28 fevereiro 2016

A Literatura feita no Brasil hoje: Chatice e Sorrisinhos

A literatura nacional encontra-se na sua pior fase. Os bons escritores e poetas, os realmente bons escritores e poetas, são raros. Na poesia, entre os mais conhecidos ainda vivos, são bem poucos os que aprecio. Gosto de Affonso Romano de Sant'Anna, Adélia Prado (até por ali), Ferreira Gullar da fase antiga (todos já bastante velhos). Gostava do Manoel de Barros, falecido há pouco, esse sim um grande poeta. Aprecio um pouco também Carlos Nejar, o que não se pode dizer o mesmo de seu filho, Fabrício Carpinejar, um chato de carteirinha. Mas nenhum desses poetas realmente me entusiasma. 

Considero a literatura feita hoje em dia no Brasil, de uma forma geral, claro que sempre há exceções, de uma convencionalidade temática entendiante, e mais ainda, de uma quase total ausência de força, de "pegada", de visceralidade.  Seja na poesia, seja na prosa. É tudo quase sempre muito certinho, comportado, "bonitinho", parnasiano ou piegas. Com algumas louváveis exceções (muitas vezes sem o devido reconhecimento), nossos escritores gostam de ficar passando mensagenzinhas positivas, "construtivas", em prol da "ordem e do progresso", da "edificação" da moral, do "saber levar a vida", enfim, aquela coisa de escrever com sorrisos e simpatia, que não funciona mais em nosso mundo caótico e decadente. Ou então, caem em intelectualismos vazios e insuportáveis. É tudo de uma chatice homérica.  

Faltam aos escritores e poetas brasileiros em geral a agressividade, a perturbação, a maldição, o marginalismo necessários para se dizer algo que valha nos nossos tempos. Falta a sinceridade do que se diz, é tudo infestado de pompas e artificialismos. Nossa situação nas Letras é dantesca. 

E a crítica literária no Brasil é mais imbecil ainda: premia esse tipo de literatura até a exaustão. É só ver quem faz parte da nossa magnânima "Academia Brasileira de Letras".  Olhem com atenção na foto acima: Sarney, Funaro, Roberto Marinho, FHC... É só ver quem são os escritores premiados por aqui. Por exemplo: a mediocridade de um David Coimbra, que só escreve merda. 


Em termos de literatura, nossos hermanos, os argentinos, nos dão de 10x0. Os brasileiros que escrevem deveriam seguir o conselho de Bukowski (um tipo de escritor que o Brasil nunca produzirá), que está em seu poema "então queres ser escritor?":


"a menos que saia da
tua alma como um míssil,
a menos que o estar parado
te leve à loucura ou
ao suicídio ou homicídio,
não o faças.
a menos que o sol dentro de ti
te queime as tripas,
não o faças."

25 fevereiro 2016

do Lado Bom da Vida

o melhor da vida
é que tudo que fosse vivido
não fosse vivido como sendo
só aquilo que é
mas como algo que estivesse além
como se no momento que se vive
se vivesse um outro alto
mais profundo e mais do ser

como se no momento que se age
se sentisse que há um sonho
que só em sonho vem

ah quem dera eu pudesse
que em qualquer algo que eu faça
ou com qualquer alguém que eu fale
eu tivesse (somente em mente e alma)
os efeitos de uma taça

                             

23 fevereiro 2016

Bairrismo e Atraso


Desde janeiro deste ano, estou morando em Santa Maria. Percebo como os santa-marienses são menos bairristas que os santiaguenses. Não que não tivesse percebido o bairrismo santiaguense antes. É algo que salta aos olhos. Mas agora resolvi escrever um breve comentário a respeito. 

A verdade é que Santiago é uma das cidades mais bairristas do RS. Os gaúchos em geral são bairristas. Para a grande maioria dos santiaguenses, tudo que é de Santiago, ou está em Santiago, ou é feito em Santiago, ou vem de Santiago, enfim, é o melhor que há. É claro que algumas vezes pode ser assim mesmo. Mas também é claro que muitas vezes não é. Mesmo assim, o bairrismo santiaguense não deixa ver, ou, se deixa, não quer admitir.

