adejando suas longas e arrepiantes asas. Trazia em sua mão direita um instrumento que não pude identificar. Em seguida, atravessando etereamente o telhado da casa dos vizinhos, desapareceu, entrando em alguma peça da residência.

Instantes depois, o sombrio ser reapareceu nos ares noturnos, agora acompanhado por alguma alma. Percebi que esta era a senhora Valquíria, mãe de meu vizinho, uma senhora já idosa e que há vários meses sofria de uma incurável enfermidade. Fixando ainda mais minha atenção, verifiquei que a senhora não apresentava o Cordão de Prata como os outros espíritos que vira. Concluí, portanto, que estava morta. Então pude identificar o objeto que o anjo negro portava: era uma foice. Aquele ser sombrio era a Morte. Ambos entraram em um dos vórtices fosforescentes e desapareceram de minha visão.

Depois disso, um verdadeiro medo apossou-se de meu coração. Por instantes, ainda mais uma vez, refleti sobre qual seria o destino de todas aquelas almas que penetravam ou nos vórtices luminosos ou nos redemoinhos sanguinolentos, ou ainda nas colunas de luz que ascendiam e desciam irrefreavelmente entre o céu e a terra.

Foi nesse momento que pressenti algo de estranho, ainda mais estranho, ao meu redor... algo como uma presença muito próxima... Mas uma presença profundamente consoladora e reconfortante, irradiante de um sentimento... maternal! O medo que de mim se apossara foi gradativamente se dispersando, mas não ousava olhar para o lado, estando certo que ao fazê-lo enxergaria algo absolutamente insólito... Foi então que uma terna e delicada voz celestial soou suave em meus ouvidos, dizendo:

- Por que, meu filho, tens medo de olhar para tua Mãe, não tua mãe física, mas a Mãe da tua Alma, que está e estará eternamente contigo? Tenho infinidades de maravilhas para dizer-te e mostrar-te, mas, por enquanto, deixo somente esta verdade, que sei que saberás compreender além da mente: não esqueces que um dia deverás morrer.

Nisso, a voz calou-se, e senti que a feminina e carinhosa presença desapareceu, não sem antes deixar-me em um profundo estado de paz e serenidade que jamais olvidei... E assim, abandonei o estado letárgico, voltando à vigília convencional. Não mais divisava nem vórtices nem colunas luminosas. Gustav já não estava o meu lado. Fui, então, deitar-me. Adormeci refletindo e sonhando com aquele ser maternal e com as coisas que ela teria a mostrar-me... compreendendo sua mensagem... deveria ir até Ela... E quantos segredos e mistérios, naquele preciso instante, pululavam na noite sobre as casas de todo o planeta...

17 setembro 2007

Chegará o Dia

sentirei a luz da morte
a tensão das asas do sonho
a aurora sob relâmpagos
o ocaso de meu sol medonho
todo o terrível prestes a vir
a beijar a voar a dormir

estrelas do longe em vapores-saudade
sussurros de passos nos sinos noturnos

anjos em sombras da mata
lua aos cabelos na água
noite profunda em teu pranto
vôo-desejo! amor e espanto!
veneno de flores bebendo nos ares
catástrofe e febre em alma-magia...

enfim
antes do fim
dos dias que desfolho
chegará o dia
em que sentirei tudo
o que há nos teus olhos

Poema Agradável para Vencer Concursos

Eu sou feliz.
blá blá blá
blá blá blá...
(blá blá blá positivo)

Tu és feliz.
blá blá blá
blá blá blá...
(blá blá blá certinho)

Ele é feliz.
blá blá blá
blá blá blá...
blá blá blá saudável)

Então
vamos unir nossos blablablás
e fazer o mundo inteiro FELIZ!!!

30 agosto 2007

A Misteriosa Aproximação

"Furioso delírio se apossava de todos os humanos, e, com os braços rigidamente estendidos para os céus ameaçadores, todos tremiam e bradavam desesperadamente... E assim tudo se acabou."

Edgar Allan Poe

O maior erro da humanidade é o esquecimento. Esquecemos o que há de mais vital, tudo se perde nos vendavais do tempo. Como escreveu certo sábio, “Não aprendemos as lições da vida nem a canhonaços”. E se esquecemos os “canhonaços”, como lembrar de discretos sinais que parecem nos dizer tão pouco, leves insinuações do desconhecido? No entanto, tais sinais, que falando pouco dizem muito, estão constantemente presentes em nossas vidas, e, muitas vezes, nem os percebemos. E quando o fizemos, logo são completamente deixados de lado, como se por serem tão “pequenos” e passageiros não merecessem maior atenção. Assim é o ser humano, sempre desprezando o que é sutil... Mas... a que preço?

Se dispensássemos a devida atenção aos sinais, compreenderíamos, por exemplo, o porquê de na mitologia nórdica o deus supremo Wotan ter necessitado morrer enforcado em uma árvore sagrada para adquirir conhecimento, e, no cristianismo, Cristo ter necessitado morrer crucificado para finalizar sua doutrina. É claro que tais sinais são profundamente simbólicos. E com a misteriosa Aproximação não foi diferente; também se manifestou a princípio com sutis sinais bem pouco reconhecíveis, sinais enigmaticamente simbólicos.

No princípio surgiu uma estrela. Uma estrela nos céus do hemisfério sul que brilhava um pouco mais que o convencional, qualquer indivíduo que olhasse para os céus no começo da noite já perceberia o intenso e intrigante cintilar daquele incomum eastro. Porém, naturalmente, ninguém deu atenção ao fato, e tudo foi considerado como absolutamente normal. É claro que este não foi o sinal único que funestamente prenunciara a devastadora Aproximação, muitos outros ocorreram, todos igualmente imperceptíveis para a quase totalidade da humanidade, mas creio ser desnecessário mencioná-los agora.

O certo é que conforme a Aproximação se concretizava, lentamente, imensas tragédias, catástrofes, desastres, fossem eles naturais ou provocados pelo homem, foram se desencadeando, em um ritmo mais e mais acelerado. Até que em certo dia extremamente aziago para a raça humana, Ele foi visto pela primeira vez, ao longe, como um outro sol que surgia no horizonte carregado de maus-presságios. E então, todos os engodos das autoridades e dos senhores responsáveis por nossa mal fadada ciência caíram por terra. Restou tão-somente a trágica realidade dos fatos, e a Aproximação daquilo que brilhava sinistramente diante dos olhos estupefatos da humanidade doente.

A partir desse instante, o medo, o pânico, o desespero absoluto dominaram os seres humanos, compreendendo-se definitivamente que a situação era muito mais grave do que se poderia imaginar. Pior do que isso, era catastroficamente inexplicável.

À medida que a misteriosa Aproximação tornava-se mais e mais visível, gigante, ameaçadora, em todos os cantos da Terra procurava-se encontrar respostas e possíveis soluções para o que estava ocorrendo, porém, não se dava um passo a frente, talvez, só para trás. Pensou-se, por exemplo, em utilizar-se poderosíssimos artefatos nucleares para evitar-se a tragédia maior, o que se revelou um imensurável desastre. Enfim, só o que se pode afirmar é que todos os intentos e planos e invectivas do homem para se evitar o inevitável resultaram em trovejantes fracassos.

Os anos foram passando de forma arrastada e lúgubre, enquanto a humanidade afundava-se em um estado caótico de verdadeiro horror. Gradativamente, os homens foram sucumbindo em meio à mais atroz loucura coletiva já presenciada, em um desespero de se arrancar os cabelos. Descrever aqui todo o horror vivenciado naqueles dias seria algo impossível... e absurdamente cruel.

Só o que posso dizer é que a intensificação de todas as espécies de catástrofes, as mais inimagináveis, as mais absurdas, as mais devastadoras desencadearam-se na exata proporção matemática da sinistra Aproximação. Na dantesca ignorância sobre o que estava ocorrendo, compreenderam então os homens que todas as suas certezas sobre suas próprias existências não tinham mais o menor sentido, tudo se desmoronou de uma hora para outra. E a humanidade engolia em seco sua ilusória segurança da estéril racionalidade.

E o terror cósmico da Aproximação concretizou-se de forma canhestramente fantástica. O pavor reinava absoluto para onde quer que se olhasse, já que nosso céu já não era nosso céu, era outro, um monstro tenebroso. Ali estava Ele, inaceitável imensidão alienígena, em sua órbita elíptica gigantesca, em sua verdade descomunal e cíclica. Na sua esmagadora opressão atmosférica e gravitacional, todo o sangue da Terra voou pelos ares, inflamou-se ao extremo a alma planetária, e sua febre de doente terminal derramou-se como lava sobre seus filhos em negra decadência.

Era a Aproximação do Terror inominado. E toda a abóbada celeste incendiava-se em um fulvo-escarlate de um vivo e marcial vermelho enegrecido.

Mas por agora... sou um louco que não devo ser levado a sério.

