30 setembro 2011

Sobre a Tua Vida Esmagada

graxaim atropelado
pela estrada
ninguém derramou uma lágrima
sobre teu sangue esparramado:
para quem passa rápido
tu és apenas um nada

tu sendo um
és todos
que deixaram de ser
para que fosse o progresso
ninguém se importa:
a tua existência no mundo moderno
é inútil e é um excesso

sobre a tua vida esmagada
soprou o leve da brisa
dos sorrisos dos que passam
pensando em um beijo na noite
ou em dormir com a consciência dos justos
ou numa festa pela madrugada
sobre a tua vida esmagada

eu mesmo...
eu fiz o quê?
nada
só um poema
que também será nada
para quem lê

29 setembro 2011

Planeta sendo Consumido pela Desertificação

Mas, como sempre, ninguém, ou quase ninguém, está ligando.  Se a maioria das pessoas estivesse se importando verdadeiramente com o fato, o fato deixaria de ser um fato. Porém, o fato é que segundo a Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação (CNUCD) – percebam que a questão é tão grave que a ONU criou uma convenção específica para a questão - A cada ano são perdidos 12 milhões de hectares de terras produtivas. 12 milhões. A cada ano.  E a CNUCD diz ainda o seguinte: "A cada minuto são perdidos 23 hectares de terras produtivas por causa da degradação". A CADA MINUTO! Já pararam para pensar? Aonde vamos chegar? O planeta se tornará um só Saara?

Nessa superfície do planeta perdida a cada minuto, 23 hectares, seria possível se produzir, segundo a CNUCD, 20 milhões de toneladas de cereais. O curioso é que sempre se pensa no potencial econômico da terra, mas nunca na vegetação natural que ali poderia existir, nos animais selvagens que poderiam ali viver se a região não tivesse se desertificado.

Segundo a ONU, 2,3 bilhões de pessoas, em mais de 100 países, vivem em regiões áridas ou semi-áridas. E muitas dessas regiões áridas não são naturais, mas foram criadas pela ação humana, foram desertificadas. Aqui mesmo, no RS, temos fatais exemplos desse desastre. Aliás, aqui mesmo em meu município, Santiago, há árias desertificadas, pequenas, mas existem. E estão crescendo ano após ano.  Em Alegrete, já há até um verdadeiro pequeno deserto. Tem até nome: “Deserto de São João”. Com 940 hectares de área. Não é o deserto que virou mar, mas o pampa que virou areia. Calcula-se que a área total desertificada no RS esteja em torno de 3000 hectares.

O que causa a desertificação todo mundo sabe. Precisa repetir? Bem, algumas das causas precisam ser sempre lembradas, ainda que inutilmente. Plantar pinus é uma delas. O pinus suga água demais nas nossas terras. Mas continuam plantando, dá muito dinheiro, é ótimo para a economia, para o progresso, para o desenvolvimento da nação. Outra causa é o Aquecimento Global. Contudo, muitos dizem que ele nem existe, que é uma farsa. Então, para que nos preocuparmos? Não há com o que se preocupar. Deixemos que o Brasil vire deserto e queime em meio a magníficas secas recordes.

Que o diga Fernando Pessoa: “Pouco me importa. Pouco me importa o quê? Não sei. Pouco me importa.”

(Nas imagens acima, o pampa em seu estado original e o pampa desertificado.)

28 setembro 2011

a Quem Dorme

vou ver se durmo
volver-se só pelo não-dito
versar em névoas
tudo que me deixa aos olhos
descendo oculto
nunca develar-me sendo
a ver se pairas no que sou
tuas essências...

majestei-me às asas
fêminas sem destino
perdi-me em cânticos sentenças
que te foram...

lá que encontro as febres
que à noite em mim serenam
como luzes de um segredo
sempre em sangue e astro
encontro-me ao sopro
que não chegou me antes
a sonatar o meu sono
que sonhei-vertigem...

dormir é revolver-se um livro interno
dormir é resolver-se em esquecimento
um mortal fatal momento
no eterno...

(Na imagem, o quadro "Ophelia", de Millais.)