Considero o bairrismo uma qualidade mais negativa do que positiva. Não sou bairrista. Já fui bairrista pelo RS em dias passados. Deixei de ser. Não penso, como muitas pessoas, que bairrismo é necessariamente uma demonstração de amor pela terra. É, antes, uma ausência de senso crítico, uma cegueira, uma espécie de fanatismo, enfim, uma burrice.

O bairrista acaba por não ver ou não querer ver os defeitos da sua cidade, estado, região, enfim. Consiste num tipo de patriotismo utópico e estúpido localizado. Quem não vê os defeitos, ou se faz que não vê, não pode ou não quer corrigi-los. Se não os corrige, não avança, não sai do atraso, não percebe em que ponto as coisas podem ser melhoradas, não identifica onde estão os erros. E, se tudo é bom, se tudo está bem, para quê mudar? Uma pessoa que "se acha" tanto, que não percebe seus próprios defeitos, acaba, um dia, caindo, sendo vítima desses mesmos defeitos. 

O RS, os gaúchos, sofrem de um bairrismo crônico há décadas. E há décadas o RS vive uma inegável decadência sócio-econômico. Estou certo de que as duas coisas estão relacionadas. Falta autocrítica aos gaúchos, como falta aos santiaguenses. E, quando alguém, no meio de bairristas, realiza essa crítica, a percepção do que está errado, é mal visto, é criticado por querer mudanças, é, até mesmo, odiado.  Bairrismo é atraso.




21 fevereiro 2016

"Onde me encontro nada me convida"


Fernando Pessoa foi uma fonte inesgotável de poesia. Era, na poesia, algo como Mozart na música: a arte fluía desses gênios desde muito cedo (desde a infância) e de forma assombrosamente abundante, numa inspiração quase sem interrupções. Viveu quase que exclusivamente para a poesia como Mozart viveu quase exclusivamente para a música. Ainda hoje, são encontrados obras inéditas de Fernando Pessoa,  o maior poeta da língua portuguesa e um dos maiores de todos os tempos. Abaixo um dos seus perfeitos e enigmáticos sonetos:

Quem me roubou...


Quem me roubou quem nunca fui e a vida?
Quem, de dentro de mim, é que a roubou?
Quem ao ser que conheço por quem sou
Me trouxe, em estratagemas de descida?

Onde me encontro nada me convida.
Onde me eu trouxe nada me chamou.
Desperto: este lugar em que me estou,
Se é abismo ou cume, onde estão vinda ou ida?

Quem, guiando por mim meus passos dados,
Entre sombras e muros que me deu
A súbita fusão dos mudos fados?

Quem sou, que assim me caminhei sem eu,
Quem são, que assim me deram aos bocados
À reunião em que acordo e não sou meu?


Fernando Pessoa (que na imagem acima está preparando a alma para criar mais arte.)

19 fevereiro 2016

A Humanidade é uma Piada

a humanidade
é uma grande piada
(se alguém de fora
nos observa
mais ri do que chora)

Deus é um irônico
o homem é um ridículo:
a ciência é como um lunático
que sonha em dominar o cósmico
sem ter limpado a própria bunda:
a ciência é dos histriônicos
o mundo é dos homúnculos

a humanidade
é uma gargalhada:
governos, autoridades
são mais babacas
do que o povo de palhaços
que vive de cagadas

o ser humano é uma piada
mais desgraçada
a cada ano
só não é piada
a arte
porque nem vem do humano


                             

17 fevereiro 2016

A Ode ao Gato, de Neruda, e o Dia Mundial do Gato

Dia 17 de fevereiro é o Dia Mundial do Gato. Muita gente não gosta de gatos, ou prefere outros animais a gatos. Entendo. O gato não é um animal fácil, tem personalidade própria e não é submisso como o cachorro, que aceita ordens sem questionar. Sou apaixonado por gatos desde a infância. São animais de uma profundidade e de uma inteligência que passam bem longe do óbvio. Não é fácil compreendê-los. Mas quando se os compreende, nem que seja o mínimo, sentimo-nos intensamente amados por esses animais indomáveis e misteriosos. Já escrevi poemas aos gatos. Mas hoje não publico um meu.