18 agosto 2007

Prefiro a Morte

se a vida
é esse amontoar-se de coisas
esse arrastar-se de moedas
esse comprar-se de tudo...

se a vida
pra se dizer que se vive
é se acabar dia e noite
ao se enfurnar num emprego
pra se enganar a si mesmo
inflando a conta de cifras...

se a vida
é ter "sucesso na vida"
sem ter sentido pra nada
pra vomitar mil estresses
se viajando pra praia
se é disfarçar a miséria
de não ter nada na alma
só consumindo e comendo
e no final em marasmo
entendiar-se de tudo...

se é pôr uns filhos no mundo
pra se aguardar a desgraça
e não ter tempo pra nada
se é ser robô programado
a ser igual sempre a todos
sem questionar o que é "certo"
e sem sonhar como um louco...

se é não parar por um pássaro
se é não fitar-se uma flor
se é não sentir-se um poema
se é não olhar-se pra o céu
se é não chorar uma música
não se perder por amor...

se a vida é viver como morto
e não zombar-se da sorte...
perdoa, sensato leitor...
mas eu prefiro a morte.

12 agosto 2007

Trecho de um Texto Ocultista de Fernando Pessoa

"...Creio na existência de mundos superiores ao nosso e de habitantes desses mundos, em experiências de diversos graus de espiritualidade, subutilizando-se até chegar a um Ente Supremo, que presumivelmente criou este mundo. Pode ser que haja outros Entes, igualmente Supremos, que hajam criado outros universos, e que esses universos coexistam com o nosso, interpenetradamente ou não..."

06 agosto 2007

Cátástrofe (um poema à minha cidade)

na minha cidade
não há catástrofes:

não têm tornados
não vêm ciclones
nem furacões
não têm vulcões
nem terremotos
nem tsunamis
nem bomba atômica
enfim...

é que estão todas elas

Todas!

devastando meu peito
dentro de mim

29 julho 2007

Comentário do escritor Moacyr Ferraz

Este é um comentário deixado pelo escritor Moacyr Ferraz no site Recanto das Letras sobre o conto "O Fim Inaceitável de Cada um de Nós" (aqui postado abaixo):

"Caro Alessandro. Mais uma vez você dignifica seu posto de um dos maiores escritores do Recanto das Letras. Seu estilo de escrita, na forma de crônica em primera pessoa, é um dos mais complexos e difíceis. Consequentemente, o que menos resulta em bons contos. Mas seu talento consegue fazer de suas palavras obras de arte literária. Somente um tolo não conseguiria notar a profundidade existente em suas linhas; elas traduzem uma angústia que só um futuro grande mestre é capaz de imprimir. Parabéns por mais uma pérola!"

24 julho 2007

Poemas do Término e Contos do Fim XXV

Foi lançado dia 20/07/07 o nº25 do zine literário Poemas do Término e Contos do Fim, contendo o conto "A Peste do Beijo" e os poemas "Lobo e Crepúsculo", "Ao Sono", "Soneto Ultra-romântico", "Ser", "Poema ao Frio" e "13 Versos". Em Santiago, o zine pode ser encontrado nos seguintes pontos: locadora Fox Vídeo, Locadora Classic Vídeo, Ponto Cópias, Biblioteca Municipal e Biblioteca da URI. Também é distribuído nas seguintes cidades: Santa Maria/RS, Santo Ângelo/RS, Curitiba/PR, São Gonçalo/RJ, Salvador/BA e Goina/PE. Por correio, pode ser enviado para qualquer ponto do Brasil ou exterior. O zine é gratuito.

Extraterrestres na Pintura Antiga II


Na ampliação da pintura abaixo pode-se notar que o objeto faz parte do contexto da tela. Observe a luminosidade representada pelo autor. Note também que uma pessoa observa o objeto cobrindo o rosto com as mãos, devido à luminosidade do mesmo. Ao lado da testemunha existe um cachorro em posição de alerta. Clique no título deste post para acessar o link e conferir esta tela e várias outras muito intrigantes, no mínimo.

Extraterrestres na Pintura Antiga


Existem um sem-número de pinturas antigas e arqueológicas onde ocorrem imagens de objetos voadores não-identificáveis. Uma delas é esta, "A Madonna e o Menino" (séc. XV)

Esta pintura encontra-se no Palazzo Vecchio, em Florença, Itália. A autoria deste quadro é atribuída a Fillippo Lippi. Note o estranho objeto acima do ombro de Nossa Senhora.

20 julho 2007

Ainda...

não me podem acabar...

que se macularem minha vida
com todos os erros do mundo
ainda terei o meu sangue...

que se envenenarem minha sina
com todas as sortes humanas
ainda terei minha luta...

que se sepultarem minhas obras
com todos os risos dos séculos
ainda terei minha força...

que se derramarem meu sangue
com todas as mortes da vida
ainda terei minha alma...

13 julho 2007

O Juízo Final - Hieronymus Bosch


Sombrios Versos à Luz

imortal
luz do cosmos
luz dos fogos

luz dos olhos
de quem ama
luz de chama

luz astral
luz de Goethe
quando morre

que me escorre
à luz-lágrima
de quem sonha

à luz-selvas
entre danças
e que salvas

luz em valsas
borboletas
e mães-d’águas

vaga-lumes
nessas almas
vale em noite

luz da lua
em fantasmas
que flutua

mais ao alto
luz de raios
raio em astros

sol de estrela
luz de arcanjo
com clarim

luz-além
luz vermelha...

Luz do Fim.

06 julho 2007

Soneto a Ela

E paira alta grandeza sobre as nuvens
e pesa mau destino sobre os homens.
Em negro mundo os anos se consomem
e mais clara em tua alma tu nos surges...

Caem raios das horas que refulges,
como sonhos de morte que em mim somem
como fins teus ocultos que há em Beethoven
como sombra em ti fêmea viva em luzes...

Tua voz nas tormentas que há nos céus,
teu olhar cataclísmico nos vela
nos sinais do Infinito dos teus véus...

E por ser Una, arcanamente bela,
alguém dirá talvez que vós sois Deus,
mas eu canto que vós sois no Eterno Ela...

30 junho 2007

Contradição

deixar-te-ei contemplando
o rosto claro das existências
para mergulhar pelas sombras
que mantêm vivo teu rosto
onde os olhos estão sem ver
como sol rubro que brilha
sem brilhar nas cavernosas nuvens

gotejarei meu ouvido anímico
no que jamais se ouve por cantar tão alto
que se esconde sob o transparente
no futuro avanço que há muito passou
e que volta novo para os velhos cegos

irei dedicar minha vida e mônada
para todo oculto onde vive a morte
e se ri do olho que não vê sua vida
que sustém a boca que lhe é ingrata
que vai muito longe dessa mão que alcança

nessa minha insânia que já vê o óbvio
de como é acima é abaixo como é abaixo é acima
além das faces eu conheço almas
além da terra eu vivo no cosmos

deixo-te com as certezas
da cegueira do teu Real
para alcançar verdades
nas visões de meu olho em Sonho

19 junho 2007

A Terrível Responsabilidade

Desde que principiei a publicar meus escritos, sempre abordei de forma dramática a destruição planetária e o destino da humanidade, e, muitas vezes, fui acusado de ser exageradamente apocalíptico. Agora, que a ONU divulgou seu alerta sobre a real ameaça do aquecimento global, todos parecem ter entrado no “clima de fim”. Entretanto, sempre manterei minha coerência e prosseguirei tratando de tais assuntos não por modismos, mas pelas convicções que sempre tive.

Por isso inicio este texto com as palavras de um gênio sempre coerente, Einstein: “A vida é como jogar uma bola na parede; se for jogada uma bola azul, ela voltará azul. Se a bola for jogada fraca, ela voltará fraca. Se a bola for jogada com força, ela voltará com força.” O que afirma o sábio parece ser óbvio, no entanto, não é percebido pela maioria absoluta da humanidade, que não assume a responsabilidade de seus atos. O aquecimento global é somente uma “volta da bola”. E o que de mais terrível há em tudo isso é que não podemos fugir dessa lei cósmica, esse é o verdadeiro horror que aos poucos irá tomando conta da humanidade, da mesma forma que toma conta, quase imperceptivelmente, do homem que se aproxima da morte.

Todos temos nossas responsabilidades referentes ao meio em que estamos inseridos. Por que seria diferente com relação ao cosmos? Porém, intenta-se fugir a essa responsabilidade cósmica de variadas formas: negam-na, como o imbecil que nega e ri de tudo o que desconhece e/ou não quer conhecer, enfeitam-na com um sem-número de teorias “apaziguadoras” falsamente espirituais, entram para religiões que garantam um salvador externo que tudo perdoa, ou ainda apegam-se na crença simplória e grosseira do “morreu, acabou”, isentando-se assim de qualquer responsabilidade, intentando separar-se definitivamente das leis universais, aniquilar a si próprio. Neste último caso, a única atitude existencial que não seria contraditória seria jogar-se em um leito de hedonismo e chafurdar-se nos ditos “prazeres da vida”. E é exatamente esse último caso que impera, dissimulada ou abertamente, na humanidade, e seu reflexo aí está.