26 setembro 2011

Meu Mundo Humano

eu sempre esperei mais de ti
meu mundo humano
que não é meu
sendo meu também
para ver a altura suprema
dos teus arranha-céus
olhei para o fundo de um abismo
em que também me sou
e quando voei nas tuas naves
eu não me ergui do chão
e quando contemplei o verde
dos teus campos cultivados
o verde da minha esperança murchou
e quando na multidão das tuas grandes cidades...
tornei-me ainda mais sozinho
do que já estou
e ao saber das descobertas
da tua grande ciência
vi que ainda não tinha descoberto a mim
e todos os teus potentes veículos
não me levaram a lugar nenhum
e tudo o que construíram tuas indústrias
contribuíram com a minha destruição...

observei a tudo isso
profundamente entristecido
mas não chorei...

só a Arte me faz chorar.

25 setembro 2011

Tigre, de William Blake

Sou um grande apreciador de William Blake (1757 - 1827), de sua literatura e de sua pintura. Blake era um gênio, um louco, um inspirado no sentido mais amplo e mais absurdo da palavra. Entendam-me como quiserem. Foi um dos precursores do Romantismo. Mas sua obra está além de uma classificação de período. Ainda hoje compreendê-lo é uma tarefa difícil, no mínimo. Foi um mensageiro de coisas para as quais geralmente não há mensageiros. Compartilho com os leitores o magnífico poema abaixo e o misterioso quadro "Satã Contemplando o Amor de Adão e Eva".



O Tigre

Tigre, tigre que flamejas
Nas florestas da noite.
Que mão que olho imortal
Se atreveu a plasmar tua terrível simetria ?

Em que longínquo abismo, em que remotos céus
Ardeu o fogo de teus olhos ?
Sobre que asas se atreveu a ascender ?
Que mão teve a ousadia de capturá-lo ?
Que espada, que astúcia foi capaz de urdir
As fibras do teu coração ?

E quando teu coração começou a bater,
Que mão, que espantosos pés
Puderam arrancar-te da profunda caverna,
Para trazer-te aqui ?
Que martelo te forjou ? Que cadeia ?
Que bigorna te bateu ? Que poderosa mordaça
Pôde conter teus pavorosos terrores ?

Quando os astros lançaram os seus dardos,
E regaram de lágrimas os céus,
Sorriu Ele ao ver sua criação ?
Quem deu vida ao cordeiro também te criou ?

Tigre, tigre, que flamejas
Nas florestas da noite.
Que mão, que olho imortal
Se atreveu a plasmar tua terrível simetria ?

William Blake

23 setembro 2011

Ilógico

entre o tudo que não existe
dou-te este poema
vitoriosamente triste
ou que nem triste chegou a ser:
talvez o fosse
se eu me pudesse ver...

mas se minha tristeza
não é suficiente
talvez o seja
o olhar ao mundo
como morrer
e ser profundo

a minha humanidade
não me perdoa:
sou minha culpa
que te não voa

e o que me eleva
é o que não passa:
ah quem me dera
ser um veneno
na tua taça

e o horror divino
é sempre firme
em tudo há medo
e aponta um dedo:
sentir é crime

eu sou aquilo
que não me esquece:
sou como um sono
e tu minha prece

a minha palavra
não dará ensejo
a nenhuma lágrima
mas será um desejo
de organismo etéreo
despencando do que tristeza
ao ilógico do que mistério...

22 setembro 2011

Humanidade... Vai Dormir!

humanidade...
vai dormir!

por que queres continuar acordada
se já chegaste ao final do teu dia
e viste que ele não deu em nada?

por que queres caminhar ainda?
caminhar para onde?
caminhar para quê?
se de exausta caminhas em círculos
e tuas estradas voltam ao mesmo lugar?
a que progresso fatal queres ainda avançar?

humanidade...
vai dormir!
se não encontraste sentido na vida
talvez encontres sentido no sono
talvez sonhando sonhes teus sonhos
talvez fechando os olhares
vejas teus gênios cantando nos céus
e o amor que buscaste bailando nos ares...

talvez dormindo
recuperes tuas forças
e despertes animicamente renovada:
nada melhor que um dia após o outro
e uma nova aurora e um novo raiar...
dorme humanidade
que no estado em que estás
não podes mais continuar...

sou um pessimista?
não, sou alguém cansado
morrendo de sono...
por mais que eu faça
ali está sempre a desgraça
impávida
impassível
impossível
sempre a sorrir...

humanidade
faz como eu:
vai dormir.

