12 setembro 2012

Brahms e Goethe - A trágica Rapsódia para Contralto

"Compus uma canção nupcial para a condessa Schumann. Porém, faço-o com raiva."

Johannes Brahms, sobre a Rapsódia para Contralto. Logo, os amigos leitores entenderão melhor.

Em 1869, Brahms compôs uma das suas melhores obras vocais, a Rapsódia para Contralto, Coro Masculino e Orquestra, Op.53. A Rapsódia foi composta sobre trechos de um melancólico texto de Goethe, o poema Viagem  de Inverno pelo Harz. Não é a única obra de Brahms baseada em textos de Goethe, antes ele já havia composto a magnífica cantata profana Rinald. Sem falar nos diversos lieder de Brahms que musicaram poemas do grande poeta alemão . Goethe inspirou uma penca de  compositores do romantismo, desde Beethoven (Egmont, por exemplo), passando por Schubert , Schumann, e vários outros. E não poderia ser diferente, uma vez que Goethe dominou a literatura universal em sua época, foi um precursor do romantismo artístico e legou-nos obras de uma grandeza e profundidade incomparáveis.

Mas falemos da Rapsódia de Brahms. A sua história não é exatamente o que se pode chamar de feliz. Depois de sua famosa paixão por Clara Schumann, mulher do seu amigo Schumann, Brahms se apaixonou por uma filha do casal, Julie. Devia ser bem parecida com a mãe. Mas o desafortunado Brahms deveria ter previsto que adviria outro desastre amoroso em sua triste sina. Antes do compositor se declarar, soube que Julie iria se casar com o conde italiano Victor Radicati di Marmorito. Fazer o quê? Concorrer com um conde italiano não dá. Escreveu Clara: "Contei a Brahms antes de qualquer pessoa. Parecia não esperar por uma notícia como esta e ficou transtornado."  Bah, e ainda o Brahms foi o primeiro a saber... Resultado, para fugir da paixão por Julie, Brahms compôs a trágica rapsódia. O curioso é que Goethe, quando escreveu o poema em questão, estava fugindo da sua paixão por Charlotte von Stein. 

Algum tempo depois, Brahms mostrou à Clara a partitura da Rapsódia para Contralto. Que causou a seguinte reação na viúva de Schumann: "Há muito tempo que não tinha uma impressão tão profunda, fiquei surpreendida pelo tom melancólico de sua música." 

A parte inicial da Rapsódia é de uma profunda, violenta amargura, em que parece soprar o gelado e impiedoso vento do sombrio inverno alemão. A densidade emotiva tão característica de Brahms atinge nessa obra níveis extremos. Porém, como também é característica de Brahms, não há exageros, mas uma escura gravidade aliada a uma beleza solene. Tudo dentro de uma forma rigorosa, equilibrada. Os lamentos e súplicas da contralto, o acompanhamento celestial do coro masculino (que somente entra quando a obra se prepara para a conclusão) e os sentenciadores acordes da orquestra formam um todo admiravelmente coeso, em que um envolve o outro. A obra vai adquirindo contornos mais luminosos conforme ascende em direção ao seu final. Sim, é uma verdadeira ascensão, uma transfiguração, que parte de um sofrimento dilacerante de intensa excitação psíquica até uma grandiosa serenidade plena de amor e compaixão. Sem, todavia, atingir a felicidade.

Brahms escolheu três estrofes do poema de Goethe. Abaixo a tradução:

Viagem de Inverno pelo Harz (trechos utilizados na Rapsódia para Contralto)

Mas ao lado, quem é?
No meio dos arbustos seu destino se perde.
Atrás dele, apenas o farfalhar dos arbustos.
E a grama se ergue novamente,
E a andorinha o engole.

Ah, quem mitigará a dor daquele
Para quem o bálsamo se fez veneno?
Daquele que, em pleno amor,
O ódio humano bebeu?
Antes, escarnecido, agora zombador,
Curte secretamente o torturante egoísmo.

Se há em teu saltéro,
Pai de misericórdia,
Uma nota que fale ao seu ouvido,
Enche o seu coração de misericórdia.
Abre ao nublado olhar
Do caminheiro, sedento,
As fontes infinitas do deserto.

Johann von Goethe

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