O homem, consciente ou inconscientemente, sempre teme o que desconhece, e a melhor proteção contra esse temor é negá-lo ferrenhamente e abarrotar-se de teorias estéreis que procuram justificar que tudo o que não pode ser abarcado pela “segurança” de nossas mentes é absurdo, simplesmente não pode ser, não deve existir. Assim é com essa responsabilidade cósmica a que me refiro: “não a conheço, não a aceito, logo, ela não existe”. O próprio Kant genialmente chegou à conclusão que há limites para mente, que ela não pode conhecer o que está acima dela. A partir daí, outro conhecimento é necessário.

Muitos entendem como conhecimento apenas o que é mentalmente captável, intelectualizável, o que se pode conceituar, creio que devido ao fato de esse ser um conhecimento que transmite uma ilusão de segurança. Já eu não vejo assim. Entendo, por exemplo, que uma sinfonia de Beethoven, um quadro de Da Vinci, um poema de Goethe podem transmitir tanto ou mais conhecimento, através da emoção superior que fazem vibrar em nosso ser, do que todo um tratado teorizável.

Para mim, conhecimento não é sinônimo de intelectualização, pelo contrário, o verdadeiro saber não é transmissível via intelecto, por teorias, mas pela vivência do mesmo. Claro que esse é um conhecimento particular, intransferível, está acima de decodificações mentais, não depende do alcance das máquinas que o dinheiro constrói. E exatamente por isso, respeita e engrandece a liberdade humana, não dá receitas, não restringe a verdade a esta ou aquela teoria, a este ou aquele autor. Tal conhecimento apenas convida a ser vivido (como uma sinfonia convida o ouvinte a senti-la, sem explicar-se) e, assim, compartilhado. E essa responsabilidade cósmica a que me refiro insere-se nesta espécie de conhecimento, não pode ser teorizada, mas pode ser percebida por aqueles que captam através de inúmeras manifestações do saber universal, e a arte é um exemplo, o seu papel dentro da esfera maior do cosmos.


Uma responsabilidade existencial só pode ser plenamente conhecida quando se compreende que a vida não está só no que se vê vivendo, mas em todas as “teias ocultas” que tornam ela possível. Há vida em um planeta como em um átomo, porém nós, cegos, não vemos. Um outro sábio alemão, Novalis, escreveu que “O curioso é que estamos mais ligados ao invisível do que ao visível”. Contudo, a humanidade não quer saber de responsabilidades “invisíveis”, para ela, tudo já está muito claro... ou escuro como uma caverna... E, afinal, como sentenciou Dante: “nas coisas muito secretas devemos ter pouca companhia”.

04 junho 2007

Adolphe - William Bouguereau


O Ser Feminino

Mais uma vez chegara o detestável verão. No entanto, ele trazia-me um consolo: era a época em que iria para a fazenda de meus avós, o que significava ausentar-me momentaneamente do lodo da cidade. Meu estado de espírito melhorou substancialmente logo ao primeiro contato com os ares campestres, e chegando àquela antiga morada carregada de mágicas ancestralidades, esqueci quase que por completo minha lamentável existência urbana.

Após um dia inteiro passado no campo vivenciando profundas e inigualáveis sensações que somente a natureza imaculada poderia proporcionar-me, retornei quase à noite para o casarão, situado em meio a uma infinidade de árvores frutíferas. Depois de um saboroso e restaurador jantar, sentamo-nos eu e meus avós na rústica e singela sala, impregnada de arcaicas recordações da infância, onde meus avós principiaram a contar por inesquecíveis minutos as suas vetustas histórias de assombrações, fantasmas, seres monstruosos e outras aparições enigmáticas, maravilhas das experiências dos mais velhos, sempre ignoradas ou ridicularizadas pela “pós-moderníssima” civilização decadente. Mas quanto a mim, tudo isso me atrai e fascina terrivelmente... Leva-me para outro tempo e espaço, sinto-me mergulhado em outro mundo, que, naquele instante, poderia ser o da minha infância, o mundo dos sonhos ou outras dimensões sobrenaturais... E fui deitar-me sob aquele teto que exalava o cheiro do passado, entre aquelas paredes que pareciam saber de arcaicos segredos perdidos no tempo, imerso naquele ambiente denso e saturado de espectros da antigüidade, recordando-me inquieto e encantado de todos os possíveis mistérios daquelas “histórias extraordinárias”.

Na manhã seguinte, levantei-me cedo e, após um breve café, parti entusiasmado para o campo. Passadas algumas horas de lenta caminhada por uma extensa mata, penetrei em um local um tanto não-familiar, bastante diferente daqueles que já conhecia. Aquele ambiente transmitia-me, devido à sua estranheza, certo receio de avançar, mas resoluto e sedento por novas emoções, passo a passo fui adentrando mais e mais por entre aquelas sombrias e centenárias árvores. Minutos depois, pensei ter avistado, em uma clareira à frente de onde me situava, um vulto semelhante ao de uma mulher. Aproximei-me e pude divisar por entre os vastos arbustos uma belíssima jovem, de uma beleza fascinante, invulgar, assombrosa, que me impressionou no íntimo da alma. Possuía longos cabelos lisos de uma cor indefinida, ora parecendo castanhos, dourados, às vezes de um louro acinzentado e brilhante e, em outras vezes, verdadeiramente prateados. Sua pele era estranhamente branca, e seus olhos de um inadmissível azul-marinho, às vezes pendendo para o lilás. Seu rosto era absolutamente perfeito, impossível imaginar maior perfeição em uma mulher. Seu corpo apresentava formas completamente definidas e delineadas, pelo menos no que se podia discernir através do belo e simples vestido azul-celeste que trajava.

Aquela jovem angelical, bela e esquisita, colhia flores de uma árvore de floração vermelha intensa, quando, creio, ouviu o som de meus passos. Nisso, largou as flores e entrou rápida e graciosa na mata. Tentei segui-la, mas em questão de segundos desapareceu como que por encanto. Não consegui, apesar de minha insistência, encontrar nenhum sinal de para onde ela poderia ter ido, não havia vestígio de pegadas ou do que quer que fosse.

Cansado e decepcionado, resolvi retornar à fazenda. Na volta, tentava explicar a mim mesmo quem seria aquela jovem mulher tão bela, de onde viera, para onde fora. Sabia que não havia outros moradores próximos à fazenda de meus avós, e aquela mulher não poderia ter vindo de muito longe. De imediato veio-me à mente a lembrança de uma das narrações de meu avô, em que havia a aparição de belas mulheres que surgiam nas matas e desapareciam entre as águas dos rios. Disse-me ele que os antigos temiam as mesmas, pois se acreditava que elas carregavam as pessoas que delas se aproximavam para o mundo dos mortos. Seria a história mais que uma fantástica lenda? Era no que refletia... A jovem era de uma beleza realmente sobre-humana, não poderia ser normal...

No dia seguinte e nos próximos sete dias que estive no campo, saí à procura daquele esplêndido ser feminino, impossível esquecer tão prodigiosa beleza. No entanto, apesar de minhas infatigáveis buscas por pradarias e bosques, não percebi o menor indício da jovem. Porém, no último dia de minha estada na fazenda, já à tardinha e quando voltava desiludido ao casarão, ela surgiu diante de mim como uma materialização, saindo de atrás de uma enorme árvore. Olhou-me e sorriu deslumbrantemente, indicando que eu a seguisse. Fascinado e boquiaberto, não hesitei. Corri por entre a mata como um lunático, lutando para não perdê-la de vista, até que ela se deteve à beira de um fulgurante riacho. Estaquei como um demente diante de tanta ternura e beleza veneráveis e, embora cheio de dúvidas, não consegui articular uma palavra. A bela, então, com uma inefável voz de anjo, a mim dirigiu-se:

- Bem-vindo, jovem visitante. Este é meu lar. Aqui vivo com minha família há centenas de anos. Sei que tens me procurado, e como simpatizei muito contigo, decidi apresentar-me. Sou um espírito das águas, um elemental, uma ondina. Ficaria imensamente feliz se viesses sempre me visitar, és tão bonito. Por favor, diz alguma coisa, desejo tanto ouvir tua voz... Queres saber meu nome? Oh, não consegues falar! Eu já esperava. Bem, então agora, deves voltar à tua casa, para pensares melhor em mim... Vai, belo humano, mas saibas que desejo que voltes. Sim, voltarás, e hei de ouvir tua voz... Leva o meu beijo...

Após ser beijado por aquele ser etéreo, senti-me como que na presença de deusas celestiais... Porém, em segundos, e sem que eu proferisse uma única palavra, a inenarrável mulher, voando como um anjo, mergulhou nas águas cristalinas do riacho e desapareceu definitivamente de meus olhos. Nem soube seu nome. Como era quase noite, mesmo contrariado, tive que voltar à fazenda, em estado de êxtase e, simultaneamente, de uma funda e cortante tristeza. Tristeza, porque no dia seguinte deveria retornar à cidade. Quando tornaria a vê-la? Desgraçadamente, impostergáveis compromissos aguardavam-me, teria que abandonar minha amada ondina. Naquele momento detestei e amaldiçoei com todas as forças a vida comum e vulgar do homens, seus odiosos compromissos, seus empregos e trabalhos inúteis e mecanizantes, a monotonia insuportável daquela vida materialista, estressante, aniquiladora dos fundos sentimentos e da real espiritualidade.