Ainda Sobre a Semana Farroupilha

O jornalista Jorge Loeffler, editor do site Praia de Xangri-Lá (que vale a pena ser conferido) repercutiu meu post sobre a Semana Farroupilha do dia 15/09, bem como o texto abaixo sobre Análise Fisionômica... 

Loeffler faz o seguinte comentário:

“Recebi a indicação deste blog faz poucos minutos e confesso que me impressionou a coragem com que este jovem externa o que pensa. Fico imensamente feliz, pois nos dias de hoje a quase esmagadora maioria abandonou o hábito de pensar, deixando-se levar pelas malditas novelas e programas outros de baixíssimo nível da televisão. Pensar nunca fez e jamais fara mal à saúde de quem quer que seja. E o mais importante, pensar faz com que o seu cérebro não sucumba a certas moléstias que o paralisam politicamente, pois é incrível a verdadeira manada de eleitores que votam permanentemente em políticos que não valem nem mesmo que comem. E eu ia dizer o que cagam, mas a merda merece respeito e eles não. Pensem sobre isto enquanto vos desejo um restante de semana profícuo.”

21 setembro 2011

Análise Fisionômica, José Otávio Germano e mais uma do PP

Cheguei a uma conclusão que vai revolucionar a política mundial. Sempre suspeitei que eu era um gênio, agora tenho a prova definitiva. Em breve todos os países estarão aplicando este método para eleger os representantes do povo. Que método seria? Simples, a Análise Fisionômica. Explico. Segundo a minha teoria, não se pode aprovar como candidato a cargos públicos eletivos ninguém que tenha uma fisionomia não confiável, em outras palavras, que tenha cara de sem-vergonha. Espero ganhar algum dinheiro com essa minha teoria revolucionária, pois com a literatura a coisa está feia.

Alguns dirão que é preconceito. Eu digo que é só uma questão de sagacidade, perspicácia.  Observam atentamente a fisionomia das pessoas. Não tenho o menor receio em afirmar que a maioria esmagadora dos políticos que têm cara de sem-vergonha realmente o são. E eu diria até que em um índice próximo aos 90%. É claro que há exceções. Mas exceções... são exceções. Isso não quer dizer, naturalmente, que um político com cara de santo seja verdadeiramente santo. Pode ser que também seja um safado. Mas a minha teoria não pretende ter eficácia de 100%. Nem Einstein chegou a tanto. Mas é confiável. Isso eu garanto. E, convenhamos, a maioria dos políticos têm cara de sem-vergonha. Ou o senhor, a senhora, amáveis leitores, discordam?

Observem, por exemplo, a imagem acima. É o nosso excelentíssimo deputado estadual José Otávio Germano, do PP. Para que cara de sem-vergonha mais do que a dele? Envolvido com a CPI do Detran faz tempo. Dizem que desviou milhões de reais. Suspeito de liderar o esquema de fraudes no Detran. Estava lendo o Correio do Povo desta terça, 20 de setembro, Dia do Gaúcho. A manchete da página 6 diz o seguinte: “José Otávio Germano segue réu no caso do Detran”.  Já tentou duas vezes ser excluído da ação de improbidade administrativa. A Justiça negou as duas vezes. Segundo Germano, as provas apuradas durante a investigação teriam sido obtidas de maneira ilegal. Percebam, amigos leitores, que o próprio deputado admite que há provas contra ele. Ele não questiona a veracidade das provas. Questiona se elas valem como provas. Mas parece que a Justiça as está aceitando. É, e o idôneo deputado Germano está perdendo o seu poder político, inclusive em sua cidade.

Mas é claro que o Germano não é a única prova da minha teoria. Há muitas, muitas outras.  Pensem, amigos leitores, nos seus políticos mais detestados. Todos eles não têm cara de sem-vergonha? Alguns exemplos: o Collor. O Sarney. O falecido e saudoso Antônio Carlos Magalhães. O Michel Temer. Tem cara de mordomo sem-vergonha. E dizem que o mordomo é sempre culpado. Logo... O Aldo Rebelo, autor da cafajestada do Novo Código Florestal. Que cara de cabra safado. E por aí vai, certamente o leitor já identificou vários outros. Então, não estou certo?

