04 setembro 2012

O Homem Correto

Abordaram-me durante uma manhã de sol.  Disseram que eu estava indo para o trabalho pelo caminho errado. Garantiram-me que, para meu próprio bem, eu deveria seguir por outro caminho. Protestei que, para mim, o caminho que percorria naquele momento era perfeito, que eu sempre o fizera, e que não via por que outro seria melhor. Mostraram-me então o caminho que eu deveria percorrer. E não somente naquele dia, mas por todos os outros em que eu fosse trabalhar. Caso não fosse por ele, seria punido. O que era, segundo eles, perfeitamente justo, uma vez que era tudo para o meu próprio bem. Convencido, passei, daquele dia em diante a ir trabalhar somente pelo caminho que me fora orientado. Não vi nenhuma vantagem em fazê-lo, creio que era até um pouco mais longe do que o que percorria anteriormente. Mas se eles estavam tão certos que era para o meu bem, como poderia contrariá-los? Sem contar que, se não o fizesse, seria punido. Não me esclareceram, no entanto, que tipo de punição eu sofreria.

Dias depois, estava almoçando em minha casa, quando ouvi batidas na porta. Atendi. Eram eles. Traziam-me algumas viandas com variados tipos de comida, conforme verifiquei instantes depois. Imaginei que as viandas fossem o seu almoço. Convidei-os para entrar e almoçar. Recusaram, declarando que aquela comida não era para eles, mas para mim. Naturalmente, eu deveria pagar pela comida. E o fiz. Acrescentaram que já haviam se encarregado de realizar a encomenda de meu almoço, e que o mesmo seria entregue sempre por volta do meio-dia no meu endereço por um menino escolhido por eles. Eu deveria pagar o almoço ao menino. Todos os dias. E comer, ao menos durante o almoço, somente o que havia nas viandas. Eram alimentos cuidadosamente escolhidos para a minha mais perfeita saúde. Retruquei que não gostava de vários alimentos que ali estavam. Responderam que isso não fazia diferença, eu deveria comer e me habituar a eles. Era para o meu próprio bem. Caso me recusasse a me alimentar somente com os alimentos das viandas, seria severamente punido. Tive que aceitar.

Quando abri a última das viandas (eram 5 no total), não havia comida ali, mas uma folha de papel cuidadosamente dobrada. Abri-a e li o seguinte:

“Senhor Gilberto, aqui está uma lista dos livros, revistas, músicas e filmes. São os que você deverá ler, ouvir, assistir durante este mês. Não é necessário ler todos os livros, ouvir todas as músicas, assistir a todos os filmes. Porém, o que senhor desejar ler, ouvir ou assistir, deverá estar incluído nessa lista. Nem é preciso que escrevamos que é para  o seu próprio bem. E crescimento individual. Tudo o que está na lista foi selecionado pensando-se exclusivamente em seu bem-estar.  É igualmente desnecessário que escrevamos que a punição oriunda do descumprimento destas determinações será exemplar. No mês seguinte, junto com alguma das viandas, virá a lista para o mês em questão. E assim sucessivamente. ”

No mesmo dia, providenciei alguns dos filmes, livros e músicas. Eu não gostava de quase nada do que estava lista. Porém, estava certo que, com o tempo, aprenderia a gostar, e que o benefício a mim trazido pelas obras seria extremamente recompensador.

Por vezes, desejava encontrá-los na rua para que eu pudesse agradecê-los por tamanha bondade e consideração por alguém tão insignificante quanto eu. Eu, que trabalho em uma indústria de móveis da manhã à noite e que recebo um salário não mais que razoável. Realmente, eu jamais teria tempo para pensar em todas essas coisas que eles têm pensado por mim. Tenho me sentido bem mais tranquilo. Fico imaginando o que devo ter feito de tão meritoso para receber a preocupação e dedicação deles. E chego à conclusão de que não fiz nada. Aliás, nada faço além de trabalhar e voltar para casa. Nos fins de semana, bebo, melhor dizendo,bebia, uma cervejinha com os amigos.

Digo que bebia, porque não o posso mais fazer. Para meu próprio bem. Há alguns dias, acordei com um telefonema às 3h da madrugada. Eram eles. Rapidamente, pois não podiam desperdiçar seu tempo, disseram-me que eu não deveria mais beber nenhuma bebida alcoólica. Eram nocivas, fosse para a minha saúde física, fosse para a minha saúde psíquica. Nunca, jamais, eu deveria voltar a ingerir um gole sequer de álcool. 
(Amanhã, o final do conto.)

5 comentários:

Davi Machado disse...

Gostei até aqui...
vou esperar o final hehe

angela disse...

O conformista...
Vai indo bem o conto. Gostei.
NO meu poeminha o primeiro verso é do Drummond e pertence ao poema: As sem razões do amor(estou sem as aspas)e eu deveria ter colocado um adendo embaixo, mas só pensei nisso depois que o amigo comentou.
beijos

Weimar Donini disse...

Esta parte do conto lembrou-me de uma outra acontecida com duas crianças, meus sobrinhos. A mais velha, com 5 anos a quem chamarei de Tirana e o mais novo com 2 anos, o Crédulo.
Certa noite, antes de dormir, Crédulo comentou com sua mãe: "Mãe, eu gosto muito da Tirana. Ela é muito minha amiga!
"É?" Perguntou a mãe. "O que ela fez de tão bom para ti?"
E o Crédulo:
"Hoje ela me colocou de castigo 3 vezes no canto da casinha de brinquedos e me explicou que fazia isto para o meu bem! Ela é muito minha amiga. Só quer o meu bem!"

Aline disse...

E aí a possibilidade de mudar de caminho sem precisar da bebida... Afinal, o segredo é "beber a vida"...

Anônimo disse...

Muito bom, gostaria de ler o final amanhã e decifrar qual o enígma que você quer passar com o texto.

Estou te seguindo.

Pitro