Retornei à cidade. Passado um mês, já me era intolerável minha existência urbana. Todos os meus pensamentos e emoções dirigiam-se a um único destino: a ondina. Cada minuto vivido na cidade, desperdiçado com os assuntos corriqueiros do cotidiano, considerava como um minuto a menos que poderia ter passado ao lado dela. Estava farto de ver aquelas mesmas pessoas mesquinhas e insensíveis, que somente viviam para a inveja, para a vaidade, para a cobiça. Não tinha mais nada a dizer a nenhuma delas. Só ansiava abandoná-las para sempre, esquecê-las de forma peremptória, bani-las de minha mente, para que nela ficasse a pura e esplêndida lembrança da minha querida ondina. Não sei exatamente que espécie de fascínio, de magia, de feitiço, de maldição aquele ser feminino fez recair sobre mim, mas seja o que for, obteve pleno sucesso. Encontrava-me a ponto de largar tudo, emprego, vida social, dinheiro, bens familiares para ir ao encontro da misteriosa jovem. Cometeria qualquer loucura para sentir novamente em meus lábios aquele beijo imaterial... Não desejava outra espécie de companhia, a não ser a da estranha menina, não desejava ouvir outra voz, a não ser a sua, tão límpida e elevada como uma Paixão de Bach...

De modo que em certa manhã, tendo planejado tudo em absoluto segredo, deixei meu derradeiro adeus à vida entre os humanos e parti desvairado para a fazenda. Estava pouco ligando para o que poderiam pensar a meu respeito quando soubessem de minha partida, deixei apenas uma carta explicando que necessitei viajar, mas não mencionei meu local de destino. Na verdade, nem mesmo meus avós souberam de nada, pois me dirigi direto ao local onde fora beijado pela ondina, que não saía de meus sonhos alucinados.

Chegando lá, larguei sobre a grama as poucas coisas que trouxera, sentei-me à beira do riacho e aguardei o surgimento do belo ser. Permaneci assim durante todo dia e toda noite, sem dormir, mas ela somente concedeu a graça de sua visão no dia seguinte, próximo ao meio-dia. Desde então, nos 14 dias subseqüentes, não arredei pé do local nem por segundos, contemplando hipnotizado aquele ser magnífico, ouvindo suas miríficas canções de mágica dramaticidade, numa expressão de sonhos... No primeiro dia que a vi, minha idolatrada ondina surgiu na forma de uma intensa luminosidade azul-cintilante, para logo assumir seu comovente aspecto físico. Recebeu-me com um beijo que não saberia descrever. Em seguida, cobrou-me que ainda desejava ouvir minha voz. Satisfiz seu desejo declarando meu insignificante nome e confessando o que sentia por ela, as loucuras que cometi, meu absoluto fascínio que tem me carregado nas garras da insânia. Ela olhou-me fixamente e expressou tão terno sorriso que me transportou a esquisitas sensações oníricas...

Impossível descrever cabalmente as experiências que vivenciei naqueles dias. Conheci sua família, todos seres absurdamente belos, além de outros entes fantásticos, como as sílfides, elementais do ar, que pairavam sobre as águas do rio. Nem mesmo em meus mais febris sonhos poderia imaginar-me viver enlaçado em tão mágicos beijos e abraços... Contudo, ao final do 14º dia, a ondina soprou-me aos ouvidos:

- Em breve, os humanos virão, poluirão este rio, devastarão esta floresta, destruirão nosso imaculado lar. Devemos partir. Hoje iremos para outras regiões do universo. Tu irás conosco. Vem, dá-me tua mão.

Obedeci. E, rápidos como a luz, viajamos para ignotas regiões... Sei que, passados alguns dias, meu corpo foi encontrado à beira do riacho. A causa de minha morte foi identificada como “inanição”. Morri de fome, há duas semanas não me alimentava. Os leitores considerarão este relato absurdo. Eu considero absurdo o destino que me aguarda...

30 maio 2007

13 Versos

Trago nos olhos uma marcha fúnebre
à humanidade que caminha pútrida,
e a mão que acena de caveira esquálida
a um hino roxo de um final que é trágico.
A tua desgraça, ó mundo humano, é júbilo
pra quem de horror já traz em lava o espírito
e viu à morte os altos gênios - mártires!
que pra te erguer verteram sangue e lágrimas.
Homem acabado, sinto miasma e túmulo
pra te enterrar em teu dantesco báratro
e erguer a flâmula em teu lixo cósmico.

A ti eu deixo o meu adeus de Hercólubus
e parto só pra contemplar o Término.

Alessandro Reiffer

20 abril 2007

O Olho no Relâmpago

Acordei-me estranhamente sobressaltado. Consultei o relógio, exatamente 3h51m da madrugada. Havia sonhado com inenarráveis imagens exacerbadas, febris, em uma profunda atmosfera de iminência. Não revelarei ao leitor tais imagens. Como disse, são inenarráveis. A noite era gelada, sombria, e um vento intenso e inquietante varria os ares numa fúria insana. Mas havia algo de anormal naquele quase vendaval. O som que produzia não era tão-somente uivos e gemidos típicos do Minuano invernal, eram vozes, algumas, com características humanas. Sim, tenho certeza, posso afirmar ao leitor que nitidamente ouvi ressoar pela noite o meu nome. Alguém me chamou, era uma voz suave e etérea, melíflua, uma celestial voz feminina. E sei que provinha do vento. Mas não era a única. Outras vozes vibravam medonhas nos meus tímpanos. E estas, absurdas, hediondas, martelavam sobrenaturalmente macabras. Como disse, não eram os naturais uivos do vento. Eram lamentações deprimentes, gritos humanos e inumanos em uma língua para mim desconhecida, grunhidos infernais, cavernosos, como que oriundos de infandas cordas vocais de bestas e monstros, vociferações guturais de imundos demônios.

Levantei-me. Naturalmente, estando eu profundamente inquieto (mas não amedrontado), queria saber a origem daquelas vozes e, ainda mais, quem clamava por meu nome através do vento. Abri a janela. Para meu íntimo assombro, não havia nenhuma das características do local onde me encontrava, ou pelo menos acreditava, e tinha certeza, encontrar-me no instante em que fui dormir. Somente minha casa ainda permanecia; das restantes, simplesmente, não havia o mínimo vestígio. Sob a noite negra, meus olhos atônitos contemplavam uma planície desolada e sem fim, melancolicamente vazia, seja de construções, objetos ou seres. Porém, discerni, quebrando a insuportável monotonia uma estreita e interminável estrada cruzando a planície hedionda. Digo estrada pelo fato de que possuía uma coloração diversa do restante da planície, apresentando tons mais claros e acinzentados, enquanto as regiões que a cercavam tinham uma tonalidade escura, violácea.

Olhei para o céu. Empalideci e o sangue gelou-me nas veias, quando presenciei tão pungente horror: creio que podia “ver” o vento. Os sons demoníacos que me perturbavam originavam-se de uma hoste de espíritos, ou qualquer tipo de seres incorpóreos, imateriais, infestavam todo o espaço noturno. Não possuíam uma forma definida, constantemente metamorfoseavam-se em imagens absurdas, todas repulsivas, diabólicas, apresentando diferentes colorações, sendo a violeta, a negra e a amarela as principais. No entanto, eram cores doentias, do negativo raio do infravermelho. E aquelas... coisas eram o vento, ou estavam indissociavelmente amalgamadas a ele, pois eram elas que sopravam, erguendo enormes nuvens de poeira da terra despovoada e berrando e gemendo de maneira verdadeiramente perturbada. Pareciam também emitir uma opaca luz enfermiça, que transmitia uma sensação angustiante impossível de descrever. E eles cruzavam o céu freneticamente, formavam redemoinhos, faziam brilhar sordidamente determinados cantos do céu, em constelações infernais, em um espetáculo fantasticamente horripilante.

Não obstante tanto assombro, a voz feminina continuava invocando meu nome pela escuridão, e dela, infelizmente, ainda ignorava a origem. Intentei observar melhor entre os espíritos (ou entre o vento) com o propósito de identificar de onde ela provinha, mas foi inútil. Foi então que ao longe, no horizonte carregado, vislumbrei um imenso relâmpago, cuja luz feriu meus olhos de forma insólita, muito mais intensa e penetrante do que um raio comum, e, tudo levando a crer que a causa foi o próprio relâmpago, uma sugestão, uma estranha influência recaiu sobre minha mente... Ela impetrava-me irresistível desejo de descer até a planície, percorrer aquela trilha ominosa, imergindo-me entre os espíritos, no vendaval, até atingir o exato local do relâmpago, que de tempos em tempos repetia-se de forma absolutamente idêntica. E o fiz, desesperado, com a alma inflamada, segui como um louco o fulgor terrível e transcendental daquele relâmpago que ironizava minha sanidade...