Concluindo, a questão é extraordinariamente simples: a Análise Fisionômica deve ser obrigatória a todo pretendente à política. Ou, se não vier a ser, porque os que fazem as leis são os próprios sem-vergonhas, devemos simplesmente não votar nos caras com caras que não ensejam confiança. E, por favor, a ideia é minha, não roubem meus royalties.

Ah sim, já ia me esquecendo. Já que estamos falando do pepista Otávio Germano, sabiam da última do PP? Não? PQP! O Partido dos Pobres, PP, foi contra a homenagem às vítimas da Ditadura Militar. Não entendo. Pessoas que o partido ajudou a torturar e matar (não esqueçam que o PP é a antiga ARENA) deveriam ser homenageadas pelo próprio partido, para que ficasse provado o seu arrependimento. Assim, todos os papistas, digo, os pepistas,  entrariam no Reino dos Céus. E, nesse caso, eu preferiria ir para o Inferno. 

19 setembro 2011

Três Rápidas Considerações Sobre o Vinho

I

bebê-lo
é olhar
o sou do que não tenho
pelo lado oposto
daquele outro gosto
do teu olhar
no espelho

II

no vinho
o que é que se afoga?
não se afoga
o fogo é que se inunda
afogueado no meu sangue
de taça quente e funda

III

há o branco e há o rosa
e há aquele em que não minto...
mas o melhor do beijo
é quando ele fica tinto...


17 setembro 2011

Palavra de Não-Dizer

o que será que diz
a palavra que não consigo dizer?
ou melhor
o que ela diz eu sei
mas não consigo fazer
com que ela se faça dizer
e não é bem que eu saiba
é muito mais que eu sinto
que saber e sentir não se confundem
em uma palavra tão só
ou talvez se confundam tanto
que se tornem outra coisa além
e também não é bem sentir
que o sentir ainda não é
bem o que está aqui ou ali
talvez seja algo mais sublime
e que paire lá onde eu não me veja
ou talvez ainda eu veja
mas não consiga tornar o que vejo
naquela palavra que não disse
e também por que eu hei de dizê-la?
que nenhuma palavra que eu diga
vale a existência de uma estrela...

15 setembro 2011

Passando Minha Adaga na Semana Farroupilha

Algumas constatações sobre a Semana Farroupilha:

 - A Semana Farroupilha transformou-se em um desfile de agroboyzinhos nas camionetinhas do papai, enquanto gaúchos de verdade, os peões que trabalham duro nas estâncias e cultivam as verdadeiras tradições gaúchas (não para fazer bonito ou para aparecer, mas porque isso é o natural deles) não podem comprar um par de botas. Muito menos desfilar com um cavalo. É como retrata Cyro Martins na sua “Trilogia do Gaúcho a Pé.”

-  Grande parte dos campos dos grandes estancieiros gaúchos é campo que foi roubado na época em que as fronteiras das terras não eram cercadas. É como diz o inesquecível personagem Juvenal em “O Tempo e O Vento” do Érico Veríssimo, referindo-se ao estancieiro Amaral: “Todo mundo aqui  sabe que metade dos campos desse velho é tudo campo roubado!”

- Os agroboyzinhos gostam também de andar por aí enchendo a pança de cerveja e gritando o “Grito do Sapucai”, que é herança de nossos índios guerreiros. Mas os índios ou foram massacrados ou se encontram em estado miserável em suas terras devastadas. E os “gaúchos” pouco se importam.

- E os “farroupilhas” bem pilchados apreciam também matar cavalos esgotados desfilando com bandeiras sob o sol do litoral pra mostrarem que são machos.

- E os nossos “pampeiros”, que dizem amar a terra, amar o pampa, são os mesmos que estão acabando com ele plantando soja, pinus e o diabo. Acabando com os rios, desviando água para plantações de arroz, infestando tudo de pesticidas, massacrando nossa fauna, causando erosões, assoreamentos, desertificação, enfim, transformam o pampa num inferno de desolação. Mas na Semana Farroupilha, amam a terra gaúcha.

- Não me pilcho, mas sei que amo minha terra mais do que muitos pilchadinhos engomadinhos por aí. Alguns gaúchos deveriam entender que, mais do que a pilcha, o que define o gaúcho são os valores de honra, dignidade e coragem.

