06 maio 2010

Um Cadáver de Poeta


A seguir, alguns trechos da 2ª parte do longo poema Um Cadáver de Poeta, de Álvares de Azevedo, que está em sua Lira dos Vinte Anos. Abaixo, um soneto meu, um dos 15 sonetos que estão incluídos em meu livro Poemas do Fim e do Princípio. Posto este soneto aqui justamente porque ele foi inspirado em Álvares de Azevedo. A imagem que acompanha os poemas é o quadro "Hamlet e Horácio com os Dois Rústicos", de Eugène Delacroix.

Um Cadáver de Poeta (Parte II - Trechos)

A poesia é decerto uma loucura:
Sêneca o disse, um homem de renome.
É um defeito no cérebro... Que doidos!
É um grande favor, é muita esmola
Dizer-lhes — bravo! à inspiração divina...
E, quando tremem de miséria e fome,
Dar-lhes um leito no hospital dos loucos...
Quando é gelada a fronte sonhadora
Por que há de o vivo, que despreza rimas,
Cansar os braços arrastando um morto,
Ou pagar os salários do coveiro?
A bolsa esvaziar por um misérrimo,
Quando a emprega melhor em lodo e vício? ...
(...)

Deixem-se de visões, queimem-se os versos!
O mundo não avança por cantigas.
Creiam do poviléu os trovadores
Que um poema não val meia princesa.
Um poema, contudo, bem escrito,
Bem limado e bem cheio de tetéias,
Nas horas do café lido, fumando...
Ou no campo, na sombra do arvoredo,
Quando se quer dormir e não há sono,
Tem o mesmo valor que a dormideira.
(...)

Meu Deus! e assim fizeste a criatura?
Amassaste no lodo o peito humano?
Ó poeta, silêncio! — é este o homem?
A feitura de Deus! a imagem dele!
O rei da criação!...
Que verme infame!
Não Deus, porém Satã no peito vácuo
Uma corda prendeu-te — o egoísmo!
Oh! miséria, meu Deus! e que miséria!

Álvares de Azevedo


Soneto Ultrarromântico


Peguem meus versos e matem com as fadas,
sujem no sangue de todas as mortes,
deixem aos pedaços sangrando de cortes,
sepultem as artes, não servem pra nada.

Joguem no lixo da Terra acabada,
cacem minha alma em covardes esportes,
juntem com a cinza da velha má-sorte,
chutem os poetas das altas escadas.

Aplausos à arte são sempre mentidos,
e todo artista que se acha mui útil
já vê o seu peito nas ruas cuspido.

O homem só louva o imbecil, o que é fútil,
o tolo e a merda. Tudo urde perdido!

Tudo está morto! Ó minha arte que é inútil!

11 comentários:

Agnes Mirra disse...

Inebriante...

Denise Portes disse...

Suas palavras causam transformações na minha alma!
Obrigada por seu carinho.
Beijo
Denise

Leticia Duns disse...

Inutilidade que deveria ser mais que pública !!!

Enquanto não acontece, seremos artistas anônimos e felizes...

Quando acontecer, seremos estrelas sem fundamento e inexpressíveis...

Apaixono-me por tuas palavras sábias...

Abraço, Leticia Duns.

Sandra Gonçalves disse...

Impecavel...
Bjos achocolatados

Vampira Dea disse...

Esse menino que se foi tão jovem antes de artista era muito corajoso, falando assim do lado obscuro do humano.

Sonhadora (Rosa Maria) disse...

É um poema extraordinário, não tenho palavras.
Obrigada por partilhar.

deixo um beijinho
Sonhadora

Unknown disse...

o eu-lírico está bem viperino em sua verve! algo de todo contrário ao staus quo moderno, ao conceito de arte que se prega hodiernamente! muito interessante e contuso!
vc escreve com uma maturidade impressionante...hipnotizante quase...
XD

.z disse...

Super blog!!!
parabens
Segue o meu tbem??

.z disse...

Super blog!!!
parabens
Segue o meu tbem??

Richard Mathenhauer disse...

Então, não vou aplaudir a arte.
Nem vou dizer "que belos versos" para não cuspir no poeta...

... Mas, seria hipocrisia minha não dizer que gostei dos seu soneto; simulação, manter o silêncio.

Abraços!

Letícia Adriana disse...

Soneto impactante, forte, seco! Gostei!