Contudo, à medida que avançava na estrada cinzenta, o vento satânico principiou-se a acalmar, e seus entes informes, a desaparecer enigmaticamente. Considerei muito estranha tão repentina tranqüilidade. Não era a calma que sucede a tempestade, mas a que precede uma pior. Minha intuição alertou-me. Gradualmente, nas imediações da estrada, percebi formas engendrando-se das pesadas atmosferas. Eram seres humanos, às centenas, ou imagens dos mesmos. Ao meu lado direito, todos trajavam roupas de batalha, típicas da 2ª Guerra Mundial, com nefastos armamentos. Todos me olhavam sinistramente, com um ar de maligno deboche, e principiou-se uma cena aterradora de genocídio. Assassinavam-se mutuamente, com inimaginável crueldade, enquanto a mim gritavam: “Olha, esta é a humanidade, este é o homem!”; e degolavam seus rivais, arrancavam suas vísceras, metralhavam seus cérebros fazendo-os saltar aos pedaços; traziam mulheres não sei de onde e as estupravam brutalmente, mastigando seus seios e dilacerando seus órgãos genitais, enquanto seus filhos eram fuzilados diante de seus olhos ensangüentados. Com punhais extirpavam os olhos dos inimigos, injetavam-lhes venenos, arrancavam-lhes os dedos, até que, de morte em morte, restou um único soldado que se suicidou com um tiro na boca.

Já ao meu lado esquerdo, a perversidade extrema assumiu outra forma. Agora, outros homens, trazendo diversos animais, bradavam-me a fatídica sentença: “Vê, esta é a humanidade, este é o ser humano”; e iniciou-se uma sessão de tortura e assassinato de uma infinidade de animais inocentes e indefesos. Quebravam, a picaretas, os crânios de dóceis filhotes de focas, abriam o ventre de gatos vivos e extirpavam seus intestinos, indiferentes aos seus berros. Derramavam substâncias corrosivas nos olhos de coelhos, queimavam rabos e patas de cachorros imobilizados por correntes... “Basta! Basta!”, eu resmungava comigo, completamente abatido, caindo por terra quase inconsciente, mergulhado em meu próprio choro.

Creio que desmaiei por alguns minutos. Quando retomei a consciência, tudo havia cessado, e reinava um silencio sepulcral. Nem mesmo uma brisa soprava. Mas, para meu assombro, novamente refulgiu o relâmpago a poucos metros de onde eu ergui-me. Era gigantesco, porém inofensivo, pois pude verificar que o raio era unicamente luz. Aproximei-me, e a voz feérica soou, elevada, profunda, chamando por mim. O relâmpago tornou-se constante, isto é, já não era propriamente um relâmpago, mas algo como um jato de anômala luz, e a voz ordenou-me: “Posta-te debaixo do raio”. Obedeci, e ao fazê-lo, perplexo, distingui, ao alto, um titânico olho no centro da irradiação luminosa. Apresentava-se sob todas as cores do espectro do arco-íris, alternadamente, e ao seu redor abriam-se portas para ignotas regiões. Então contemplei sóis brilhando em longínquos horizontes, anjos e fadas beijando-se apaixonadas, águias cruzando os céus violáceos... E vi vaga-lumes dirigindo-se a uma áurea lua, náiades pairando sobre mares escuros, majestosas árvores gotejando orvalho... E as portas fecharam-se, enquanto o olho voltou-se para mim em grave expressão. E ressoou a voz feminina, tendo eu a definitiva sensação de que ela provinha de dentro de mim, de minha alma, como se fosse a voz da consciência... a ser ouvida e seguida por toda a eternidade.

28 fevereiro 2007

EU NÃO SOU PATRIOTA! (Considerações sobre o serviço militar obrigatório)

Sempre defendi a liberdade humana em todos os sentidos, creio que a liberdade é um princípio fundamental da arte, tanto que foi ferrenhamente defendida e preconizada por dois dos maiores gênios artísticos de todos os tempos: Beethoven e Goethe. Natural, portanto, que eu mantenha uma posição contrária ao serviço militar obrigatório, assim como mantenho contra o voto obrigatório.
Sei que muitos jovens desejam o serviço militar e até mesmo seguem carreira nas forças armadas. Tudo bem, ótimo para eles, no entanto, por que deve ser ele obrigatório? Por que deve todo adolescente, ao completar 18 anos, apresentar-se a uma pátria que muitas vezes não dá a mínima a ele? Por que um jovem que não deseja seguir carreira militar, que tem outros objetivos em mente, é obrigado a adiar seus sonhos, ver pisoteados seus ideais, prejudicados os seus estudos, talvez perdido todo um ano de sua vida? Qual a justificativa para toda essa injusta arbitrariedade? Servir à pátria? Mentira. Nos países em guerra, é servir à guerra estúpida e inútil, ao interesse financeiro e político das elites, pois toda guerra resume-se a dinheiro e poder. E quem paga o preço? O mais alto é pago pelos jovens, por muitos que nunca desejaram “servir à pátria”, pago com seu sangue, com o horror vivido, pago com o sacrifício de seus sonhos e ideais, pago com a vida! E para quê? Para que alguns poucos egoístas multipliquem suas fortunas, os mesmos imbecis que estão arrastando nossa civilização a um trágico fim. Isso é servir à pátria? Que piada! É por fatos como esse que esta humanidade degenerada caminha à sua autodestruição.
E no caso do Brasil, que não está em guerra? Nesse caso, por que precisamos de tantos jovens “servindo à pátria”? Não são suficientes aqueles que naturalmente desejam a carreira militar? A verdade é que grande parte de todo o pessoal que ingressa no serviço militar torna-se ocioso, fica apenas realizando tarefas inúteis para a sociedade, servindo apenas aos caprichos de alguns oficiais. Eu defendo que nossas forças armadas deveriam agir mais, muito mais, em benefício de todo nosso povo e nossos interesses. Por que não estão, por exemplo, expulsando os estrangeiros da Amazônia, que, todos sabem, estão explorando e destruindo essa incomensurável riqueza? Por que o governo não põe os militares para combater o tráfico de drogas? Para fiscalizar os crimes ambientais? Para que investir tanto em algo que faz tão pouco? Será que os jovens que ingressam contrariados nas forças armadas não seriam mais úteis se tivessem liberdade de escolha?
Então, volto a perguntar? Para que “servir à pátria”? Para ser explorado e humilhado por alguns oficiais desumanos e prepotentes, que tratam seus recrutas e soldados adolescentes na base de palavrões, de xingamentos desmoralizantes, horrores que nem mesmo seus pais sentir-se-iam no direito de proferir? Servir, para trabalhar num visível regime de exploração, tão somente para satisfazer os desejos de um oficial que julga os recrutas como sua propriedade particular ou como mais uma arma em suas mãos? Ou argumentarão agora que é para “aprender a ser homem”? Aprender a ser homem é ser condenado durante um ano a humilhações e trabalhos forçados? “Ser homem” é ser chamado de “bixona”, “mongolóide” e “filho-da-puta”? Aprender a ser homem é aprender a ser desumano? Acredito realmente que devem existir oficiais que não agem dessa forma, oficiais decentes, não generalizo, mas que há muitos que o que mais apreciam em sua profissão é humilhar os pobres recrutas e soldados, despejando neles todas suas frustrações e recalques, disso estou certo. Ou será ainda que “ser homem” é ter cabelo curto, como pensam alguns oficiais, certamente ignorantes do fato de que muitos dos maiores guerreiros da história possuíam cabelos longos, como os bárbaros medievais, os Vikings, os samurais e muitos dos nossos próprios heróis farrapos.
Felizmente, aprendi a “ser homem” sem ter que ir para o exército, e se ser patriota é ter “servido à pátria” de bom-gosto, eu não sou patriota. Aliás, mudando um pouco de assunto, se ser patriota é gostar de pagode, de axé, ter que pular carnaval, pensar só em futebol, cerveja, praia e verão, eu definitivamente não sou patriota. Porém, se ser patriota é lutar pela cultura, pela educação, pela liberdade, então sou patriota demais.