14 setembro 2011

Não sei ser Prático

praticamente
não sei ser prático:
na vida prática
não há praticidade para mim
perdoem-me os práticos sensatos
mas eu me pratico  assim

nem só de prático
vive o homem
a vida é além
que feijão no prato
que catar como rato
as migalhas do chão
é, talvez eu seja errado
mas também nunca fui são...

pratico o não-prático.
que por onde pratica
o prático vê pratas
onde elas estão
já eu vejo pórticos
onde eles não hão...

a minha práxis
é não ser prático:
sou só labirintos de sós
sem solução

12 setembro 2011

O Que é Terrorismo?

Terrorismo é eu querer que tu queiras e que tu faças e que tu sejas aquilo que eu quero e que eu faço e que eu sou. Terrorismo é eu querer impor a minha razão. É estar certo que somente eu estou certo e que somente eu sei o que é certo para ti. 


Terrorismo é não poder ser quem sou. Ou, se eu for, for condenado por um tribunal invisível. Terrorismo é existir um tribunal invisível e ninguém se responsabilizar por ele.

Terrorismo é tornar a impotência alguma forma de poder e fazer do poder aquilo que torna impossível a impotência de reagir.

Terrorismo é saber que se eu não consumir o que os outros consomem, serei discriminado. Terrorismo é ter que ter o que os outros têm. E ter quer desejar tê-lo. É, numa época de culto à aparência, não ter uma boa aparência. E não poder ter. Mas ter que se importar com o não tê-la. Terrorismo é saber que devo ter dinheiro, mas que não tenho, e que não posso ter. Terrorismo é ter o dinheiro e fazer com que isso seja o mais importante.

Terrorismo é viver em meio aos mais diversos e intensos apelos sexuais e não poder satisfazer todos os desejos suscitados por tais apelos. Terrorismo é saber que devo aceitar o que os outros querem que eu aceite. E se não aceito, ter todos os dedos apontando para mim.  E terrorismo é tentar cortar esses mesmos dedos. Ou ameaçar de cortá-los. Terrorismo é dizer: se tu fizeres qualquer coisa contra mim, eu farei coisa pior contra ti.

Terrorismo é ter que cumprir a lei sabendo que a lei está incorreta. Terrorismo é saber-se injustiçado, mas ter que engolir sem reclamar. E se reclamar, ser punido. E, ao ser punido, desejar a vingança. E executá-la. Terrorismo é buscar qualquer meio para executar a vingança, não importa qual, desde que ela se concretize.

Terrorismo é ter que sobreviver do jeito que der. Terrorismo é ter que trabalhar miseravelmente dia e noite enriquecendo outros para ter o direito de viver. E terrorismo é ter que aceitar, porque é assim e pronto. Terrorismo é não poder trabalhar. Terrorismo é esse irremediável.

Terrorismo é, como diria Brecht, julgar violentas as águas do rio e não as margens que as oprimem.Terrorismo é ter que estar incluído onde não se quer estar incluído. Terrorismo é a inclusão forçada. Terrorismo é não se poder estar onde se queria estar. Terrorismo é a exclusão forçada. Terrorismo é não ter como escapar. Terrorismo é tentar escapar de alguma forma não aceitável. Terrorismo é não ter saída. Terrorismo é não ser compreendido. Terrorismo é estar sozinho. Terrorismo é o dia a dia.

11 setembro 2011

O Triunfo da Morte

em breve não haverá o longe
ao longe no horizonte
em breve o sempre será ontem
e o silêncio esgotado
de uma fonte...

em breve não haverá o leve
só o calo de um canto de um pássaro
calado num eterno vago de neve
passará o pássaro
e o desmanche de um sorriso lasso
desmoronando por entre os olhos
de cuja luz
não restará um traço

e daquela alva árvore que me olha
despencando pela vitória do abismo
cairá folha por folha
ao abalo do trago de um sismo

em breve haverá um nada
se desfazendo em furacão...

e tudo se igualará
ao meu coração.

