11 setembro 2010

O Grande "Boca do Inferno" é Sempre Atual

A prova de que a humanidade não muda (ou talvez mude para pior), está na poesia rebelde, indomável, impiedosa, de Gregório de Matos, que há 3 séculos "botou a boca" em nossa sociedade corrompida. Era corrompida, continua corrompida. E quantas podridões teria agora o maldito Boca do Inferno para vomitar sobre a cara dessa sociedade brasileira? Em qualquer cidade que ele pisasse agora, inclusive na nossa querida Santiago, poderia estampar a fúria e a indignação de seus versos com absoluta propriedade. Então, pergunto-vos, como ter esperança no homem?

Deixo abaixo o poema "Epílogos" do mestre Gregório. Tomei a liberdade de excluir algumas estrofes para que a leitura da obra ficasse mais dinâmica, pois o poema é extenso para os padrões atuais, ainda mais para um blog. Acompanha o poema um detalhe de "O Jardim das Delícias" - "Inferno", de Hieronymus Bosch.

Epílogos

Que falta nesta cidade?................Verdade
Que mais por sua desonra?...........Honra
Falta mais que se lhe ponha..........Vergonha.

O demo a viver se exponha,
Por mais que a fama a exalta,
numa cidade, onde falta
Verdade, Honra, Vergonha.

Quem a pôs neste sacrócio?..........Negócio
Quem causa tal perdição?.............Ambição
E o maior desta loucura?...............Usura.

Notável desventura
de um povo néscio, e sandeu,
que não sabe, que o perdeu
Negócio, Ambição, Usura.

Quem faz os círios mesquinhos?...Meirinhos
Quem faz as farinhas tardas?.........Guardas
Quem as tem nos aposentos?.........Sargentos.

Os círios lá vêm aos centos,
e a terra fica esfaimando,
porque os vão atravessando
Meirinhos, Guardas, Sargentos.

E que justiça a resguarda?.............Bastarda
É grátis distribuída?......................Vendida
Que tem, que a todos assusta?.......Injusta.

Valha-nos Deus, o que custa,
o que El-Rei nos dá de graça,
que anda a justiça na praça
Bastarda, Vendida, Injusta.

E nos frades há manqueiras?.........Freiras
Em que ocupam os serões?............Sermões
Não se ocupam em disputas?.........Putas.

Com palavras dissolutas
me concluís na verdade,
que as lidas todas de um Frade
são Freiras, Sermões, e Putas.

O açúcar já se acabou?..................Baixou
E o dinheiro se extinguiu?.............Subiu
Logo já convalesceu?.....................Morreu.

À Bahia aconteceu
o que a um doente acontece,
cai na cama, o mal lhe cresce,
Baixou, Subiu, e Morreu.

A Câmara não acode?...................Não pode
Pois não tem todo o poder?...........Não quer
É que o governo a convence?........Não vence.

Que haverá que tal pense,
que uma Câmara tão nobre
por ver-se mísera e pobre
Não pode, não quer, não vence.

Gregório de Matos

10 comentários:

Eduardo Lara Resende disse...

Ótimo post, Reiffer!
Abraço.

Fєrnαndєz ♠♠ disse...

Lembro-me da primeira vez que tive contato com a poesia de Gregório de Matos, la na sexta serie. Mas foi so no primeiro ano do ensino medio que conhecia sua poesia a fundo, fizemos um seminario e expus Gregório.

Vc não deixa que esqueçamos os grandes poetas. Parabéns!!

http://terza-rima.blogspot.com/

Michelle C. Buss disse...

Gosto da forma com que Gregório de Matos denunciava pela sua poesia as impurezas da socidade...

Patrícia Garbuio disse...

Você sempre de um bom gosto indiscutível,parabéns!
bjsss

Juci Barros disse...

Matéria-prima para a obra do Gregório não iria faltar.
Bjo.

Nadine Granad disse...

Aaaaaaa... gosto muito do Gregório, escolheu muito bem ;)

Não esqueço de alguns versos: Sal, cal e alho etc, rs...

Beijos =)

Unknown disse...

Reiffer!

Sua escolha é sempre muito boa.
Há tempos não leio Gregório, vou procurar a íntegra.

O melhor é que ele profetizou. Nada mudou, nem os homens em três séculos!

Fenomenal!

Um abraço!

Mirze

| A.Luiz.D | disse...

Gregório..

O satírico barroco!

abraç

Sandra Gonçalves disse...

Uma visão clara do mundo e da sociedade.
Bjos achocolatados

Anônimo disse...

Somos um grupo de voluntários e começar uma nova iniciativa em uma comunidade. Seu blog nos forneceu informações valiosas para trabalhar. Você tem feito um trabalho maravilhoso!