18 fevereiro 2007

Discursos Vazios

Tenho percebido algumas coisas sobre a humanidade, sobre o ser humano. Uma delas está entre nossas principais características: falar, falar, falar e nada fazer. Genialmente escreveu Shakespeare: “Palavras! Palavras! Palavras!” intentando dizer que nossos discursos carecem de valor. Provavelmente, o leitor já deve ter associado as afirmações acima, o próprio título, com os discursos dos políticos, que muito falam, muito prometem, muito brilham sobre os palanques, diante das câmeras, porém, chegando ao poder, nada cumprem, até mesmo “esquecem” do que haviam afirmado. No entanto, serão somente os políticos que agem dessa maneira? Será que eles não consistem unicamente no reflexo de nossa sociedade, de nós mesmos, de nossa psicologia geral?
É fato notório que, no século XIX, os cientistas, a sociedade em geral, estufavam o peito para preconizar que no século vindouro, isto é, o XX, a ciência seria a solução para todos os problemas, que não haveria mais guerras nem violência nem fome nem miséria nem injustiças nem doenças etc. Era uma crença generalizada da população, todos acreditavam firmemente que o futuro seria melhor, que o mundo seria melhor no próximo século. Quase que unicamente os artistas simbolistas tinham certa “pré-visão” das tragédias que nos aguardavam. Sabemos como foi o século XX: se algumas coisas a ciência resolveu, outras agravou ainda mais, e outros problemas e crises surgiram de forma devastadora. Não é à toa que o século XX foi um dos mais trágicos, catastróficos e ameaçadores da história humana, e chega a ser risível a previsão dos cientistas. E então? Onde ficaram as palavras dos otimistas? Discursos soltos ao vento...
A verdade é que nenhum mundo pode melhorar sem que melhorem aqueles que formam o mundo, isto é, nós. Nosso interior é podre, e como asseverou Kant, “o exterior é o reflexo do interior”. Se cada um de nós não melhora interiormente, como querer o tão cacarejado “mundo melhor”? Assim, ficamos tão-somente nos discursos vazios, proferindo belas palavras (às vezes nem tão belas assim), sem que ocorra uma contrapartida de ação, principalmente para com nós mesmos.
Sim, amigo leitor, é muito agradável ouvirmos palavras de consolo, belos e comoventes discursos otimistas, que crêem engrandecer e dignificar o homem, elevar o seu “astral”, enchê-lo de confiança etc. É ótimo emocionarmo-nos com as mensagens de Natal e Ano-Novo exibidas em cartões, na TV, enviadas pela Internet, para os celulares... É maravilhoso chorarmos com os belíssimos discursos nas formaturas, nos plenários, nas igrejas, nas novelas (não incluo “lendo um poema” porque ninguém mais chora lendo poemas, só os poetas), cheios de confiança no homem e no futuro. Sim, todas essas palavras “edificantes” são muito agradáveis de serem ouvidas. Mas eu pergunto: e daí? No fundo, permanecemos sempre os mesmos, não mudamos nunca, “não aprendemos as lições da vida nem a canhonaços”, como sentenciou certo autor... Não obstante tantos “emocionamentos” (criei essa palavra para diferenciar de emoção), no fundo no fundo permanecemos mesquinhos, medíocres, egoístas, perversos, consumistas etc.
Os mesmos que defendem a natureza, no outro dia estão largando o papel de bala na rua, escovando os dentes com a torneira aberta, jogando toco de cigarro no chão... Os mesmos que exaltam a honestidade, não devolvem o troco no mercado se ele vier em excesso... Os mesmos que pregam a cultura não compram um livro, ou, se o compram por certa obrigação moral muito hipócrita, não o lêem, deixando-o guardado às traças. Os mesmos que criticam o consumismo, o império norte-americano, bebem coca-cola todos os dias. E então?!! Há exceções? Claro que sim, mas o mundo não é feito de exceções, é feito do que é geral...
Finalizando, questiono: porque não conseguimos passar para a prática os nossos belos discursos, as nossas profundas e momentâneas emoções? Afinal, o que há com nós, seres humanos?

06 fevereiro 2007

ENTREVISTA

A amigo e excelente escritor baiano Paulo Soriano realizou uma entrevista comigo, abordando temas como meu livro de contos. Confiram no site www.contosdeterror.com.br e aproveitam para ler os fantásticos contos lá publicados. Abraços Apocalípticos.

12 janeiro 2007

A Morte do Sentimento

Ninguém seria capaz de negar que a humanidade passa por uma das mais graves crises de sua história, creio até que a mais grave, e é possível que o qualificativo de “crise” seja um eufemismo para o quadro atualmente vivenciado por nosso planeta e pelas populações nele existentes. Desnecessário seria aqui exemplificar os terríveis fatos que cotidianamente assolam nossas existências, no entanto, há um que me chama a atenção sobremaneira, até devido à circunstância de eu trabalhar com a arte: a morte do sentimento.

Fato incontestável é que a humanidade vem tornando-se cada vez mais fria e insensível, e não é à toa que a pós-modernidade é caracterizada pelo superficialismo, pela efemeridade das relações; vivemos a época do descartável, tanto física quanto psiquicamente, a época dos afetos de uso momentâneo, a época da mecanicidade, do que eu qualifico como “robotismo”.

Esse robotismo nada mais é do que a brutal frieza e indiferença que impera absoluta nas mentes e nos corações de uma tremenda parcela da população, particularmente nos jovens. A grande maioria das pessoas, para usar uma expressão pós-moderna, “não está nem aí para nada!” Vive-se tão habituado à tragédia, ao horror, às catástrofes sociais e ambientais que lentamente devastam nosso mundo, que uma a mais ou a menos, já não faz a mínima diferença. A violência monstruosa que todos os dias abarrota os jornais de notícias é vista como um mero acidente de percurso, e até mesmo uma denúncia de corrupção não passa de “mais um que roubou, e daí?”

Alguns artistas e filósofos já falam de uma próxima época, sucessora do pós-moderno, qual seja, a do pós-humano. Será quando os homens não passarão de máquinas absolutamente empedernidas, tendo unicamente como objetivos ganhar dinheiro, acumular bens, e usufruir dos prazeres materiais, em um comportamento completamente egoísta, hedonista e consumista. Cabe aqui perguntar: já não estaríamos nessa época? E se estamos, que futuro ela pode reservar a nós, que tipo de civilização poderá resultar de tais “filosofias de vida”? A questão do consumismo desenfreado já nos dá um sombrio indicativo da gravidade do problema: está mais do que demonstrado que nosso planeta não suportará o nível de consumo atual de seus recursos naturais, e os efeitos catastróficos dessa situação já estão bastante presentes em nosso dia-a-dia...

Na época pós-humana, os sentimentos não terão lugar, serão vistos como algo retrógrado, ultrapassado, piegas, cafona. Decretar-se-á então a morte da poesia, da música clássica, enfim, de todas as grandes manifestações artísticas, para dar lugar às mais baixas expressões da degeneração humana, como ocorre hoje com a pseudomúsica do funk, que faz vibrar os mais vulgares instintos do homem, na ausência absoluta de sentimentos elevados. Alguém poderá contestar-me, afirmando que funk é música também. Nesse caso eu diria que tal atitude é mais um sintoma da pós-humanidade. O funk é só um exemplo, um dos mais claros, poder-se-ia mencionar dezenas de outros, mas, obviamente, o espaço não me permite.

A verdade é que uma hedionda acomodação psíquica tomou conta da humanidade. Atingimos um ponto em que nada mais é capaz de emocionar o ser humano. Quando falo em emocionar, refiro-me à emoção profunda, de caráter superior, ao que classificamos de nobreza de sentimentos. As pessoas, de uma forma geral, já não mais se preocupam em demonstrar e manter afeto, comoção, sensibilização a respeito de algum fenômeno ou acontecimento, de alguma verdade ou constatação. Muito pelo contrário, até mesmo tem-se vergonha de sentir; chorar é encarado como uma fraqueza, a meiguice, como uma ingenuidade, a emoção profunda e espontânea, como um desvio da mentalidade padrão. Não é assim, amigos leitores? Aqui, lembro de Rui Barbosa, que, na “Oração aos Moços” afirmava que o homem um dia desanimaria da virtude, riria da honra, teria vergonha de ser honesto. Esse dia, senhores, já chegou. Agora, chegará o dia em que o homem desanimará da arte, rirá da sensibilidade, terá vergonha se ser profundo. Estabelecer-se-á então a lei do “quanto mais fútil, melhor”. E creio que esse dia funesto chegará rapidamente, se é que já não o estamos vivendo...

É possível que alguém pergunte a si mesmo: “E daí?” Nesse caso, estará confirmando tudo o que eu afirmei acima. Os negros resultados estão ao nosso redor, e caminhamos firmes e resolutos ao caos absoluto e à autodestruição inexorável...

25 dezembro 2006

Tristeza... Spleen... Deprê...

eu sonhando com febre – no Término!
no sem fim e no Fim – Crepúsculo!
perambulo diante – Romântico!
da tua alta janela – a Última!
som de flores e almas – Saudade!
no meu Apocalipse – Ocaso!
noite de aves e velas – Tragédia!
que teus olhos me olham – são Corvos!
que teus olhos são coros – Corujas!
e tu acenas de longe – Espíritos!
ao meu sonho de antigo – Castelos!
o teu sono nos céus – na Rosa!
que já é tudo tão findo – Sozinho!
eu te olho nos olhos – Relâmpago!
em incêndio nos campos – Ciprestes!
na tua torre de ozônio – Fantasmas!
secam rios perdidos – Trombetas!
tu me atiras um beijo – Morcegos!
bomba atômica doente – tão Gótica!
teu cabelo na lua – com Sangue!
oceanos sem vida – Ciência!
eu te atiro um poema – Catástrofe!
nos meus sonhos de louco – Violinos!
teu sorriso magoado – Sopranos!
e o teu beijo na noite – Princesa!
furacões nos meus olhos – Arcanjos!
e o Destino do Mundo – Tristeza...