(Na imagem, detalhe do quadro "O Triunfo da Morte" de Brueghel)


09 setembro 2011

Três Rápidas Considerações à Humanidade

I

ser humano
é chegar sempre tarde
por entre a bonança
que precede a tempestade


II

de ti
não espero nada
e o digo em alta voz:
é que multiplico por 7 bilhões
o zero que espero
de cada um de nós

III

talvez o melhor
é não estar contigo:
já nem sei
se ser teu benfeitor
é estar do teu lado
ou ser teu inimigo

08 setembro 2011

O Genocídio (Final)

Todos sabiam, é claro, que deveriam morrer. Chorando, suspirando, gemendo, gritando ou sombriamente calados, todos aguardavam o momento em que seriam chamados para a execução. E teriam que aceitar, não havia saída ou solução para os seus casos. Nenhuma. Sabiam disso. E foi no momento daquela ventania luminosa com o surgimento do brilho absurdo dos dois orbes simultâneos que souberam de tudo. Um “Não acredito!...” foi tudo o que puderam pronunciar em um fúnebre desalento.  E baixaram as cabeças em terrível resignação, como que curvados sob o peso de um martelo hercúleo.

            Seguiu-se um arrastado e doloroso instante de lembrança de todas suas vidas, de tudo que viveram, o que fizeram, o que amaram e o que odiaram... Imploravam, gritavam, berravam, arrastavam-se no lodo do chão suplicando por misericórdia, mas no fundo conheciam que era tarde demais, e tudo resultaria completamente inútil. Por fim, desabaram em uma crise de choro desesperado.

            Fui para o fim da fila, sem precisar que para isso me ordenassem. Fui porque não havia o que fazer. E porque sabia que essa era minha obrigação, era um fato inexorável. Aos poucos, em horas que pareciam milênios, minha vez foi chegando. Havia milhares na minha frente. Quando restavam apenas seis miseráveis para chegar a minha vez, percebi que alguns, raros, não eram mandados para a execução, mas levados a uma mesa em cujo redor estavam sentadas sete pessoas estranhas com uma expressão de intensa gravidade em suas duras fisionomias. Enquanto tentava observar o que ali se passava, minha vez chegou. Nesse momento, virei para trás. Havia milhares de desgraçados atrás de mim em meio ao cinza avermelhado daquela noite interminável.

Um homem que não parecia humano olhou fixamente nos olhos. Quando digo que não parecia humano, não sei com o que compará-lo. Seu semblante grave e carregado não irradiava maldade. Bondade, tampouco. Parecia que estava ali unicamente para cumprir uma missão, qual seja, a de enviar as pessoas da fila para algum tipo de execução: fuzilamento, envenenamento ou enforcamento. Ou então, o que era raríssimo, conforme pude constatar, enviá-las para a mesa com os 7 homens estranhos. Pois ele olhou-me, e seu olhar foi uma das coisas mais terríveis que presenciei em toda a minha vida lamentável.   E não gostei de sua expressão. Um arrepio impiedoso fez com que uma crise de choro me dominasse. O homem aguardou a crise passar. Pensei comigo: seja qual seja o meu desígnio, ele será justo. Era uma forma de consolo.

            O homem apontou seu longo dedo para a mesa com os 7 homens. Lentamente e carregado de medo e dúvida dirigi-me até lá. Todos me olhavam fixamente. Aqueles olhos que me perscrutavam de forma assustadora. Esse foi o instante em que o medo atingiu um auge insuportável. Aquele medo ancestral de que já falei. Será isso pior que a morte? perguntei a mim mesmo.  Talvez fosse. Uma vergonha absurda principiou a me estarrecer, eles sabiam tudo de mim, eles não me falavam, mas eu sabia que eles sabiam. Aliás, eles não me diziam absolutamente nada. Um misto de medo infinito, vergonha degradante e culpa avassaladora estavam acabando comigo. Já não me era suportável aquela tensão, aquela expectativa que me consumia. Foi quando um deles mexeu em uns papéis e me alcançou um deles. Gelei, nesse instante.

            - Está faltando muito, muito mesmo, ainda assim, aqui está, outra chance.

