22 dezembro 2007

Poema Distante

no horizonte longínquo
do infinito
da minha desgraça
um claro sol que me acena
se põe ao longe distante
e a noite completa me existe
onde caio como flecha maldita
e cada vez mais longe distante
tuas asas infindas se perdem de mim
teus olhos divinos encantam luares
teus adejos de anjo elevam no cosmos
teu sopro de vida renasce as estrelas
sempre tão longe de mim...

morcegos ciclonam em minha mente
os corvos serenatam em meu sono
nos meus sonhos...
enforcou-se a paz!
e cai da minha boca a gota de sangue...
se uma asa tocou-me nos lábios
foi a de Satanás...

distantes eu ouço teus cantos
longínquos eu sinto teus olhos
sublimes infindos eternos
sempre tão longe daqui...

mas... algo me voa na alma
sempre tão perto de mim...
lá do infinito de tudo que morre
bateram-me sempre tão perto
as asas da Morte e do Fim...

10 dezembro 2007

Absurdas Reflexões-Pesadelo Sobre um Ano Sentencioso

Sentei-me naquela pedra. Pântanos anômalos me cercavam. E só. Ao longe, uma nuvem sem água se formava. Carregava-se com as armas mais radioativas já criadas pelo saber humano. Há outro saber além do humano? Cada vez mais densa e escura, mas de uma escuridão bendita. Eu me consumia. Absolutamente normal o fato de levantarem-se demônios poeanos ao meu redor, afinal eu estava em meio ao mais vaporoso e mefítico pântano já sugerido pelos simbolistas que Poe prenunciou. Todos eles me dardejavam os olhos. Os demônios, não os simbolistas, ou vice-versa. Eu refletia em todas as coisas passadas. Por isso me consumia. Eu era o responsável por todas elas. Passadas atrás de mim. Era a nuvem à frente que se aproximava...

Nunca fui o que pensei que fosse. Dizia o demônio do mundo nos meus ouvidos cegados. “Cercavam-me planícies sem beleza”(Fagundes Varela). Mas o que mais me chamava a atenção tuberculosa que me expelia catarros com sangue era a nuvem radioativa à frente, belíssimos vapores multicoloridos, incensos intelectuais, jasmins de hidrogênio e plutônio degenerados. Como ela era lenta e imensa para padrões pós-pós-modernistas. Eu sonhava em meio a minha culpa. E uma boca vermelha e sensual, vermelha de cânceres, proferia emocionada a verdade. Ela me beijou na língua e eu me consumia. Chove. Derrete meu pé na branquidez da chuva.

Sentei-me naquela pedra. Cercavam-me demônios sem beleza. O Tempo. Como é belo o olho de Satã. “Tem piedade, Satã, desta longa miséria”(Charles Baudelaire). Dos horizontes pantanosos o horror evaporava para unir-se em núpcias científicas com a nuvem que se agigantava ante meus olhos ensurdecidos. E como desciam sobre meu ser sanguinolento todos aqueles pesares sem-sentido que já não sentem mais nada. Meu coração flutuava corvíneo penetrado por barbeiros da doença de chagas que matou o Cristo. Eu detesto refletir. Nunca leva a lugar nenhum. Por isso que reflito, quero me consumir, ademais, só o Nada me interessa. “Quero me consumir!” O lema mais alto e sublime de toda uma civilização. Humanos, vamos conjugar o verbo consumir, mas reflexivamente: eu me consumo; tu te consomes; ele se consome; nós nos consumimos; vós vos consumis; eles se consomem. Muito bem, crianças! agora arranquem suas gargantas inúteis e joguem também no meio da nuvem. Ali está a Verdade. Sem gargantas! Suas vozes não servem pra nada. Quem vai ouvir? Ou melhor: só servem.

Cada vez mais perto. Eu não tenho medo. Que venha a Nuvem(letra maiúscula de agora em diante, vamos respeitá-la), ela é uma parte de mim. Até já posso ver alguns olhos e bocas na formação nebulosa sobre o pântano. De uma boca cospe-se sêmen sem espermatozóides; de um olho derrama-se um pus de rato infeccionado. “Acostuma-te com a lama que te espera”(Augusto dos Anjos). Por que ter nojo dessas coisas que em breve serão toda a nossa vida. Afinal, estamos cercados de ratos, não é mesmo? Eles que transmitem a peste bubônica. Ou seria bo? O ato mais idiota da vida é refletir. Melhor é não pensar em nada, deixar que a boca sangrenta de aids caia sobre nossos olhos mal-abertos. Tudo por um beijo. E a nuvem é perfeitamente justa.

Lá vem ela pelos ares românticos. Numa esfera de anjos eu vi passar o Amor. Tentei tocá-la, mas uma espada de tigres cortou todos os meus dedos. Lá estão eles sendo bebidos por urubus. Todos meus treze dedos das mãos. Sentei-me no pântano. O demônio sorriu. Eu também. Sou assim mesmo, sem dedos, eu fico sorrindo, como toda a humanidade. A humanidade sorri sem olhos. Mas só sorrio para demônios. Oh, a Nuvem já está sobre mim, nada mais posso ver além da Nuvem de horrores. Está tudo ali. Uma velha sem boca, escarrando, arrancou meus cabelos. Já sem pés, derretidos pela chuva, tive que disputar minhas pernas com os lobos. Eu venci.

E chega o navio sobre o pântano. Está todo mundo nele. Vou-me também. Canto III do Inferno da Divina Comédia de Dante. Essa tuberculose ainda vai me matar. É, sou doente do peito. Sinto perfumes de primavera. Paolo e Francesca de Rímini(Canto V). Eu sabia que isso me mataria. A Nuvem faz parte de mim, eu ajudei a criá-la. Pus alguns remendos de erros. Vem o navio, escuto suas trombetas desesperadas. Agora principiou a chuva da Nuvem de monstros. Eles se alimentam de veias. Tudo é Nuvem. Um relâmpago derrubou o meu dente. E ainda reflito. Passadas ameaçadoras atrás de mim. São minhas. Transformei-me num dragão. Ali está o navio. Não vejo homens, só fantasmas. “O Navio-Fantasma”, de Wagner. Sou um dragão, Siegfried cortará minha cabeça. Tudo por culpa da Nuvem. Mea culpa. Neste ano apontou a Nuvem. Ela é nossa. Viram? “Então os meus versos têm sentido e o universo não há-de ter sentido?”(Fernando Pessoa).