04 dezembro 2006

Contos do Crepúsculo e do Absurdo

Os apreciadores da Literatura Sombria que estiverem interessados em adquirir meu livro de contos, por favor, entrem em contato comigo aqui mesmo ou pelo e-mail alreiffer@hotmail.com Obrigado.

Quatro Poemas Apocalípticos

I
A Vida Corre

no medo mudo
o mundo berra
no amor já morto
que cai por terra
e o homem brinca
de boca-aberta
de mente-torta
de alma-morta
e o homem mata
e a mata morre
e a água escorre
num fundo corte
martelo em sangue
que a morte morde
e a vida escorre
e ao fundo corre
e o mundo berra
e o homem morre

II
Águas do Fim

águas em marcha
fúnebre
águas de março
seco
águas alvas
brancas
águas claras
de espuma: de ter gente
águas belas?
águas plásticas
chuvas ácidas
gotas trágicas

água da vida?
água da morte
dá medo
dá peste
e morre


a humanidade
e a água:
perdida
acabada.
e o que tu fazes?
fezes,
sem mágica...
e que água que resta?
A Lágrima.

III
Do Fim nº2

nem uma estiagem sobre o peito
nem um canhonaço nas idéias
nem um furacão sobre a esperança
nem um genocídio dos valores
nem um tsunami na virtude
nem um terremoto na psique
nem a bomba atômica no espírito
nem uma catástrofe na alma
nada
nem o próprio Fim
acordará o homem
do seu nada
e do seu próprio Fim

IV
Soneto a Ela

Paira tua grandeza sobre as nuvens
e pesa mau destino sobre os homens.
Em negro mundo os anos se consomem
e mais clara em tua alma tu nos surges...

Caem raios das horas que refulges,
como sonhos de morte que em mim somem
como fins teus ocultos que há em Beethoven
como sombra em ti fêmea viva em luzes...

Tua voz nas tormentas que há nos céus,
teu olhar cataclísmico nos vela
nos sinais do Infinito dos teus véus...

E por ser Una, arcanamente bela,
alguém dirá talvez que vós sois Deus,
mas eu canto que vós sois no Eterno Ela...

O Fim Inaceitável de Cada Um de Nós (Você concorda que esse será o nosso destino?)