            Foi o que ele me disse. Não sabia o que responder. Talvez, nem devesse fazê-lo. Creio que agradeci. Não lembro. Ainda tento entender o porquê de receber outra chance. Seja como for, ela deve ter sido justa. E creio realmente que a mereci. Embora pensasse todo o tempo que não a merecesse. Ainda me é difícil acreditar. Saí daquele local absurdo. Entrei em uma sala iluminada e caminhei por um corredor de tonalidades claras. Só minutos depois percebi que havia uma sacola em minha mão. Eu a carregava, mas não lembro do instante que me fora dada. Verifiquei o que havia nela. Três toalhas, de cores diferentes. Mas deveria ainda pegar mais alguma coisa que não posso revelar.  Olhei para o lado. Ela me acompanhava...

(Na imagem, o quadro "O Grito" de Munch.)

06 setembro 2011

O Genocídio

Mal prestava atenção ao barulho incessante das metralhadoras. Lembro-me que era noite. Ou talvez não fosse, tudo continua vago e difuso. Mas a impressão que sempre trago comigo é de uma noite profunda, densa e anômala. Algo de extremamente inquietante pairava no ar. E tudo surgira de forma súbita. Nem sei quanto tempo estive ali presenciando a matança. Corpos de seres humanos amontoavam-se aos milhares. Eu já me acostumara ao barulho das metralhadoras, com o cheiro nauseabundo do sangue espalhado por todo lado, com as cenas de enforcamento, com o estertorar dos envenenados e com os corpos, corpos aos montes sob um céu negro, cinza e avermelhado.

Eu nunca sentira tanto medo. Não o medo comum e corrente do dia a dia, mas o medo ancestral, do âmago humano, o medo de se saber impotente, de se saber que tudo o que mais temíamos sempre foi verdade, e que a hora havia chegado. O medo de se estar diante de algo que é infinitamente maior do que nós, em todos os sentidos, e que não se pode enfrentar, que está acima de tudo o que somos, de todas as nossas possibilidades, de qualquer meio que tenhamos de reagir ou de buscar uma indefinida forma de salvação.

 Eu simplesmente estava ali, como muitos outros, ao dispor do que eles iriam me dizer, se é que me diriam algo, do que iriam querer de mim, do que fariam comigo. E o mais grave é que eu sabia que eles estavam com toda a razão e que o errado era eu. Nunca me esquecerei daqueles olhos sentenciosos perscrutando tudo o que havia em mim. Saber-se culpado, encontrar-se diante da culpa e nada poder fazer é uma sensação arrasadora. E o pior de tudo era ter que suportar a sensação que aqueles olhares me transmitiam, aquele “está vendo, nós avisamos...” E não ter a condição de mencionar uma só palavra em protesto. Permanecer mortalmente calado numa angústia dilacerante era tudo o que eu podia fazer. Desnecessário mencionar a suprema tensão em que me encontrava.

Mas o medo foi algo que surgiu um momento depois. Antes disso, anoitecia (creio que anoitecia). O clima de ocaso iminente... Palavras que jamais esquecerei. Surgiram como que sopradas no meu espírito. Houve então uma reviravolta no tempo, até então sereno, mas de uma calma estranha. A calma que precede as tempestades. Eu jamais imaginei que aquilo fosse acontecer. Não naquele momento. Embora acreditasse, parecia sempre soar como impossível. Aqueles momentos esperados ou temidos que deixam a impressão que nunca chegarão. Mas aquele chegou. Quando eu menos esperava. Dois brilhos gigantescos ao fundo do horizonte. Amarelos, em tons laranja, avermelhados. Antes ainda um vento intenso, profundo, luminoso, mas sem ser violento. Sobrenatural, apenas.  Porém,  aquele vento trazia consigo uma reviravolta, uma transformação  em todas as coisas como eu nunca antes presenciara. Metamorfoseou-se o céu em um infindo campo incendiado. De uma hora para outra.

E um dos dois orbes gigantescos que brilhavam ao fundo do horizonte assomou-se triunfante e ameaçador diante de mim, monumental, supremo, devastador. Reconheci-o imediatamente. Meu coração, naquele instante, sentiu uma felicidade tão intensa quanto passageira. Senti que triunfava ao lado daquele orbe impávido e invencível. A cor marcial, fulva, avassaladoramente rubra dominava todo aquele ambiente transformado. Olhei para minhas mãos, elas sangravam.