A lista de escritores amantes dos gatos é grande: Pablo Neruda, Vinicius de Moraes, Jorge Luis Borges, Charles Baudelaire, Victor Hugo, Edgar Allan Poe, H.P. Lovecraft, Mário Quintana, Goethe, e muitos outros. E Neruda escreveu um dos melhores poemas sobre gatos que conheço: A  sensacional "Ode ao Gato". É o que publico hoje:

Ode ao Gato (Pablo Neruda)

Os animais foram
inacabados,
longos de cauda, tristes
de cabeça.
pouco a pouco foram-se
formando,
tornando-se paisagem,
adquirindo sinais, graça, voo.
O gato,
só o gato
apareceu completo e orgulhoso:
nasceu completamente terminado,
anda sozinho e sabe o que quer.

O homem quer ser peixe e pássaro,
a serpente gostaria de ter asas,
o cão é um leão confuso,
o engenheiro quer ser poeta,
a mosca estuda para andorinha,
o poeta trata de imitar a mosca,
mas o gato
quer ser somente gato
e todo o gato é gato
desde o bigode ao rabo,
desde pressentimento a ratazana viva,
desde a noite escura até aos seus olhos de ouro.

Não há unidade
como ele,
não tem
a lua nem a flor
tal contextura:
é uma coisa única
como o sol ou o topázio,
e a elástica linha em seu contorno
é firme e subtil como
a linha da proa de uma nave.
Seus olhos amarelos
deixaram uma única
ranhura
para lançar as moedas da noite.

Oh pequeno
imperador sem orbe,
conquistador sem pátria,
mínimo tigre de salão, nupcial
sultão do céu,
das telhas eróticas,
o vento do amor
na tempestade
reclamas
quando passas
e pousas
quatro pés delicados
no chão,
cheirando,
desconfiando
de tudo o que é terrestre,
porque tudo
é imundo
para o imaculado pé do gato.

Oh fera independente
da casa, arrogante
vestígio da noite,
preguiçoso, ginástico
e alheio,
profundíssimo gato,
polícia secreta
das habitações
insígnia
de um
veludo já desaparecido,
certamente não há
enigma nesse teu modo,
não és talvez mistério,
todo o mundo te conhece e tu pertences
ao habitante menos misterioso,
talvez todos o creiam,
todos se creiam donos,
proprietários, tios,
de gatos, companheiros,
colegas,
discípulos ou amigos
do seu gato.

Eu não.
Eu não concordo.
Eu não conheço o gato.
Eu tudo sei, a vida e seu arquipélago,
o mar e a cidade incalculável,
a botânica,
o gineceu com seus extravios,
o por e o menos da matemática,
as depressões vulcânicas do mundo,
a pele irreal do crocodilo,
a bondade ignorada do bombeiro,
o atavismo azul do sacerdote,
mas não posso decifrar um gato.
Minha razão resvalou na sua indiferença,
têm seus olhos números de ouro.



15 fevereiro 2016

Ser Odiado

ser odiado
e durante o almoço
pôr o garfo na ferida
é o ato mais difícil
do que se chama vida

ser odiado:
sair do trilho
daquele traçado com farelo
sorriso amarelo
e quirela de milho

ser odiado:
dizer a quem pensa que ama
que raras vezes esse amor
vai além
que prazer na cama

ser odiado:
mostrar um infame sinal
que quem pensa
o melhor de si 
é um cegueta
do próprio mal

ser odiado:
lembrar a muito macho
que não passa de palhaço
lembrar a muito rico
que não passa de pinico
lembrar a muita bela
que não passa de cadela

ser odiado:
lembrar-lhes que os finais vêm
e um outro algo
ainda mais além

a César o que é de César
e a Bruto o que é de Bruto:
ser odiado
é o mesmo que ser justo