Que importa agora que eu diga meu nome? De que vale um nome em meio do nada? Ou um nome em meio da treva? Um nome em meio da Morte? Não sei, não sei agora como se encontram as outras regiões deste miserável planeta agonizante, quem sabe já absolutamente morto, e não sei devido ao fato de que não tenho acesso a nenhum meio de comunicação. Mas sei o que vi, sei do horror inimaginável que devastou toda a minha cidade e, com toda certeza, todas as regiões próximas a ela. Sou o único ser humano vivo em um raio de quilômetros, pois eu mesmo verifiquei, praticamente me arrastando, por estes últimos dias, os dias negros subseqüentes a este apocalipse. É possível que no lodo coberto tão-somente por mortos e ruínas ainda viva alguém além de mim? E quando eu digo que por quilômetros há somente lodo e ruína, não estou exagerando. Avisto unicamente três construções ainda parcialmente em pé e algumas árvores completamente mortas. Foi em uma dessas construções que encontrei este papel e este lápis, e assim escrevo estas linhas derradeiras, na derradeira esperança de que algum humano que talvez ainda exista em algum ponto do globo venha até aqui e leia meu trágico (antes fosse somente trágico) relato.
Sei que em breve morrerei. Há dias não como, tenho o coração coberto de feridas purulentas e de hematomas, e utilizarei minhas últimas energias para escrever estas palavras de desolação. No entanto, não tratarei de catástrofes externas...
Eu poderia escrever sobre as arrasadoras guerras nucleares, sobre a aniquilação completa das vegetações e dos animais, dos desastres ambientais e climáticos que varreram minha região, mas não escrevo. Eu poderia aqui falar sobre os rios secos ou apodrecidos, sobre o efeito-estufa que transformou nossas terras em um deserto, sobre as doenças e epidemias surgidas dos erros da ciência e do massacre ambiental, mas não é necessário falar sobre isso, todo mundo já sabia... Poderia ainda tratar da brutal violência, da violência absurda e inconcebível que imperou nas ruas, ou ainda do fim definitivo da água potável e da energia elétrica, dos ares negros empesteados de todas as formas de poluição; poderia falar dos furacões, dos cataclismas, dos holocaustos, dos infindáveis incêndios, das mutações genéticas, da queda de gigantescos asteróides, do calor infernal e mortífero, dos mórbidos céus negros e doentiamente avermelhados, da aproximação daquele planeta terrível, dos monstros que surgiram não sei como nem de onde, enfim, eu poderia falar de horrores e mais e horrores, mas eu calo, em desespero, sobre tudo isso, pois tudo era previsível e perfeitamente lógico.
Mesmo assim, irei falar do fim absoluto... Não das conseqüências e resultados externos do fim, mas do que o causou. Falarei do fim interno, escreverei sobre a catástrofe e o apocalipse que se desencadeou no interior do homem, como uma doença fatal. Que doença foi essa? Qual o seu nome? De onde surgiram tão extremada degradação e decadência, corrupção tão impiedosa, tão avassaladora de sua mente e de seu coração, carcomendo como um câncer o íintimo ? De onde surgiue de seu coraçao,o interior do homem, como uma doença fatal. calo, em desespero, sobre tudo isso.ças entimo da humanidade? Eu falarei sobre o fim da Alma.
Tal qual ocorreu com o remoto Império Romano, a decadência da civilização atual foi nada mais que o trágico resultado da degeneração psíquica e espiritual de cada membro de sua população. Só que agora, a degradação individual realizou-se em um nível muito mais amplo e profundo. É claro que não foi algo ocorrido de um dia para o outro, mas o lento resultado de décadas de uma progressiva agonia anímica, em que o homem foi assassinando sua chama interior, a raiz de sua humanidade.
Ainda me recordo daqueles longínquos dias de minha infância, onde constantemente ouvia meus avós mencionarem coisas do tipo: “no meu tempo não era assim, as pessoas eram mais honestas, mais confiáveis, mais honradas, respeitavam-se mais...” Cresci ouvindo tais palavras e quando me tornei adulto, eu passei a proferi-las, percebendo o quanto as pessoas, em minha infância, eram melhores do que as que convivo agora, isto é, convivia. Consistiu-se em lugar-comum afirmar que a humanidade evoluiu prodigiosamente em seu aspecto externo, ou seja, nas descobertas supostamente científicas, nas invenções materiais, nas criações tecnológicas, que fizeram o ser humano cercar-se de uma infinidade de máquinas e aparelhos, dos quais se tornou completamente dependente. No entanto, e isso também se tornou um lugar-comum, essa evolução externa não teve seu correspondente interno, muito pelo contrário, como seres humanos, como seres dotados de vida psíquica, emotiva, espiritual, involuímos progressiva e implacavelmente, e o resultado último de tal constatação, eu vejo negramente retratado ao meu redor. Talvez esse seja o maior dos lugares-comuns...
Durante minha existência, fui como uma antena orgânica que captava todas essas inevitáveis e, muitas vezes, sutis degradações, e percebi que o fim viria a passos rápidos, resolutos, inexoráveis. Testemunhei a morte absoluta da alma humana. Vi o ser humano tornar-se mais e mais insensível, vulgar, brutal, empedernido ao extremo. Eu contemplei aniquilado o desfile daqueles seres mecânicos, que não mais se poderia qualificar como humanos, enquanto eles massacravam em risadas a antiga nobreza de alma que possuíam. Pisotearam em sua honra, em sua dignidade, em tudo de alto e belo que vivia em seu espírito, ao mesmo tempo em que entronizavam a lei do “quanto mais baixo e vulgar, melhor”. Nada mais do que míseros robôs de carne e osso que viviam tão-somente para comer, beber, procriar e se divertir eventual e porcamente, numa busca desesperada por um prazer efêmero, de conseqüentes marasmos e amarguras insuportáveis.
Devi dizer que me insuflava uma profunda depressão a visão daqueles “humanos”, cuja alma encontrava-se em estado terminal. Não passavam de zumbis, dos quais o maior objetivo de vida consistia nos fatídicos e bestiais bordões: “Viver para mais ter”, ou “Eu estando bem, os outros que se danem”. Essa perversa filosofia do capitalismo, essa autêntico louvor à mais exacerbada e perversa manifestação egóica, aos poucos, foi tornando a vida humana mais e mais materialista, repugnantemente materialista, hediondamente fria e sem nenhum sentido, a não ser o de acumular bens e produtos e aquilo que os poderia comprar... Acumular dinheiro: maior e mais sublime motivo de nossas existências. E assim a humanidade transformou-se na cega e degradada vítima do consumismo desenfreado que, como sugere a própria palavra, foi consumindo vorazmente todos os recursos naturais do planeta, até esgotá-los em uma horrenda plenitude.
O que esperar de uma população com tais pensamentos, além de um inevitável suicídio, de uma dolorosa autodestruição lógica e inexorável? O que esperar de um povo que somente cultuava as posses físicas e as aparências ao mundo social? De uma civilização incapaz de demonstrar uma real manifestação de grandeza anímica? O que dizer daquela diabólica ordem? Aquela do quanto mais superficial, quanto mais vazio, quanto mais idiota, melhor, será mais reverenciado, obterá mais sucesso, será mais discutido e aclamado? Assim foi com todas as coisas, o que decretou a morte definitiva das culturas e das artes. A começar pela poesia, pelas profundas criações literárias e filosóficas, atingindo até mesmo a ciência, que morreu no dia em que deixou de buscar a verdade para satisfazer os interesses financeiros.
Ninguém mais demonstrava o mínimo interesse por um poema, por um romance, por um tratado filosófico, porque tais coisas já não significavam mais nada, ninguém mais era capaz de verdadeiramente compreendê-las, pois tais coisas não eram consumismos, não eram “prazerosas” de acordo como se conceituava o prazer na época do pós-modernismo. Porque cultuar um poema não trazia dinheiro ou bens materiais, não contribuía com o incremento das aparências físicas etc.
Ao meu desolado redor vejo o funesto resultado da perda da nossa alma. Aí está a trágica, a cosmicamente trágica conseqüência dos atos daqueles homens e mulheres que não eram capazes de apreciar uma pintura, ou a música clássica dos grandes mestres, que somente buscavam, como vermes afogados no lodo, as piores baixezas, as pseudo-artes mais desprezíveis e vulgares, falsas músicas degeneradas, imundas, nojentas, que apelavam para as mais pútridas e abomináveis degradações humanas. E essa foi a categoria de indivíduos que herdou o mundo e acabou com ele...
Enquanto a cobiça irrefreável destruía todo o planeta, aniquilando rios e florestas, mares e animais, o homem cego e estúpido, em sua tola prepotência, em seu orgulho verdadeiramente imbecil, acreditava como um fanático que a ciência iria resolver todos os seus problemas, que poderia evitar o fim, que salvaria a humanidade, ainda que o homem prosseguisse liquidando com tudo, em um ritmo de destruição desolador. E tal pensamento, de uma medonha e inacreditável estupidez, imperou monárquico, ninguém estava preocupado com o futuro do planeta, com o legado que seria deixado aos seus próprios descendentes. Todos caminhavam firmes e decididos ruma a uma solene destruição, com um sorriso idiota estampado em um rosto que era a face morta da decadência. E horror não parou por aí...
E enquanto eu agonizava em meio à destruição absoluta, refletia desesperado sobre todas essas tragédias, e pensava sobre a corrosiva indiferença que foi lentamente carcomendo o espírito humano, a desoladora verdade de que nada era capaz de tocar a sensibilidade das robóticas populações. O homem habituou-se ao horror que dominou os quatro cantos da Terra. Nem a fome, nem a violência, nem o massacre ambiental, nem os genocídios, nem as piores atrocidades, nada, absolutamente nada mexia com os sentimentos da grande maioria da civilização. E o reinado do horror e da morte ascendeu triunfante sobre a humanidade.
E era verdadeiramente intolerável a tristeza que causava a visão de todas aquelas multidões semimortas, escravos da matéria e da vulgaridade mais rasteira, seres que não encontravam o menor sentido para suas vidas e, assim como assassinaram sua alma, acreditavam também que todos os outros seres e astros do universo eram desprovidos de espírito, que não passavam de amontoados, aglomerações de átomos a formar um ser mecânico e insensível como tornou-se a humanidade. Para os humanos, não havia vida no universo, não havia ordem, harmonia ou equilíbrio, somente caos. Como o caos reinou em nossa civilização, assim pensava o homem, deveria ser em todo o cosmos.
E esquecidos de tudo o que era elevado, mortos a tudo que era sublime, cegos à superioridade da alma, a humanidade apenas buscava viver a mediocridade de uma existência imediatista, com a miserável mentalidade de “aproveitar a vida”, sendo este “aproveitar” sinônimo de consumir o maior número de produtos possíveis, entupir-se de alimentos e bebidas, divertir-se bestialmente e despejar no sexo os estresses do trabalho escravizante, das existências vazias, dos problemas eternos, insolucionáveis, até que viesse a morte e acabasse com tudo. Ninguém se importava em buscar um conhecimento superior, em compreender verdades maiores sobre a vida e sobre o universo, em sobrelevar-se espiritualmente sobre a miséria da humanidade. E tal civilização de desalmados herdou a terra...
É lógico que nosso fim chegaria, ainda que todos fingissem que não, que tudo estava muito bem, ou então, fingiam que seria possível resolver a irreversível situação. Aliás, fingir, apresentar grandiosas e irrepreensíveis aparências, tornou-se a maior especialidade desta civilização de víboras. A regra geral era aparentar tudo e não ser nada. O importante era a imagem de honestidade, de bondade, de profundidade, não tais qualidades em si; importava o que os outros pensassem que fôssemos, não o que realmente éramos. Aliás, o que era o homem?
Inquestionavelmente, a humanidade tornou-se egoísta em sua totalidade, ainda que aparentasse um enganoso amor, uma enganosa fraternidade, uma falsa justiça. O ser humano até poderia ser fraterno, desde que com isso ganhasse alguma coisa ou que, no mínimo, não perdesse nenhum centavo com seu ato caridoso. Tinha-se que ganhar algo sempre, o lucro era imperativo, ainda que tal lucro fosse de caráter falsamente espiritual. Porém, o lucro final, o grande lucro definitivo foi o horror absoluto, a desgraça suprema que impera em meu redor.
Todavia, o pior de tudo foi que a maioria esmagadora das pessoas julgava-se correta, ninguém tinha culpa de nada, cada um considerava-se a mais certa pessoa do mundo, sempre se encontrava uma maneira de justificar seus próprios erros, de lavar as mãos, de subtrair-se de sua própria culpabilidade. Quem admitiria sua parcela de culpa no horror que assolava o planeta? Não, ninguém o faria, era preferível colocá-la no vizinho, no estrangeiro, no governo, no irmão, no destino, em Deus, no diabo, mas nunca em si próprio. E até freqüentava-se pseudo-religiões que soprassem nos ouvidos humanos uma vida fácil, isenta de responsabilidade, de culpa, de real compromisso com a humanidade, com o planeta, para que cada indivíduo julgasse o melhor possível de si mesmo. Ademais, muitos pensavam: “Por que devo fazer minha parte se os outros não fazem a sua?” Então, dessa forma irremediável, o planeta foi morrendo, não suportando tão absurdas agressões, e, com ele, morria a humanidade já sem alma, pois “o exterior é o reflexo do interior”...
E, agora, só o que desejo é a Morte...
Eu ainda poderia falar do sexo, no que ele se transformou, mas estou exaurido, estou morrendo. Portanto, basta. Calo-me.
Apenas finalizo bradando aos negros céus e perguntando onde agora estão os grandes homens... Para onde foram os gênios? Onde estão a elevação da Arte e os grandiosos sentimentos? O que foi feito do verdadeiro homem, meu Deus? O que nós fizemos com ele? O que fizemos com o que havia de melhor em nós?
Mas... agora... agora sei que morro... Vejo aproximar-se uma luz, uma luz tão bela como há anos não vejo, cego que estou em meio a essa medonha escuridão causada pelo inverno nuclear. Ali, ali vejo a luz aproximando-se, serena e sublime... O que será, meu Deus! o que será ela? Distingo algo como olhos, olhos de luz, tão grandes, tão calmos, tão belos... Olhos femininos que agora me consolam tanto! Lá do alto eles vêm, ouço um bater de asas, será um ruflar de asas!? E aquela luz, aqueles olhos calmos, femininos, eles vêm... e eu..

28 outubro 2006

Soneto ao Fim

Pra onde foi a luz do que é Antigo?
Pra onde foram as almas dos Olhares?
Pra que abismo? que inferno? negros mares?
E este sonho? aonde vai? aonde sigo?

Muito bem... já que tudo está perdido
e pairam teus fantasmas pelos ares,
cantarei Fim por todos os lugares
e o que foi, sem jamais aqui ter sido...

O meu triunfo é estar-me nos teus braços,
vivo de morte, de sombra e de agouro
dos quais jamais irei fugir dos laços...

Vejo descendo uma deusa em negro e ouro
de que já tenho o beijo e o seu abraço
em febre e fúria de indomável touro.

Febre da Lua

à noite
a morte
a fim de que eu te veja
e no final desejo
eu vejo
duendes nos cantos
aos cantos de fadas
e sucumbo em arfadas
de visionários de asmas
doentes aos cantos
e se erguendo fantasmas
em fantásticas falas
que eu canto nos cantos
sem ar pelo amar
o fim dessas almas
que desejo tão altas
pelo fim que te canto
e ao fim não te vejo
só canto de cisnes
nas névoas flutuando
e flutua na lua
minha mágica maga:
à noi...
te amo
a mor...