Foi então que dirigi minha atenção a uma escuridão densa e palpável que ao meu derredor principiou a se formar. Avistei uma fila absurda de pessoas, centenas, milhares delas, ou talvez ainda mais, que se perdiam nos horizontes cinzento-avermelhados. Não me era, obviamente, possível divisar o final da fila. De um outro lado, eu contemplava estarrecido as montanhas de seres humanos mortos, que aparentavam tocar a treva espessa do céu. Uma doentia luminosidade funérea, cinzenta, parecia cair sobre os cadáveres em intervalos semelhantes às luzes de um relâmpago. Mas eu não via relâmpago algum, muito embora a atmosfera estivesse febrilmente carregada. Nem escutava som de trovões. Talvez estivessem abafados pelos gritos dos miseráveis. As rajadas de metralhadoras, os envenenamentos, os carrascos executando o seu dever nas forcas nunca cessavam. A fila interminável era para a morte. Cada um esperava seu fim com uma resignação suprema, em uma desolação absoluta. Nada poderia ser feito. Agora eles compreendiam. Nada poderia ser feito. Nem fugir, nem protestar, nem lutar, nem argumentar, nem mesmo cometer o suicídio. Só se podia aguardar na fila a sua vez de morrer.

Amanhã, o final do conto. (Na imagem, o quadro "Medo", de Edvard Munch.) 

05 setembro 2011

Peso

leve contigo
o que não tenho
o que não pude
o que não vou
o além do meu além de te deixo
em inúteis transcendentais
leve contigo o meu mais
e o meu não sou

leve contigo o meu limite
o que não será no meu destino
tudo aquilo que nunca me trará um sim
leve contigo o meu acima
e o meu fim

leve contigo
o que não poderei falar-te
o que não chego e o que fracasso
leve te seja a minha arte

leve contigo
o que nem minha alma escreve
o que não pude deixar leve pelos ares
leve te sejam os meus pesares
no teu voo leve...


03 setembro 2011

Presidente Dilma: "Vamos vencer a crise consumindo e investindo"

É a manchete de capa do jornal Correio do Povo deste sábado. Consumindo... Consumir.  O que é consumir? O Dicionário Ilustrado da Língua Portuguesa diz o seguinte: Consumir - gastar, despender, extinguir. Extinguir. É exatamente isso que estamos fazendo. Nós, a humanidade. Consumir é extinguir. É o que fazemos com tudo no planeta. Extinguimos. E eu não culpo a presidente Dilma pela sua afirmação. Isso é o que faz o mundo inteiro. É o que cada um de nós faz, quer queira, quer não. Todo governante diria a mesma coisa que Dilma. Todo político. Todo empresário. E por aí vai. Se não diz, pensa, e age de acordo. E é o que precisa ser dito. Consumir mais para que haja mais produção e assim mais lucro e mais dinheiro e mais trabalho e mais alimento para a população que não para de crescer e que quer e precisa consumir cada vez mais e mais e...

Mas se torna, no mínimo, interessante uma presidente de um país afirmar publicamente: "Vamos vencer a crise consumindo". A sociedade do consumo. Magnífica! O auge de nossa evolução. Cantada por intelectuais e filósofos. Nunca estivemos tão bem. Mas consumindo o que? Quem? Já pararam para pensar?  O que é que nós consumimos afinal? Certamente, "consumindo" deve ser a forma que todos os países e povos encontram para sair da crise. Qual crise? Por que estamos em crise? Quem é que paga o preço do nosso consumo? Até quando poderemos consumir para sair da crise? Quem consome, consome alguma coisa. Sim, eu sei, estou me tornando chato, repetitivo, mas parece que ninguém entende. Ou  melhor, entendem, mas não compreendem. Entendeste? Só rindo. Esta civilização é uma piada. E também, o que adianta compreender?  Ninguém vai mudar mesmo. 

Esta civilização é exatamente como aquela pessoa que precisando se esquentar, e com o estoque de lenha já acabando, começa a queimar tudo o que possui em casa. Assim, vai espantando a "crise" do frio. Queima os móveis, os utensílios, os alimentos, os livros, cds, roupas, aparelhos, enfim, tudo. Até tenta poupar, mas uma hora sabe que vai acabar queimando tudo. Pois o frio não passa. Podemos parar de consumir? Até chegar o momento em que não haverá nada na casa e nem mesmo a própria casa, somente a lareira queimando. É o que esta civilização faz com o planeta. Ou não é?