13 fevereiro 2016

Versos a Wagner

Há 133 anos, 13 de fevereiro de 1883, falecia o maior compositor de óperas da história da música, o alemão Richard Wagner. Wagner, foi um revolucionário e um polêmico. Ainda hoje, sua obra e sua vida suscitam as mais diversas interpretações, algumas beirando o absurdo. Não é a intenção desta postagem debater sobre as polêmicas wagnerianas. Em postagens passadas, escrevi sobre o assunto. O caso é que Wagner era um forte e um gênio no sentido profundo da palavra, e, como tal, permanece incompreendido. Entre Wagner e Brahms (com relação às adversidades do século XIX), sempre ficarei com Brahms. Mas cada um cumpriu papéis diferentes. E, na ópera, ninguém se compara a Wagner. Escrevi o poema abaixo em 2012. Mas o reelaborei em grande parte. E republico como uma humilde homenagem.

Versos a Wagner
trompa e trovão é teu trono
pulsa em teu punho um mistério
do alto em que o símbolo estrada
alma que se ergue em espada
além do pulso do etéreo

fúria o sonoro do sol
céu o marcial do vermelho
vi largo que algo se erguia
raio no sangue do dia
olhos no ocaso do espelho

e luz que se arma e de força
à forca o que é não-ser:  Fafner
tormenta à íris de Deus
e um toque à chama dos teus
pois entre o horizonte há Wagner     

11 fevereiro 2016

Somos todos bois de canga ou robôs?


Gaúcho de Alegrete, Sergio Faraco, no auge dos seus 75 anos, é um dos grandes contistas brasileiros da atualidade. Em seu conto "A Era do Silício", faz-nos uma descrição das mais acertadas do homem moderno: desumano, inumano, condicionado, robotizado. Vamos a ela:


"Ela era apenas um dígito na unidade binária que a controlava, desde os esconsos de um longínquo mainframe. Ela e todas os que ali trabalhavam.   E para consolidar a excelência dos seus serviços, já renegavam seus sentidos, já não reconheciam sentimentos,  já eram soldados da era do silício, e até prefeririam que lhes substituíssem as células nervosas por plaquetas de transistores, diodos e circuitos integrados. Já não eram inteiramente humanos, e, ao invés de algozes, eles também eram as vítimas, marchando como marcham os bois de canga, a pontaços de picana. E eu, perguntou-se o homem, serei como eles?"


Esse é o nosso retrato. Abstenho-me de maiores comentários.


09 fevereiro 2016

da Saída da Humanidade

I - muito se fala
sobre uma saída para a humanidade:
os termos estão errados:
muito se deveria falar
sobre a saída DA humanidade

II - para a humanidade
não há saída
a não ser que a humanidade
saia de cena:
é uma pena

III - para onde quer que se olhe
não há nenhum lado a ser olhado:
tudo já foi corrompido
consumido
ou contaminado

de modo que a única saída
é admitir-se culpado
e aceitar a pena






04 fevereiro 2016

“Hipócrita leitor, meu igual, meu irmão.” (Baudelaire)

ninguém é o que são:
eu mesmo
só sou meu eu mesmo
quando sou ninguém

o que somos
somos de não-ser

ninguém aqui é são:
somos todos doentes
há mais podres na alma
do que bactérias nos dentes

ninguém é o que seja:
não somos
nem o que se deseja

ah, os que que se julgam sãos...
todo mundo se acha 
um épico
mas mais seria si mesmo
um bêbado



02 fevereiro 2016

A Verdade é uma Merda

o problema da verdade
é que a gente não gosta dela:
enche o saco é desagradável
a verdade só incomoda

a verdade é da turminha do mal
diz coisas que não se quer saber
é como tormenta na hora da festa
a verdade é uma estraga prazeres

a verdade torna tudo mais difícil
ela em si é um saco de entender
ainda mais de aceitar e viver
a verdade dá muito trabalho

a verdade decepciona
não é o que gente espera
tem uma cara antipática
e passa nos dando nos dedos

enfim
a verdade é tão chata e odiada
que é igual à poesia